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terça-feira, 20 de abril de 2021

Arrumar biblioteca? E lá isso adianta? Desista Francisco Seixas da Costa, Paulo Roberto de Almeida

 Eu pensava que era dos poucos que tinha a minha biblioteca perfeitamente caótica, e descubro que meu amigo o embaixador Francisco Seixas da Costa consegue me ganhar a largas braçadas — e não por una cabeza — nesse concurso bizarro de saber quem tem os seus livros mais desarrumados.

Preciso tirar umas fotos da minha kit-biblioteca para decidir com ele quem ganha nesse jogo da perfeição no caos.

Paulo Roberto de Almeida 


 autoretrato das minhas estantes e também o do Rui Knopfli

Há muito tempo que as minhas estantes de livros são um caos. Mas não um caos relativo, alguma desarrumação: é um caos que se aproxima muito de ser total. 

Vou dar um exemplo elucidativo, para que não achem que estou a exagerar. Descobri hoje, aqui em Vila Real, o segundo volume de “O Homem sem Qualidades”, de Robert Musil. Em Lisboa estão os dois outros volumes e - sei que não vão acreditar! - vivem em estantes opostas, a metros um do outro!

Não me perguntem porque é que isto acontece! Há muitos anos, há mais de vinte (juro!) que não tenho a menor paciência para arrumar livros, nomeadamente os que vou comprando (e compro bastantes). Antes disso, lembro-me que as coisas andavam mais ou menos arranjadas, por áreas temáticas. Creio que foi desde que me mudei para a casa onde vivo, em 1997, que se instalou este pandemónio na minha “biblioteca” (nem lhe ouso chamar isso!). Assumo isto, sem o menor problema, talvez com a atenuante de que estamos a falar, entre coisas nas estantes e em caixotes, à volta de oito ou nove mil livros. (Desde há uns anos, com bastantes deles já recolhidos na Biblioteca Municipal de Vila Real, para onde vai “andando”, ao ritmo dos meus humores, o meu espólio livresco).

Mas, ao longo de todos estes anos, nunca tentei, algum dia, pôr alguma ordem naquilo? Claro que sim. Imensas vezes! Arregacei as mangas, deitei mãos à obra, por uma boa meia hora fiz pilhas de livros, que deviam ficar juntos, desarrumei salas e ocupei o soalho. Só que, num determinado instante (e isto aconteceu-me em bem mais de uma dezena de ocasiões), caiu-me nas mãos algo que me interessava ler logo. E, claro, zarpei para um sofá, onde me alapei para, aí por uma hora ou duas, ler esse livro, até que o acabei ou me cansei dele, coloquei-o de parte. Depois, fui trabalhar (porque trabalho bastante, para que conste), ou fui ver a internet, dali passei a um programa de televisão, escrevi entretanto um tweet ou um texto para o blogue, agarrei num jornal ou numa revista. E, a certa altura, porque viver cansa, decidi ir deitar-me. E logo peguei noutro livro da pilha que, na mesa de cabeceira, começa de novo a subir e abeirar-se de um quadro que é o seu limite em altura. E fui dormir, coisa que também faço, por muito que alguns não acreditem. (Há um ano, no meu quarto, havia cento e tal livros, entre estantes e a mesa de cabeceira). No dia seguinte ao início da “operação” de arrumação, em tom irónico, lá ouvi pela enésima vez: “Estas pilhas de livros era para tu arrumares, não era?”. Era.

Na minha casa de Lisboa, nas zonas onde há livros, há apenas quatro áreas com uma ligeiríssima e tendencial homogeneidade: a poesia (sempre toda junta, honra, ainda sem explicação, aos poetas), coisas sobre o Brasil (mas há caixotes, em Vila Real, atulhados de livralhada brasileira, que já passou incólume por Paris), alguma coisa sobre a Europa de que às vezes necessito para escrever, ao lado de uma zona com alguns livros básicos de diplomacia, uma área de política de Espanha (mas também de alguma ficção de “habla” castelhana) e três prateleiras com Eça e coisas queirosianas, uma mania velha que tenho, desde que me conheço leitor.

Fora isso, e à parte uma orgulhosa coleção (quase completa) de livros de José Vilhena, o caos é, verdadeiramente, total: ficção misturada com “current issues”, livros de turismo no meio de coisas sobre o Brexit ou o colonialismo ou sei lá! Ah! Ia-me esquecendo: há uma zona de dicionários, essa relativamente homogénea.

Mas então, sensatamente, perguntarão: como é que eu descubro aquilo de que necessito? Muitas vezes não descubro, outras vezes lembro-me de que “é uma coisa em tons de azul que andava ali por aquele canto”. Isto é de doidos? É, sim senhor, mas é assim, a sério! (E vivo feliz assim, se querem saber!)

Na casa que tenho em Vila Real é tudo mesmo muito pior. Não há, lado a lado, um único livro que tenha a ver com outro: é um thriller em inglês ao pé de uma coisa sobre o Douro, uma memória de um político francês junto com uma gramática, obras mais do que menores (tanto que me envergonho de dizer os autores) à beira de gigantes do pensamento político. Não tem graça nenhuma, podem crer!, mas não tenho, há muito, e tenho a impressão que nunca irei ter, a menor pachorra para um dia pôr ordem naquilo. No entanto, quer em Vila Real quer em Lisboa (mas esse pelouro não é meu), os livros de culinária estão cuidadosamente arrumados. Mas não me culpem disso, por favor!

Há minutos, passei por uma estante e apanhei a “Memória Consentida”, 20 anos de poesia do Rui Knopfli, que era conselheiro de imprensa na embaixada em Londres quando por lá passei nos anos 90 (eu passei por lá quatro anos e tal, ele esteve 18). E lembrei-me, para os compensar do texto chato (autoflagelante e quiçá francamente desqualificante) que acabam de ler, de lhes deixar este belo poema autoretrato do Rui.


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