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domingo, 24 de março de 2019

Perdao Barao, mil perdoes - Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Só nos resta pedir perdão ao Barão. Por Maria Helena RR de Sousa


José Maria da Silva Paranhos Junior, Barão do Rio Branco 

Só nos resta pedir perdão ao Barão

Maria Helena RR de Sousa

… Como testemunho do quanto foi amado pelos brasileiros e sobretudo pelos fluminenses, basta lembrar que Rio Branco faleceu durante o Carnaval de 1912 e que as festas foram canceladas em homenagem à passagem de seu cortejo fúnebre. Não conheço outra homenagem mais ex-corde do que essa…

(PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DO NOBLAT,
VEJA ONLINE,  22 DE MARÇO DE 2019)

José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, foi um dos mais notáveis homens públicos brasileiros. A ele devemos nosso mapa, nossas fronteiras. A ele devemos o instituto da diplomacia de grande mérito, com o Ministério das Relações Exteriores que comandou durante 10 anos sendo objeto da admiração de vários países do mundo.
Diplomata,  político, advogado, geógrafo e historiador, homem tímido, Rio Branco foi uma das maiores figuras da nossa História. Um erudito que tinha paixão por servir à Pátria. Como testemunho do quanto foi amado pelos brasileiros e sobretudo pelos fluminenses, basta lembrar que Rio Branco faleceu durante o Carnaval de 1912 e que as festas foram canceladas em homenagem à passagem de seu cortejo fúnebre. Não conheço outra homenagem mais ex-corde do que essa.
… Bolsonaro levou em sua entourage o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que disse que o Brasil ocupava um posto na  liderança mundial. De onde ele tirou isso, se nem na liderança regional estamos?  Basta ver que para uma primeira visita presidencial escolhemos Washington e não uma capital latino-americana. E tem mais: nossa aproximação foi com Trump e não com os EUA.
Pois é a esse homem que venho aqui pedir perdão. A vergonha que passamos nessa extemporânea viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos teria magoado profundamente o Barão. A imprensa americana, mais antenada que a nossa, comentou com muita propriedade quem é nosso presidente: “o capitão foi uma escolha triste para o Brasil”. Para o The New York Times, por exemplo, Bolsonaro “é um político de direita com pontos de vista repulsivos”. Referia-se, certamente, ao momento em que Bolsonaro disse que preferia que seu filho morresse a que fosse homossexual…
Pois foi esse homem que, numa visita sem motivo aparente, foi recebido no Salão Oval da Casa Branca por um Trump extremamente envaidecido com toda a sabujice do brasileiro por ele.
Que não foi pouca. Além de garantir que Trump será reeleito no ano que vem, Bolsonaro ainda se jactou do apoio que dá a grande parte das decisões do líder americano, ou seja, declarando-se engajado com a política da Casa Branca. Que política é essa? O muro na fronteira com o México, possíveis ações contra a ditadura venezuelana?  Ele disse qual seria o limite desse engajamento? Não, não disse. Mas nós, ensinados pelo saudoso Barão, bem sabemos que engajamento é muito mais forte que alinhamento.
Bolsonaro levou em sua entourage o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que disse que o Brasil ocupava um posto na  liderança mundial. De onde ele tirou isso, se nem na liderança regional estamos?  Basta ver que para uma primeira visita presidencial escolhemos Washington e não uma capital latino-americana. E tem mais: nossa aproximação foi com Trump e não com os EUA.
Ernesto Araújo ouviu bem o que conversaram os dois presidentes no Salão Oval? Claro que não. Ele não participou, quem participou foi o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, policial federal de carreira e que hoje ocupa o cargo de deputado federal por São Paulo. Foi ele quem ouviu a piadinha machista e sem graça de Bolsonaro, foi ele quem assistiu a louvação que seu pai  fez ao americano. Foi ele também quem testemunhou a decisão bolsonarista de eximir americanos, canadenses, australianos e japoneses de visto para entrar no Brasil. E foi ele também que ouviu Bolsonaro se referir ao país do norte como nossos Estados Unidos.
Por essa o Barão, que tanto prezava o amor ao Brasil, certamente não esperava… Durante toda sua vida Juca Paranhos se preocupou com a imagem do país lá fora. Para que: para um pouco mais de um século após sua morte, vir um chanceler de araque e admitir que se dissesse, em plena embaixada do Brasil em Washington, que Bolsonaro ama a Coca-Cola, a Disney e os jeans…
Nessa mesma embaixada, o escritor Olavo de Carvalho foi saudado como grande intelectual brasileiro. Pois é. A isso chegamos. Dizem que ele almeja ser nosso embaixador nos EUA. Sabem de uma coisa? Vou me alinhar à sua torcida. Acho que este governo merece ser representado pelo Olavo e creio também que Trump merece a honra.
Perdão, Barão. Mil perdões. Mas assim é, se lhe parece…
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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa: Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Juca Paranhos, o barao - resenha do livro L. C. Villafane por Roberto Pompeu de Toledo


Uma fábula
Roberto Pompeu de Toledo
VEJA, 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

