Parece que o Brasil não anda, ele se arrasta.
Desde tempos imemoriais -- bem, desde os anos cinquenta, pelo menos -- temos um debate no país em torno de nossa obsessão nacional, o desenvolvimento.
O que quer que se diga sobre "estratégias" para satisfazer os que possuem obsessão com esse tipo de objetivo grandioso, deve-se dizer que sem crescimento seria impossível ter desenvolvimento, no máximo outra coisa, talvez redistribuição, como querem alguns, com acumulação de miséria, como conseguem os mais aloprados.
O debate atual gira em torno das mesmas questões: o crescimento, como chave para o desenvolvimento.
O problema é que o Brasil anda para trás, ou melhor, os companheiros o estão arrastando para trás, aplicando políticas da era militar, ou mesmo de muito tempo antes, algumas teorias mal costuradas de suposta herança cepaliana (coitados, eles não tem culpa dos nossos erros).
Bem, eu já escrevi muito sobre isto, e como estamos nesse tipo de debate, permito-me recomendar, e reproduzir aqui, um outro artigo meu sobre a questão:
1794. “
Duro
de crescer: obstáculos políticos ao crescimento econômico do Brasil”, Brasília,
2 setembro 2007, 10 p. Trabalho sobre as barreiras políticas
a um maior crescimento econômico no Brasil.
Espaço
Acadêmico (ano 7, n. 76, setembro 2007; link:
http://www.espacoacademico.com.br/076/76pra.htm).
Feita versão completa para a
Revista de Gestão Pública-DF (Brasília: Escola
de Governo do GDF; vol. I, n. 1, jul.-dez. 2007, p. 29-36).
Duro de crescer: obstáculos políticos ao
crescimento econômico do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Artigo destinado à
Revista da Escola de Governo do GDF
Resumo: Exposição e análise crítica dos principais
impedimentos político-institucionais ao crescimento econômico no Brasil, cujo
desempenho nos últimos dez anos tem ficado abaixo da média mundial e é três
vezes inferior ao crescimento de outros países emergentes. São alinhados, no
plano da experiência histórica de outras economias, os elementos tradicionais
do crescimento econômico (estabilidade macroeconômica; microeconomia
competitiva; boa governança; qualidade dos recursos humanos e abertura ao
comércio e investimentos). Feita a lista dos problemas sistêmicos e políticos a
um processo de crescimento sustentado, se procede a uma proposição de seis
conjuntos de reformas consideradas indispensáveis para superar o atual quadro
de letargia: política, tributária, educacional, securitária, trabalhista e administrativa.
Abstract: Description and critical assessment of the main
political-institutional obstacles to economic growth in Brazil: its economic
performance in the last decade has been half of the world average and a third
only of comparable growth in other emerging economies. After considering, in
comparative perspective with other countries, traditional components of
economic growth (macroeconomic stability; competitiveness in the microeconomic
domain; good governance; high quality of human resources and trade opening and
to foreign investments), there is a discussion on the structural and policy
problems and obstacles to a sustainable process of economic growth. Finally, there is a set of proposals to
overcome this situation, consisting of reforms in: political representation and
electoral system, taxation, educational system, social security regime, labor and
administrative reform.
Palavras-chaves: Brasil; crescimento econômico; obstáculos
políticos; reformas: política, tributária, educacional, previdenciária,
trabalhista, administrativa.
Key-words: Brazil; economic growth; political obstacles;
reforms: political, taxation, educational, social security, labor, governance.
Em outubro 1988, ao saudar a promulgação
da nova carta constitucional – a sétima ou oitava desde a independência,
dependendo de como se considera a Emenda Constitucional de 1969 à Carta de 1967
– , o deputado Ulysses Guimarães, então seu pai putativo, apelidou-a de “Constituição cidadã”. Será mesmo?
