O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Bozo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bozo. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de fevereiro de 2024

A reunião golpista e a presença de diplomatas no palácio dos conspiradores

 As duas notas dos dois sindicatos do Serviço Exterior brasileiro a propósito da participação de diplomatas na reunião golpista do ex-presidente: 

NOTA DA ADB
SOBRE A OPERAÇÃO TEMPUS VERITATIS 

A Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB/ Sindical) vem a público reafirmar seu repúdio a movimentos destinados a subverter a ordem democrática e os princípios do Estado de Direito.

A ADB/Sindical acompanha a investigação e a apuração de possível utilização de estruturas de Estado para o planejamento de atos antidemocráticos, em cumprimento aos preceitos constitucionais e observado o devido processo legal.


NOTA DO SINDITAMARATY : 

O Sinditamaraty expressa sua mais profunda indignação diante dos indícios de que diplomatas participaram ou tomaram conhecimento do teor da reunião ministerial de julho de 2022, que teve o propósito de estruturar um ataque contra o Estado Democrático de Direito. É inaceitável que membros do corpo diplomático brasileiro possam ter se envolvido em atividades que minam os princípios fundamentais da democracia brasileira.

O Sinditamaraty exige investigação imediata sobre a conduta desses servidores durante a referida reunião, bem como a apuração rigorosa do envolvimento do então Chanceler e demais diplomatas pelas autoridades competentes. A aparente omissão de servidores em denunciar uma tentativa de golpe de Estado é inaceitável e pode manchar a reputação e valores da diplomacia brasileira.

O Sinditamaraty permanece firme em seu compromisso com a democracia e o respeito às instituições republicanas, e continuará a exigir responsabilidade e transparência de todos os seus servidores.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Da banalidade do mal que acaba de ser extirpado depois de quatro anos de infortúnio nacional - Paulo Roberto de Almeida

Da banalidade do mal que acaba de ser extirpado depois de quatro anos de infortúnio nacional

Paulo Roberto de Almeida

O novo governo, com a eventual ajuda de certo Judiciário, ainda vive no rescaldo dos absurdos perpetrados durante quatro anos de bolsonarismo destrambelhado. O Brasil vai demorar para se liberar de quatro anos de pura loucura, ignorância e vulgaridade no poder. Como foi possível termos atravessado algo tão disfuncional na suprema esfera da governança?

À medida em que são revelados os traços mais grosseiros da Famiglia no poder entre 2019 e 2022, suponho que os generais e outros altos oficiais que sustentaram tamanha loucura comecem a sentir enorme vergonha por terem participado da maior degradação jamais vista no supremo comando da nação. Shame on you!

Se não bastassem as falcatruas na sede do poder, a desumanidade revelada no tratamento de indígenas— que são basicamente seres humanos como quaisquer outros — é algo tão estarrecedor que até o emprego de conceitos extremos como genocídio e nazismo pode aparecer como necessário. Apenas seres cruéis poderiam ser coniventes com as barbaridades agora reveladas. 

Parece a banalidade do mal, de que falava Hannah Arendt sobre um mero executor da barbárie nazista contra outros seres humanos, alguns por serem simplesmente judeus, outros por serem apenas indígenas. 

O Brasil se descobriu tingido pela mesma enfermidade mental e moral que contaminou no passado um dos povos mais cultos do mundo: a psicopatia no comando da nação produz algumas das monstruosidades que já atormentaram artistas como o Goya da invasão francesa na Espanha ou o Picasso de Guernica. 

Por enquanto dispomos das fotos de ianomamis levados ao extremo da desnutrição fabricada pelas mãos de agentes de uma vontade maior.

O que descobriremos doravante, quando registros e testemunhos sustentarão uma visão desimpedida sobre esses tempos tão sórdidos e macabros que acabamos de descobrir? 

Precisaremos de um novo Conrad para descrever o horror do parêntese bolsonarista?

Apenas uma certeza: a descrição objetiva e a interpretação circunstanciada do que acabamos de viver não pertence apenas ao domínio da ciência política ou da sociologia. Será preciso recorrer à psiquiatria e às demais ciências do espírito humano para tentar entender o que se passou na mais alta cúpula do poder.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4/02/2023

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Mais uma razão para não recomendar o BRICS: Lula e Bozo são a favor - Leonardo Cioni (Terra)

 Putgrilla, como diria o fradinho...

Isolado no Ocidente, Bolsonaro encontra apoio no BRICS

Por Leonardo Cioni 

Terra, 30/09/2022

https://www.terra.com.br/noticias/brasil/isolado-no-ocidente-bolsonaro-encontra-apoio-no-brics,025eea8532610b65d07ec4d2d6aa5a16m4db5b8g.html

Se quase todo o Ocidente, dos Estados Unidos à Europa - com pouquíssimas exceções -, não esconde que está torcendo contra a reeleição de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2 de outubro no Brasil, o líder de direita encontra apoio na China e na Rússia, parceiros importantes na frente comercial e membros do grupo BRICS.

    Esta é a convicção de muitos especialistas ao analisar os quatro anos de governo do ex-capitão do Exército caracterizados por alguns deslizes no campo diplomático, mas também por muito pragmatismo no campo econômico.

    Por exemplo, Bolsonaro foi um dos poucos chefes de Estado a tomar partido abertamente contra as sanções contra a Rússia, decididas pela comunidade internacional após a invasão da Ucrânia. Com isso, conseguiu manter intactas as importações de fertilizantes agrícolas, dos quais Moscou é o principal fornecedor.

    E no futuro poderá receber grandes descontos em petróleo e gás, segundo disse Bolsonaro recentemente, referindo-se a conversas "muito cordiais" com Vladimir Putin durante sua visita ao Kremlin, pouco antes do início da guerra.

    Mesmo com Pequim, o presidente brasileiro colocou questões práticas diante de divergências ideológicas: a China é o primeiro parceiro comercial do Brasil, do qual compra principalmente matérias-primas (carne, trigo e soja) e para quem, por sua vez, vende produtos estratégicos, em especial máquinas para a indústria e tecnologia avançada.

    Por outro lado, Bolsonaro não opôs, por exemplo, resistência particular ao avanço da empresa de telecomunicações Huawei (interessada em implementar seu 5G), chegando a contrariar o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, seu grande aliado, notoriamente contrário à expansão chinesa no território americano.

