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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Conselhos de Claudio Moura Castro aos aposentados (Veja)

Não falar de remédios, doenças, desaparecimentos. Manter seu caderninho de endereços ativo e permanecer aberto a convites, mesmo para falar de graça.
Paulo Roberto de Almeida

24/01/2020 | Banco Mundial | Revista Veja 

Cláudio de Moura Castro


    DAS INCONVENIÊNCIAS DE FICAR VELHO
    E o antigo caderninho de endereços também vai envelhecendo
    NÃO SE DEVEM tomar estatinas, explicou-me longamente um amigo. Um mês depois, morreu do coração. Qual a sua glicemia? Câncer de próstata, é mesmo? Quem foi o colega de colégio que teve um AVC? Caiu no banheiro? Prótese no joelho bichado? Gostou da UTI do Einstein? Quantos stents? Assim vão as conversas de velho, em uma espiral infindável e incontida. Como profilaxia preventiva, um grupo de conhecidos fez um pacto solene: é proibido falar de doença!
    Como fazem os aposentados para preencher o seu dia? A Lei de Parkinson responde: o que quer que precise ser feito vai consumir todo o tempo.
    Comprar um remédio pode ser empreitada para uma tarde inteira. Vestir-se, conferir a receita, ir à farmácia, checar as novidades e trocar ideias com o farmacêutico. Já em casa, ler a bula e ligar para o amigo, narrando os detalhes da expedição.
    Essas questões não são, a rigor, o tema desta crônica, mas, sim, o esforço de manter minha atividade de pesquisador, escritor e conferencista. Meu sucesso na empreitada depende de uma rede de conhecimentos bem azeitada. Por exemplo, a ex-estagiária foi para o Banco Mundial e, de lá, convidou-me para a Clinton Initiative, na qual conheci um brasileiro que me levou para um evento em Londres. Uma consultoria, oferecida por um colega do BID, me aproximou de alguém que me convidou para vários eventos na América Central. Alguém ouviu minha conferência em Santiago e me chamou para falar na Universidad de La Frontera. É o networking, em plena pujança. Sucesso para quem tem um poderoso caderninho de endereços.
    A desgraça é que os amigos, colegas e conhecidos vão se aposentando ou morrendo. Está com Alzheimer o empresário que me levava para visitar seus programas sociais. A ex-estagiária que assumiu bons cargos foi criar cavalos na Bolívia. O amigo em uma posição crítica agora cuida da sua fazenda. Outro virou expert em vinhos e arqueólogo amador.
    Uma a uma, o supremo adversário come as minhas pedras no xadrez da vida. Desfalca-se a network, com efeitos catastróficos. Serão as redes sociais uma poção mágica para sobreviver nessa área? Quem sabe? As conferências remuneradas escasseiam e as de graça permanecem. Mas, sem aceitar essas últimas, cai a probabilidade das primeiras. Conselho: jamais volte, muitos anos depois, a uma instituição onde trabalhou. Fui à Organização Internacional do Trabalho com a memória dos cumprimentos simpáticos pelos corredores. Vi-me um completo forasteiro. Apenas reconheci o garçom e o jardineiro.
    No passivo, diante das novas piruetas e façanhas econométricas, tenho de pedir socorro à nova geração. No ativo, os anos de experiência permitem entender o âmago das questões mais rapidamente e com menos leituras. Sinto que capto o ponto central de um tema, enquanto os jovens se perdem nas tecnicalidades. A inconveniência reside no enorme esforço para remendar a network e conseguir atividades interessantes. E, aqui, luto contra a natureza, pois preciso de toda a energia, na idade em que o ciclo de vida joga contra. Mas não perdi a guerra. Continuo escrevendo, falando e pesquisando.

    sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

    Educacao brasileira: o bom, o mau e o feio (e bota feio nisso) - Claudio Moura Castro (entrevista)

