Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Os foliões nunca se esbaldaram tanto quanto em 1912. Naquele ano, o Brasil teve dois Carnavais. O primeiro foi em fevereiro, seguindo o calendário regulamentar. A festança se repetiria em abril, na Páscoa, com outros cinco dias de fantasia, confete e serpentina.
Paradoxalmente, o Carnaval em dobro teve origem na morte de um herói nacional: o Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores havia quase uma década. Vítima de insuficiência renal, ele morreu aos 66 anos em 10 de fevereiro, um sábado, quando faltava exatamente uma semana para os festejos.
O Brasil caiu em luto. No Rio de Janeiro, a capital da República, uma multidão chorosa fez fila no Palácio do Itamaraty para ver o cadáver de Rio Branco e acompanhou o caixão até o Cemitério do Caju, onde o ministro foi enterrado com honras de chefe de Estado.
Dada a comoção generalizada, os clubes do país que organizavam bailes à fantasia, em especial os do Rio, acharam que seria desrespeitoso promover a esbórnia em pleno período de luto. Por isso, decidiram cancelar os bailes em cima da hora e remarcá-los para a semana da Páscoa.
O problema é que, para os foliões mais afoitos, um mês e meio seria uma espera longa e torturante demais. Quando chegou o sábado de Carnaval, eles concluíram que uma semana de luto por Rio Branco já tinha sido mais do que suficiente. Vestiram a fantasia e foram para as ruas munidos de confete, serpentina e lança-perfume (que só seria proibido em 1961, pelo presidente Jânio Quadros).
Passada a Quaresma, veio a segunda rodada de festejos. No Carnaval bônus, a gandaia foi mais diversificada do que no primeiro Carnaval. Os foliões puderam se divertir tanto nas guerras de confetes nas ruas quanto nos bailes de máscaras nos clubes.
Apesar de não ter funcionado, a ideia de adiar o Carnaval por causa da morte de Rio Branco não chegava a ser descabida. Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado mostram que, de fato, o Barão do Rio Branco tinha status de herói.
Em 1904, quando ele já era ministro, os senadores e deputados aprovaram um projeto de lei que lhe concedeu uma pensão vitalícia de 2 contos de réis mensais pelo “reconhecimento aos inolvidáveis serviços prestados ao país”.
O senador Arthur de Souza Lemos (PA), num relatório de 1910 a respeito de um tratado entre o Brasil e o Uruguai negociado por Rio Branco, classificou o ministro de “legendário” e destacou o seu “tato delicadíssimo” nas negociações internacionais.
O grande feito de Rio Branco foi ter concluído o traçado das fronteiras do Brasil, que na virada do século passado ainda tinha linhas nebulosas e pendentes. Antes de ser ministro, apenas como diplomata, ele atuara nas arbitragens internacionais que garantiram ao país o oeste de Santa Catarina (disputado com a Argentina), em 1895, e a área que compreende o Amapá, Roraima e o norte do Pará e do Amazonas (disputada com a França), em 1900.
Graças ao sucesso nas duas missões, Rio Branco se tornou ministros das Relações Exteriores em 1902. Logo veio outro êxito: em 1903, após intensas negociações, assinou com a Bolívia o Tratado de Petrópolis, que incorporou o Acre ao território nacional.
De acordo com o historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autor da biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco (editora Companhia das Letras), não é exagero considerá-lo herói:
— Se juntarmos todas as áreas que Rio Branco ganhou para o Brasil, teremos um território equivalente a toda a Região Sul mais o estado de Pernambuco. Isso não é pouca coisa. Além disso, é preciso lembrar que, na disputa com os franceses, o pleito deles era chegar até o Rio Amazonas. Foi graças a Rio Branco que isso não aconteceu.
Dado o seu prestígio, ele foi convidado pelos caciques políticos de São Paulo para concorrer à Presidência da República em 1910, mas não aceitou. Em seu lugar, entrou Ruy Barbosa, que foi derrotado pelo marechal Hermes da Fonseca.
O Barão do Rio Branco vinha de uma família influente na política do Império. Seu pai era o Visconde do Rio Branco, o primeiro-ministro de dom Pedro II que coordenou a aprovação da Lei do Ventre Livre (1871).