A julgar pelos efeitos provocados por ela
na economia real do país, nos últimos vinte anos, ela mereceria talvez a
alcunha de “Constituição madrasta”, uma vez que ela coloca obstáculos
ponderáveis a um processo sustentado de crescimento econômico. Ou quem sabe,
então, “Constituição corporativa”, tendo em vista os inúmeros arranjos feitos
em favor de grupos especiais de cidadãos? O que distingue o Brasil, hoje, no
contexto das economias emergentes, é precisamente o fato de que estamos
crescendo menos da metade da média mundial e três vezes menos do que as mais
dinâmicas economias emergentes.
Vejamos alguns dados recentes. Nos últimos
anos, o Brasil conheceu uma formidável vitória na luta contra a inflação e na
preservação de um dos pilares fundamentais do processo de estabilização
macroeconômica iniciado com o Plano Real (1994). A elevação dos preços ao
consumidor, que ameaçou esse processo ainda em 2002 e 2003, como conseqüência dos
temores despertados com a disputa eleitoral naquele primeiro ano, despencou de
mais de 16% para menos de 4% atualmente. Já o índice de risco-Brasil – medido
pelo spread sobre a taxa básica dos
títulos do Tesouro americano – caiu de 24 pontos para menos de 2 atualmente, o
que é uma formidável inversão. Esta redução se deve, essencialmente, à política
monetária do Banco Central, algo que foi difícil de aceitar em certos setores
do pensamento econômico universitário, que passaram os últimos cinco anos condenando
a autonomia de fato concedida ao Copom.
Esses dados são eminentemente positivos,
sobretudo porque eles confirmam que o Brasil caminha para converter-se em um
país “normal”, isto é, uma economia que apresenta taxas de inflação
razoavelmente alinhadas com as médias mundiais, pelos menos para países
emergentes, algo que não exibimos no último meio século, pelo menos. Em
compensação, na frente do crescimento econômico, nosso desempenho é menos que
brilhante, praticamente pífio, com uma taxa média de crescimento do PIB de
menos de 3% ao ano desde o início dos anos 1990, em face de robustos 9% para a
economia chinesa, de cerca de 6,5% para a economia indiana e de mais de 5% para
a Coréia do Sul, não considerando os 7% da Irlanda.
A tendência declinante do crescimento
econômico no Brasil não é de hoje, infelizmente, como sabem todos aqueles que
convivem com as estatísticas do IBGE. Se convertermos o comportamento errático
das taxas de aumento anual do PIB em uma linha tendência, veremos que sua
inclinação é constantemente para baixo, desde o final dos anos 1970, quando ela
deixa a casa dos 5% anuais, ostentados durante a maior parte do pós-guerra,
para cifras inferiores à metade desse valor nos anos recentes.
De modo geral, dos anos 1940 aos anos
1980, o Brasil crescia a taxas superiores à média mundial, passando a exibir, a
partir daí, um comportamento inferior ao do crescimento do PIB mundial. Em
termos per capita, que é o que vale, finalmente, na vida das pessoas, as médias
do período recente são extremamente preocupantes, uma vez que a taxa efetiva é
próxima de 1,5% ao ano, o que significa que a renda per capita só dobraria em
75 anos, ou seja, o espaço de três gerações. Apenas para fins de comparação, a
taxa do crescimento per capita atual da China, de cerca de 7,6% real ao ano,
entre 1995 e 2004, significa que a renda dos chineses dobra em 17 anos, ou
menos de uma geração. A continuar nesse ritmo, a China fará o Brasil passar a
vergonha de ter a sua renda per capita ultrapassada por um país manifestamente
pobre, ou dispondo, pelo menos de muitos pobres (algo como 300 ou 400 milhões
de chineses, ainda).
