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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Radicalização cresce no Telegram e grupos bolsonaristas pedem até ‘contragolpe’ no STF (Estadão)

 Parece que o “golpe” está sendo furiosamente preparado pelos malucos bolsonaristas. O xerife Xandão vai ter de entrar em ação antes do fatídico 7 de setembro do bicentenário. Leiam esta longa reportagem do Estadão.

Paulo Roberto de Almeida

Radicalização cresce no Telegram e grupos bolsonaristas pedem até ‘contragolpe’ no STF

Estudo revela troca de mensagens com desinformação sobre a covid-19 e existência de um suposto complô para fraudar a eleição, além de estratégias para escapar de monitoramento na plataforma

Redação, Estadão, 17 de agosto de 2022 | 12h26


A radicalização nos grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Telegram aumenta na medida em que a eleição se aproxima. Usuários do aplicativo de troca de mensagens chegam a pedir um “contragolpe” das Forças Armadas contra o Supremo Tribunal Federal (STF), além de adotar estratégias para escapar da moderação e do monitoramento de conteúdos na plataforma.

O relatório Democracia Digital, elaborado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostra a intensificação dos ataques à Corte desde junho, quando se tornaram mais frequentes as convocações para os atos de 7 de Setembro. Bolsonaro tem chamado reiteradamente apoiadores a participar das manifestações.

Logo do Telegram aparece em cima de teclado e à frente de tela escura que exibe códigos binários na cor verde

No Telegram, o Estadão detectou mensagens em grupos bolsonaristas que estimulam apoiadores do presidente a irem às ruas com faixas nas quais defendam a convocação das Forças Armadas para a elaboração de uma nova Constituição que criminalize o comunismo. Foto: Dado Ruvic/Reuters

No ano passado, o feriado da Independência ficou marcado pelo discurso inflamado do presidente contra ministros do Supremo, em São Paulo. Em junho deste ano, os pedidos de apoio ao voto impresso – principal pauta dos protestos de 2021 –, diminuíram significativamente para dar lugar a discursos de incitação a um golpe de Estado.

“Percebe-se um forte esforço para fomentar a percepção de ameaça e de vitimização, que justifica a necessidade de ação imediata”, diz o relatório Democracia Digital. O presidente é um defensor do voto impresso e, mesmo sem apresentar provas, põe sob suspeita o sistema de votação eletrônica, ao afirmar que as urnas são passíveis de fraude. Bolsonaro tem se recusado, ainda, a dizer se reconhecerá o resultado do pleito, caso seja derrotado.

Print de conversa do Telegram detectado pelo Estadão. Ministro Alexandre de Moraes é constantemente menciona em grupos. Foto: Reprodução

O levantamento analisou conteúdos publicados entre o primeiro dia de janeiro e o último de junho deste ano. Foram mais de 6,4 milhões de mensagens coletadas em 156 grupos – onde é possível discutir assuntos entre usuários – e 479 canais do Telegram – que funcionam como listas de transmissão. Foram capturadas, ainda, 641 mil imagens no aplicativo. Segundo pesquisa Mobile Time/Opinion Box de fevereiro deste ano, o Telegram está instalado em 60% dos smartphones no Brasil. Em junho, se tornou o 4º aplicativo mais popular do Brasil em presença na homescreen (tela inicial do dispositivo).

Os pesquisadores desenvolveram um filtro para mensagens de texto com menção a termos específicos. Das 112.636 mensagens publicadas nesse formato em 145 grupos e 349 canais analisados, destacam-se desinformação sobre a covid-19 e a existência de um suposto complô para fraudar a eleição e impedir a vitória de Bolsonaro.

“O número de mensagens que estão aparecendo sobre o 7 de Setembro desde o início deste ano é muito maior do que no ano passado”, diz Leonardo Nascimento, um dos coordenadores da pesquisa, produzida em parceria com Letícia Maria Cesarino e Paulo Fonseca.

Convocação

No Telegram, o Estadão detectou mensagens em grupos bolsonaristas que estimulam apoiadores do presidente a irem às ruas com faixas nas quais defendam a convocação das Forças Armadas para a elaboração de uma nova Constituição que criminalize o comunismo. Uma delas pede a destituição dos ministros do STF, com exceção de Kássio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro.

As mensagens de convocação justificam que o Exército precisa executar um “contragolpe” para impedir que o PT e o Supremo deem um golpe de Estado por meio de uma fraude eleitoral. Hoje, Luiz Inácio Lula da Silva, petista e ex-presidente, lidera as pesquisas de intenções de voto na corrida pelo Palácio do Planalto.