Em 17 de abril de 1910 entrou festivamente na Baía de Guanabara, vindo dos estaleiros da Inglaterra, o encouraçado Minas Gerais, navio da classe dreadnought, o que havia de mais avançado na época, e sua chegada desencadeou uma onda de patriotismo. Para o jornal O País, o “vulto de aço” da embarcação simbolizava “o Brasil novo, opulento e poderoso que vai na rota de progresso e civilização”. Para a Gazeta de Notícias, incumbiria ao Minas Gerais, “pedaço flutuante da pátria”, levar pelos mares “a força afirmativa da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização”. Contada no recém-lançado Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, exemplar biografia do patrono da diplomacia brasileira escrita por Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a história iniciada com a chegada da portentosa embarcação desdobra-se em dois atos e encerra-se como uma fábula.
A causa do reaparelhamento da Marinha brasileira teve em Rio Branco seu mais ardente defensor. A seu ver, tratava-se de contraponto indispensável ao laborioso quebra-cabeça com que negociava nossas fronteiras e toureava as rivalidades e desconfianças com os vizinhos. O governo brasileiro decidiu jogar alto, e optou por encomendar logo três dreadnoughts, a nova maravilha dos mares, lançada em 1906 pela Inglaterra. Em especial, naqueles anos, preocupavam a superioridade militar da Argentina e as pretensões do Peru a nacos do território brasileiro. Por questão de custo, a encomenda foi reduzida a dois, mas ainda assim causava furor. À chegada do Minas Gerais, o primeiro deles, as celebrações incluíram uma canção que aproveitava a melodia da italiana Vieni sul Mar, para honrar o navio com o estribilho, “Oh, Minas Gerais”. (Com letra modificada, em anos posteriores a canção passaria a celebrar o Estado de Minas Gerais.)
O segundo dreadnought, batizado São Paulo, chegou em outubro, bem a tempo de ser incluído no elenco no ato 2 da nossa fábula. Em 22 de novembro, aproveitando-se da ausência do comandante, João Batista das Neves, que saíra para jantar num navio francês em visita ao Rio, a tripulação do Minas Gerais apoderou-se do navio. Ao voltar a bordo, Neves foi saudado aos gritos de “Abaixo a chibata” e morto ao tentar uma reação.
Os navios iam e vinham, exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência
   
A insubordinação dos marinheiros, remoída por anos, explodira ao impacto das 250 chibatadas aplicadas na antevéspera a um companheiro. A Revolta da Chibata espalhou-se por outros cinco navios estacionados na Baía de Guanabara. A fina flor da Armada brasileira passara às mãos da chucra marujada, sob o comando de João Cândido, o “Almirante Negro”, como seria apelidado.
Que fazer? Os navios iam e vinham nas águas da baía exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência. O governo manteve-se pasmo e paralisado até o dia 25, quando se decidiu pelo ataque aos rebeldes. “Rio Branco se desesperou”, escreve Villafañe Santos. “Assustava-o a perspectiva de ver os principais navios da Armada brasileira destruídos e, em consequência, o Brasil, outra vez, em total inferioridade de meios militares frente a seus vizinhos.” O chanceler chegou a procurar o oficial encarregado do ataque, na tentativa de dissuadi-lo. Afinal, o destino inglório de ver os dreadnoughts, tinindo de novos, arrasados pelas próprias forças a que deviam integrar-se foi evitado depois de negociações no Congresso que incluíram, no dia 26, a promessa de anistia aos revoltosos.
A promessa não foi cumprida. Dois dias depois a repressão já começava a baixar sem piedade contra os amotinados — mas essa é outra história. Interessa-nos o contraste entre o sonho de potência de abril de 1910, à chegada do Minas Gerais, e a realidade de uma Marinha que tratava os marujos a chibatadas, exposta em novembro. “O episódio conta muito sobre a ilusão de modernidade e prosperidade de um país no qual pouco mais de um par de décadas antes a posse de outros seres humanos era legalizada e cuja economia se baseava na exportação de uns poucos produtos agrícolas”, escreve o autor do livro. A frustração bateu forte em Rio Branco. Um contemporâneo, Carlos de Laet, data daí a decadência física que o levaria à morte, um ano e dois meses depois.
Outras histórias oferecem morais já prontas à fábula que poderia ter por título “O dreadnought e a chibata”. O rei estava nu, caberia dizer, ou: o ídolo tinha pés de barro. Formulemos a nossa própria moral. Brincar de “Brasil novo, opulento e poderoso”, orgulhoso “da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização” (para repetir os arroubos ufanistas na chegada do Minas Gerais), só vale quando se traz o povo junto.
Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

sábado, 1 de dezembro de 2018

Biografia de Rio Branco por Villafane - Resenha de Marcos Guterman (OESP)

Biografia avalia influência do Barão de Rio Branco na diplomacia atual

O Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece resistir a qualquer grupo que esteja no poder

Marcos Guterman, O Estado de S.Paulo 
01 Dezembro 2018 | 16h00

Houve considerável burburinho em torno da nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro das Relações Exteriores do futuro governo de Jair Bolsonaro. As controvertidas opiniões externadas no passado recente por esse jovem diplomata a propósito de grandes questões globais — e do lugar do Brasil no mundo — ganharam enorme destaque, não somente porque serviram para revelar algo do pensamento do futuro chefe da diplomacia nacional, mas principalmente porque, na avaliação de vários especialistas, tal pensamento, se convertido em ação, ameaçaria romper a preciosa tradição diplomática brasileira.  
Para começar, Ernesto Araújo manifestou admiração incondicional pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, para o chanceler de Bolsonaro, é nada menos que o salvador do Ocidente – espécie de instrumento de Deus para impedir a completa corrupção dos valores nacionais e cristãos pelo que ele chama de “globalismo”. Diferentemente da globalização, o “globalismo” seria a expressão de um império burocrático supranacional, de inspiração marxista, capaz de ditar normas em outros países, muitas vezes à revelia dos seus povos. Esse império se manifestaria na forma de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial do Comércio, e de entidades políticas, como a União Europeia, mas também na forma de imposição de valores globais supostamente contrários aos costumes mais caros de cada nação. Portanto, não seriam apenas os Estados-nação que estariam sob ameaça; é a própria ideia de família, na acepção cristã e ocidental, que correria risco mortal. 