    Se por um lado ainda é desconhecido o real papel que a ex-União Soviética poderá desempenhar em relação ao Brasil, dada a continuidade da guerra com Kiev, por outro, as relações de Brasília com Pequim estão destinadas a crescer.

    Em vez de abraçar definitivamente um discurso anti-chinês, pensando no negócio, Bolsonaro surpreendentemente favoreceu o gigante asiático em detrimento dos países regionais, arriscando, entre outras coisas, pular definitivamente a ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

    Para a China, em suma, a derrota de Bolsonaro nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva pode representar um obstáculo à sua expansão: o ex-presidente de esquerda é bem visto pelas principais potências ocidentais, que buscarão uma reaproximação com o Brasil, ameaçando o crescente protagonismo de Pequim.

    Bolsonaro está isolado dos EUA, de Joe Biden, e de quase todas as nações latino-americanas vizinhas e do bloco europeu quase completo, apesar do apoio da Hungria, do premiê Viktor Orbán, e muito poucos outros.

    Por isso, o líder de direita tenderá a continuar a focar sua política externa nos BRICS, sem medo de ser esnobado.

    Em suma, a reeleição de Bolsonaro, embora não represente o cenário ideal, paradoxalmente pode trazer ganhos concretos ao "País do Dragão". A de Lula, por outro lado, significaria reabrir as portas do Brasil para organizações internacionais como a OCDE, e a China arriscaria ter que competir com mais concorrentes na tentativa de ampliar sua influência política e econômica na América Latina. 


segunda-feira, 25 de julho de 2022

O Brasil e o golpe de Estado - Paulo Roberto de Almeida

Imaginando cenários, ou o roteiro de um filme

Paulo Roberto de Almeida

O que é um golpe de Estado, na sua versão clássica, ou mais simples?

Se trata de um pretendente a um novo regime, só seu, inclusive um chefe de governo já no poder, no sentido de utilizar forças armadas sob seu comando para invadir e manietar os dois outros poderes de Estado, assim como as principais ferramentas de comunicações, e proclamar, “em nome do povo”, o início de um novo governo, de “reorganização do país”. Essa é a versão clássica.

A outra versão, em câmara lenta, é o que fizeram candidatos a ditadores como Chávez, Ortega e Putin, ao controlar progressivamente os demais poderes, os meios de comunicação e os partidos de oposição, como ensina o novo manual de golpe de Estado e está descrito no livro sobre como morrem as democracias.

O Brasil não terá um golpe nouvelle manière como descrito nessa segunda versão. O pretendente a esse tipo de golpe é totalmente incapaz.

Portanto, só resta ao psicopata no poder o recurso às suas milícias, eventuais forças de segurança mobilizadas para tal efeito, tentar um golpe de Estado ao estilo antigo, sem o uso das FFAA, que provavelmente não entrariam nessa aventura.

O que poderiam fazer os chefes dos dois outros poderes, Legislativo e Judiciário, nessas circunstâncias?

Como faculta a Constituição, mobilizar as FFAA para se posicionarem em defesa dos poderes constituídos, dispersando as forças irregulares armadas e ordenando a prisão dos recalcitrantes, inclusive e principalmente o autor da tentativa de golpe. Tudo isso “provavelmente”, e desde que os personagens que respondem pelos poderes de representação popular e de defesa do Estado de Direito tenham a disposição que lhes faculta a Constituição de manter suas instituições funcionando segundo as regras constitucionais.

Imagino que os respectivos chefes desses dois poderes já tenhsm pensado nisso, e até conversado a respeito com os comandantes das FFAA.

Só imagino…

Roteiristas cinematográficos podem descrever os detalhes para o set de filmagem. Seria divertido e faria sucesso, inclusive no exterior. 

Os que fariam os parlamentares? Provavelmente se dividiriam, mas não pegariam em armas.

O que fariam os diplomatas profissionais (o que é uma curiosidade só minha)?

Provavelmente não fariam nada; esperariam a nova situação.

La nave va…

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 25/07/2022

quinta-feira, 21 de julho de 2022

O cercadinho dos embaixadores - Elio Gaspari (O Globo)

O cercadinho dos embaixadores

A diplomacia mambembe de Bolsonaro

Elio Gaspari

Presidente Jair Bolsonaro em reunião com embaixadores sobre o sistema eleitoral brasileiro 

 

Há 200 anos, antes do Grito do Ipiranga, José Bonifácio de Andrada e Silva criou a semente da diplomacia brasileira. Em agosto de 1822, ele encaminhou um “Manifesto aos Governos e Nações Amigas”, em que Dom Pedro mencionava a “vontade geral do Brasil que proclama à face do universo a sua independência política”. Sempre antes do 7 de Setembro, Andrada mandou representantes a Londres e Paris.

Passaram-se 200 anos, e Jair Bolsonaro apequenou a diplomacia fundada por José Bonifácio. Reuniu embaixadores estrangeiros para recriminar o sistema eleitoral brasileiro, atacando nominalmente os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.


Ele disse coisas assim: 

— Por que um grupo de apenas três pessoas quer trazer instabilidade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas? São perfeitas, chega a perfeição absoluta? Talvez não. Nem um sistema informatizado pode dar garantia de 100% de segurança. As Forças Armadas, das quais sou comandante supremo, ninguém, mais do que nós, quer estabilidade em nosso país.

Bolsonaro pode dizer coisas desse tipo onde bem entender, menos para uma plateia de diplomatas estrangeiros formalmente convidados. O processo eleitoral de um país pode ter observadores internacionais, caso essa seja a vontade de seu governo. Chamar diplomatas estrangeiros para ouvir uma peroração como a do Alvorada não chega a ser alienação de soberania, é apenas tolice, menos para quem esteja planejando uma crise institucional. Vale lembrar que, na posse dos presidentes do Estados Unidos, os embaixadores estrangeiros não são convidados para a cerimônia, pois se trata de assunto doméstico.

Desde 1822, quando Andrada e Silva se preocupava com as nações amigas, não há precedente de um governante brasileiro ter reunido embaixadores para defender suas opiniões, atacando integrantes de outro Poder da República. Seria ingenuidade achar que Bolsonaro reuniu esses senhores para convencê-los de seja lá o que for. Bolsonaro falou para sua base. Uma coisa é certa: a ideia desse “brienfing”, como dizia a transparência, não partiu do Itamaraty.

