A versão pessimista da História, aliás sem muitos adjetivos
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre o predomínio temporário do autoritarismo na política mundial
Minha dose de realismo pessimista, por uma vez, embora contrariando o título desta nota. Estamos mal-acostumados com a versão evolutiva-positiva da História: do escravismo e da autocracia, para uma servidão com alguma representação da maioria, daí para a cidadania republicana parlamentar, para os direitos humanos e para a plena expressão dos direitos individuais e coletivos, em regimes democráticos estáveis. Tudo isso é garantido?
Pode ser, mas não imediatamente ou na próxima curva.
E se a História não for essa ascensão evolutiva para a paz universal kantiana e do respeito pleno pelas liberdades democráticas, como pretendem ideólogos iluministas? E se ela for uma trajetória de ensaio e erro num caminho tortuoso que vai de regimes representativos temporários, para autoritarismos populistas, regimes de pão e circo, embrutecimento das massas pela demagogia e pela religião, manipulação paranoica do medo das massas bárbaras que se acumulam nas fronteiras?
A verdade é que ninguém sabe prever o futuro do império eslavo sob o czar Putin ou o do Império do Meio sob o imperador Xi, dois impérios multisseculares, bem mais resilientes do que nossas “jovens” democracias ocidentais, que têm pouco mais de 200 anos. Podemos ter de suportar várias décadas de duas fortes autocracias, sem esperanças de vê-las evoluir para regimes democráticos. A História é dura para espíritos idealistas como este mesmo que aqui escreve.
Nem o Sul Global, uma comunidade que simplesmente não existe — e que é apenas o resto do que sobrou de alguns poucos impérios democráticos do Ocidente outrora dominador, de um lado, ecdas grandes autocracias, do outro —, nem esse diáfano Sul Global têm qualquer consistência para influenciar o futuro da política global e da geopolítica.
A verdade é que o futuro da humanidade paira entre uma hesitante democratização, influenciada por frágeis regimes democráticos, e uma estagnação autoritária, fortemente pressionada por duas grandes autocracias que por enquanto lograram congelar a marcha para aquela via democrática desejada. Ditaduras são temporariamente mais efetivas, pois que eliminam a contestação pela força bruta, pela supressão dos dissidentes, por um controle social extensivo.
Democracias são mais estáveis, mas limitadas e não expansionistas: os países democráticos só o são há pouco mais de 200 anos. Os impérios autocráticos são mais resilientes: sobrevivem há mais tempo, embora com sobressaltos, e muita opressão dos súditos ou dos cidadãos.
O mundo todo não será pacífico e democrático antes de muitos anos, mais exatamente por décadas. Tampouco será próspero, como gostaríamos que fosse, e isso não tem nada a ver com o neoliberalismo ou com o capitalismo puro e duro. Tem a ver, pura e simplesmente, com a falta de educação das grandes massas, com a ignorância persistente em grandes unidades imperiais, mesmo numa grande democracia, como pareciam ser os EUA. Massas ignaras são um terreno fértil para demagogos autoritários, para populistas mentirosos, para simples oportunistas falastrões.
Chegamos ao Nelson Rodrigues de verdade: será verdade que o século XX assistiu à ascensão dos idiotas? Parcialmente! Eles sempre existiram, mas antes eram silenciosos, pois que desprovidos de meios e ferramentas. Agora, qualquer idiota tem um celular e canais de comunicação à disposição, para espalhar um besteirol dos mais medíocres. Fazem um bocado de barulho, geralmente improdutivo. Os autoritários tiram proveito dessa situação. Mas justamente porque são autoritários, concentram poder, provocam crises e criam impasses. As democracias estáveis se mantêm, embora isoladas e menos influentes, pois não tem vocação à chantagem e à opressão.
Continuo achando que as democracias prevalecerão, mas só no longo prazo e com algum sacrifício de meios. Sou apenas um otimista cético, ou um idealista realista.
Os que não concordam podem me contestar.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4669, 11 maio 2024, 2 p.