Ilustração do Barão do Rio Branco na capa da revista 'O Malho' de agosto de 1908 Foto: O Malho

Não é preciso detalhar mais essa visão de mundo para supor que, se transformada em guia da política externa brasileira, faria do Itamaraty algo radicalmente diferente do que é hoje e do que foi quase sempre desde a instauração da República. Por esse motivo, mais do que nunca, é preciso saber que tradição diplomática brasileira é essa para se ter uma noção do que o País está prestes a perder, caso a ideologia antiglobalista seja convertida em orientação oficial para os embaixadores do Brasil ao redor do mundo.
Um excelente começo é a leitura do livro Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, biografia daquele que é considerado o fundador da diplomacia nacional tal como a conhecemos. O autor do trabalho é o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, que já produziu outras obras importantes baseadas na vida e na trajetória desse imenso personagem da história do Brasil. Seu novo livro, contudo, é bem mais ambicioso, pois está claro que o biografado não é apenas o Barão do Rio Branco, mas a própria doutrina que rege as relações do Brasil com o resto do mundo. 
Assim, Villafañe não deixa de contar em detalhes as agruras financeiras do perdulário Juca Paranhos, suas aventuras boêmias no cabaré Alcazar, no Rio de Janeiro, e seu rumoroso relacionamento com uma dançarina belga, com quem teve cinco filhos e cujo matrimônio só oficializou depois de 17 anos de relacionamento. Essas saborosas informações conferem humanidade à imagem do calvo e bigodudo senhor que estampou a cédula de mil cruzeiros, que circulou de 1978 a 1989 e, apropriadamente, era conhecida como “barão”. Mas a biografia de Rio Branco vai muito além das questões pessoais ou de sua fama; lá está a gênese da essência do pensamento diplomático brasileiro. 
Essa essência, conforme demonstra Villafañe, está na suposta indisposição atávica do Brasil para o confronto. A genialidade de Rio Branco, a julgar pelo que vai nas páginas dessa biografia, foi a de transformar em virtude a evidente fragilidade brasileira – sempre às voltas com magros orçamentos para o setor de Defesa e com o crônico despreparo de suas Forças Armadas para a eventualidade de uma guerra. Sem ter condições de se impor pela força, a despeito de seu gigantismo, o Brasil de Rio Branco, entre o final do século 19 e o início do século 20, apresentou-se ao mundo como uma nação inclinada à “bonomia”, isto é, com espírito naturalmente voltado para o diálogo. 
Ao protagonizar algumas das mais importantes negociações de fronteiras com vizinhos e com as potências imperialistas da época, Rio Branco não somente ajudou a desenhar o Brasil – o que por si só já lhe garantiria um lugar de destaque no panteão nacional –, mas principalmente forjou no imaginário brasileiro a ideia de que o País repudia o uso da força, resolve litígios na base dos acordos, não tem alinhamento automático com nenhum outro país e advoga firmemente pela não intervenção. Foi assim que os países derrotados pela habilidade de Rio Branco nos contenciosos em que ele se envolveu não se tornaram inimigos; ao contrário, são até hoje firmes parceiros diplomáticos e comerciais, sendo a Argentina o caso mais notável. 
Tudo isso foi possível porque Rio Branco de fato acreditava que o Brasil podia fazer valer seus direitos territoriais pela via da negociação, bastando para isso construir argumentos sólidos – algo que demandava trabalho árduo, ampla investigação em documentos históricos e profundos conhecimentos geográficos. Rio Branco, ainda antes de se tornar chanceler, havia se revelado infatigável estudioso das questões fronteiriças nas quais se envolveu. Era, no dizer do autor, o “exército de um homem só” da diplomacia brasileira nesses contenciosos. E o resultado de tamanho esforço foi recompensado pelo reconhecimento de seus contemporâneos por seu trabalho como “reintegrador do Brasil”, nas palavras de Rui Barbosa. 
Rio Branco, contudo, hesitou em aceitar o cargo de chanceler quando lhe foi oferecido em 1902 pelo então presidente Rodrigues Alves. Ele temia envolver-se na chamada política dos governadores, que deu poder às oligarquias estaduais – algo que Rio Branco, como bom monarquista, abominava. Tornou-se então ministro das Relações Exteriores com o compromisso de servir não aos partidos políticos resultantes daquele arranjo de poder, e sim ao Brasil – ou, ao menos, às suas convicções pessoais sobre o chamado “interesse nacional”, algo que demandaria uma formulação acima das paixões partidárias. Villafañe demonstra que é justamente esse discurso, a que se pode dar o nome genérico de “evangelho do Barão”, que baliza a ideia consagrada hoje no Itamaraty segundo a qual a política externa não pode se dobrar à política partidária e que a diplomacia é atividade para diplomatas profissionais, e não para políticos. 
A importância de Rio Branco na definição das fronteiras nacionais e principalmente no estabelecimento de uma doutrina para a diplomacia brasileira, ajudando o País a encontrar seu “lugar no mundo”, fez do Barão uma figura muito popular em sua época, e além dela.  
Mas Rio Branco foi um herói improvável. Monarquista empedernido, saudoso dos tempos da ordem emanada da figura do imperador, aceitou trabalhar pelo fortalecimento da nascente República, e o fez no campo em que se revelaria um gigante, isto é, na busca pela paz duradoura com os vizinhos, o que facilitou o desenvolvimento econômico do regime que ele, a princípio, combatia. Também abdicou de seu europeísmo aristocrático em favor de uma aproximação com os Estados Unidos, que ele via como contraponto ao perigoso imperialismo europeu e como natural e necessária “polícia” para enquadrar os países instáveis da América Latina.  
No fundo, Rio Branco nunca abandonou uma visão oligárquica do mundo, segundo a qual certos países, por serem civilizados, tinham a prerrogativa de “civilizar” os que teimavam em não compartilhar os valores ocidentais. Portanto, bastava ao Brasil andar na linha – isto é, respeitar e disseminar esses valores – para nada ter a temer em relação aos Estados Unidos. Mas esse pensamento de Rio Branco é fruto tão somente de seu tempo – em que o imperialismo era a norma. Seu legado extrapola em muito essas circunstâncias. Conforme demonstra Villafañe com brilhantismo, o Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece existir desde sempre e resistir a qualquer grupo que esteja no poder – mesmo aos governos do PT, que com tenacidade pretenderam reduzir a política externa aos fundamentos terceiro-mundistas do lulopetismo. 
Com Jair Bolsonaro no poder, essa notável tradição será mais uma vez duramente testada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Juca Paranhos, Barao do Rio Branco - Emb. Luis Claudio Villafane - 23/11, 10hs