Todos os diplomatas reunidos por Bolsonaro transmitiram relatos para suas chancelarias, e é possível imaginar alguns aspectos factuais do evento:


1) Nem todos os embaixadores foram convidados. Ficaram de fora a China, a Argentina, o Chile e o Reino Unido;

2) Bolsonaro se fez acompanhar pelo chanceler e pelos generais-ministros da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucional e da Secretaria-Geral da Presidência, mais seu provável candidato a vice. Os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recusaram o convite;

3) O protocolo não previa perguntas da plateia (ainda bem);

4) Só foram admitidas equipes de emissoras de televisões que se comprometeram a transmitir a fala de Bolsonaro na íntegra, ao vivo. A emissora estatal fez a transmissão;

5) Horas depois, o ministro Edson Fachin, presidente do TSE, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, rebateram a fala do presidente.


Se algum embaixador concluiu que o evento do Alvorada fortaleceu o compromisso democrático do presidente Bolsonaro diante do resultado das urnas de outubro, será chamado de volta a bem do serviço público de seu país.

 


terça-feira, 19 de julho de 2022

Eleições 2022: Bolsonaro escolheu seu caminho na campanha: o da violência - Alberto Bombig

 

Bolsonaro escolheu seu caminho na campanha: o da violência
Alberto Bombig

A primeira metade deste mês de julho, reta final para as convenções partidárias, deixou claro que Jair Bolsonaro (PL) escolheu a violência como eixo de sua campanha para permanecer no poder:

1- Violência física. Por mais que o inquérito da Polícia Civil do Paraná tenha passado um pano para o presidente no caso do assassinato do militante petista em Foz do Iguaçu (PR), é inegável que o histórico das pregações dele pelo confronto com quem pensa diferente e toda a simbologia belicista montada em torno de suas ideias e de sua família, assim como os decretos liberatórios do governo ao acesso às armas, estimulam o confronto direto e armado contra os opositores. Neste último final de semana, houve relatos de intimidação física a apoiadores de Marcelo Freixo (PSB), adversário do clã Bolsonaro, no Rio de Janeiro.

2- Violência verbal. O presidente prossegue em sua toada de vociferar contra as instituições, os adversários políticos e a imprensa. Na sexta-feira passada (15), em um culto evangélico, atacou as minorias com falas homofóbicas. No STF (Supremo Tribunal Federal), a ministra Rosa Weber aceitou a tese de que Bolsonaro pode estar insuflando a violência e mandou a PGR se manifestar.

3- Violência parlamentar. Praticada por uma maioria eventual no Congresso, ela atropela regimentos, impõe sua vontade, como no caso da PEC Kamikaze, e joga por terra o equilíbrio do jogo legislativo, essencial em um regime democrático.

4- Violência eleitoral. Com dinheiro público, Bolsonaro segue com suas motociatas e suas visitas aos estados; a mais recente, no Ceará, é um caso descarado de abuso do poder econômico e de campanha antecipada. Além disso, o Congresso enterrou a lei eleitoral com a permissão de doações, transferências de verbas de obras e outras benesses com dinheiro público.

5- Violência diplomática. A inusitada convocação de embaixadores para acusar o sistema eleitoral brasileiro de fraude não tem precedentes na história do país.

6- Violência institucional. Prossegue, sem sinais de arrefecimento, a campanha do presidente da República e de seus apoiadores para deslegitimar as urnas eletrônicas, mesmo que, como mostrou o UOL, fraudes nesse sistema de votação são improváveis e nunca forma registradas.

Porém, é inegável que as recentes vitórias políticas obtidas pelo governo mudaram o panorama pré-eleitoral brasileiro e alteraram significativamente as projeções dos mundos político, empresarial e jurídico nos últimos dias.

No campo institucional, a despeito das mumunhas e de algumas atitudes valentes da oposição, a aprovação da PEC Kamikaze, ou PEC das Bondades, no Congresso representa um divisor de águas neste ano eleitoral. Ainda é cedo para mensurar os efeitos concretos dessa vitória, mas, por ora, a projeção é de um impacto favorável ao presidente nas pesquisas eleitorais.

E, se essa projeção se confirmar, o que poderá representar? Antes de mais nada, deverá arrastar a disputa eleitoral para o segundo turno, afastando de Bolsonaro a ameaça, registrada em maio pelo Datafolha e pelo Agregador de Pesquisas do UOL, de uma vitória de Lula ainda no primeiro turno.

Jogará ainda mais pressão sobre Ciro Gomes (PDT), o pré-candidato mais bem colocado fora da polarização entre os dois principais líderes. Estará ele, no limite, disposto a renunciar ao seu projeto de candidatura para ajudar Lula, visto que seu partido é do espectro da centro-esquerda? Ou poderá entrar para história como quem levou Bolsonaro ao segundo turno?

Para petistas próximos a Lula, a posição adotada por Ciro após o crime no Paraná indica que o pedetista não está disposto a dialogar nem sobre a defesa da democracia. No Twitter, Ciro condicionou sua adesão a um pacto de não agressão entre as campanhas, proposto pelos partidos de esquerda, a um compromisso a ser firmado pelo líder das pesquisas de comparecer a todos os debates.

O PDT tem convenção marcada para a próxima quarta-feira (20), em Brasília, para referendar Ciro. Há grande expectativa sobre o primeiro discurso oficial dele como candidato, se deixará alguma ponte em pé para eventual composição com Lula ou se dobrará a aposta em atacar o ex-presidente petista.

O acirramento da disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro no primeiro turno também deixa em situação delicada a pré-candidatura de Simone Tebet (MDB), que está com dificuldades de decolar e ainda não definiu quem será seu vice. Nos bastidores, a leitura é de que a decisão de Rodrigo Garcia (PSDB) de abrir palanque para Luciano Bivar (União Brasil) em São Paulo pode tirar da senadora sua principal chance de crescer nas pesquisas: a máquina do PSDB no maior colégio eleitoral do país.

