Uma permanente obsessão com o desenvolvimento (do país e próprio)
Paulo Roberto de Almeida
Até onde me lembro de minha infância, a imagem mais fugaz, já andando e aprendendo a me comunicar, é a de minha mãe me dando banho numa bacia, com água morna na caneca, numa casinha ainda sem reboco em algumas peças, sem chuveiro elétrico, telefone ou televisão (que só “chegaram” bem mais tarde) e até sem geladeira: havia um “armário” onde se colocava uma barra de gelo trazida por alguém de carrocinha. O chuveiro no começo era de água natural, daí a bacia providencial.
Ou seja, nada de muito diferente de milhares, de milhões de outras famílias, no Brasil e no mundo, ainda hoje, mais de meio século depois da passagem da infância.
Não havia livros ou revistas em casa, pois meus pais tinham apenas o primário incompleto, sendo os avós perfeitamente analfabetos. Minha “sorte” foi ter uma biblioteca infantil nas cercanias, uma quadra e meia, que passei a frequentar ainda antes de aprender a ler, na “tardia” idade de sete anos (eu calculo que “perdi” dois ou três anos de leituras, pois poderia ter começado mais cedo, se outras fossem as condições familiares).
Mas depois que aprendi a ler, nunca mais parei, e devo a oportunidade à existência da Biblioteca Infantil Anne Frank, perto de minha casa, onde podia me refugiar todas as tardes enquanto não comecei a “trabalhar” (muito cedo mesmo). Mas mesmo trabalhando, conseguia retirar livros que eu lia na cama até que minha mãe apagasse a luz (não muito tarde).
Acesso a livros e vontade própria foram as portas de meu ingresso no mundo das reflexões de porque alguns eram tão ricos e outros permaneciam pobres por largo tempo. Essa é a mais simples definição de toda uma vida voltada para o estudo das razões e requerimentos do progresso humano e social, uma obsessão que ainda não se extinguiu muitas décadas depois que comecei a pensar nas diferenças entre pessoas, comunidades e países.
Minha trajetória não é muito diferente da de milhares, milhões de outras crianças e jovens saídos de uma pobreza ancestral — que nunca foi a de uma miséria estrutural, como em certos países ou mesmo em regiões do próprio Brasil — para uma lenta ascensão pelo estudo e pelo trabalho.
A diferença, talvez, seja a de que eu continuo me angustiando com a falta de progressos de concidadãos ou de outros povos e nações. No meu caso, e no de muitos outros, estudo e trabalho foram as molas propulsoras: elas não podem ser apenas externas, resultado da assistência pública, e sim inerentes a cada indivíduo e situação, mas algumas externalidades positivas precisam existir. Tive essa sorte, ou esforço, familiar e pessoal.
Outros também precisam ter. Continuo focado nessa via.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/04/2025
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