IPRI: palestra-debate “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”


O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) tem o prazer de convidar para mais um evento da série “Diálogos Internacionais do IPRI” com a palestra-debate “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, em torno da obra recentemente publicada do embaixador Luís Claudio Villafañe G. Santos. 
O evento será realizado em 23 de novembro, às 10h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II do Ministério das Relações Exteriores.

domingo, 30 de setembro de 2018

Juca Paranhos, biografia do Barao do Rio Branco, de L.C. Villafanne G. Santos, por Mariana Alvim (BBC)

Caça a mapas antigos e espionagem: as aventuras do Barão de Rio Branco pelas fronteiras do Brasil

"Estão aí os traços característicos do segundo Rio Branco: genuíno patriotismo, culto amoroso ao pai, organização conservadora (...) São impulsos de um mesmo motor, o amor ao país."
As palavras do diplomata Joaquim Nabuco descrevem o Barão do Rio Branco, ou José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912) - filho do Visconde do Rio Branco, primeiro-ministro do Brasil e deputado conservador. Os elogios são o testemunho do momento em que o barão saía do desconhecimento para a exaltação após vencer uma disputa territorial contra a Argentina, em 1895 - cumprindo tardiamente um projeto de ascensão social traçado desde o nascimento pelo pai.
A imagem de um diplomata que só abre mão da timidez para colocar a erudição à serviço da pátria é pintada aí, perdurando até hoje na personificação do barão, uma das figuras históricas mais reverenciadas do país.

Mas um novo livro que acaba de chegar às livrarias mostra que essa é uma entre as várias versões possíveis do Barão do Rio Branco. Há também o Paranhos Júnior boêmio, decepcionado com seus rumos profissionais ou ainda às voltas com o sustento financeiro da família.
"Havia uma expectativa imensa em cima dele. Ele nasceu durante o Antigo Regime: naquele momento, a ideia de sucesso era fazer com que as famílias transcendessem. O pai, o visconde, é um filho ilegítimo que consegue uma ascensão social muito grande mas que só poderia ser completa ao transformar os Paranhos em uma das grandes famílias do império. Ele não conseguiria fazer isso sozinho, precisava dos filhos. E era (o barão do) Rio Branco quem seria o próximo patriarca da família", explica Luís Cláudio Villafañe, autor da biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, da Companhia das Letras.
A história de Juca Paranhos se entrelaça com marcos de importantes mudanças no Brasil - da transição da monarquia para a República ao fim da escravidão. Mas é só depois dos 50 anos de idade, em sua atuação em disputas por fronteiras contra a Argentina, França e Bolívia, que o barão do Rio Branco consegue imprimir sua digital na história do país.

Deputado pelo Mato Grosso sem nunca ter pisado lá

A biografia escrita por Villafañe detalha como, desde pequeno, cada passo de Juca Paranhos foi planejado com esmero pelo visconde. Esta trajetória incluiu a formação em Direito e o patrocínio do pai à carreira parlamentar, em que o barão assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo Mato Grosso sem sequer pisar naquela província - algo que só seria feito na véspera de um segundo mandato. O voto censitário se reduzia a algumas dezenas de pessoas: homens e com rendimentos acima de uma determinada faixa.
Membro do Partido Conservador, Juca carregaria consigo este posicionamento ideológico ao longo da vida. Era monarquista convicto também, tendo que se conformar e readaptar à chegada da República em 1889.
"Os Paranhos chegam no final da festa do Antigo Regime, e esta festa está acabando. Tudo o que eles não querem é que isso aconteça: eles partilham dos valores daquele regime e querem validá-los", explica Villafañe, que pesquisa a biografia do barão desde 2012. "O Barão do Rio Branco é uma grande janela deste mundo que está caindo e aquele que está surgindo."
'O Barão do Rio Branco é uma grande janela deste mundo que está caindo e aquele que está surgindo', aponta Luís Cláudio Villafañe
Nessa transição, o fim da escravidão expõe também a postura conservadora e aversa às rupturas de Juca. A promulgação da Lei do Ventre Livre levava a assinatura do pai, o visconde - correspondendo a uma vertente do Partido Conservador que via riscos de violência e imprevisibilidade na insistência à manutenção do trabalho escravo.
O filho teve atuação discreta neste processo e, posteriormente, defendeu uma transição gradual ao fim da escravidão - para ele, idealmente extinta somente com a morte do último cativo nascido antes da Lei do Ventre Livre. Nisso também foi vencido, já que a Lei Áurea é assinada em 1888.