Por tudo isso, o nome do jogo jogado por Bolsonaro até aqui é o da guerra aberta e declarada, enquanto seus adversários ainda buscam, dentro das quatro linhas democráticas, formas de se contrapor ao presidente. No xadrez eleitoral, embora em segundo lugar nas pesquisas, o planalto joga com as brancas e mantem a iniciativa na partida.


quinta-feira, 10 de março de 2022

O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente? - Paulo Roberto de Almeida

 O fim do Estado-nação como o conhecemos atualmente?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Ao observar o comportamento, as falas, as posturas de dois personagens de nossa época, fui transportado para outras eras da história, outras histórias. Lembrei-me do livro Vidas Paralelas, de Plutarco, mas isso a propósito de Putin-Bozo, dois insanos, mas um muito perigoso, o outro apenas ridículo.

Não, não vou fazer como Plutarco, que traçou paralelos entre grandes figuras da história grega e seus possíveis equivalentes na história romana. Tampouco vou fazer como Suetônio, ao cantar as loas de doze césares. Meu propósito é mais simples: mostrar como determinados insanos, que capturam o poder numa determinada nação e partir daí causam desastres para seus próprios povos e, no caso dos muitos poderosos, para outros povos também.

Desse ponto de vista, Putin e Bozo são confrades, irmãos gêmeos na capacidade de arruinar seus países, e no caso de Putin de provocar danos a outros países.

No caso do Bozo, a profilaxia é simples: vote out nas próximas eleições, a despeito de minha opinião de que ele deveria ter sido defenestrado muito antes, quando começou a provocar danos ao país, e isto começou em 1/01/2019 e continuou até hoje.

No caso de Putin é mais difícil, mas a razão é a mesma: existem pessoas e grupos que tiram vantagens do arbítrio do dirigente, e querem que ele continue no poder, justamente por isso. 

Quem são os culpados? Os que se beneficiam disso, parlamentares de forma geral, e cortesãos próximos de maneira particular.

Tanto para Putin, quanto para o Bozo, temos generais castrados próximos do poder, aqueles capazes de comandar a guerra contra vizinhos, estes apenas interessados em defender seus contracheques.

O que acontece na Rússia e no Brasil é uma tragédia, primeiro para os seus próprios povos, mas no caso da Rússia com efeitos regionais e potencialmente mundiais.

Ambos são insanos, megalomaníacos, despreparados para entender o mundo, mas a capacidade de destruição do Bozo está limitada ao próprio Brasil, e também à diplomacia brasileira.

Putin tem um poder muito maior e, portanto, o esforço para constrangê-lo terá de ser muito maior, com efeitos sobre seus vizinhos, sobre as potências ocidentais, para o mundo.

Este será o preço a pagar.

Lamento, sinceramente, pelo povo chinês, que tem um novo imperador absoluto no seu comando, e que assumiu uma postura EQUIVOCADA na presente confrontação. A China teria interesse numa ordem mundial estável, pois foi ela que permitiu a ascensão do seu país e a prosperidade do povo chinês. Ele pode estar comprometendo possibilidades na globalização ao apoiar um tirano insano. Xi Jinping também é um tirano, mas não insano, mas está reagindo à interferência dos ocidentais na vida dos seus súditos, que sejam os do Tibet, do Xinjiang, de Hong Kong e de Taiwan. Tiranos podem se tornar perigosos.

Por isso está na hora de acabar com a soberania absoluta das nações e a Igualdade Soberana dos Estados, um princípio útil, mas como tudo na vida da civilização, com espaços abertos à insanidade dos dirigentes.

Vou terminar com a "história antiga": a única diferença entre Homero e Plutarco é que não mais acreditamos na interferência dos deuses nas ações dos homens. Os tiranos atuais agem por suas próprias obsessões e loucuras, sem qualquer interferência do Olimpo. Mas nem Freud serve para explicar a situação, apenas em parte. Falarei sobre a próxima evolução civilizatória mais adiante. 

Seria mais interessante tratar dos efeitos econômicos e políticos da guerra, um tema que me foi solicitado debater com meus ex-alunos de doutorado, que possuem um grupo de discussões sobre questões da atualidade. O custo econômico do conflito será alto, mas não catastrófico, pelo menos para os países avançados; os pobres, como sempre, sentirão os efeitos mais graves, em termos de alimentos, mais do que energia.

Mas, o problema não é tanto o custo econômico e sim o custo político e talvez civilizatório da ação de um psicopata não contido pelos seus generais e outros homens do Estado russo. Muitos preveem um mundo de retorno aos grandes impérios econômicos do passado, o que em parte pode ser verdade, mas o mundo não é feito apenas de incontroláveis e incontornáveis forças econômicas: a insensatez de dirigentes poderosos pode criar turbulências que abalam temporariamente essas forças econômicas impessoais e imperturbáveis até certo ponto.

Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, mas a Helena não tem nada a ver com uma desgraça mútua que durou dez anos. Putin talvez seja um novo Menelau, com a diferença de que ele foi movido unicamente por suas próprias obsessões, não por um cerco econômico de potências “ocidentais”. O Menelau da era contemporânea ameaça arrastar o mundo para uma destruição bem pior do que a de Troia (e também para os gregos).

O mundo pagará um preço, temporário, e bem mais doloroso para a Ucrânia, que tenta sobreviver. A próxima Carta da ONU, ou uma nova, terá de ter um capítulo sobre a prevenção da marcha da insensatez da parte dos tiranos, mas para isso terá de haver um arranjo multilateral sobre o fim da soberania absoluta dos Estados, o que se pensava ser um legado positivo de Vestfália. Terá de ser o fim dos Estados nacionais, mas não poderá ser a volta dos impérios autocentrados.

A próxima Carta da ONU, ou sua substituta, terá de ter um capítulo para tratar dos insanos poderosos, provavelmente limitando a soberania absoluta dos Estados, o primeiro e mais importante legado de Vestfália. Mas, não pode ser uma volta a impérios autocentrado, e sim impérios abertos à interdependência.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4101: 10 março 2022, 3 p.


