contentes e descontentes com um processo indomável
Paulo Roberto de Almeida
[Notas para palestra
na Semana de Relações Internacionais da
UDF, sobre o tema das “Relações Econômicas Internacionais e Negócios
Internacionais: perspectivas e reflexões sobre uma nova configuração mundial”,
no dia 3 de maio de 2017, entre 19h30 e 21h00 no Auditório do Ed. Sede
do UDF; a convite do Prof. Carlos Nogueira.]
Não pretendo fazer uma
exposição ex-cathedra. Vou apenas enunciar algumas notas, talvez provocadoras,
mas que expressam meu posicionamento contrarianista a muito do que vai pela
academia brasileira sobre os temas da globalização e seus efeitos sobre os países
e sociedades, e talvez até muito do que vai pelos governos nacionais em
diferentes partes do mundo, inclusive, e muito provavelmente, o que vai pelo
próprio governo brasileiro sobre os temas desta semana. Não sou exatamente um
antagonista, mas sou um contrarianista, ou seja, exercendo um ceticismo sadio
sobre tudo.
1) Os
cães ladram, mas a globalização passa...
Inanidade das críticas,
por parte de sociólogos e outros antiglobalizadores, contra esse processo
impessoal, incontrolado e incontrolável. Os fatos falam por si...
2) A
globalização que conta é a globalização micro, não detectável pelos governos.
Ela se passa ao nível
das empresas e dos indivíduos, milhares de pessoas, de pequenas, grandes e
médias empresas, que agem de forma absolutamente autônoma, independente,
imprevisível.
3) A
globalização macro é tentativamente controlada por governos estúpidos.
Políticos, tecnocratas
nacionais e de organismos governamentais tentam exercer um direito normativo
sobre a globalização, atrapalhando seu caminho imprevisível.
4)
Globalização assimétrica? Sim, como o mundo, o comércio, as relações sociais.
Por assimetria, os
críticos ou descontentes com a globalização, querem dizer que o processo é
desigual, desequilibrado, distribuindo benefícios e prejuízos de forma não
controlada, causando perdas setoriais, temporárias.
5) A
globalização é perversa? Absolutamente não: ela não tem nenhum foco moral.
Nada, absolutamente nada
do que é feito pela e na globalização visa prejudicar grupos ou sociedades nacionais.
Tudo sempre foi concebido, feito, implementado para beneficiar trabalhadores,
sempre visando substituir trabalho manual, ou penoso, pela automatização,
mecanização, redução de tarefas e atividades exercidas diretamente por
trabalhadores, ou executivos. Continuará assim, a despeito dos latidos dos
descontentes.
6) Vivemos
uma desglobalização? Provavelmente não; apenas mais alguns latidos...
Alguns consideram que a
fase atual, pós-Grande Recessão, seria a de certo refluxo na globalização, com
a emergência ou reforço de tendências nacionalistas e protecionistas. É um fato
que vários novos líderes políticos, demagogos e oportunistas, insistem na
introversão como resposta a desafios colocados pela globalização, enquanto
outros recorrem ao populismo econômico para compensar efeitos setoriais
adversos.
7) Os
governos nacionais vão perder soberania? Ótimo, eis uma excelente notícia.
Westfália representou um
pequeno progresso para a humanidade: o mútuo reconhecimento recíproco de
governos exercendo uma jurisdição legítima sobre um determinado território,
desde que pacificado e respeitando regras mínimas de convivência internacional.
Viena (1815) avançou um pouco mais na normalização das relações entre Estados
soberanos, codificando o envio de representantes pessoais dos chefes de Estado
ou governo para a solução pacífica das controvérsias. Versalhes (1919) avançou
um pouco mais, tentando construir uma estrutura multilateral para regular essas
relações, criando algumas barreiras ao surgimento de conflitos, mas
infelizmente falhou. São Francisco (1945) introduziu novos constrangimentos,
mas como Versalhes deixou um sistema oligárquico dividindo o mundo entre
“iguais” e “mais iguais”, o que não é uma garantia de resolução de conflitos,
sobretudo porque não há um entendimento consensual em torno de valores e
princípios que possam unir as grandes soberanias, que deveriam ser os da
democracia e dos direitos humanos, o que implica, igualmente, as mais amplas
liberdades econômicas, o único regime social compatível com a globalização.
Este processo, no entanto, é o que destrói progressivamente as soberanias
nacionais. Isso é uma ótima coisa, pois são os governos, como já dito, que
tentam barrar a globalização, e são alguns governos aqueles que perpetram
violações aos direitos humanos e deformam a qualidade da democracia.
8) A
reciprocidade, nas relações econômicas internacionais, é boa coisa? Depende.
Países em
desenvolvimento já defenderam, com vigor, como ainda defendem, a não
reciprocidade, desde que seja para diferenciar países desenvolvidos e países em
desenvolvimento, o que é uma grande ilusão. Outros defendem a reciprocidade nos
acordos comerciais internacionais, o que pode ser uma outra grande ilusão. Cabe
examinar o assunto com base em dados verificáveis, não em suposições teóricas.
9) O
protecionismo é um mal. A liberalização unilateral é o melhor caminho.
Todo economista sensato
seria, ou deveria ser, contra o protecionismo e a favor do livre comércio.
Políticos sensatos dizem concordar, mas na prática a teoria é outra. Mas mesmo
economistas sensatos consideram que se deve “negociar” a abertura econômica e exigir
compensações para a liberalização comercial, o que demonstra apenas
incompreensão quanto aos efeitos do livre comércio sobre os povos. A proteção é
sempre feita contra os seus próprios nacionais, em prejuízo dos consumidores e
dos produtores nacionais, convertidos em avestruzes condenados à extinção.
10)
Como o Brasil se situa nos processos de globalização e de liberalização?
Mal, muito mal. O Brasil
é um país que se descolou do mundo, e que insiste em continuar descolado.
Pequenos períodos de abertura sempre foram combatidos por novos movimentos em
favor do retraimento, da introversão, da defesa e da proteção. O Brasil é um
país totalmente preparado para não aproveitar nada, ou quase nada, dos grandes
fluxos e intercâmbios que integram a economia global, pois dela está destacado
desde muitos anos, apenas recebendo efeitos secundários e limitados, sempre
trazidos por indivíduos e empresas, não pelos governos ou establishment
político, ou até pelos acadêmicos (que conseguiram colocar na Constituição de
1988 a proibição de se contratar professores estrangeiros para as universidades
brasileiras, o que é de uma estupidez monumental).
Voilà, creio que já
temos material suficiente para discussão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de maio de 2017.
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