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sábado, 25 de fevereiro de 2017

O fim da URSS e o "fim" dos EUA? - David Remnick (The New Yorker)

...” Ele recorre ao escritor tcheco Milan Kundera ("A Insustentável Leveza do Ser") para sintetizar esse tempo em que a história se acelerou: foi a luta da memória contra o esquecimento. Descreve Gorbatchov como um personagem de tragédia grega que não consegue alterar seu destino: tentou salvar o regime, ao democratizá-lo, mas acabou destapando as forças que o derrotariam e levariam ao fim do socialismo. À medida que se abriam os arquivos do stalinismo, revelava-se rotineiramente, em documentários e jornais literários, quantos mortos e presos; quantas igrejas, sinagogas e mesquitas destruídas; quantos saques e devastações ocorreram nos processos de expurgo e de coletivização forçada do campo.
"Foi uma decisão corajosa de Gorbatchov permitir às pessoas conhecerem e pensarem a sua própria história. Foi um fator para a abertura do debate político e a liberdade na então União Soviética", diz Remnick....
 


Relatos de um mundo em ebulição
Por Helena Celestino | Para o Valor, do Rio, 27/02/2017


David Remnick lança no Brasil 'O Túmulo de Lênin', livro escrito pós-dissolução da URSS, depois de ele ter sido correspondente em Moscou

O jornalista David Remnick é o cara a ser seguido neste ano. Diretor de redação da "New Yorker", seu emocionado artigo rotulando a eleição de Donald Trump de "uma tragédia nacional" rapidamente tornou-se viral na madrugada que marcou o início do terremoto político na maior potência mundial. Ao descrever o sofrimento e o declínio prenunciados para a América sob o novo governo, Remnick foi transformado no porta-voz dos sentimentos liberais americanos e, ao mesmo tempo, tornou-se o símbolo da "elite desconectada do país" para os ruidosos eleitores do bilionário republicano.

Sem medo da polêmica e descrente da mítica objetividade da mídia - considerada por ele "uma velha noção do 'The New York Times' nos anos 50" -, Remnick bateu duro: "Trump não foi eleito com uma plataforma de decência, justiça, moderação, compromisso e domínio da lei. Ele foi eleito, principalmente, com uma plataforma de ressentimento. Fascismo não é nosso futuro - não pode ser, não podemos permitir que o seja -, mas, certamente, é assim que o fascismo começa", escreveu no dia 1 da era Trump.

Quatro turbulentas semanas depois do início desta nova administração, Remnick vê suas profecias confirmadas, mas evita fazer mais previsões. "Este não é trabalho de jornalistas", diz. Só que acertou muitas delas, ao retratar, com antecipação, o "clima de confronto e virulento nacionalismo" deste primeiro mês: nunca antes um presidente americano teve uma popularidade tão baixa em início de governo, nem foi tão amplamente visto como uma ameaça à estabilidade mundial.

Trump entrou em choque com a Justiça por causa da derrubada da sua ordem executiva proibindo a entrada de cidadãos de sete países de maioria mulçumana; azedou a relação com o FBI, a quem acusa de vazamentos para destruir seu governo; abriu guerra com a imprensa, chamando-a de inimiga do povo; deixou furiosos mexicanos, chineses, europeus, australianos e palestinos, com desastrados telefonemas, rajadas de tuítes e declarações intempestivas, numa inusitada estratégia diplomática, em que ministros e secretários desdizem as palavras ameaçadoras do presidente.

"Gostaria de estar errado sobre tudo o que disse naquela noite. O que acontece no país é mais importante do que os meus textos. Mas, infelizmente, as coisas estão muito piores. As demonstrações e protestos mostram insatisfação e desconfiança de Trump", comenta Remnick, mais prolixo ao escrever do que ao dar entrevistas por telefone.

Nascido em Nova Jersey, mas um nova-iorquino típico, Remnick, de 59 anos, comanda há 19 a revista de maior prestígio dos Estados Unidos, um longevo fenômeno editorial que contradiz as teses do jornalismo contemporâneo. É apenas o quinto diretor de redação em 92 anos de existência da "New Yorker" e, segundo os íntimos, o menos excêntrico e o mais tranquilo entre as outras quatro estrelas a ocuparem a cadeira de editor antes dele. Ao ser escolhido para substituir Tina Brown, foi aplaudido por cinco minutos pelos colegas, prestígio conquistado com as mais de cem reportagens publicadas como repórter da revista.

Apesar das mudanças vertiginosas impostas pela era digital à mídia impressa, não hesitou em manter a tradição da " New Yorker": capa com ilustração assinada por artista renomado, reportagens investigativas, textos trabalhados, inteligentes e longuíssimos - sobre temas não necessariamente populares - ilustrados com fotos em preto e branco, entremeados por charges que entram para a memória coletiva. Apostou na mesma fórmula para o site, atualizado diariamente com artigos igualmente bem escritos e focados no leitor cultivado.

