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quarta-feira, 14 de abril de 2021

A primeira viagem de volta ao mundo por um navio e tripulação brasileira - Eduardo Vessoni (Nossa Viagem)

Há 140 anos, 1ª volta ao mundo brasileira foi marcada por perrengue

Eduardo Vessoni
Colaboração para Nossa Viagem
13/04/2021 04h00

A primeira circum-navegação do mundo feita por uma tripulação brasileira tinha tudo para dar errado (e, em partes, deu).

Doenças a bordo, alimentação e condições higiênicas precárias e "qualidades náuticas medíocres" eram a realidade dos 197 homens que, entre 1879 e 1881, deram a volta ao mundo, entre o Rio de Janeiro e o Japão, a bordo da corveta Vital de Oliveira.

Ao mar
Até então restrita a pesquisadores, a epopeia brasileira completa 140 anos em 2021 e chega ao público com o recém lançado Primeira circum-navegação brasileira e primeira missão do Brasil à China (editora Dois por Quatro), livro da jornalista Marli Cristina Scomazzon e do pesquisador Jeff Franco.

"Foi algo importante não só para o país mas para toda a América Latina. Era um livro necessário pois não havia nenhuma publicação dedicada ao tema", explica a coautora, em entrevista para Nossa.

Sob comando do capitão Júlio César de Noronha e primeira do gênero a ser empreendida pela Marinha brasileira, a viagem tinha um duplo objetivo: capacitar marinheiros e transportar a primeira missão diplomática do Brasil na China, a cargo do Ministério das Relações Exteriores.

Sem entrar em detalhes para não dar spoiler do fechamento daquela travessia, a missão de trazer mão de obra chinesa seria abortada em Hong Kong por diversos motivos.

"A viagem até poderia não ser novidade para a humanidade, mas atualmente a marinha avalia a viagem como um marco importantíssimo para o amadurecimento da força naval brasileira", avalia Alessandro Dambroz, capitão-tenente do departamento de Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha do Brasil.

Assim como explica Dambroz, as circum-navegações fazem parte da formação de oficiais da Escola Naval e, em todas as viagens internacionais. "O navio de Estado é considerado Território Nacional, em qualquer lugar que ele esteja. É na verdade uma embaixada flutuante", completa.

Mas até que se chegasse do outro lado do mundo, aquela viagem imperial de 430 (penosos) dias a bordo seria um verdadeiro inferno em alto-mar.

Perrengues
A viagem de mais de 35 milhas náuticas, o equivalente a quase 65 mil quilômetros, já começou mal.

Criticada pelos altos custos, a expedição deixou o Rio de Janeiro com uma tripulação que contava com uma única muda de roupa ("uma calça e uma camisa de abrigo", cada um) para enfrentar as baixas temperaturas em alto-mar e o inverno da Europa.

Sem falar nos que dormiam no convés e na superpopulação a bordo, por conta do excesso de criados para cada um dos oficiais embarcados. A falta de vitamina B1 e comidas frescas causaria ainda doenças na tripulação, como o beribéri, e a enfermaria era um cubículo sem ventilação ao lado dos fogões da cozinha.

Como lembra o capitão Dambroz, a longa jornada teve também dificuldades como a aquisição de alimentos nos portos visitados e adaptação às mudanças bruscas de temperatura, além de baixas na tripulação por conta dos doentes mais graves que eram deixados em hospitais ao longo da viagem.

Porém, segundo relatos encontrados pelos autores do livro, a higiene do navio era a pior possível e violava todas as leis de saúde.

"Foi um perrengue sanitário", descreve Marli, que acredita que um dos piores momentos foi a longa travessia de 42 dias entre o Japão e São Francisco, na Califórnia, marcada por mortes, clima invocado e uma umidade constante que chegou a descolar a madeira dos móveis a bordo.

"As condições a bordo no século 19 ainda eram bastantes difíceis quando se fala de viagens de longo curso", explica o capitão-tenente Alessandro Dambroz.

Segundo um dos relatos no livro, longe da terra firme, a última morada daquela gente era o oceano.

Dos quase 200 embarcados, 148 completaram a viagem. A baixa de cerca de 30 marinheiros, entre mortos e desertores, seria nada se comparada à primeira circum-navegação do gênero, encabeçada por Fernão de Magalhães, quase quatro séculos antes.

Dos 237 homens, apenas 18 voltaram com vida. Nem o próprio Magalhães escaparia da morte durante a viagem.

História para todos
Sem as formalidades da historiografia, os autores Marli Cristina Scomazzon e Jeff Franco entregam um relato dividido em breves capítulos temáticos que não seguem uma ordem cronológica dos acontecimentos.

"Depois da apuração dos fatos, essa foi a nossa maior preocupação, deixar a leitura atraente para um público não especializado", conta Marli.

A ideia do livro surgiu, há mais de seis anos, durante pesquisas que a dupla fazia em uma biblioteca de São Francisco, na Califórnia, quando Jeff se deparou com uma notícia publicada em um jornal local que relatava a passagem "de um navio brasileiro muito importante".

O quebra-cabeças de jornais, relatos da viagem e correspondências oficiais deu origem a esse que é considerado o primeiro livro a abordar em detalhes a primeira circum-navegação da Marinha brasileira.

Entre as novidades que a publicação traz, estão o levantamento dos nomes de todos os que passaram pelo barco, até então desconhecidos, e a redescoberta do mapa da viagem que se encontrava em um sótão da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, encartada no livro em forma de poster.

"A própria Marinha brasileira dizia que não havia carta náutica dessa viagem, mas eu sabia que existia por conta dos registros em que o capitão Noronha indicava a existência de um mapa", conta Jeff Franco, que levou três anos para ter acesso ao documento.

Para Marli, um dos documentos mais importantes sobre os quais se debruçaram durante a pesquisa são os "livros de quartos", uma coleção de 36 diários que reúne milhares de páginas manuscritas por oficiais que se revezavam a cada quatro horas para relatar o que havia ocorrido durante seu turno.

De acordo com a DPHDM (Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha), outras sete circum-navegações seriam empreendidas pela Marinha brasileira, entre 1888 e 2008, "quando as condições orçamentárias e de planejamento permitiram".

A corveta Vital de Oliveira voltou à Baía de Guanabara no final de janeiro de 1881, com metade de seu objetivo atingido, e faria usa última grande viagem, no ano seguinte.

https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2021/04/13/ha-140-anos-1-volta-ao-mundo-brasileira-foi-marcada-por-perrengue.htm

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