 

quinta-feira, 3 de março de 2022

Pra que serve a guerra - Maria Cristina Fernandes (Valor)

 Pra que serve a guerra

Só o front interno da guerra sucessória explicaria a troca no comando do Exército

Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico, 3/03/2022

https://valor.globo.com/politica/coluna/pra-que-serve-a-guerra.ghtml


Ao final dos oito minutos e 37 segundos que durou sua declaração depois do encontro com o presidente brasileiro, quase o dobro do que falou Jair Bolsonaro, Vladimir Putin encarregou-se de informar ao público sobre o ineditismo da reunião que, naquele momento, se desenrolava entre os chanceleres e os ministros da Defesa dos dois países. A inclusão do ministro Walter Braga Netto e de sua contraparte russa Serguei Choigu na reunião dos chanceleres Carlos França e Serguei Lavrov foi uma tentativa da Rússia de vender armas para o Brasil às vésperas do ataque à Ucrânia.

Não deu em nada, mas expôs a esquizofrenia da política externa de um presidente cuja diplomacia, duas semanas depois, votaria pela condenação da Rússia na Assembleia Geral da ONU, descolando-se dos outros três parceiros do Brics (China, Índia e África do Sul), que se abstiveram.

Só o front interno explicaria a troca no comando do Exército

O que o Brasil ganhou com a exposição pública dessa esquizofrenia? Não se sabe se o vereador Carlos Bolsonaro e sua turma aprenderam alguma coisa em Moscou, mas a viagem está longe de ter sido um desperdício para o bolsonarismo. Tem uma aposta retórica e outra, estratégica - para o front interno de sua disputa, esclareça-se. Ambas arriscadas.

Se, como disse duas vezes em Moscou e repetiria no Carnaval do Guarujá, Bolsonaro foi à Rússia compartilhar com Putin “a crença em Deus e nos valores da família”, a carnificina da guerra tratará de contradizê-lo. Além disso, parece ter resolvido enfrentar sua base olavista, liderada pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, mantendo a viagem à Rússia porque achou que pegava mal essa coisa de não conseguir ser levado a sério por ninguém fora do Brasil.

Foi isso que disse no Guarujá: “Fui o último chefe de Estado que foi lá. Pelo espaço que [Putin] deu para mim, somos importantes. Somos bem recebidos em qualquer lugar (...) o Brasil é um exemplo para o mundo”. Um repórter levantou a bola e ele cortou, certo de que destroçaria o presidente francês, Emmanuel Macron e afagaria o autocrata russo a quem chamou de “amigo” incapaz de promover um massacre: “Macron foi recebido sozinho no aeroporto. Para mim teve honras militares. Ele ficou afastado da mesa, apesar de vacinado. Putin ficou sem máscara ao meu lado. Achei uma deferência enorme, carinho mesmo pelos brasileiros”.

Se não colar, ele muda o discurso. Mais consolidada é a parceria de Braga Netto, com quem parece ter escolhido ir adiante em sua jornada de mistificação. Desde a viagem a Moscou, Bolsonaro passou a colocar Braga Netto no mesmo patamar de França como ministros aos quais ele recorre para definir sua política externa.

Se Hamilton Mourão lhe ofereceu a blindagem contra impeachment, o ministro da Defesa promete mais. É um combo de vantagens que precede a eleição de 2018 e ultrapassa a de 2022. Ao retornar da Rússia, onde Braga Netto era a estrela de uma comitiva composta de ministros de origem militar, à exceção do chanceler, Bolsonaro foi à reunião do Alto Comando do Exército.

Encontrou um colegiado ressabiado com a aproximação do Brasil com a Rússia mas tolerante com o azedume do presidente com o Supremo Tribunal Federal. Não apenas compartilhou sua intenção de nomear Braga Netto para a vice como a de fazer do atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, o ministro da Defesa. A primeira informação já parecia ser do conhecimento de todos, dada a percepção de que a Defesa tem se dedicado à divulgação das ações da Pasta com especial afinco.

A escolha do general surpreendeu mais. Não apenas porque Bolsonaro chegou a pedir sua cabeça no episódio que resultou na saída do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, como também porque Paulo Sérgio Oliveira, tem conduzido a tropa à maneira de seu antecessor - sem declarações e rigoroso no controle da politização dos quartéis.

Sua saída neste momento, lembra um general da reserva com franca interlocução naquele colegiado, aproxima a dança das cadeiras no comando do Exército brasileiro com aquele do governo João Goulart. Em dois anos e meio o Exército de Jango foi comandado por quatro generais. Na Nova República, a permanência dos comandantes por quatro anos só foi quebrada no impeachment de Collor. Se a troca se efetivar agora, será o terceiro comandante do Exército no mandato do capitão.

É por esta razão que outro general da reserva, conhecedor dos fatos, teme que a escolha seja feita não para levar o general Paulo Sérgio Oliveira para a Defesa, mas para tirá-lo do comando do Exército. É uma repetição do que aconteceu na Defesa em 2021. A necessidade de abrigar o Centrão na Casa Civil foi a desculpa para colocar o ex-titular da Pasta, Braga Netto, na Defesa quando o que se queria mesmo era desalojar Azevedo e Silva e, em seguida, o general Leal Pujol do comando do Exército.

Para isso, seria preciso que o nome a ser escolhido para o comando do Exército rezasse pela cartilha de Bolsonaro. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, reza, mas não é aceito pelo Alto Comando. Marco Antonio Freire Gomes, comandante de Operações Terrestres e único general da ativa na comitiva de Moscou, passa, até porque o colegiado não aposta que um dos seus se guie pela cartilha do capitão. Mas tem uma vaga no Superior Tribunal Militar prometida, sinecura que lhe garantiria 12 anos de sombra ante a aventura de 9 meses no comando de uma tropa que o capitão quer manipular.

A costura de uma troca no comando do Exército no meio da guerra na Ucrânia dá uma ideia da dramaticidade de seu destino. O atual ministro da Defesa, que foi interventor na segurança pública do Rio em 2018, não é apenas a caixa-preta das relações da polícia militar com as milícias cariocas. Ele era o coordenador do comitê de crise na covid-19.

Nessa condição, participou da reunião em que foi proposta a troca da bula da cloroquina, esteve à frente da negociação com o consórcio da OMS pela Covax facility, que resultou no atraso de recebimento de vacinas pelo Brasil, e das decisões retardadas que resultaram na crise do oxigênio em Manaus. Por isso, foi arrolado pela CPI da Covid no crime de pandemia, previsto no Código Penal. É um dos 68 de uma lista encabeçada pelo presidente da República.