    Sem ter o mesmo conhecimento e a mesma competência que o Cláudio Moura Castro em matéria de educação, em geral, no Brasil e no mundo, eu tenho uma visão bem mais pessimista quanto à qualidade da educação brasileira -- penso, por exemplo, que as coisas são muito piores do que sequer ousamos imaginar -- e também sou extremamente pessimista quanto às possibilidades de mudança (para melhor quero dizer, pois para pior estamos sempre mudando). As saúvas freireanas, inclusive as que pululam no MEC, e as máfias sindicais vão se opor a quaisquer mudanças de parâmetros que se pense fazer.
    Ou seja, creio que o sistema vai evoluir no sentido da sua fragmentação: algumas escolas públicas, de prefeitos ou governadores motivados vão melhorar milimetricamente, várias privadas também vão melhorar, e algumas universidades, depois de cairem de podre, vão ter alguma reforma, mas a legislação, a inércia, o CNE, as milhares de disciplinas obrigatórias, e mais as que ainda vão ser obrigatórias, o politicamente correto, o racialismo estúpido, os mitos e as bobagens, tudo isso vai obstar a reformas consequentes na educação em geral, na básica em particular, que serão, portanto, esporádicas, erráticas, aos trancos e barrancos, como dizia o Darcy Ribeiro...

    Em todo caso, recomendo a leitura de cada uma de suas respostas às perguntas que lhe fizeram.
    Vejam aqui:

    http://educarparacrescer.abril.com.br/iniciativa/claudio-moura-832400.shtml

    terça-feira, 22 de outubro de 2013

    Plano Nacional de Educacao: "equivocado e inocuo" - Claudio Moura Castro

    22/10/2013 - 18h05 Comissões - Educação - Senado Federal, 22/10/2013 - 18h43

    Especialista considera Plano Nacional de Educação 'equivocado e inócuo'

