Por que o Brasil está certo ao buscar adesão
à OCDE
A
adesão teria um relevante valor simbólico na emergente ordem multipolar do
século 21
Palácio do Itamaraty FERNANDO BIZERRA JR. EFE
Quando o Governo brasileiro formalizar, em breve, seu pedido de adesão à Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), haverá críticos
que acusarão o Governo de
entreguismo e de, ao querer se juntar ao “clube dos ricos”, limitar
desnecessariamente a autonomia do Brasil no sistema internacional.
Tais argumentos aumentarão o custo político do processo de adesão, mas
são em grande parte ideológicos e dificilmente apoiados por fatos. Vale lembrar
que, depois dos primeiros acordos feitos no segundo mandato de FHC, foi durante
a presidência de Lula que o Brasil e a OCDE se aproximaram por meio do
“engajamento ampliado” – o que podia ser visto como um primeiro passo em
direção à adesão. Dilma assinou
um acordo para aprofundar, ainda mais, a relação entre o Brasil e essa
entidade.
No contexto atual, em que o Brasil se recupera de uma crise profunda,
juntar-se à OCDE traria ao menos três benefícios tangíveis para o país. A
adesão proporcionaria aos futuros Governos instrumentos adicionais para
modernizar o país; tornaria o Brasil mais atraente para os investidores
estrangeiros; e, ainda, representaria importantes ganhos estratégicos no mundo
multipolar do século 21.
Primeiramente, a adesão à OCDE obrigaria o Brasil a implementar mudanças
legislativas para cumprir regras mais sofisticadas em termos de concorrência,
transparência e tributação. Permitiria ao Governo participar da elaboração de
pesquisas sobre políticas públicas no marco da OCDE, ampliar a troca de experiências
e a divulgação de práticas brasileiras bem-sucedidas. Por meio da revisão
periódica (o chamado peer review),
fortaleceria segmentos políticos que querem modernizar o país.
Fazer parte da OCDE também facilitaria a entrada de mais investimento
estrangeiro no Brasil e ajudaria a reverter o imenso estrago que a recente
crise econômica e política causou na imagem internacional do país – inclusive em
países como Peru, onde o escândalo da Odebrecht domina o debate
público. Para investidores estrangeiros, a adesão ao grupo significaria um selo
de qualidade nas políticas públicas brasileiras, constituindo um passo
importante para dar credibilidade à narrativa de que o Brasil está no rumo
certo. É possível imaginar um futuro Ministro da Fazenda dirigindo-se a
delegações estrangeiras e retratando o Brasil como o maior mercado emergente do
mundo que cumpre os rigorosos padrões da OCDE. Não seria só retórica:
tentativas de adaptar o marco regulatório e o sistema tributário enfrentarão
forte resistência, mas, no final das contas, ajudariam a modernizar uma
burocracia anacrônica e que muitas vezes atrapalha o crescimento econômico.
Finalmente, a adesão à OCDE, somada ao contínuo compromisso com o grupo BRICS,
teria um relevante valor simbólico na emergente ordem multipolar do século 21.
Se aprovado pelo conselho da OCDE, o Brasil seria o único país a fazer parte do
grupo BRICS e dessa organização simultaneamente (a Rússia tentou aderir à OCDE,
mas desistiu quando invadiu a Crimeia). A adesão daria ao Brasil o privilégio
de participar da formulação de temas e conceitos em ambos os grupos, que muitas
vezes prenunciam futuras negociações internacionais.
A ordem mundial emergente é moldada, de um lado, por antigas estruturas
dominadas pelo Ocidente (como a OCDE, o Banco Mundial e o FMI), e, de outro,
por novas instituições centradas na Ásia. A nova ordem inclui organizações como
o Novo Banco de
Desenvolvimento, liderado pelos BRICS, o Banco Asiático de
Investimento em Infraestrutura ou AIIB, na sigla em inglês (comparável ao Banco
Mundial), o Universal Credit Rating Group (o equivalente à Moody’s e à
S&P), a China Union Pay (comparável às empresas Mastercard e Visa), o CIPS
(equivalente ao SWIFT) e os BRICS (comparável ao G7). O Brasil, único membro
fundador da AIIB das Américas, está singularmente posicionado para ter uma
atuação visível e influente tanto nas instituições antigas quanto nas novas.
Nenhum outro país está tão bem colocado para desempenhar um papel-chave em
ambos os sistemas.
É preciso evitar que o Fla-Flu da política doméstica prejudique a
discussão sobre a estratégia brasileira nesse novo contexto global. Ainda há
quem acredite que Governos de centro-direita costumam dar prioridade às
relações com o mundo rico e Governos de centro-esquerda preferem boas relações
com o mundo em desenvolvimento. Tais considerações simplistas não fazem mais
sentido na realidade do século 21. Afinal, a política externa tem sido bem mais
pragmática do que isso. Por exemplo, foi FHC (e não Lula) quem articulou a
política externa mais revisionista das últimas décadas (com a quebra de
patentes de medicamentos contra a AIDS), passo importante no fortalecimento das
relações Sul-Sul. Foi Lula (e não FHC) que teve a melhor relação com os EUA nas
últimas décadas. Finalmente, foi Temer que, ao fazer suas primeiras duas
grandes viagens presidenciais à Ásia, sinalizou que uma mudança de Governo não
alteraria o compromisso brasileiro de fortalecer sua relação com a China e os
BRICS. Seguido esse histórico de pragmatismo, seria uma grande perda termos a
discussão sobre a OCDE capturada pela polarização ideológica doméstica.
A adesão à organização é um processo árduo e pode demorar anos, mas
trará benefícios múltiplos. O próximo Governo deve, portanto, dar seguimento
aos passos de FHC, Lula, Dilma e Temer
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em
São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em
Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy
Institute (GPPi) em Berlim, membro do Carnegie Rising Democracies Network.
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