Ao colocar Braga Netto na vice, Bolsonaro busca uma equação para o presente, com um exército sobre o qual possa influenciar, e para o futuro. Quer a cumplicidade das Forças Armadas para evitar que ele e seu vice acabem no xadrez. Arrisca findar num abraço de afogados.


Maria Cristina Fernandes é jornalista do “Valor”. Escreve às quintas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

quarta-feira, 2 de março de 2022

O ignorante Bozo e os dois espertos Rasputins, um já desaparecido - Thaís Oyama (UOL)

 OPINIÃO

WhatsApp mostra que apego de Bolsonaro a Putin vai além dos negócios

Thaís Oyama

Colunista do UOL, 02/03/2022 14h23

Antes de o Brasil votar a favor da resolução da ONU contra a Rússia, Jair Bolsonaro dizia, em público, que não poderia condenar a invasão à Ucrânia por questões pragmáticas. Sendo o país de Vladimir Putin o principal exportador de insumos para a produção de fertilizantes, o Brasil teria de manter uma posição de "equilíbrio" para não prejudicar o agronegócio, explicou o presidente. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada".

No privado, porém, o presidente não se furta a colidir com a ONU e externar as convicções que regem seu tirocínio geopolítico.

Como mostrou o jornal O Globo, o presidente repassou para um grupo de WhatsApp um texto apócrifo intitulado "A única verdade" — uma mensagem que mistura ideias de dois gurus: o dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho, e o de Putin, Alexander Dugin, este vivo, operante e fundador do neo-eurasianismo, teoria política que almeja explicar por que a Rússia deve ocupar um lugar central no mundo (Olavo conheceu Dugin e um debate online entre os dois resultou no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial, publicado em 2020).

O texto compartilhado por Bolsonaro começa pela tentativa de explicar o real motivo pelo qual o ex-capitão não pode e não deve tomar uma posição contra a Rússia.

"Só existe a Rússia, a China e a Liga Árabe capaz de enfrentar a NOM (Nova Ordem Mundial)".

A "Nova Ordem Mundial", doravante referida por sua sigla NOM, é, segundo os preceitos de Olavo de Carvalho, uma concertação secreta envolvendo arquibilionários, como George Soros, e que tem por objetivo usurpar a soberania das nações e desmontar os pilares da civilização ocidental (Deus, pátria e família), com o apoio de comunistas e por meio de disfarces insidiosos como o da filantropia.

"O Brasil está no radar da NOM", alerta o texto compartilhado por Bolsonaro.

Assim, diz o autor desconhecido, a frente russa-sino-árabe seria a única chance de o Brasil escapar de ser tragado por "um governo hegemônico mundial", interessado em fazer dele seu quintal, ou sua "horta".

Mais importante do que revelar o papel da Rússia na resistência à ameaça da NOM, o texto compartilhado por Bolsonaro resolve o dilema que, desde o início do conflito na Ucrânia, atormenta e constrange as mentes bolsonaristas: mas a Rússia não era a pátria dos nossos arquiiinimigos, os comunistas, e não era aliada da traiçoeira China e da detestável Cuba? Por que então devemos gostar de Putin e prestar "solidariedade" ao seu país?

Está tudo explicado na mensagem:

"O comunismo se transmutou, voltou para o seu berço europeu, agora não prega mais lutas de classes e sim, pautas, como as do preconceito, minorias, sexuais, machismo (...) O comunismo tem outro nome, se chama Progressismo e seu berço é a Europa".

Em suma, os reais "comunistas" (agora transmutados) são os "progressistas", defensores das causas identitárias disseminadas sobretudo por países como a França. Putin e a Rússia não têm nada a ver com isso — são gente nossa.

É por isso que Bolsonaro busca o "equilíbrio" no conflito.

Antes fosse por causa dos fertilizantes.

O Brasil de Bozo e do ex-chanceler acidental e a guerra na Ucrânia - entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao Correio Braziliense

 O que segue na matéria abaixo parece uma entrevista, mas não era para ser e foi tudo meio improvisado. Aliás eu não tinha sequer consciência de que seria uma entrevista; pensei que estava apenas dando subsidios para uma matéria mais ampla, então falei livremente, sem sequer cuidar da correção gramatical do que expressava. 

Se soubesse que seria uma entrevista, teria mais cuidado com as frases. Por outro lado, eu jamais daria uma entrevista para falar do patético ex-chanceler acidental, pois o considero muito medíocre para merecer tanta atenção. 

A reporter deveria ter me avisado. Na verdade, creio que ela é muito jovem para compor uma grande matéria e apenas pegou minhas declarações esparsas e as transformou em “entrevista”, quando eu não tinha tal intenção. Deve ser a tal lei das consequências involuntárias.

Transcrevo, ao final, o teor da entrevista.

Paulo Roberto de Almeida


Três perguntas para Paulo Roberto de Almeida: Correio Braziliense

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

O ex-ministro afirma que nossa política exterior tem o lema do "não é conosco", colocando-se num eixo em que não dialoga nem com o bloco ocidental, capitalista e cristão, nem com o bloco comunista. A posição de "neutralidade" buscada por Bolsonaro diante da invasão da Ucrânia reforça a política externa do "não é conosco"?

Ernesto Araújo sempre teve essa postura vinculada a Olavo de Carvalho, uma postura da ultradireita ou da direita extrema americana, a franja lunática dos conservadores antiglobalistas. As democracias ocidentais, os membros da Otan, têm uma postura clara de defesa da democracia, das liberdades que estão em causa hoje pelo regime de direita e imperialista da Rússia. Essa análise é totalmente lunática. Ernesto Araújo, era um diplomata normal, um conservador, um religioso de direita, mas esteve no armário, porque o Itamaraty era progressista sob Fernando Henrique Cardoso, sob Lula. Ele se revelou quando ascendeu essa nova direita no Brasil. Para mim, ele revela o seu desequilíbrio político, emocional, ideológico.

Ernesto Araújo defende que, na prática, a posição do Brasil frente à guerra na Ucrânia não tem sido de neutralidade, e sim pró-Rússia, por conta das demonstrações de simpatia a Putin, e de indiferença à Ucrânia. Podemos interpretar desta maneira?