De acordo com documentos do Arquivo do Senado, o senador Quintino Bocayuva (RJ) fez um discurso em maio de 1912 homenageando o recém-finado ministro das Relações Exteriores:
— Rio Branco foi durante sua vida e depois de sua morte a mais alta e a mais gloriosa representação da nacionalidade brasileira e um símbolo venerado do mais puro acendrado patriotismo. Seu nome ficou indelevelmente gravado no bronze de nossa história pátria.
Na Mensagem Presidencial que enviou ao Congresso na abertura do ano legislativo de 1912, também em maio, o marechal Hermes da Fonseca lamentou a perda.
“Todas as homenagens são devidas à memória do integrador do território pátrio. O meu governo a ele prestou, no momento dos seus funerais, toda as honras que podia, certo de que, por maiores que elas fossem, ainda seriam poucas em comparação aos excelsos serviços prestados ao país pelo incomparável extinto”, escreveu o presidente.
Meses depois, em dezembro, o Senado e a Câmara autorizaram o governo federal a gastar até 1,5 mil contos de réis na construção de um monumento em homenagem ao ministro.
No Rio, o grande ponto de concentração do primeiro Carnaval de 1912 foi a Avenida Central. No segundo Carnaval daquele ano inesquecível, a multidão voltou a se reunir na mesma via, agora rebatizada pela prefeitura de Avenida Rio Branco.
Nos festejos derradeiros de 1912, um grupo de cariocas gaiatos saiu com a seguinte marchinha zombeteira: “Com a morte do barão, / tivemos dois Carnavá. / Ai, que bom, / ai, que gostoso / se morresse o marechá”.
O raciocínio era bem simples: na hipótese do presidente morrer, 1912 teria três Carnavais.
Palavras-chave: História da Política Exterior do
Brasil, Barão do Rio Branco, Política Externa da Primeira República
Resumo
Introdução ao Roundtable Review
do Introdução ao Roundtable Review do livro “Juca
Paranhos: o Barão do Rio Branco”, de Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos
(Villafañe, L.C. Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018, 560p.).
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IPRI: palestra-debate “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”
O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) tem o prazer de convidar para mais um evento da série “Diálogos Internacionais do IPRI” com a palestra-debate “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, em torno da obra recentemente publicada do embaixador Luís Claudio Villafañe G. Santos.
O evento será realizado em 23 de novembro, às 10h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II do Ministério das Relações Exteriores.
Luis Claudio Villafañe G. Santos, autor da mais recente, e melhor, biografia do Barão do Rio Branco, assina um livro em espanhol sobre as duas visitas do grande poeta nicaraguense Rubén Darío ao Brasil, mais de cem anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida
Lançado na Nicarágua o livro “Yo Pan-americanicé: Rubén Darío en Brasil” (Manágua, Ed. HISPAMER, 2018, 179 páginas, ISBN 978-99964-42-94-0).
Escrita em espanhol, a obra trata das duas vistas do poeta nicaraguense Rubén Darío ao Brasil em 1906 e 1912. Na primeira oportunidade, o Príncipe das Letras Castelhanas esteve no Rio de Janeiro como membro da delegação de seu país à III Conferência Pan-americana, tendo interagido com Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Machado de Assis, Fontoura Xavier, Elísio de Carvalho, entre outros brasileiros.
No Ro de Janeiro, em 1906, Darío escreveu o poema “Salutación al Águila” um hino em favor do pan-americanismo, em contradição com toda sua obra anterior e posterior, de marco tom antiamericano.
Em 1912, já reconhecido pelo público brasileiro, Darío retorna ao Brasil e visita, além do Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo.
Além de descrever com detalhes inéditos e corrigir erros factuais e interpretações equivocadas dos mais consagrados biógrafos de Rubén Darío, o livro faz uma resenha da visão de Darío sobre o Brasil e traz o inventário de todas as referências ao Brasil e aos brasileiros na obra do grande poeta e jornalista nicaraguense.
SUMÁRIO
Agradecimiento y fuentes
Presentación
Introducción
Identidades: Rubén Darío y la invención de América Latina
Brasil, Río de Janeiro, 1906: identidades en transformación
Rubén Darío en Brasil antes de 1906
Al mare, con Joaquim Nabuco
Encuentros y desencuentros cariocas
La condesa X
Salutación al Águila
La segunda estancia de Darío en Brasil
El Brasil por la pluma de Darío
El ditirambo brasileño
Conclusión
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Resenha do livro sobre Rubén Darío no Brasil, na Folha de São Paulo
O nicaraguense Rubén Darío (1867-1916), hoje celebrado como um dos grandes poetas em língua hispânica dos dois lados do Atlântico, tem tido agora sua obra ensaística e jornalística rememorada.