    O especialista em Educação Claudio de Moura Castro afirmou, durante audiência pública na Comissão de Esducação, Cultura e Esporte (CE), nesta terça-feira (22), que o projeto do novo Plano Nacional da Educação (PNE) é “equivocado e inócuo”. Em sua avaliação, a proposta tem um "erro de essência”, pois não corresponde ao denominador comum do interesse coletivo, mas o somatório do que foi proposto por diversos segmentos, numa “advocacia em causa própria”. O resultado, disse, foi um conjunto de mais de duas mil propostas muitas vezes incompatíveis. Para ele, o texto reflete antes de tudo o “ativismo” de grupos específicos, sem incorporar as contribuições de pessoas que “sabem e são respeitadas”.
    Como exemplo da falta de prioridade, observou que o texto dedica um parágrafo tanto ao ensino médio como ao tema da padronização dos ônibus escolares. Por tudo isso, observou que a tramitação vem exigindo "esforços hercúleos” do Legislativo, inclusive porque não dá para jogar fora as duas mil propostas (consolidadas em 20 metas).
    - Algumas idéias boas perdidas estão perdidas numa salada de irrelevâncias – criticou.
    Entre as medidas impossíveis, apontou a proposta para elevação a 90% o percentual dos alunos do ensino superior que chegarão ao fim do curso, lembrando que até nos Estados Unidos o grau de evasão chega a 50%. Também considerou irreal a meta de erradicação do analfabetismo absoluto e a previsão de ampliar o numero de vagas no ensino técnico sem que haja apoio ao sistema privado que atua nesse nível de ensino.
    Financiamento da Educação
    Entre as metas do novo PNE, está a previsão de um aumento gradativo dos investimento em educação para que, em seus dez anos de vigência, os recursos correspondam a pelo menos 10% do produto interno bruto (PIB), saindo do patamar atual de 5,6%. Mesmo com o reforço das receitas do pré-sal, convidados à audiência pública e senadores reconheceram que os recursos já disponíveis não devem ser suficientes para atender plenamente as carências da área.
    Neste sentido, a professora Cristina Helena Almeida Carvalho, da Universidade de Brasília (UnB), propôs que o Imposto sobre as Grandes Fortunas, previsto na Constituição, seja regulamentado e os recursos destinados para a educação. O relator do projeto (PLC 103/2012) na comissão, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), disse, no entanto, que não pretende indicar novas vinculações de tributos. A seu ver, os recursos adicionais deverão sair dos orçamentos da União, estados e municípios.
    - Essa estratégia de discutir novas fontes é tergiversação. Não podemos vincular o cumprimento das metas a eventuais novas fontes – disse, em entrevista após o debate.
    Para Alvaro Dias, a sociedade já vem pagando imposto demais. Quanto à regulamentação do já previsto Imposto sobre Grandes Fortunas, ele observou que existe grande resistência à medida no Congresso. Como os recursos são escassos, o senador entende que a solução é concentrar a atenção num conjunto menor dentre as 20 metas previstas no plano. Entre estas, ele citou a equiparação dos salários dos professores com os ganhos de profissionais com formação equivalente.
    Custo mínimo
    Maria Alice Setubal, presidente da Fundação Tide Setubal, lamentou a supressão, em comissões do Senado que já examinaram o projeto, dos parâmetros para a definição do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que serve de base para o investimento mínimo na educação básica. Segundo ela, as mudanças fragilizam o futuro plano, pois o CAQ é o instrumento para o enfrentamento das desigualdades educacionais. Lembrou que os piores resultados estão nos pequenos municípios, nas áreas rurais e nas periferias das grandes cidades.
    - Se não enfrentarmos a questão das desigualdades não conseguiremos melhorar a educação – disse Maria Alice.
    Pelo texto que saiu da Câmara, o CAQ teria de ser implementado no prazo de dois anos de vigência do PNE, incorporando custos do pagamento e qualificação de professores, manutenção e construção e conservação de equipamentos, alimentação e transporte escolar, entre outros. Já no Senado, nos pareceres da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), deixa de ser mencionado prazo para a implementação, ficando apenas a indicação de que o CAQ deverá ser formulado pelo Ministério da Educação.
    Cristina Helena, a especialista da UnB, também apontou retrocesso nas duas comissões em relação ao que prevê a Meta 20, relativa ao investimento progressivo de 10% do PIB para a educação. Ela observou que, pelo texto da Câmara, tratava-se apenas da “educação pública”. Nas duas comissões do Senado Federal, no entanto, foi suprimida a palavra “pública”. Dessa maneira, os recursos poderão ser também canalizados para ações de educação desenvolvidas pelo setor privado, como o Prouni, que financia bolsas nessas instituições.
    Votação
    A audiência pública foi solicitada pelo senador Alvaro Dias. Os trabalhos foram coordenados pelo presidente da CE, Cyro Miranda (PSDB-GO), que já anunciou a intenção de votar a matéria na comissão até o dia 1º de novembro. Depois, a proposta seguirá para o Plenário do Senado. Participaram ainda da audiência os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Inácio Arruda (PCdoB-CE).
    Agência Senado
    (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

    domingo, 26 de junho de 2011

    Aprendizado na acao - Claudio Moura Castro (OESP)

    Aulas de recuperação
    Claudio de Moura Castro
    O Estado de S.Paulo, 26 de junho de 2011

    Escolas públicas de BH usam com sucesso o método 'action learning', que é reunir grupos com dificuldades parecidas para se ajudarem

    Após a 2ª Guerra Mundial, as minas de carvão inglesas foram nacionalizadas. Tempos depois, o presidente da estatal notou que algumas delas produziam pouco, apesar de semelhantes a outras muito eficazes. Como não encontrava as razões da diferença, resolveu consultar um amigo, do tempo em que eram colegas na Universidade de Cambridge.

    Foi então conversar com Reginald Revans, aluno do Barão de Rutherford (Prêmio Nobel) no celebrado Cavendish Lab, onde se doutorou em astrofísica. Só que Revans achou pouca graça em ficar vigiando estrelas e preferiu enveredar para os campos então virgens da administração (se fosse no Brasil, não deixariam um astrofísico ensinar administração, pois tem o diploma errado!). Contando com sua competência nos novos interesses, o amigo queria que desvendasse os mistérios das minas de carvão.