A tabela abaixo reproduz o comportamento
recente de algumas dessas economias:
Crescimento
do PIB per capita, 1995 a 2004, taxas médias anuais
|
PIB
per capita de países selecionados
|
US$
1.000 PPP
|
Crescimento
anual %
|
1995
|
2004
|
Estados Unidos
|
31,6
|
38,6
|
2,3
|
Alemanha
|
25,7
|
28,4
|
1,1
|
Coréia do Sul
|
15,5
|
20,8
|
3,7
|
Chile
|
8,5
|
10,7
|
2,6
|
Rússia
|
6,9
|
9,9
|
4,1
|
Brasil
|
7,2
|
8,2
|
1,5
|
China
|
2,9
|
5,5
|
7,6
|
Índia
|
2,1
|
3,0
|
4,1
|
Fonte: Banco Mundial.
|
Como se pode constatar, o Brasil foi a
economia que menos cresceu em termos reais per capita, de todos os países em
desenvolvimento, ficando até mesmo atrás de alguns desenvolvidos, como os
Estados Unidos, só ganhando da Alemanha, que numa certa época já foi chamada de
“a economia enferma da Europa”. Alguma razão deve existir para esse desempenho
medíocre.
Os economistas do desenvolvimento costumam
identificar um conjunto de fatores qualitativos, como constituindo requisitos
necessários, mas não suficientes, para um processo sustentado de crescimento
econômico (não confundir com “desenvolvimento”, que requer um processo
sustentado de crescimento, com transformações estruturais no sistema produtivo,
isto é, ganhos de produtividade, e distribuição social dos benefícios do
crescimento). Estes requisitos podem ser resumidos nos elementos seguintes:
Requisitos para o crescimento:
1)
Estabilidade macroeconômica
2)
Microeconomia competitiva
3)
Capacidade institucional
4)
Qualidade dos recursos humanos
5)
Abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros
Vejamos, rapidamente, cada um deles e como
o Brasil tem se comportado em face desses elementos macro e microeconômicos.
1) Estabilidade macroeconômica
Desde o Plano real, o Brasil tem
apresentado políticas macroeconômicas relativamente sólidas, com uma inflação
baixa, contas nacionais razoáveis, isto é, tendentes ao equilíbrio, mas ainda
caracterizadas por desequilíbrios setoriais (previdenciários, sobretudo) ameaçadores,
e, desde 1999, uma taxa de câmbio competitiva, a despeito da valorização
observada no período recente (e entre 1995 e 1999), o que, de toda forma, induz
a ganhos de produtividade e ajuda a combater a inflação. Mas, a despeito de ter
superado o histórico problema da vulnerabilidade financeira externa, o Brasil
ainda sofre de grande fragilidade no comportamento futuro de suas finanças
públicas, marcadas, como se sabe, por gastos exagerados em relação ao
crescimento do PIB. Com efeito, os gastos públicos têm crescido duas vezes mais
do que o PIB e do que a inflação, acarretando enorme pressão sobre o orçamento
e, consequentemente, sobre a dívida. Uma projeção das tendências atuais indica,
infelizmente, o crescimento contínuo das despesas públicas, sendo que a
Constituição é em grande medida responsável por “gastos encomendados”.
2) Microeconomia competitiva
Uma microeconomia competitiva significa
uma estrutura de mercados aberta e desprovida de barreiras a novos negócios,
que devem ser o mais possíveis concorrenciais, ou seja, com a defesa efetiva da
competição pelas autoridades governamentais encarregadas institucionalmente do
setor, a ausência quase completa de cartéis e oligopólios setoriais e um
mercado de capitais amplo e de fácil acesso. Infelizmente, o Brasil conhece
diversos oligopólios setoriais e o ambiente de negócios é próximo do horroroso,
se considerarmos a estrutura tributária, não apenas extremamente pesada, mas
sobretudo ineficiente e altamente burocratizada. Conhecendo-se as tendências predominantes
no Estado brasileiro, parece pouco provável que esse ambiente venha a mudar
substancialmente no futuro previsível.
3) Capacidade institucional
Uma governança eficiente significa, em
princípio, a remoção de incertezas políticas e a mudança no quadro de
instabilidade legal que desestimulam os investimentos e prejudicam o
crescimento. O Brasil conhece, indubitavelmente, uma situação de democracia
estável, ainda que caracterizada por sua baixa qualidade institucional, com
comportamentos rentistas inaceitáveis por parte de políticos e altos burocratas
do Estado. A capacitação institucional de muitos quadros da burocracia pública
apresenta deficiências preocupantes. Determinados serviços públicos apresentam
uma situação deplorável de ineficiências e desvio de funções. A situação é
tanto mais preocupante que o Brasil, no contexto dos países em desenvolvimento
– e aqui cabe reconhecer o legado da era militar –, havia conseguido construir
um Estado relativamente eficiente, dotado de uma burocracia bem organizada e
“produtiva” (para os padrões desses países).