Casamento tardio e a contragosto

Sem sorte no jogo da política, as coisas também não eram pacíficas no amor.
Se nos grandes planos do visconde para o filho estava a ascensão social, o casamento era um ponto crucial nesta trajetória. A realidade mostrou, porém, um cenário muito diferente da expectativa.
Juca Paranhos frequentava aquela que era uma das casas de espetáculos mais polêmicas do Rio de Janeiro, o Alcazar Lyrique du Père Arnaud, fundado na década de 1860 na atual rua Uruguaiana e uma afronta ao moralismo da época. Ali, Juca conheceu a jovem belga Marie Philomène Stevens, que foi tentar a vida no Rio se apresentando no palco do cabaré. Começou ali um relacionamento que nunca seria aprovado pelo visconde e se estendeu por mais de duas décadas, até a morte dela.
Eles tiveram cinco filhos, mas a belga nunca foi celebrada com uma parceira à altura por Juca. Por muitos anos, o barão era "oficialmente" solteiro e mantinha a família em outra casa. O casamento só veio 17 anos depois de relacionamento. No fim da vida, uma carta de Marie reproduzida na biografia escrita por Villafañe expõe as dores de um relacionamento conturbado - pelo qual, em outro documento, diz ter "pago muito caro por sua coroa de baronesa". 
"Eu já sofri tanto por ti que me é impossível responder com calma, já que tu só sabes me dizer coisas desagradáveis como quando me disse que todos seus filhos são desequilibrados porque eu sou a mãe deles e, além disso, não se discute com uma mulher que se crê louca", diz a carta.
A biografia mostra também que a vida privada e a fama de farrista pesou no círculo social e político no entorno de Juca - sendo quase um consenso que emperrou, por exemplo, sua nomeação como cônsul-geral do Brasil em Liverpool, posição que acabou por ocupar por quase duas décadas.

Visconde: morte com desgosto

É esta página da vida do filho a última que o Visconde do Rio Branco pôde ver. Há sinais de que ele morreu frustrado em suas expectativas de ascensão familiar, vendo o filho como um obscuro cônsul e longe de um "bom casamento".
"Tem até uma coisa até freudiana. O barão só vai brilhar depois que o pai morre", aponta Villafañe, atualmente diplomata do Brasil na Nicarágua.
Buscando uma recolocação na República e o contorno de dificuldades financeiras, o barão acaba conquistando de forma improvável a chefia da defesa do Brasil em uma arbitragem contra a Argentina, mediada pelos Estados Unidos, na disputa conhecida como a Questão de Palmas.
A Argentina reivindicava os territórios que hoje compõem parte do oeste do Paraná e Santa Catarina, argumentando que tratados do século 18 apontavam para uma divisão entre Portugal e Espanha definida pelos rios Jangada e Chapecó, e não pelo Pepiri-Guaçu e Santo Antônio - como seria favorável ao Brasil.
Com a assistência de auxiliares, o barão recuperou documentos e mapas em locais como o Arquivo Geral de Simancas, na Espanha, e o Depósito Geográfico do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França. Com cálculos matemáticos e interpretações historiográficas - como a de que a cartografia portuguesa era mais avançada que a espanhola no século 18 -, Juca conseguiu reunir evidências para a versão brasileira. 

Depois de se debruçar sobre montanhas de papéis em meio a noites mal dormidas, o barão tratou de conquistar também, nos Estados Unidos, autoridades e a opinião pública. Para isso, contratou um consultor jurídico nos EUA, John Bassett Moore, que abriria espaço para o acesso a membros da arbitragem americana.
"O lobby, como se comprova, é uma atividade com larga tradição nos Estados Unidos", diz a biografia de Villafañe.
Com o "trabalho inegavelmente brilhante", como classifica o autor, Paranhos Júnior foi vitorioso na disputa e finalmente consagrado por seu talento como geógrafo e historiador. Para um Brasil que se via às voltas com a violenta Revolução Federalista, a vitória contra a Argentina veio como uma redenção para o país e o presidente Floriano Peixoto. Juca foi recebido como herói nacional em meio ao carnaval de 1895, em que foi homenageado pelo Clube dos Fenianos, uma das grandes sociedades carnavalescas do Rio.
"Obviamente, ele era um grande erudito, mas ninguém sabia. Ele foi atrás (dessa conquista). E não é ilegítimo: ele foi se reconstruir como personagem. Isso é contrário às biografias em que ele aparece como um sujeito que nasceu pronto", aponta o escritor de Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco.

Frente a frente com o maior geógrafo do mundo

A fama com a Questão de Palmas o impulsionaria como principal representante brasileiro em outro imbróglio: a Questão do Amapá.
Tratava-se também de uma guerra de versões sobre rios acordados em tratados. Na prática, o Brasil poderia perder parte importante da região Norte, sobretudo na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Em arbitragem mediada pela Suíça, Brasil e França foram à mesa. 
Rio Branco enfrentava um jogo mais desafiador do que o de Palmas: a proximidade histórica e cultural entre França e Suíça; além do verdadeiro exército de diplomatas, advogados e especialistas no outro lado da mesa, incluindo Vidal de la Blanche, o maior geógrafo da época.
O barão dedicava horas sem dormir desvendando documentos antigos 
Juca também empreendeu mais uma caça a mapas por arquivos na Inglaterra, Espanha e França; no caso do Amapá, adotou ainda uma nova estratégia. Infiltrou Emílio Goeldi, naturalista suíço estabelecido no Pará, para assessorar os conselheiros da Suíça em sua decisão - sanando dúvidas ou coletando impressões desfavoráveis.
"Por ora o que desejo é que v. sa. Trate de ir fazendo relações em Berna (...) é indispensável que v. sa. Não seja considerado um auxiliar meu, e sim como um cientista que apenas veio tratar de estudos ou trabalhos que nenhuma relação têm com a causa que vai ser julgada", diz um documento reproduzido na biografia, que classifica a atuação de Goeldi como um "espião sem licença para matar, mas eficaz".
"Rio Branco atuava como um exército de um só homem nas questões dos limites. Era ao mesmo tempo o pesquisador que escarafunchava arquivos em busca de velhos mapas e documentos empoeirados, o historiador que desvendava os manuscritos e criava uma narrativa consistente (...) e o advogado implacável, munido da jurisprudência e do conhecimento do direito para construir argumentos irrefutáveis", afirma o livro.
Na Suíça, a arbitragem foi favorável ao Brasil, mais uma vez fazendo do barão o centro de uma aclamação geral.
"Do Amazonas ao Prata há um nome que parece irradiar por todo o círculo do horizonte num infinito de cintilações: o do filho do emancipador dos escravos, duplicando a glória paterna com a de reintegrador do território nacional", diria Rui Barbosa sobre a conquista em 1900.