Print de conversa do Telegram detectado pelo Estadão. Grupos bolsonaristas afirmam que o STF já deu um golpe. Foto: Reprodução

Uma das mensagens afirma, ainda, que o País estaria em marcha para um “golpe nas eleições”. “É isso mesmo? Será que ninguém percebe que um Poder há muito tempo já arregaçou com a nossa Constituição e não está nem aí com as quatros linhas?”, questiona, em referência à expressão futebolística usada por Bolsonaro de que ele atua dentro das regras constitucionais. “(O dia) 7 de Setembro será nossa última chance”, diz o texto.

A professora de Comunicação, Mídia e Democracia da Universidade de Glasgow Patrícia Rossini diz que grupos políticos muito ativos e radicalizados seguem a lógica de transmissão do conteúdo para outros círculos, a fim de furar as bolhas do mundo digital. “São mensagens fortes e preocupantes do ponto de vista do ataque à democracia que podem chegar a grupos de família, amigos de confiança, que a maioria dos brasileiros está em pelo menos um”, afirma.

Estratégias

Em março deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, chegou a determinar a suspensão “completa e integral” do aplicativo de troca de mensagens russo, por descumprimento de medidas judiciais anteriores, que exigiam ações como o bloqueio de perfis ligados ao blogueiro bolsonarista Allan do Santos. Após a plataforma cumprir as medidas que haviam sido ordenadas, Moraes revogou a suspensão.

O aplicativo firmou um memorando de entendimento com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em abril. Das medidas tomadas para conter a disseminação de notícias falsas, o Telegram passou a monitorar diária e manualmente os cem canais mais populares do Brasil. Segundo a empresa, eles são responsáveis por 95% de todas as visualizações de mensagens públicas do aplicativo no País.

No entanto, para driblar a moderação, há grupos que cifram as mensagens, mostra o relatório. O “supergrupo B-38 oficial”, um dos principais aglomerados de apoiadores de Bolsonaro no Telegram, já foi suspenso em maio deste ano até que moderadores removessem um conteúdo ilegal. Desde que retomou as atividades no dia seguinte, usa um recurso automático de remoção das mensagens após 24 horas.

O estudo detectou também que há grupos que mudaram de nome mais de uma vez, realizaram eventos de apagamento de milhares de mensagens e restringiram o acesso, tornando-os privados e apenas possível de acessá-los por convite.

Outra ação adotada foi o uso de substituição de palavras-chave por códigos. Em vez de escrever STF, urnas eletrônicas ou até nomes de ministros com letras do alfabeto latino, usuários optam por mudar o S por $ e o A por 4, por exemplo. Com isso, os conteúdos ficam mais difíceis de serem encontrados em buscas ou por moderadores da plataforma. O mesmo recurso é usado por usuários do YouTube – site de exibição de vídeos – para fugir da moderação automática de conteúdo.

Recirculação

O YouTube lidera, em termos de links, os endereços divulgados no Telegram para redirecionar a outro conteúdo. Foram mais de 530 mil links gerados que levaram à rede.

Para Leonardo Nascimento, da UFBA, essa recirculação mostra que o desafio imposto pela desinformação é multiplataforma. “O problema não é o Telegram, mas o ecossistema de desinformação”, disse.

“Esforços individuais de plataformas específicas não vão resolver o problema da desinformação. É preciso esforços multiplataformas, com especialistas do governo e da academia analisando e, se possível, de maneira transnacional.”

O analista de dados do Rooted in Trust Brazil e pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) João Guilherme dos Santos vê facilidades na distribuição de desinformação quando o Telegram atua com o WhatsApp ou replica conteúdos do YouTube. “É muito importante entender o Telegram não como algo isolado, mas como uma peça, uma engrenagem dentro de uma arma”, diz.

Procurado, o Telegram não respondeu até a publicação desta reportagem. /Levy Teles e Gustavo Queiroz

Tudo o que sabemos sobre: TelegramEleições 2022fake newsgolpe militardemocraciaJair Bolsonaro”


Finalizo (PRA):

Parece que o Brasil está prestes a cair sob o comunismo, mas uma tropa de abnegados seguidores do capitão vai salvar o país desta desgraça. 

Retifico minha avaliação: não é mais apenas um fenômeno, mas tampouco é um movimento, no sentido clássico da palavra. Trata-se de uma loucura generalizada entre os mais extremados adoradores do “mito”, disseminada de forma errática em difeentes plataformas — com destaque para o Telegram - e que deveria culminar nessa catarse coletiva do 7/09.

Aux armes, citoyens, literalmente e para ambos os lados…

Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Independencia: uma explicacao para a data do 7 de Setembro

Por que se comemora no dia 07 de setembro a independencia do Brasil ? A cientista política e historiadora Isabel Lustosa explica, em esclarecedor artigo, porque o dia 07 de setembro foi "inventado" para a comemoração da Independencia do Brasil...