4) Qualidade dos recursos humanos
A qualidade da mão-de-obra, como sabem
todos os economistas, é essencial para ganhos de produtividade. No Brasil,
existe uma boa capacitação científica e gerencial, mas o ambiente legal deixa
muito a desejar. A despeito do maior acesso educacional nos últimos dez anos,
continuam a existir muitas diferenças regionais e sociais nos resultados de
desempenhos exibidos nos diferentes ciclos da educação pública. Não é preciso
lembrar que estamos muito atrasados na educação de massa e que a
universalização foi seguida da baixa qualidade nos padrões. O Brasil tem
desafios imensos nessa frente, uma vez que nossa mão-de-obra ostenta poucos
anos de estudo – cerca de 5,5 anos, em média, comparados aos 11 anos, ou mais,
dos trabalhadores da Coréia do Sul – e os resultados dos exames internacionais
de desempenho escolar nos colocam nos últimos lugares da lista. Nossa educação
pública é calamitosa!
5) Abertura ao comércio internacional e
aos investimentos diretos estrangeiros
Como sabem também os economistas, o
desempenho econômico de um país – isto é, os seus ganhos de produtividade –
responde rapidamente ao maior incremento tecnológico de sua base produtiva e a
uma maior inserção no intercâmbio global de mercadorias. Nesse particular, os
progressos nessas áreas têm sido muito lentos, com a persistência de baixa
inserção internacional no comércio de produtos mais demandados no mercado
mundial. Atraimos poucos investimentos relativamente ao tamanho de nossa
economia, realizamos, basicamente, exportação competitiva de commodities – e, futuramente, energia
renovável – mas somos fracos nas manufaturas mais dinâmicas.
Numa palavra, como o Brasil se apresenta,
hoje, no cenário mundial? O Brasil aparece, hoje, no âmbito da nova economia
globalizada, como o país emergente menos preparado para crescer e exercer um
papel mundial de relevo, com exceção, talvez, no campo das energias renováveis
(biomassa, isto é, etanol e biodiesel, com ênfase no primeiro). O curioso de
ser constatado é que nenhum dos problemas brasileiros comumente identificados –
problemas nas contas públicas, má qualidade da educação, corrupção,
ineficiência do Estado, ausência de competição no seu sistema econômico, baixo
desempenho tecnológico – deriva da globalização; todos ele são “made in
Brazil”…
Nos últimos vinte e cinco anos de história
econômica mundial, tivemos países que podem ser chamados de “convergentes”
– isto é, economias que melhoraram o seu
desempenho e que se aproximaram dos padrões econômicos conhecidos na OCDE; são
elas as da Ásia Pacífico, da Ásia do Sul e países europeus que demandaram
ingresso na UE – e países que claramente podem ser identificados como
“divergentes”: eles estão na África, na América Latina e no Oriente Médio e são
economias que permaneceram estagnadas ou retrocederam, relativamente (alguns em
decorrência de choques externos (peso da dívida, por exemplo) ou até mesmo
absolutamente (é o caso do fenômeno conhecido como falência política – failed
States –, com diversos exemplos africanos e, no caso da América Latina, do
Haiti).
No caso do Brasil, não chegamos a esses
extremos, mas pode-se, deve-se, reconhecer que nosso desempenho caminhou abaixo
das possibilidades. Basta lembrar, por exemplo, que no ínicio dos anos 1960, o
Brasil exibia o dobro da renda per capita da Coréia do Sul – grosso modo, cerca
de 600 dólares, contra menos de 300 –, ao passo que, quarenta anos depois ela
nos supera por um fator de 3 (quase 20 mil dólares em paridade de poder de
compra, contra menos de sete para o nosso caso). Deve haver razões para esse
desempenho pífio em termos de crescimento. De fato, no período recente, a taxa
de crescimento anual do PIB brasileiro tem sido a metade da taxa mundial,
enquanto o valor correspondente para os demais países emergentes representa 1,5
vezes aquela taxa. O Brasil é o “lanterna” dos emergentes e não há indicações
que este comportamento possa ser alterado no futuro previsível.