    Após uma longa explicação veio a pergunta: "Reggie, você pode descobrir por que essa mina funciona e a outra não?" Responde o astrofísico: "Só daqui a três meses". O executivo insistiu, mas a resposta permanecia a mesma, precisava de três meses. Impaciente, pergunta o que ele ia fazer de tão importante nesse tempo. "Ora, se é para entender de carvão, tenho que passar pelo menos três meses trabalhando nas profundezas de uma mina."

    Como havia sido atleta olímpico, aguentou o regime da pá e picareta nas galerias abafadas. Passados os três meses, com muitos calos nas mãos, dá-se um novo encontro e vem a inevitável pergunta: "O que há de errado com aquela mina?" A resposta é cristalina: "Não sei e não vou saber. Mas já sei como resolver o seu problema. Quem sabe das minas são os capatazes e mineiros que lá trabalham por décadas. Vamos criar reuniões periódicas entre os da mina boa e os da ruim. Eles saberão decifrar o problema e encontrar a solução".

    Estava então criado o método do action learning (que não tem tradução estabelecida para o português). É baseado na ideia de gerar condições favoráveis aos que vivem o problema no seu cotidiano para que possam encontrar soluções. De fato, ninguém conhece tão bem as dificuldades. Portanto, é deles que virão as melhores soluções .

    Afogadas no círculo vicioso do seu cotidiano, as pessoas apenas sentem o enguiço, mas não chegam a defini-lo com precisão e, ainda menos, têm a disposição para resolvê-lo. O método do action learning consiste em criar condições materiais e psicológicas para que essas mesmas pessoas se dediquem com otimismo a enfrentar os problemas que as cercam. Um elemento crítico no método é a interação de pessoas de origens diferentes, mas que convivem com dificuldades semelhantes. Uns ajudam os outros, com estímulos e conhecimentos tácitos daquele assunto. Ao longo do tempo, o método se sofistica, sendo usado nas condições mais variadas, em empresas, hospitais e polícia.

    Faz uns cinco anos, a Associação Comercial de Minas Gerais decide fazer alguma coisa em benefício da educação. Junta-se a ela a Fundamig (a fundação das fundações empresariais de Minas) e mais a Amcham, todas sob a liderança de Evando Neiva e Antônio Carlos Cabral. Cria-se então a Conspiração Mineira pela Educação, alusiva à tentativa de independência, em 1789. Decorridos mais de dois séculos, a nova Conspiração é ainda a busca da liberdade, mas desta vez, pelo caminho do bom ensino. Marca seu lançamento a Carta do Caminho, fazendo jogo de palavras com a de Pero Vaz de Caminha.

    Diante da iniciativa, o então vice-governador sugeriu que o trabalho inicial se concentrasse na região do Serra Verde, no norte de Belo Horizonte. Trata-se de uma área socialmente problemática e contígua ao Centro Administrativo, em plena construção naquele momento.

    Mas o que fazer para ajudar as 70 e tantas escolas da região, algumas delas em áreas conflagradas? Começamos ouvindo oito diretoras recitarem as mazelas de suas escolas. A desgraceira não era pouca, aliás, de educação quase nada se falou.

    Veio-me então a lembrança de Revans, que havia conhecido na Europa na década de 80 (ocasião em que me fez a narrativa acima). Action learning em Belo Horizonte? Apesar de desconhecida, a ideia foi festejada. Mas o desfecho inicial me assustou, pois fiquei encarregado de encontrar alguma pessoa que soubesse aplicar o método. Na verdade, jamais soube de action learning no Brasil.

    Como todos que se veem sem inspiração, entro no Google. No Brasil, só encontro duas referências: um evento em que se mencionava o termo e uma grande consultora internacional que sabia aplicar (Caliper). Apesar de intimidado pelas perspectiva de honorários semelhantes aos que cobra da Gerdau, escrevi para a empresa. A resposta veio logo, mostrando interesse. Nesse momento, já antecipava o embaraço diante de um orçamento muitas vezes maior do que uma iniciativa filantrópica poderia enfrentar. Mas escrevi assim mesmo, explicando o escopo do trabalho.