Depois de ter falado em solidariedade à Rússia, Bolsonaro falou em neutralidade. Ele teve que se retratar porque o Brasil ficou isolado, do lado oposto ao das democracias, da maior parte dos países da comunidade internacional que condenam a invasão e a agressão russa. O Itamaraty teria uma posição muito concreta, condenaria a violação do direito internacional e a invasão russa, que é uma agressão não provocada. Não é o que fez Bolsonaro, que até agora impediu que o Itamaraty expressasse uma posição correta. Então ficamos naquela posição em cima do muro: "Queremos a cessação das hostilidades", como se as hostilidades fossem recíprocas. Não são, elas são provocadas por uma potência agressora. O Putin é um é um déspota agressor. Houve um rompimento de valores e princípios que estão com a diplomacia brasileira desde 1907. Rui Barbosa ensinava que não pode haver neutralidade entre o crime e o direito internacional. Ser imparcial significa que você considera que ambas as partes podem ter razão, que são equivalentes, que é o que estava nas notas do Itamaraty.

O que tais posições do ex-ministro têm como pano de fundo?

A posição do Ernesto Araújo é totalmente inconsequente, porque não expressa a realidade do sistema internacional, assim como a postura do Bolsonaro é absolutamente ignorante e não tem a ver com a realidade das coisas. Eu simplesmente classifico Ernesto Araújo como desequilibrado, e não me interessa qual posição ele adote. A atitude dele é uma postura contra a Rússia porque ele acha que a Rússia não corresponde ao espírito da direita verdadeira. O que o Ernesto queria era uma aliança mundial das grandes potências cristãs — o Brasil católico, os Estados Unidos protestantes e a Rússia ortodoxa —contra o comunismo da China, como se a China fosse comunista hoje. O Ernesto já provou que é um desequilibrado e, portanto, não tem nenhuma importância.

 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.

  

Texto da matéria do Correio Braziliense: 

 

Ex-chanceler Ernesto Araújo critica Jair Bolsonaro em canal no YouTube

Ernesto Araújo provoca polêmica ao criticar o posicionamento do governo brasileiro diante da invasão da Ucrânia

Taísa Medeiros

Correio Braziliense, 02/03/2022

 

Criador de um recente canal no YouTube, intitulado "Logopolítica", o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, adotou uma posição crítica às atitudes do governo de Jair Bolsonaro (PL) diante do conflito na Ucrânia. Em um de seus artigos recentes, o diplomata afirmou que, "por mais de seis décadas, o princípio 'não é conosco' da nossa diplomacia serviu para distanciar o Brasil do Ocidente democrático, favorecer totalitarismos e agradar a oligarquia nacional", e alegou que o padrão se repete com o ataque russo à Ucrânia.

Araújo defende que o país adote posições pró-Ocidente e, antes mesmo do início do conflito, já tecia críticas à visita de Bolsonaro a Vladimir Putin. "O Brasil está mostrando uma preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão em conflito ou nenhum", declarou em uma entrevista em 15 de fevereiro.

"A diplomacia não tem ideologia", ressalta a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo Maristela Basso. "A política externa brasileira nunca foi do 'não é conosco'. Pelo contrário, sempre primou pelas posições firmes e equilibradas de respeito ao direito internacional", afirmou a professora. "O ex-ministro não representa nem fala em nome do Itamaraty. Nem mesmo quando ocupava o cargo de chanceler. Frequentou uma escola filosófica e ideológica obscura e de fundamentos frágeis. O que diz hoje é fruto do ressentimento e da falta de respeito à política externa conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE)", observou.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, caso estivesse à frente do Itamaraty, Araújo faria declarações "desconexas". "Ele demonstrava uma alienação acerca do mundo contemporâneo, e sua subserviência não o faria elaborar algo relevante sobre o conflito e suas consequências. Para quem votou contra os palestinos, pela primeira vez em décadas, ao arrepio do direito internacional, ele tentaria, creio, imprimir uma conotação religiosa ao conflito", projetou o docente.

Neutralidade

Segundo Maristela Basso, não se pode confundir a posição do MRE com frases soltas do Presidente da República. "Estas não contam, porque são feitas fora de contexto e lugar próprios. Faz tempo que o presidente diz e o Itamaraty conserta", analisou. Na avaliação de Roberto Menezes, a tentativa de "neutralidade" de Bolsonaro é um apoio explícito a Putin. "Bolsonaro deu de ombros para a Ucrânia. Optou pelo mais forte."

Para o general Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo até junho de 2019, há falta de clareza no discurso do presidente e, por isso, críticas aos seus posicionamentos. O general ressalta que neutralidade não significa falta de opinião. "Posicionar-se contra por uma questão de direito internacional não é quebra de neutralidade. Também não precisa tirar a responsabilidade de todos os atores que levaram a essa situação difícil, inclusive de políticos da própria Ucrânia. Mas não se pode validar a invasão e o sofrimento", pontuou.

 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil

Paulo Roberto de Almeida


A recuperação pós-Bozo vai ser muito lenta e bem difícil: o mundo não aceitará qualquer frase do Brasil ao estilo “daqui prá frente tudo vai ser diferente”. 

Precisaremos provar nos fatos e isso pode demorar; muita coisa foi desmantelada ou destruída. Levará alguns anos para restaurar nossa dignidade externa!


O acordo Mercosul-UE, por exemplo, vai ter de aguardar a redução provada e confirmada da destruição do meio ambiente, que atingiu proporções amazônicas para ser revertida em pouco tempo. Grileiros, garimpeiros, invasores de terras públicas se estenderam por todo o país. Violência contra minorias sexuais, armamentismo e negacionismo se tornaram endêmicos no país, cada vez com maior desfaçatez e ousadia. 


E nem tudo é resultado de ignorância ou pobreza: camadas privilegiadas da população, certas corporações organizadas foram conquistadas pela ideologia da exclusão e da violência, a vulgaridade e o rebaixamento culturais foram muito longes.  

Quadros formados e produtivos, pessoas de classe média já programaram deixar o país, pois a corrupção oficial, a captura do Estado e a deterioração do ambiente geral de vida e de trabalho foram levados a patamares inaceitáveis. 

A divisão do país, antes “apenas” social — dados os níveis “africanos” de desigualdade distributiva — se estendeu ao âmbito societal e nacional, com o reforço da cultura do ódio e as práticas de eliminação do “adversário”. 