As razões do não-crescimento e da inércia,
no caso brasileiro, podem ser: (a) episódicas, ou seja, conjunturais, isto é,
derivadas da inflação, da desorganização, ou até da instabilidade econômica, o
que, sinceramente, não parece ser o caso, pelo menos desde o Plano Real, ou,
então, desde a mudança de regime cambial em 1999 (com a introdução da
flutuação); ou, então, essas causas podem ser: (b) sistêmicas, ou estruturais,
o que provavelmente é o caso. O que o sistema político tem a ver com isto?
Comecemos pela Constituição “cidadã”. Ela
tem estas particularidades: em seu texto, a palavra “direito” aparece 76 vezes;
já a palavra “dever” aparece apenas 4 vezes; o conceito de “produtividade”
comparece duas vezes, tão somente e “eficiência” uma única e solitária vez
(apud: José Pastore, “O trem da alegria”, OESP,
21.08.07, p. B-2). Devem existir fortes razões para esta disparidade
conceitual. Ao ver de alguns observadores, esta situação apresenta alguma
coincidência com o fato de a elaboração constitucional ter ocorrido antes da
queda doo muro de Berlim e da derrocada final do sistema socialista.
Pode ser: em todo caso, não deveria ser
para nós motivo de orgulho especial verificar que o governo anuncia, até com
certa euforia, que o programa “Bolsa-Família” atende a 11,1 milhões de
famílias, um entre quatro brasileiros, ou seja, 25% da população total. Teria
isto algo a ver, em outra vertente, com o fato de que a nossa “Carga de impostos é a maior
da história” (Folha de S. Paulo,
22.08.07)? De fato, apesar
da promessa do governo Lula de não elevar a carga tributária, os brasileiros
pagaram, em 2006, o equivalente a 34,23% do PIB em impostos, contribuições e
taxas. Todos os economistas conhecem a correlação empírica existente entre
gastos públicos elevados e baixo crescimento do produto. Não se trata aqui de
opinião, mas de fatos observáveis com uma simples consulta às estatísticas
nacionais dos principais países.
Os problemas brasileiros podem ser
resumidos como segue: (a) uma institucionalidade precária, ou seja, um Estado predador,
caracterizado por gastos públicos excessivos, na média dos países mais ricos
(38% do PIB), para uma renda per capita seis vezes menor; (b) uma burocracia
intrusiva, inimiga dos negócios e facilmente capturada por grupos e pessoas
representando “interesses especiais” (geralmente apresentados como
“estratégicos”); (c) elites políticas autocentradas, dotada de atitudes
rentistas, o que inevitavelmente resulta em altos custos de transação,
diminuindo o PIB potencial.
Todos esses fatores, combinados, provocam informalidade
(que no Brasil supera 50% da população economicamente ativa e algo como 40% do
PIB, para uma média mundial de 32%) e baixa produtividade do trabalho humano. Para inverter essa
tendência, o governo precisaria eliminar as barreiras à produtividade, o que
exige medidas de política econômica e social.
Resumindo: o Brasil aparece, no atual
contexto mundial, como um país totalmente preparado para “não crescer”, em virtude de seus impedimentos estruturais ou
sistêmicos (ou seja, a sua baixa produtividade do trabalho) e de fatores não
estruturais (em outros termos, derivados de políticas do governo). Esses dois
conjuntos de elementos se combinam para manter o Brasil em baixos níveis de
crescimento, agora e no futuro previsível.
Traçando
uma lista dos obstáculos políticos ao crescimento econômico no Brasil, eles
poderiam ser resumidos nos seguintes elementos:
1.
Constituição detalhista, intrusiva, concedendo muitos “direitos” e demandando
poucas obrigações;
2.
