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sábado, 25 de fevereiro de 2017

E ja que falamos em Zweig: resenha de duas obras sobre o Brasil, pais de (do?) futuro - Paulo Roberto de Almeida

Fiz esta resenha dupla mais de dez anos atrás, mas acabo de me lembrar, em função desses trabalhos, livros e seminários sobre Stefan Zweig, o maior escritor da primeira metade do século XX, que se suicidou no Brasil 72 anos atrás, no Carnaval, justamente.
Paulo Roberto de Almeida 



Futuro preterido?: Zweig e um projeto para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida

João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coords.):
Brasil, um país do futuro?
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 154 p.)

Projeto de Brasil: opções de país, opções de desenvolvimento
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 222 p.).


O Fórum Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso sempre organiza, ademais dos encontros anuais, foros especiais dedicados a temas específicos. Em 2006 foram organizados dois, conectados pelo tema comum de se lograr um “projeto de Brasil”, suas opções de país e de desenvolvimento. Estes dois livros resultam desse esforço de diagnóstico e de proposição.
Stefan Zweig teria gostado de assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do 125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo indefinido e talvez até com o ponto de interrogação. A primeira edição brasileira modificou o título original, agora restabelecidoBrasilien, ein land der Zukunft, não der land e o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed.; Rio de Janeiro: Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada” do Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que, “quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país: a romântico-participativa da democracia direta,  a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento externo” estaria, de fato, superado?
Boris e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig, temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.

O segundo livro, Projeto de Brasil, é na verdade uma tripla obra. A segunda parte apresenta dois estudos de especialistas acadêmicos sobre emprego e inclusão digital. A terceira parte consiste, tão simplesmente, na transcrição (talvez dispensável, em retrospecto) da visão de Brasil defendida pelos quatro principais candidatos nas eleições presidenciais de 2006: Lula, Alckmin e Heloisa Helena, pelos respectivos coordenadores de campanha, e Cristovam Buarque, pelo próprio. Digo dispensável porque qualquer um deles, se eleito, dificilmente seguiria as pomposas recomendações dos respectivos programas, que a rigor não possuíam nenhuma importância substantiva. A primeira e mais importante parte constitui uma síntese, por João Paulo dos Reis Velloso, de propostas para uma agenda nacional, com base em todas as ideias de modernização do Brasil formuladas desde o surgimento do Fórum por ele presidido, em 1988. Ele consegue resumir claramente os principais obstáculos ao desenvolvimento do país, mostrando-o como um “Prometeu acorrentado”, que vive hoje uma crise de “autoestima”, em uma “era de expectativas limitadas” (apud Paul Krugman).
As opções de país que ele propõe são, nominalmente: o desenvolvimento como valor social, prioridade máxima à segurança, reforma política para construir um sistema político moderno, um Estado “inteligente” (com legislativo e judiciário modernos), a revolução do império da lei, da equidade, da tolerância e dos valores humanistas e a opção por uma sociedade moderna. Quanto às opções de desenvolvimento, elas consistem em três conjuntos de tarefas: a criação de bases para um crescimento sem dogmatismos, uma estratégia de desenvolvimento baseada na inovação e na sociedade do conhecimento e o progresso com inclusão social e portas de saída para os pobres. Ele conclui dizendo que subdesenvolvimento não é destino, é apenas o reflexo de opções equivocadas. Oxalá o Prometeu pudesse tomar consciência de quais são elas, exatamente. Aparentemente, além das correntes estatais, ele está com um pouco de cera nos ouvidos e ainda usa viseiras conceituais.

Brasília, 26 de janeiro de 2007.
Publicada em Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 31, fevereiro de 2007)

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