Sim, a reconstrução de uma sociedade decente e a restauração da imagem do Brasil no mundo vão ser muito difíceis. 

A destruição foi longe demais.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/02/2022

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Bozo e a Revolução Russa: tudo a ver? Provavelmente - Ricardo Bergamini

Ricardo Bergamini escreveu: 

Sendo um leigo em relações internacionais, me parece que o Brasil está sendo usado de forma hábil pela Rússia, bem como está entrando numa encrenca sem precedentes na história do Brasil.

 

Com a palavra os doutos no assunto.


 BOLSONARO ENCONTRA-SE COM PUTIN EM MOSCOU APÓS HOMENAGEM A SOLDADOS COMUNISTAS

 

CONGRESSO EM FOCO

 

16.02.2022

 

Matéria completa clique abaixo:

 

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/mundo-cat/bolsonaro-encontra-se-com-putin-em-moscou/

 

Rússia se diz pronta para enviar tropas a Cuba e à Venezuela

 

Russos exigem que a OTAN pare com a expansão para o leste da Europa e se dizem prontos para ocupação militar de outros países

 

Por Matheus Deccache Atualizado em 14 jan 2022, 11h57 - Publicado em 13 jan 2022, 14h34 

 

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/mundo/russia-se-diz-pronta-para-enviar-tropas-a-cuba-e-a-venezuela/

 

 

A Revolução Russa

 

Ricardo Bergamini

 

 

Causas Antigas

 

Sentimento de ódio contra a tirania czarista e suas sangrentas repressões; deportações para a Sibéria; crueldade das punições: cnute; fuzilamento de operários em 1905; despotismo da aristocracia; condições de semi-escravidão dos camponeses; extrema corrupção e incompetência do governo czarista.

 

Causas Recentes

 

Sacrifícios impostos pela I Guerra Mundial; contínuas e desastrosas derrotas militares; propaganda revolucionária; desorganização da máquina governamental; desorganização da economia nacional; inflação, escassez de alimentos, miséria, caos.

 

Revoluções de Fevereiro e de Outubro de 1817

 

Em dezembro de 1916 é assassinado o tenebroso mistificador Raspútin, que tão nefasta influência exercera sobre a supersticiosa czarina e sobre o regime.

 

A 8 de março e 1917 começam os motins populares da chamada “Revolução de Fevereiro” (o calendário russo ainda não era o gregoriano). O czar Nicolau II é forçado a abdicar. O antigo parlamento (Duma) organiza um governo provisório, assim composto: 1° Ministro: príncipe Lvov; Ministro do Exterior: professor Miliukov (“kadete”: liberal moderado); Ministro da Justiça: o advogado Kerênski (deputado trabalhista).

 

Os demais ministros eram burgueses liberais. Pretendiam transformar a autocracia czarista numa monarquia constitucional, nos moldes da britânica. Por isso, proclamaram o estabelecimento das liberdades civis, libertaram os presos políticos, abriram as fronteiras aos exilados e começaram a organizar a eleição duma Assembléia Constituinte.

 

Tendo o governo provisório anunciado que pretendia continuar a guerra, forte oposição popular provoca a demissão de Miliukov (maio). Organiza-se um novo governo de coligação, em que são incluídos social-revolucionários (“essares”) e socialistas revisionistas (moderados, “minimalistas” ou “mencheviques”). Ficam na oposição os marxistas ortodoxos (radicais, “maximalistas” ou “bolcheviques”). Kerênski continua no governo, agora como Ministro da Guerra. Pouco depois é o 1° Ministro (julho). E, aos poucos, tenta instalar uma ditadura pessoal.

 

A 7 de novembro começa a “Revolução de Outubro”. Os bolcheviques já se achavam infiltrados nos sovietes (conselhos de operários, camponeses e soldados) e nas forças armadas. Chefiados por Lênin e Trótski, vencem em poucas horas e assumem o poder, proclamando a “ditadura do proletariado”.

 

No dia seguinte, 8 de novembro, Lênin decreta a imediata distribuição das terras a todos os camponeses. A 27 de novembro transfere para os operários o controle de todas as fábricas. Pouco depois são nacionalizados os bancos e a maioria dos estabelecimentos industriais. Em dezembro iniciam-se as conversações de paz com a Alemanha. Em março de 1918 é assinado o tratado de paz de Brest-Litovsk.

 

A Guerra Civil e as Invasões Estrangeiras (1918-1920)

 

O governo bolchevique foi encarniçadamente combatido por diversos exércitos de russos brancos (anticomunistas), auxiliados por forças estrangeiras (soldados alemães, finlandeses, estonianos, lituanos, poloneses, tchecoslovacos, ingleses, franceses, japoneses, norte-americanos).

 

Os massacres foram tremendos, de lado a lado. Em fins de 1920, os russos brancos e os soldados estrangeiros tinham sido definitivamente derrotados pelo exército vermelho.

 

O Totalitarismo Bolchevista

 

De 1917 a 1921 – com a guerra civil – processou-se a fase crítica, chamada “bolchevismo de guerra”, de caráter extremista: distribuição de víveres, em lugar de salários, e proibição de todo comércio particular. Durante a guerra civil, o colapso econômico foi enorme. A produção industrial caiu, em 1920, a 13% da cifra de 1913.

 

Em 1921 deu-se “um passo atrás” com a instalação da Nep (nova economia política), que permitia a fabricação e o comércio de particulares, mas em pequena escala e sob a vigilância do Estado. Esta nova política esteve em vigor até 1928 – quando começaram os Planos Qüinqüenais. Daí por diante, a manufatura e o comércio privado foram sendo restringidos cada vez mais. Em 1939 estavam quase inteiramente abolidos.

 

Admitiram-se as diferenças de salários, de acordo com o tipo de trabalho e o nível de produção. Mas continuou proibida, rigorosamente, a exploração do homem pelo homem, assim como o lucro imobiliário (aluguel, arrendamento), de modo a impossibilitar a acumulação de capitais.

 

Em janeiro de 1924 morreu Lênin. Lutaram, então, pelo poder – Stálin e Trótski. Este foi derrotado e acabou sendo expulso do país. Trótski foi assassinado em 1940, no México. 

 

Ricardo Bergamini