Ouve-se negacionismo a todo momento, até demais.
Aconteceu recentemente com outras palavras emproadas como protagonismo, narrativa, ressignificar, empoderar, resiliência, disruptivo, assertivo. Há muitas assim, pegajosas e que subitamente parecem brotar de todas as bocas e não se consegue duas frases sem nelas tropeçar.
São palavras que funcionam como um adereço extravagante, como um cinto ou bolsa que possui uma grife de meio metro, pintada de dourado, e que transforma os usuários em uma propaganda ambulante, e os define pelo seu pertencimento a uma tribo.
Use uma dessas palavras, e as pessoas vão se lembrar de você as pronunciando, sem se dar conta sobre o que você estava falando.
Dentre essas palavras de grife, as que comandam mais respeitabilidade são as que terminam com "ismo", um sufixo geralmente utilizado para designar filosofias, teorias, movimentos artísticos. Quem usa "protagonismo" vira entendido em relações internacionais, e quem fala de "narrativa" se mostra um "insider" em estudos culturais contemporâneos.
Tudo isso não obstante, a ideia de negacionismo descreve com precisão a postura típica de líderes populistas diante de técnicos e experts, incluindo os da medicina convencional, eis que esse tipo de político não admite qualquer mediação em seu relacionamento com o "povo". Para eles, não existe ciência, só narrativa.
O negacionismo é primo-irmão da pseudociência, e por isso mesmo, tal como se passa com os líderes populistas, é muito mais popular do que se pensa. Quem não gosta de uma solução mágica e de uma cura milagrosa? Em geral, as pessoas não acreditam em superstições, mas se divertem em praticá-las, sobretudo se são inofensivas.
Como horóscopo de jornal. Vai que funciona.
Nessa parte do mundo em especial, tendo em vista nosso desapego ao real, à hegemonia da intuição e à desconfiança para com o racional, conforme a descrição de Mario Vargas Llosa, a popularidade da medicina alternativa é gigante. E, se é assim com a medicina, imagine com a economia.
O negacionismo tomou a economia há muitos anos, e apenas agora, com a pandemia e com os absurdos gerados pelo negacionismo médico, é que se percebe a exata estrutura conceitual do charlatanismo. É claro que há negacionismo em todas as outras áreas do conhecimento, talvez mais na economia que em qualquer outra.
Quanto perdemos com a busca de soluções mágicas para problemas econômicos? Um caso em evidência, nessa semana que passou, é a encrenca do Orçamento.
Os detalhes técnicos são menos importantes que atentar para o modo como os representantes do povo fazem as escolhas sociais. São os parlamentares eleitos que devem escolher entre o Bolsa Família e o Bolsa Empresário, ou entre a habitação popular e o submarino nuclear (ou as fragatas da Marinha), ou entre os auxílios emergenciais e as emendas parlamentares paroquiais.
Entretanto, no Brasil, por estranho que pareça, o Parlamento não gosta de escolhas, pois sempre há perdedores.
A melhor escapatória, e de longe a mais comum, consiste em questionar a necessidade de escolher, negandose a reconhecer a existência de qualquer limitação aos recursos existentes.
Só assim é possível ficar com o almoço e com o dinheiro. Muitos parlamentares preferem duvidar da escassez, para não competir entre si ou confrontar seus coleguinhas.
Parece sempre mais cômodo antagonizar o pessoal da área econômica.
Ou mesmo a própria ideia de responsabilidade fiscal. Ou negar a existência de "restrições orçamentárias".
Ou dizer que o ministro esconde o dinheiro.
Não será sempre necessário, conveniente e fotogênico duvidar da escassez e, heroicamente, explorar a possibilidade de realizar todos os sonhos, a despeito das (im)possibilidades? Vai que funciona.
Esse é o negacionismo fiscal, uma doença antiga, fácil de se contrair em Brasília, pois começa com a compulsão em não desagradar ninguém, prossegue com nosso espírito aventureiro (o gosto pela solução mágica) e parece ganhar nova vitalidade com a pandemia.
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