Estado extenso, também intrusivo, perdulário, gastador, “burrocrático” e
gigantesco;
3.
Regulação microeconômica hostil aos negócios e ao trabalho, dando pouco espaço
às relações autoreguladas e diretamente contratuais;
4. Monopólios em
excesso: cartéis e restrições de mercado, pouca competição e muitas barreiras a
novos ofertantes de bens e serviços;
5. Reduzida
abertura externa, seja para comércio, investimentos ou fluxos de capitais,
criando ineficiências, altos custos e preços, ausência de competição e de
inovação;
6. Sistemas legal e
judicial atrasados, permitindo manobras processuais que atrasam a solução das
disputas e que aumentam os custos de transação.
Se ouso apresentar uma lista de reformas
políticas, elas poderiam ser expressas nos elementos seguintes:
1. Política (partidos e regime eleitoral);
2. Tributária (difícil, por causa da organização federativa);
3. Educacional (que será obstaculizada pelas corporações existentes);
4. Seguridade social (que se choca com privilégios remanescentes no setor
público);
5. Trabalhista (uma das mais duras, pois o Brasil converteu-se numa
República sindical);
6. Governança (ainda mais difícil, em vista do perfil da representação
política).
Em todo caso, apresentando sintéticamente
os principais elementos de uma agenda de reformas, e sem nenhuma ilusão quanto
à sua factibilidade, o esforço poderia ser dirigido a:
1. Reforma Política:
Começar
pela Constituição (operar uma “limpeza” em regra, remetendo diversos
dispositivos para a legislação infra-constitucional); efetuar uma redução das
legislaturas nos três níveis da federação (já que a representação não apenas é
excessiva, mas provoca gastos em excesso); elaborar uma reforma eleitoral, com
a introdução do sistema distrital misto de seleção e de representação; por fim,
tentar uma reforma partidária (ainda que ela seja manifestamente difícil,
também, em vista do autismo político que caracteriza as lideranças partidárias).
2. Reforma Tributária:
Ela será obviamente dificultada pelo problema da
federação e, por isso mesmo, não poderia ser um simples arranjo formal, e sim
uma reforma completa (macro e micro), com simplificação tributária e disposição
de se reduzir a carga tributária total, ainda que de forma gradual e talvez até
mesmo lenta. Em todo caso, ela deveria ser colocada no contexto de uma
continuidade da abertura econômica, com liberalização ampliada do comércio
exterior e dos investimentos diretos estrangeiros e com novos incentivos à
inovação (na linha de do respeito à propriedade intelectual).
3. Reforma Educacional:
Deveria estar centrada no ensino básico,
tendo como eixos centrais a capacitação dos professores dos ciclos fundamental
e médio e o reforço do ensino técnico-profissional. A dificuldade principal
aqui parece ser a introdução de um regime meritocrático de avaliação e de
remuneração. Não é preciso dizer que a tarefa principal dos governantes seria
concentrar os recursos nos dois primeiros ciclos, uma vez que a pirâmide de
gastos do governo no ensino público – que é, de fato, uma grande pirâmide –
está completamente invertida. Quem conhece os resultados dos exames
internacionais de avaliação de desempenho dos nossos alunos do primário e do ciclo
médio sabe que essa missão é absolutamente crucial. Por fim, deve-se conceder,
de imediato, autonomia universitária às IFES, mas obrigando-as, ao mesmo tempo,
a elaborar orçamentos administrados por claros princípios de premiação por
desempenho, de avaliação dos resultados individuais e de aferição de mérito em
bases não isonômicas.
4. Reforma da Seguridade
social:
Para acabar, em primeiro lugar, com o festival de
privilégios remanescentes, seria preciso reduzir vários benefícios abusivos do
setor público, ou seja, suprimir alguns regimes especiais que insistem em
permanecer. De forma geral, seria importante, do ponto de vista do equilíbrio
das contas públicas, ampliar os prazos de aposentadoria e as idades mínimas,
modular as contribuições em função de regimes complementares de poupança
compulsória (como os regimes de capitalização administrados setorialmente) e
diminuir os desincentivos derivados dos direitos garantidos, que atuam como um
indutor perverso da informalidade e do não-recolhimento (já que os situados nos
estratos de salário-mínimo preferem não contribuir, uma vez que terão direito
ao benefício, independentemente de terem, ou não, contribuído para o sistema
durante sua vida ativa).