    Minha surpresa não poderia haver sido maior quando chegou a resposta. Um escocês chamado George Brough ofereceu-se para fazer o trabalho, como sua contribuição voluntária, sem cobrar, desde que tivesse passagens para vir de Curitiba. Trazê-lo a cada 15 dias era financeiramente viável.

    Reunimos umas 50 diretoras e explicamos o método. George disse que cada diretora deveria identificar o problema mais sério que encontrava na sua escola e gostaria de enfrentar. Obviamente, ninguém entendeu muito. A perplexidade foi geral e, ao acabar o encontro, já antecipava um desastre de maiores dimensões. A reunião seguinte tampouco foi alvissareira, apesar da fleuma e tranquilidade do escocês. "É assim mesmo, sempre começa parecendo que não vai dar certo."

    E ele tinha razão. As diretoras escolheram cinco temas, todos relevantes: falta de motivação dos alunos, falta de motivação dos professores, integração família/escola, pacificação da escola e desempenho dos alunos (indicadores de aprendizagem). Os grupos com interesses comuns foram formados, com reuniões quinzenais, incluindo lanchinho no intervalo. Tudo sob a batuta do nosso George.

    Passa o tempo, o trabalho toma corpo e, um par de anos depois, começam a aparecer os resultados. Cada escola tomava suas providências, inventava modas e seguia em frente, sempre trocando figurinhas com as outras que lidavam com o mesmo problema. Um questionário permitiu uma avaliação inicial do que estava sendo feito e dos primeiros resultados.

    Apesar de baseados em impressões e apreciações subjetivas, dava para ver que haviam crescido muito as teias formadas com parceiros fora da escola, como igrejas, ONGs e instituições da sociedade civil. Curiosamente, uma contagem simples das instituições externas mostrou que a Polícia Militar era a parceira mais frequente (talvez por ser adorada pelas diretoras). Multiplicavam-se as iniciativas e projetinhos com alunos (do tipo Cantinho de Leitura e outros).

    Progressivamente, de encontros em um clube, as reuniões passam para um revezamento entre escolas. Isso corresponde à criação de um Fórum de Diretores. A escola da vez se prepara para a visita das diretoras e ensaiam-se os alunos para mostrar o que estão fazendo. A diretora e professores preparam PowerPoints sobre suas iniciativas. O evento é uma grande festa, terminando com uma mesa de salgados e doces (ao que parece, comer é essencial para o êxito). A próxima reunião será a 36ª. Nada mau para uma iniciativa que parecia capenga no primeiro dia e custou a arribar.

    Chama atenção o custo modestíssimo de criar e fazer andar esse grande circo: lanchinho, algum transporte e pouco mais. Obviamente, não há custos para o trabalho voluntário de das lideranças (se cobrados, seriam altíssimos, considerando serem executivos bem-sucedidos) e nem dos muitos programas oferecidos por dezenas de parceiros dos três setores (lembremo-nos, a Conspiração é uma aliança intersetorial do Estado, da iniciativa privada e do Terceiro Setor).

    No bojo do action learning, muitas atividades paralelas vão aparecendo. Frequentemente há conferências por pessoas de fora, criando variedade e abrindo uma janela para o mundo. Houve um claro interesse dos organizadores em universalizar os conhecimentos sobre sistemas nacionais e estaduais de avaliação (Prova Brasil, Ideb, Pro-Alfa, Proeb). Em uma escola, amadurece um programa bem-sucedido de promover lideranças dentre os alunos (é parte do programa do Instituto Unibanco). Há também concursos de redação para premiar alunos nos quais os vencedores ganham um dia de visita ao museu de arte contemporânea do Inhotim.

