Paulo Roberto de Almeida
O ADEUS À EUROPA
por Maria Helena Rolim Capelato6 de agosto de 2014
A historiadora Maria Helena Rolim Capelato introduz, no prefácio de O adeus à Europa aqui reproduzido, os temas explorados no livro e destaca a importância de Compagnon para o desenvolvimento da historiografia latino-americana:
Optando pela história comparada, por si só de difícil abordagem, o autor ampliou seu voo de análise adentrando o campo da “história transnacional” e das “histórias conectadas”: dedicou-se ao estudo das relações econômicas, políticas, diplomáticas entre os dois países e a Europa e se empenhou na reconstituição de “redes de contato” entre intelectuais e produtores culturais brasileiros, argentinos e europeus ao longo de todo o período em foco.
Antes de apresentar os resultados de sua pesquisa, Olivier Compagnon se refere ao contexto que deu origem à Primeira Grande Guerra na Europa. Também menciona aspectos importantes do passado brasileiro e argentino que revelam momentos de rivalidades e cooperação mútua ocorridos a partir das independências nacionais. Essas referências históricas são importantes para que o leitor possa acompanhar as análises comparativas sobre os períodos subsequentes.
Valendo-se de fontes muito diversificadas, o autor reconstituiu os intensos debates que ocorreram nos dois países acerca da neutralidade ou adesão à guerra, mostrando os efeitos econômicos dessas decisões e também os transtornos provocados pela guerra no cotidiano das pessoas. São apresentadas ao leitor manifestações sobre a guerra expressas em canções, poemas, literatura de cordel, letras de tango, jogos de guerra para crianças, dados sobre as doações à Cruz Vermelha Francesa, pedidos de alistamento de voluntários que queriam “vencer o Kaiser” ou enfrentar o “perigo alemão”. Além dessas referências, são analisadas na obra a participação de grupos “neutralistas”, “pacifistas”, aliadófilos e germanófilos que entraram em conflito provocados pelas posições antagônicas.
Nas passagens em que analisa as condições que propiciaram a entrada do Brasil na guerra, o autor apresenta dados e fatos que elucidam a decisão de quebra da neutralidade, mostrando a seguir suas consequências. Também elucidativas são as análises referentes às propagandas de apoio à causa da Entente, que atestam a força dos imaginários sociais expressos a partir de visões dicotômicas do conflito. Em relação a este aspecto, são mencionados, como exemplo, mensagens que se referiam à França e à Inglaterra como defensoras do direito e da liberdade e à Alemanha como expressão da barbárie.
Com o desenrolar do conflito, segundo Olivier Compagnon, ocorreu uma paulatina rejeição a esse imaginário que resultou numa crise de identidade nacional no Brasil, na Argentina e em outros países latinoamericanos. A discussão deste tema é privilegiada pelo autor.
O autor procura mostrar que novas formas identitárias foram sendo construídas a partir de uma crítica à cultura cosmopolita que orientara as elites latino-americanas desde o século XIX. Para fazer frente a essa perspectiva era preciso que ocorresse a emancipação do “modelo” europeu.
A análise sobre as transformações que ocorreram nos dois países em relação à imagem da Europa nesse contexto é surpreendente: o leitor acompanha, com perplexidade, a passagem radical do culto cego à Europa ao sentimento de desilusão profunda com relação ao “Velho Mundo”. O desmoronamento da imagem da “civilização europeia” que orientara a configuração da modernidade nos países da América Latina provocou, como mostra o autor, uma redefinição do sentido das nacionalidades no “Novo Mundo”. As referências a intelectuais que desenvolveram ideias sobre o declínio da Europa, sobretudo as que foram expressas na obra de Spengler sobre a Decadência do Ocidente, permitem aquilatar a grande repercussão dessas teses nos países latino-americanos.
O capítulo intitulado “Noturno europeu” interpreta a reação de intelectuais argentinos e brasileiros frente a uma Europa que fracassara. Ao discorrer sobre este tema, o autor chama a atenção para o contraste entre a decepção dos latino-americanos em relação à guerra que explicitou o fim da “civilização europeia” e a crença nas possibilidades positivas que esse declínio oferecia para o Novo Mundo: a América.
Tropas britânicas [Foto dos arquivos da AP; Hulton-Deutsch Collection; CORB; Alamy]
Mas, como se constata a partir das indicações do autor, a busca de uma nacionalidade autêntica, original não significou a interrupção dos contatos com a Europa. Naquele passado, como nos dias de hoje, pessoas, ideias e mercadorias continuaram circulando entre os dois lados do Atlântico: a tradução deste livro constitui um exemplo muito positivo dessa possibilidade de trânsito.
* Não poderia deixar de mencionar, na apresentação deste livro, as contribuições do autor para o desenvolvimento da historiografia latino-americana na França. Professor e pesquisador do Institut des hautes études de l’Amérique latine (Université Sorbonne Nouvelle), suas pesquisas demonstram grande sensibilidade e competência na abordagem de temas relacionados à história da América Latina. Seus pares “americanos” reconhecem não apenas a qualidade de seus trabalhos, mas também seus esforços para o estabelecimento de “redes de contato” entre historiadores franceses e latino-americanos.”
Maria Helena Rolim Capelato é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo e especialista na área de História da América. Atualmente é professora titular do Departamento de História da USP.
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