Editor com talento reconhecido e escritor influente - seu último livro, de 2010, é uma biografia de Barack Obama, "A Ponte" (Companhia das Letras) -, Remnick ainda gosta de se ver como repórter e correspondente estrangeiro, e é por causa desse passado que estará no meio de uma outra controvérsia marcada para pegar fogo neste ano: a herança da Revolução de Outubro de 1917.

Ainda jovem repórter, foi enviado pelo "Washington Post" para a União Soviética, no fim da década de 80 e início dos 90, período em que testemunhou a dramática evolução da Perestroika - o movimento de reforma iniciado em 1985 por Mikhail Gorbatchov - e os acontecimentos que levaram ao fim do comunismo e ao desmantelamento do império soviético.

"Cada ano parecia toda uma era. Tantos triunfos, agonias e amarguras estão registradas na passagem do velho império, que é difícil focar em algo mais distante que uma semana, menos ainda naquela noite de Natal de 1991, quando Gorbatchov assinou sua renúncia e a bandeira vermelha foi baixada do mastro do Kremlim pela última vez", descreveu, assim, o seu sentimento de viver como testemunha ocular da história, quando a União Soviética foi dissolvida.

Nesses anos que abalaram o mundo mais uma vez, Remnick mandou de 25 a 40 reportagens por mês para o jornal, textos usados depois como matéria-prima para "O Túmulo de Lênin - os Últimos Dias do Império Soviético" (tradução de José Geraldo Couto, 736 págs., R$ 94,90). Trata-se de um delicioso diário de bordo desse tempo, premiado com o Pulitzer de jornalismo. Publicado originalmente em 1993 e editado agora pela primeira vez no Brasil pela Companhia das Letras, o livro abre a fila das muitas publicações a serem lançadas neste ano para marcar o centenário da Revolução de 1917.

"Quando escrevi o 'Túmulo de Lênin', as pessoas tinham grandes esperanças e eram otimistas em relação ao futuro da Rússia. Infelizmente, elas ficaram muito desapontadas, especialmente em relação à liberdade de imprensa e a uma economia mais aberta", diz.

Em agosto de 1991, Remnick e sua mulher - Esther Fein, jornalista do "New York Times" - estavam voltando para os EUA, após quatro anos de trabalho em Moscou. A última entrevista, assinada por ele antes de pegar o avião, foi com um confidente de Gorbatchov, em que ele contava que estava esperando um golpe a ser desfechado pelos duros do Partido Comunista e pela KGB. Horas depois de chegar a Nova York, ele e o mundo viram os tanques soviéticos passando em frente ao seu apartamento recém-fechado em Moscou. No dia seguinte, Remnick estava de novo na Rússia e só saiu de lá no fim do ano, com a União Soviética "já dissolvida como cubinhos de açúcar no chá fervente".

Ele recorre ao escritor tcheco Milan Kundera ("A Insustentável Leveza do Ser") para sintetizar esse tempo em que a história se acelerou: foi a luta da memória contra o esquecimento. Descreve Gorbatchov como um personagem de tragédia grega que não consegue alterar seu destino: tentou salvar o regime, ao democratizá-lo, mas acabou destapando as forças que o derrotariam e levariam ao fim do socialismo. À medida que se abriam os arquivos do stalinismo, revelava-se rotineiramente, em documentários e jornais literários, quantos mortos e presos; quantas igrejas, sinagogas e mesquitas destruídas; quantos saques e devastações ocorreram nos processos de expurgo e de coletivização forçada do campo.

"Foi uma decisão corajosa de Gorbatchov permitir às pessoas conhecerem e pensarem a sua própria história. Foi um fator para a abertura do debate político e a liberdade na então União Soviética", diz Remnick.

Ninguém estava preparado para isso. Quando a história oficial deixou de ser um instrumento do partido, este foi condenado à falência. O vertiginoso processo do fim do império soviético é contado por meio de personagens e histórias do cotidiano, em que se misturam a volta do exílio do autor do "Arquipélago do Gulag", o dissidente Alex Soljenitzen (1918-2008), com o repórter fazendo plantão na porta de um ex-agente da KGB; a agitação cultural nos tempos de abertura e o golpe contra Gorbatchov visto por um cidadão que exumava os corpos de jovens poloneses assassinados durante o stalinismo.

Esses retratos de uma época estendem-se pelas 700 páginas de "O Túmulo de Lênin" e continuam num segundo livro, "Ressurrection", sobre a Rússia que nasceu nas cinzas do império soviético. "Quando morei lá, bilionários não existiam, oligarcas não existiam. O sistema hoje é autocrático, mas está calcado na história russa: as razões de várias coisas que vemos hoje vêm do colapso do regime desumano e do caótico processo de reconstrução."

Remnick lista os muitos eventos "feios" que se seguiram ao colapso da União Soviética, como as guerras na Tchechênia, a ascensão do capitalismo oligárquico, a queda da nascente imprensa livre, o colapso econômico de 1995, a senilidade de Boris Ieltsin (1931-2007) e, por fim, a ascensão de Vladimir Putin, trazendo junto a percepção de que uma democracia liberal era uma perspectiva distante. "Os agentes da ex-KGB são mais prevalentes no Kremlim de Putin do que eram os homens de Harvard na Casa Branca de Kennedy", constata.