A invenção do 7 de Setembro
Isabel Lustosa
O Estado de S.Paulo, 7/09/2010

Quando se deu realmente a Independência do Brasil? Porque, quando consultamos os jornais de 1822, não há nenhuma referência ao que se passou nas margens do Ipiranga em 7 de setembro? Porque aquele episódio foi escolhido em detrimento de outros, quando sabe que, em 1822, a data tomada como marco da Independência foi o 12 de outubro, dia do aniversário de dom Pedro I e de sua aclamação como imperador? Essas e outras questões foram respondidas, em artigo de enorme valor acadêmico, porém pouco conhecido, publicado em 1995, pela historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Intrigada com o silêncio da documentação e das publicações do ano de 1822 sobre o 7 de setembro, Lourdes Lyra devassou essa história e estabeleceu ponto por ponto o processo e os interesses envolvidos na escolha do 7 de setembro como data da Independência. Um ponto que merece realce é que os documentos que supostamente dom Pedro I teria lido às margens do Ipiranga no dia 7 só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de setembro. Outro é que o primeiro relato detalhado do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, em momento de desprestígio do imperador diante dos brasileiros que tinham feito a Independência e que se indignaram com as bases do tratado assinado com Portugal.

A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização. O patente interesse de dom Pedro em conservar seus direitos à sucessão do trono de Portugal, que essa fórmula do tratado revelava, apontava no sentido de uma posterior reunificação dos dois reinos.

Um príncipe que se declarara constitucional, que desde o Fico (9 de janeiro de 1821) vinha sendo aclamado até pelos setores mais liberais, que rompera com Lisboa e convocara eleições para uma Assembleia Constituinte, tão amado que recebera da Câmara o título de Defensor Perpétuo do Brasil, fora pouco a pouco se convertendo num tirano. Primeiro, ao dissolver a Assembleia Constituinte, depois, pela forma violenta com que reprimiu a Confederação do Equador e, finalmente, pela assinatura do vergonhoso tratado.

É nesse contexto que a escolha do 7 de setembro como data da Independência ganha sentido. Segundo Lourdes Lyra, até então tinham sido consideradas as seguintes datas decisivas para o processo: o 9 de janeiro, dia do Fico; o 3 de maio, dia da inauguração da Assembleia Constituinte Brasileira; e o 12 de outubro, dia da Aclamação. Foi o esforço concentrado do Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) do Rio de Janeiro, durante o mês de setembro de 1822, enviando mensagem à Câmaras das principais vilas do Brasil - num tempo em que eram as vilas e cidades as instâncias decisivas da política portuguesa -, que fez com que, na fórmula consagrada, constasse que dom Pedro fora feito imperador pela "unânime aclamação dos povos". Foi o apoio das Câmaras e de setores da elite e do povo do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais que deu forças ao príncipe para se contrapor às decisões de Lisboa.

Segundo bem demonstra Lourdes Lyra, a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império. Essa obra in progress foi reforçada ainda naquele ano pela publicação do famoso relato do padre Belchior, a primeira descrição minuciosa dos fatos que se verificaram às margens do Ipiranga por uma testemunha ocular da História. Ao lado deste, dois outros relatos publicados bem mais tarde por membros do grupo que acompanhou dom Pedro a São Paulo passariam a ser a fonte privilegiada para o estudo da data.

O coroamento da obra se deveria ao Visconde de Cairu, intelectual respeitado que se conservou sempre aos pés do trono. Em sua História do Brasil, publicada em partes entre 1827 e 1830, Cairu afirma que a Independência do Brasil foi "obra espontânea e única" de dom Pedro, que a tinha proclamado "estando fora da Corte, sem ministros e conselheiros de Estado, sem solicitação e moral força de requerimento dos povos". Estava entronizado o mito do herói salvador, e postos na sombra os outros protagonistas, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo e os membros de todas as Câmaras que impulsionaram e sustentaram o príncipe em suas decisões. Sem esse poderoso elenco de coadjuvantes, ao contrário do que afirma Cairu, não teria ocorrido a Independência.

É interessante como símbolos forjados a partir de circunstâncias fortuitas se podem transformar com o tempo. Prova de que na memorabilia pátria menos que os fatos importam o peso que a tradição lhes imprimiu. Foi assim, durante todo o Império com a Constituição de 1824. O gesto de sua criação - ela foi outorgada, e não resultou da deliberação de uma Assembleia - não impediu que ela fosse respeitada e sacramentada até muito depois da deposição de dom Pedro I. O mesmo se deu com o 7 de setembro. A data impôs-se sobre as demais, hoje esquecidas, e continuou a ser festejada com o mesmo entusiasmo depois da abdicação, em 7 de abril de 1831, e bem depois de proclamada a República.

Isabel Lustosa (Cientista Política pelo IUPERJ, é historiadora da Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro). Artigo publicado no O ESTADO DE S. PAULO ( terça-feira, 7 de setembro de 2010)