Disputa por fronteiras como chanceler

Dali para frente, Rio Branco imaginava um futuro em confortáveis postos europeus, mas teve que ceder à pressão do presidente Rodrigues Alves para assumir o Ministério das Relações Exteriores.
O Acre, região que o Brasil reconhecia como pertencente à Bolívia por três décadas, passou a atrair hordas de brasileiros pela extração da borracha. Os planos do país andino em arrendar aquele território a uma companhia com capital americano e britânico catalisou a pressão para que o Brasil reivindicasse-o. Para completar, parte daquela região era demandada também pelo Peru.
Diferentemente dos outros episódios em que foi consagrado, Paranhos apostou em um acordo direto, e não na arbitragem, para o caso. O Tratado de Petrópolis previa o pagamento, pelo Brasil, de indenização, favores e até cessão de partes do território à Bolívia. Este aceno, com perdas para o Brasil, colocou o barão sob forte escrutínio na imprensa e na opinião pública.
Rio Branco resolveu, então, escrever artigos para jornais sob um pseudônimo. "Kent", entre outros argumentos, defendia que a arbitragem seria demorada e teria um resultado incerto. Afinal, o Brasil havia reconhecido a soberania da Bolívia sobre aquele território de 1867 a 1902.
Após muitas quedas de braço, o Congresso aprovou o Tratado de Petrópolis - depois também de forte mobilização política empreendida por Rodrigues Alves e por Rio Branco.
"Sem dúvida alguma a negociação do Acre foi o desafio mais difícil enfrentado pelo chanceler; a solução alcançada, vista à distância de mais de um século, pode ser considerada um sucesso espetacular", diz Villafañe na biografia. 
O próprio Barão registraria em um dos seus escritos: "para mim vale mais esta obra (...) do que as duas outras, julgadas com tanta bondade pelos nossos cidadãos".

Um barão para a posteridade

A "bondade" a que se referiu Jucá de fato corresponde à imagem heroica que ficou de sua figura. Para Villafañe, isto é tributário de suas inegáveis qualidades, mas também é perpetuada por outras condições históricas do país.
"Uma ideia base da nacionalidade brasileira é a do território. O Rio Branco está muito associado a essa ideia. Nesse sentido, Rio Branco é um grande pai da pátria, deslocado um século (após a independência)", aponta o biógrafo.
Villafañe afirma também que, como Winston Churchill fez em relação ao conhecimento sobre a Segunda Guerra, o Barão de Rio Branco também pautou a historiografia à sua maneira - interpretação endossada com o fortalecimento do Itamaraty e a formação do Estado Novo.
Se empresta a sua figura ao país, Juca também se preocupou durante toda a vida com a imagem do país no exterior.
"Ele era elitista, mas seria injusto dizer que isso fosse pura vaidade. Nessa Era dos Impérios (expressão cunhada pelo historiador Eric Hobsbawm para resumir a dinâmica geopolítica do período entre 1875 e 1914), a visão que determinado país projetava no mundo dizia como esse país seria tratado. A África foi partilhada pelas potências europeias com a ideia de que ali não tinha nada de civilizado, então era terra de ninguém", aponta o diplomata.
"Para Rio Branco, era importante projetar para o Brasil uma ideia de estabilidade, modernidade, civilização - isso garantia uma tratamento melhor nesse mundo."

Rio Branco reenquadrado, por Luis Claudio Villafane (entrevista na IstoÉ)

Luís Cláudio Villafañe G. Santos traça um perfil pouco heroico do patrono da diplamacia brasileira, revelando segredos, como suas aventuras amorosas e envolvimento com jogatina e espionagem