Remnick saiu da Rússia, mas a Rússia não saiu da vida dele. Desde a década de 90, viajou ao país mais de uma vez por ano, com exceção desses últimos dois em que se dedicou a cobrir a eleição americana. Isto, de novo, faz dele a fonte privilegiada para entender os dois lados do emaranhado político da América de Trump com a Rússia do presidente Vladimir Putin. "Putin vê uma oportunidade em Trump, porque ele não tem uma longa história com a Rússia. Ele via o oposto em Hillary Clinton. Ela foi agressiva em suas críticas a ele. É muito curioso como Trump elogia Putin. E Putin vê isso como oportunidade. Ele quer o fim das sanções americanas, quer continuar atuando na Ucrânia e em outros lugares sem interferência do Ocidente, e ele sabe que isso é mais fácil com Trump", diz Remnick.

Foram as conversas sobre o fim das sanções entre o embaixador russo em Washington e o general Michael T. Flynn que derrubaram na semana passada o homem escalado para aconselhar o presidente sobre a segurança dos EUA. Um dia depois, o escândalo ficou maior com a notícia sobre os contatos de assessores de Trump com os serviços de inteligência da Rússia um ano antes das eleições. O que pode acontecer? "Depende se os contatos foram sobre negócios ou sobre segurança nacional. Se foram antes ou depois das eleições. É extremamente sério, porque uma eleição democrática não deve ter interferência estrangeira, certo?"

Claro, ninguém é ingênuo, e o jornalista lembra que EUA e Rússia espionam-se durante muitos e muitos anos, desde a Guerra Fria. "Mas é importante agora o Congresso e a imprensa fazerem uma investigação cuidadosa, precisamos saber tudo o que aconteceu."

Ainda falta provar a denúncia do "New York Times" de que hackers russos entraram nos e-mails do Partido Democrata, ação descrita por Remnick como "versão cyber da invasão em Watergate", aquela que levou à renúncia do presidente Richard Nixon (1913-1994). Mas reconhece nessa divulgação de material comprometedor a tática do " kompromat", escreveu em texto na "New Yorker", ilustrado pela reprodução de mural na cidade de Vilnius (Lituânia), em que os dois presidentes estão enlaçados por beijo na boca.

Como a mídia americana vai reagir aos desafios da era Trump? "Não sei, só faço o meu trabalho. A única coisa pela qual sou responsável é a 'New Yorker' e prometo que vou fazer meu trabalho. Prometo."

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Dica de leitura : " O Túmulo de Lênin - Os últimos dias do Império Soviético" ( de David Remnick - Editora Companhia das Letras)

Você não aguenta mais as batucadas de Carnaval ? Está de saco cheio dos blocos carnavalescos atrapalhando o trânsito e cheios de gente suada e fazendo pipi pelas ruas da nossa cidade ? Não aguenta mais ouvir falar em Simpatia é Quase Amor, Banda de Ipanema, Bloco da Preta Gil e dos Alucinados do Samba ?
Prá tudo há solução ! Pegue um bom livro e passe o Carnaval dedicado aos prazeres da leitura... Uma recomendação : o livraço do David Remnick (o editor da fabulosa New Yorker), correspondente por muitos anos da revista em Moscou, sobre a derrocada do império soviético : ‘O Túmulo de Lênin”, livraço em todos os sentidos ( mais de 700 páginas, pesando 1,2 quilos – dá para dar uma livrada na cabeça do primeiro bêbado petista que passar gritando “ Mamãe eu quero...” perto da sua janela neste próximos dias de folia...
Bom proveito na leitura...
Maurício David


 Companhia das Letras
O TÚMULO DE LÊNIN
David Remnick
Reportagem clássica retrata colapso do regime soviético.

Apresentação :
Publicado originalmente em 1993, este livro tornou-se um clássico do jornalismo contemporâneo. Atual diretor da revista New Yorker, conhecida pela qualidade inigualável de suas reportagens, David Remnick foi correspondente do Washington Post na Rússia entre 1985 e 1991. Durante aqueles anos, assistiu à desintegração do império soviético e a sua transformação numa democracia turbulenta. As centenas de reportagens que produziu à época são a matéria?prima deste relato vencedor do prêmio Pulitzer, o mais prestigioso do jornalismo mundial. Remnick esteve por toda parte. Visitou minas de carvão. Foi a estações de trem em busca de pedintes, ladrões e viajantes. Esteve nas fazendas da elite, foi à casa de dissidentes do governo e também registrou o relato de fervorosos antissemitas. Como num grande romance russo, todos têm o que dizer. Contradizendo uns aos outros, eles compõem um retrato exuberante de um povo ciente de que a história estava se movendo sob seus pés.

Ficha Técnica:
Título original: LENIN'S TOMB
Páginas: 736
Peso: 1.089 kg
Lançamento: 07/02/2017
Selo: Companhia das Letras

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