Fiz esta resenha dupla mais de dez anos atrás, mas acabo de me lembrar, em função desses trabalhos, livros e seminários sobre Stefan Zweig, o maior escritor da primeira metade do século XX, que se suicidou no Brasil 72 anos atrás, no Carnaval, justamente.
Paulo Roberto de Almeida
Futuro preterido?: Zweig e um projeto para o
Brasil
Paulo Roberto de Almeida
João
Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coords.):
Brasil, um país do futuro?
(Rio
de Janeiro: José Olympio, 2006, 154 p.)
Projeto de Brasil: opções de
país, opções de desenvolvimento
(Rio
de Janeiro: José Olympio, 2006, 222 p.).
O Fórum Nacional do
ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso sempre organiza, ademais dos encontros
anuais, foros especiais dedicados a temas específicos. Em 2006 foram
organizados dois, conectados pelo tema comum de se
lograr um “projeto de Brasil”, suas opções de país e de desenvolvimento. Estes
dois livros resultam desse esforço de diagnóstico e de proposição.
Stefan Zweig teria gostado de
assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do
125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão
famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do
autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo
indefinido e talvez até com o ponto de interrogação. A primeira edição
brasileira modificou o título original, agora restabelecido – Brasilien, ein land der Zukunft,
não der land – e
o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores
quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos
dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma
biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig
(3ª ed.; Rio de Janeiro: Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar
mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma
nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se
a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais
negligenciada” do
Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial
mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços
recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que,
“quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar
Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e
econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o
Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos
futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente
pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país:
a romântico-participativa da democracia direta,
a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e
a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta
para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera
econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a
esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos
mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na
tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de
renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento
externo” estaria, de fato, superado?
Boris
e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig,
temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do
niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso
atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as
possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig
para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais
tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já
chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de
taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma
boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.
O
segundo livro, Projeto de Brasil, é
na verdade uma tripla obra. A segunda parte apresenta dois estudos de
especialistas acadêmicos sobre emprego e inclusão digital. A terceira parte
consiste, tão simplesmente, na transcrição (talvez dispensável, em retrospecto)
da visão de Brasil defendida pelos quatro principais candidatos nas eleições
presidenciais de 2006: Lula, Alckmin e Heloisa Helena, pelos respectivos
coordenadores de campanha, e Cristovam Buarque, pelo próprio. Digo dispensável
porque qualquer um deles, se eleito, dificilmente seguiria as pomposas
recomendações dos respectivos programas, que a rigor não possuíam nenhuma
importância substantiva. A primeira e mais importante parte constitui uma síntese,
por João Paulo dos Reis Velloso, de propostas para uma agenda nacional, com
base em todas as ideias de modernização do Brasil formuladas desde o surgimento
do Fórum por ele presidido, em 1988. Ele consegue resumir claramente os
principais obstáculos ao desenvolvimento do país, mostrando-o como um “Prometeu
acorrentado”, que vive hoje uma crise de “autoestima”, em uma “era de
expectativas limitadas” (apud Paul
Krugman).
As
opções de país que ele propõe são, nominalmente: o desenvolvimento como valor
social, prioridade máxima à segurança, reforma política para construir um
sistema político moderno, um Estado “inteligente” (com legislativo e judiciário
modernos), a revolução do império da lei, da equidade, da tolerância e dos
valores humanistas e a opção por uma sociedade moderna. Quanto às opções de
desenvolvimento, elas consistem em três conjuntos de tarefas: a criação de
bases para um crescimento sem dogmatismos, uma estratégia de desenvolvimento
baseada na inovação e na sociedade do conhecimento e o progresso com inclusão
social e portas de saída para os pobres. Ele conclui dizendo que
subdesenvolvimento não é destino, é apenas o reflexo de opções equivocadas.
Oxalá o Prometeu pudesse tomar consciência de quais são elas, exatamente.
Aparentemente, além das correntes estatais, ele está com um pouco de cera nos
ouvidos e ainda usa viseiras conceituais.
Brasília, 26 de janeiro de
2007.
Publicada em Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 31, fevereiro de 2007)