Crédito: Alexia Fidalgo
O escritor Luis Claudio Villafañe (Crédito: Alexia Fidalgo)
O diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, de 58 anos,  pesquisou ao longo de mais de dez anos para concluir o livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco” (Companhia das Letras). O volume tem mais de 500 páginas, mas é o contrário da típica biografia monumental, em que o biografado surge como vulto da pátria. Para Santos, trata-se de evitar o heroísmo e assim fazer surgir o perfil realista de José Maria da Silva Paranhos Filho (1845-1912), o barão do Rio Branco. Santos traça um perfil nada heroico do patrono da diplomacia brasileira. Revela segredos de alcova, caça e conflitos internacionais. Mas também apresenta uma interpretação do papel e do legado do Barão.
Ainda é possível dizer algo de novo ou encontrar novidades em uma das personagens mais biografadas do Brasil como o Barão do Rio Branco?
Claro que sim. Para começar, as boas biografias do Rio Branco são antigas – a do Álvaro Lins é de 1945 e a do Viana Filho de 1959. De lá para cá, há alguns ensaios de qualidade, mas nenhuma biografia propriamente dita. Além de documentos revelados na pesquisa, o livro faz um resgate de histórias que caíram no esquecimento e reinterpreta os diversos episódios à luz das discussões historiográficas atuais. E, também, a própria abordagem biográfica mudou muito, já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear, sem contradições, erros, inseguranças e incertezas. O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído, etc.
Que fatos novos você revela no livro?
Em relação às biografias existentes há uma coleção de novidades. Algumas estavam enterradas em livros antigos ou documentos esquecidos, outras conhecidas apenas pelos raros estudiosos e algumas que identifiquei ao longo da pesquisa. Dou exemplos. Eu resgatei um tratado secreto que o Rio Branco assinou com o Equador para uma ação militar conjunta em uma eventual guerra contra o Peru, algo que nenhum biógrafo anterior jamais mencionou. Eu publiquei o texto desse acordo em uma revista especializada em 2017, mas o tema era desconhecido na historiografia brasileira. Desencavei no Arquivo Histórico do Itamaraty um minucioso estudo que não chegou a ser publicado de um bibliotecário do Ministério sobre as anotações que o Barão fazia nos livros de sua vasta biblioteca, com muitas coisas interessantes. Resgatei histórias esquecidas como a do genro-espião, o quase assassinato de um colega de faculdade pelo jovem Juca, o uso de lobistas e mesmo de informantes infiltrados junto aos juízes nas arbitragens sobre os territórios de Palmas e do Amapá, entre outras.
Você corrobora a interpretação tradicional que atribui a Rio Branco um papel fundamental tanto no estabelecimento das fronteiras do Brasil como da definição do papel do Brasil na geopolítica americana. Há outros aspectos a acrescentar nessa interpretação?
O papel do Rio Branco na definição das fronteiras é inegável e transcendente. Trata-se, sem dúvida, de seu maior legado. Mas, mesmo essa história está mal contada. No livro eu aprofundo essa questão das negociações de limites, cuja interpretação está até hoje muito baseada na narrativa que o próprio Rio Branco criou. Por exemplo, a negociação com o Peru, onde se poderia ter perdido todo o Acre, mesmo depois de pago – em dinheiro e territórios – para a Bolívia, é sempre apresentada como uma coisa quase burocrática, quando demorou mais de cinco anos e quase resultou em uma guerra que teria sido muito complicada. É o próprio Rio Branco que dá origem a essa interpretação porque ficava melhor para ele, conforme explico no livro.
O Rio Branco viveu mais de vinte anos na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Ele compartia plenamente a visão das elites desses países em relação ao sistema internacional. O que almejou fazer na América foi, de alguma maneira, reproduzir o arranjo europeu, criar uma espécie de “concerto americano” em que os Estados Unidos, o Brasil, a Argentina, o Chile e o México se entenderiam para manter o continente em paz e longe das intervenções europeias.
Muitas vezes, Rio Branco parece ter agido de forma maquiavélica para beneficiar um país aliado ou uma situação favorável ao Brasil?
Em termos de relações internacionais, Rio Branco foi o que hoje chamaríamos de um realista. Ele entendia que o poder é o elemento mais importante nas relações entre os países e agiu de acordo com esse entendimento. No livro, eu dou elementos para que o leitor ou leitora faça seu próprio julgamento em cada episódio. Por exemplo, a questão da retificação das fronteiras com o Uruguai, em que o Brasil cedeu, sem compensação, o condomínio da Lagoa Mirim e do rio Jaguarão teve também um elemento de cálculo político para constranger a Argentina; mas definir em que medida pesou mais a vontade de remediar uma situação injusta ou se foi por causa da rivalidade com a Argentina fica por conta de quem interpreta a questão.
Você adentra um terreno desafiador que coloca em nexo a diplomacia e a moldagem de conceitos de identidade nacional. De que forma essa relação se altera com as mudanças de regime e de modelo de Estado e Nação no Brasil do Império à Nova República?
Eu tratei especificamente dessa questão da ligação entre política externa e identidade nacional em um livro anterior, que, pelo papel do Rio Branco nesse processo, acabou se chamando O Dia em que Adiaram o Carnaval (UNESP, 2010). Por ter sido uma monarquia por quase sete décadas, com a conservação de muito do imaginário, das relações socias e das formas de legitimação do Antigo Regime – em contraste com os Estados Unidos e com os países vizinhos – nas bases como se entende o fenômeno hoje em dia, o nacionalismo foi tardio no Brasil e, assim, ainda que tendo atuado quase um século depois da independência, pode-se dizer que o Rio Branco tem um papel relevante como formador da nacionalidade. Mas isso eu exploro mais a fundo nesse outro livro de 2010.
Nesse processo, Rio Branco ofereceu um modelo de nacionalidade? Quem entre os seus sucessores exerceram o mesmo papel, sem esquecer o antecessor Joaquim Nabuco?
O papel do Rio Branco como formador da nacionalidade está muito ligado a seu desempenho, político e discursivo, na consolidação das fronteiras. A questão do território – que precederia a nação, um legado da natureza que a colonização portuguesa nos teria transmitido – está na base da construção da ideia de nacionalidade no Brasil. O Rio Branco resgatou e atualizou esse mito fundador e, assim, destaca-se entre seus contemporâneos nesse processo de fortalecimento do sentimento nacional. A política externa tem um papel importante na construção da nacionalidade, pois afinal é a política pública que lida especificamente com o “outro” e a alteridade é fundamental na construção da identidade.
Rio Branco defendia a aliança íntima com os Estados Unidos. A diplomacia brasileira posterior buscou se afastar dessa intimidade? Houve uma espécie de angústia da influência em relação a essa convicção no Itamaraty ao longo do século XX?