Primeiro, em Buenos Aires, onde viveu entre 1893 e 1898, quando escreveu crônicas para o jornal La Nación, há pouco reeditadas, mas também em novas reflexões sobre sua obra realizadas em outros países.
Um desses textos é o livro “Yo Pan-americanicé – Rubén Darío en Brasil” (disponível em https://hispamer.online.com.ni), do brasileiro Luís Cláudio Villafañe G. Santos, diplomata e autor do recente “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco” (Companhia das Letras).
No livro, Villafañe relata as duas visitas que Darío fez ao brasil, em 1906 e em 1912. “Contadas muito rapidamente e como algo menor por seus biógrafos tradicionais, são passagens reveladoras de sua personalidade e que impactaram seu modo de pensar”, diz o autor.
Villafañe sustenta a tese de que Darío, ao lado do cubano José Martí (1853-1895) e do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), formou a tríade de intelectuais que começou a forjar a identidade latino-americana, “não mais em alteridade com a Espanha, mas, a partir de então, em alteridade com os EUA”.
“O Brasil entraria nesse conceito cultural e intelectual de América Latina muito depois, nos anos 1960, e até hoje esse processo não está completo”.
Porém, além da elaboração da tese biográfica, o livro conta algumas anedotas e passagens do autor pelo país que revelam aspectos de sua personalidade. Por exemplo, quando divide uma embarcação para chegar ao pais com Joaquim Nabuco (1849-1910), então uma das principais figuras da intelectualidade brasileira, que num primeiro momento despreza Darío por não saber bem de quem se tratava – embora depois mudasse de comportamento, reconhecendo-o como intelectual. Darío virou fã imediato de Nabuco.
No Rio, Darío transitou entre a elite intelectual de então e terminou por mencionar em seus artigos esse cenário, que incluía Olavo Bilac, Euclydes da Cunha e Machado de Assis. “O que no Brasil é um fato, entre nós são tentativas. O Brasil tem uma literatura, nós não”, escreveria Darío no La Nación.
Para Villafañe, isso era um recado para os argentinos. “Darío estava sempre defendendo que as artes tinham de ter mecenas, e foi isso que ele viu no Brasil, que muitos desses autores eram pagos de alguma forma pelo Estado. No fundo, esse parecia o mundo ideal para ele”, diz o autor.
Sobre Machado de Assis, Darío escreveu um lindo poema (ver íntegra ao final do texto), em que diz: “Doce ancião que vi, em seu Brasil de fogo e de vida e de amor […], aceite esta lembrança de quem ouviu uma tarde, em teu divino Rio tua palavra nobre”.
“Foi de tremendo impacto para ele não apenas o encontro com esses homens letrados do Brasil, mas ficou também muito impressionado com as belezas naturais, como a floresta da Tijuca”, diz Villafañe.
O livro reforça o aspecto cosmopolita deste escritor que se tornaria um dos primeiros latino-americanos verdadeiramente internacionais. “Quando vai viver em Paris, não escreve apenas para os latino-americanos, mas passa a integrar a cena intelectual local, algo que era difícil e em que foi um dos pioneiros”, acrescenta Villafañe.
O cosmopolitismo de Darío começa quando, adolescente, vai viver em El Salvador. Com 19 anos viaja ao Chile, onde escreve algumas publicações e se torna colaborador do La Nación. Por esse diário, é enviado para a Espanha como correspondente, em 1898. Com um pé no mundo diplomático, vira, em 1903, cônsul da Nicarágua em Paris.
A experiência e a vivência em tantas viagens moldaram o poeta e também o cronista e o ensaísta. O que o livro de Villafañe faz é incluir o impacto que o Brasil teve em seu perfil de escritor e pensador de um mundo que vivia um momento de grande transformação e de uma América Latina que buscava desenhar uma nova identidade.
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Poema de Rubén Darío a Machado de Assis
Doce ancião que vi, em seu Brasil
de fogo e de vida e de amor, todo modéstia e graça