5. Reforma Trabalhista (e
sindical):
Trata-se,
obviamente, da flexibilização da legislação laboral (por mais que isto possa
chocar as “almas cândidas”), no sentido de se ter mais contratualismo e mais
negociações diretas entre as partes, em lugar da rigidez das normais atuais. No
plano dos conflitos, em grande medida criados artificialmente por essa mesma
legislação, o objetivo deve ser, pura e simplesmente, o da eliminação da
Justiça do Trabalho, ela mesma criadora de conflitos, além de custar acima dos
valores que são objeto de julgamento. No plano sindical, consoante uma velha
demanda do “novo sindicalismo” – que se converteu rapidamente em “velho” e
parece ter-se acomodado às benesses da República sindical –, a meta é
claramente a da extinção da Contribuição Sindical, que cria sindicatos de papel
(quando não deliberadamente corruptos).
6. Reforma da Governança:
Sem
nenhuma ilusão de que isto venha a ocorrer, o objeteivo seria uma redução
radical do governo (ou colocá-lo sob dieta estrita). Infelizmente, a sociedade
brasileira ainda não se convenceu de que o Estado, em lugar de ser o indutor do
desenvolvimento, que ele foi num passado distante, converteu-se, de fato, no
mais poderoso obstrutor do processo de crescimento econômico, dilapindo
recursos da sociedade e desviando investimentos para seus gastos correntes.
Caberia, assim, retomar as privatizações (uma vez que as PPPs constituem, se
tanto, uma maquiagem, uma privatização disfarçada), reforçar as agências
reguladoras (que foram deliberadamente sabotadas, ou aparelhadas no período
recente) e introduzir um conjunto de reformadas ainda mais ousadas no plano
administrativo (como, por exemplo, o fim da estabilidade do funcionalismo
público).
Existe alguma chance de sucesso, para um
programa como esse? Talvez, embora, pessoalmente, eu considere isso praticamente
impossível, em vista da chamada “consciência cidadã”, hoje comprometida com as
supostas “benesses do Estado”. As pessoas, em geral, demandam “mais Estado”,
grande parte dos formandos desejam fazer um concurso público e aceder a
salários que são, na média, o dobro daqueles vigentes no setor privado,
desfrutando, ademais, dos demais benefícios vinculados ao atual regime do
funcionalismo público (entre eles o da estabilidade no emprego). As razões para
o pessimismo, portanto, são reais.
Em todo
caso, na ausência de reformas – não necessariamente as delineadas aqui, mas
funcionalmente equivalentes –, o Brasil estará provavelmente condenado ao
atraso relativo, em comparação aos demais emergentes, e ao baixo crescimento
pelo futuro indefinido, com a preservação da atual estrutura social iníqua e
uma baixa dinâmica nos processos de inovação e de modernização. Exemplos de lenta decadência econômica abundam na
história mundial e o Brasil certamente não é o primeiro a enfrentar esse tipo
de problema: a Grã-Bretanha (até os anos 1980) e a Argentina (a partir dos
anos 1930), por exemplo, constituem duas evidências inegáveis de longa
decadência e de empobrecimento contínuo de suas populações respectivas. Talvez
o Brasil siga pelo mesmo caminho nos próximos 20 anos, ou mais.
Eu gostaria de acreditar que não. A responsabilidade
está com cada um de nós…
Referências bibliográficas:
Almeida, Paulo Roberto de. “Uma verdade
inconveniente ou: por que o Brasil não cresce 5% ao ano...”, Espaço Acadêmico, Maringá, 6, nº 67, dezembro 2006, disponível neste link: http://www.espacoacademico.com.br/067/67pra.htm; acesso setembro 2007
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Revisão: 13 setembro 2007
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