Essa interpretação é um mito que o livro desafia. A suposta prescrição invariável de Rio Branco em favor de um alinhamento com os Estados Unidos não se sustenta. Antes de mais nada, a ideia de priorizar as relações com os Estados Unidos precede Rio Branco; foi uma política perseguida de forma estridente já imediatamente depois da proclamação da república e, inclusive, vinha do Manifesto Republicano de 1870. De fato, em determinados momentos, Rio Branco entendeu que seria importante ao menos aparentar uma sintonia com os Estados Unidos, principalmente como proteção contra ingerências das potências europeias. Essa política, que teve seu ponto máximo na III Conferência Pan-americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906, desandou a partir da Conferência da Paz na Haia em 1907 e ao fim do período de Rio Branco as relações com os Estados Unidos estavam em seu ponto mais baixo em muitas décadas. Foram os sucessores do Barão que, para legitimar suas escolhas, passaram a atribuir ao Rio Branco essa ideia de uma aliança incondicional com os Estados Unidos. Essa visão durou ao longo de grande parte do século XX e se reforçou com a tese da “aliança não escrita”, inventada na década de 1960 muito mais para legitimar a política daquela década, depois do golpe de 1964, do que como descrição válida das relações entre os dois países no início do século XX.
Você poderia descrever em poucas linhas a pessoa de Juca Paranhos, como personalidade, gostos, aspecto físico e psicológico? Ele não parecia ser um grande intelectual, apesar de inteligente.
Uma das coisas que diferencia o livro das biografias anteriores é, justamente, mostrar a evolução do personagem ao longo de sua vida. Minha análise atende a prescrição de Pierre Bourdieu de desmascarar o que ele chamou de “ilusão biográfica”: mostrar os biografados como personagens planos, cujas principais características sociais, pessoais e de caráter permanecem praticamente inalteradas durante toda sua trajetória. Ao contrário, eu procuro mostrar as transformações do Rio Branco ao longo de sua vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que ele se reinventou.
Quanto à questão do legado intelectual, o Rio Branco não deixou uma obra “acadêmica” de relevo; ficaram muitos textos dispersos, de diversos tipos, que inclusive eventualmente têm contradições entre si. Foram, na maior parte dos casos, escritos de circunstância. Isso não deixou de ser uma vantagem para os que, desde então, passaram a atribuir ao Barão a paternidade de suas políticas como forma de legitimá-las. Mas, vale dizer, mesmo sem ter escrito obras de maior fôlego, o Rio Branco foi um grande erudito nas áreas de história e geografia do Brasil, conhecimento que ele aproveitou muito bem para sustentar sua atuação diplomática e política.
Você busca traçar um perfil menos monumental desse vulto pátrio, símbolo da hegemonia (rural) oligárquica o Império que não hesita em defender e consolidar a República Velha. No que ele fraquejou, errou e acertou? 
O livro, em suas quinhentas e tantas páginas, está aí para responder a essa pergunta. Não me furto em mostrar as hesitações, erros de avaliação e contradições; e também os grandes acertos e vitórias, bem como as polêmicas que enfrentou. A trajetória do Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República, e não somente na política externa. O livro explora também a relação entre a política interna e a política externa e a atuação do Rio Branco na política interna; desfaz o mito de sua suposta autonomia na condução da política externa. Então, como hoje, a política externa reflete a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários.
 Que lição Paranhos legou ao Brasil, e que pode ainda hoje pode ser considerada fundamental para a instauração de um Estado e uma Nação brasileiras? O “concerto americano” esboça de alguma forma os tratados atuais entre os países do continente?
A ideia de um “concerto americano” que ele tinha em mente é muito distinta do que se pode propor hoje. Sua visão das relações internacionais, na linha dos seus contemporâneos, era essencialmente oligárquica. Vale dizer que é nesse período em que a noção de uma hierarquia entre os países como uma coisa natural e legítima começa a ser posta em questão. A ideia da igualdade das nações teve na Conferência da Haia de 1907 um marco importante. É um episódio que eu exploro no livro e aí se vê que, ao contrário do Rui Barbosa, o Barão aceitava com muito mais naturalidade a preponderância das grandes potências. Esse exercício de buscar na atuação e nas ideias do Rio Branco antecedentes ou justificativas para políticas atuais foi usado e abusado pelos seus sucessores no Itamaraty, mas não resiste a uma análise mais detida.
Num exercício de especulação fantasiosa, como Rio Branco reagiria ao papel atual do Itamaraty?
Não cabe muito essa especulação. A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente. Qual seria a posição do Rio Branco sobre mudança climática, exploração dos fundos marinhos? Mesmo temas que já existiam – comércio, direitos autorais, transportes, etc. – são profundamente diferentes hoje.
Quais foram as principais surpresas e dificuldades durante esses (talvez seis) anos de pesquisas em arquivos?
São mais de dez anos de pesquisas. Já para o livro sobre o papel da política externa na construção da nacionalidade, publicado em 2010, estava trabalhando com o Rio Branco. As investigações para aquele livro vêm, naturalmente, de antes e assim acho que passo já dos dez anos pesquisando, direta ou indiretamente, sobre o Rio Branco. Investigar um tema é sempre descobrir coisas novas que, muitas vezes, mudam a interpretação que se tinha. O resultado nunca é como se imaginou que seria no início, o que é o melhor sinal de que a pesquisa valeu a pena. Não tive nenhuma dificuldade específica de acesso à documentação e as surpresas foram surgindo naturalmente pelo caminho.
Você poderia estabelecer uma comparação entre sua interpretação de Rio Branco e as de outros biógrafos, como Luís Viana Filho e outros que aparentemente praticaram a biografia-exaltação?
As biografias falam dos biografados e de suas épocas, mas também refletem o momento em que foram escritas. Um dos grandes desafios do biógrafo é dar elementos para que os leitores e as leitoras possam se relacionar empaticamente com o biografado. No caso, foi necessário um esforço para situar a visão de mundo, as inseguranças, as expectativas, os dilemas e a teia de relações sociais de um personagem que nasceu em 1845 e se socializou e atuou em um contexto bastante diferente do nosso, um mundo que sofreu transformações importantes durante sua existência. Esse esforço tem de ser atualizado a cada releitura. Explicar o Rio Branco em 1945, como fez o Álvaro Lins, é muito diferente do desafio enfrentado pelo Viana Filho, em 1959, e da tarefa de mostrar esse personagem, complexo e muitas vezes contraditório, para o público de hoje.