    Sob todos os pontos de vista, podíamos ver que se tratava de uma iniciativa bem-sucedida. Tinha variedade e uma participação crescente das escolas (de 50 escolas no primeiro Fórum, para mais de 100 nos dias que correm, além de centenas de observadores que acompanham os encontros). Mais importante, os encontros viraram uma rotina bem-vinda para as equipes das escolas.

    Mas faltava um elemento crucial. As avaliações disponíveis eram subjetivas e qualitativas. Todos achavam que estava "dando certo". Mas e os números? E as avaliações externas? Obviamente, só com o transcurso do tempo cria-se o intervalo necessário para comparar dois momentos usando o mesmo instrumento de avaliação.

    Hoje isso já aconteceu. Em 2007, a média nacional do Ideb era de 3,4, enquanto a média das escolas da Conspiração era de 4,4. Em 2009, o Ideb nacional passou a 3,6, enquanto as escolas da Conspiração atingiram 5,3. É um salto muito grande, tomando como comparação a evolução do Brasil nesse indicador.

    São resultados muito impressionantes. Naturalmente, nem tudo se deve à Conspiração Mineira ou ao action learning. Mas é que não houve tantas iniciativas afora essas. Portanto, é apropriado atribuir pelo menos boa parte dos resultados ao que fizeram os "conspiradores".

    Nomes, definições e detalhes das formas de intervenção não interessam muito. As lições mais importantes vêm do espírito do método. Quando começamos, qualquer um dos responsáveis pela iniciativa poderia haver trazido a sua considerável experiência para sugerir às escolas como deveriam proceder. É isso que se faz com muita frequência. Mas, felizmente, nem identificamos os problemas e nem prescrevemos as soluções. Em vez disso, começamos perguntando aos diretores quais eram as dificuldades que os afligiam. Em seguida, criamos as condições materiais e emocionais para que trabalhassem conjuntamente na sua solução. Esse é o espírito do action learning. Deu certo! Thank you, Professor Revans. Thank you, George Brough.

    CLÁUDIO DE MOURA CASTRO É DOUTOR EM ECONOMIA E PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO, ASSOCIADO AO GRUPO POSITIVO. NO CASO DA CONSPIRAÇÃO, VEM ATUANDO COMO ASSESSOR TÉCNICO, SUGERINDO ATIVIDADES E PROGRAMAS, MAS NÃO ENTRANDO DIRETAMENTE NA SUA IMPLEMENTAÇÃO.

    segunda-feira, 11 de outubro de 2010

    Educacao: um comeco de diagnostico, possiveis solucoes - Claudio Moura Castro

    Um dos melhores, senão o melhor especialista em educação no Brasil, faz um diagnóstico muito claro dos problemas e oferece as possiveis soluções para a tragedia que é a educação brasileira. Como depende de mudar a cabeça de milhares, centenas de, professores, talvez dure certo tempo, algumas dezenas de anos, provavelmente. Enfim, não é para ficar desesperado, mas também não dá para achar que estamos no caminho certo. Não, não estamos, sequer existe consenso na sociedade sobre o que fazer. E o governo, então, está fazendo tudo errado.
    Paulo Roberto de Almeida

    Entrevista
    Educação é ensinar a pensar
    Cláudio de Moura Castro economista e especialista em educação, 72
    Jornal O TEMPO, 10/10/2010

    Conselheiro de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, além de membro de órgãos consultivos de instituições como Inhotim, CNI e Fiesp, esse carioca criado em Minas Gerais é crítico mordaz do sistema educacional brasileiro, além de frasista da melhor qualidade. Para Cláudio, o grande gargalo da educação brasileira é a chatice - matérias que nada têm a ver com o aluno - e, por isso, uma reforma é urgente.

    Temos hoje no Brasil alguns cientistas reconhecidos internacionalmente. São casos isolados ou bons frutos do sistema educacional brasileiro? Veja bem, o caso brasileiro é parecido com a Índia, onde a taxa de analfabetismo é da ordem de um terço da população, e os que estão frequentando escolas estão em instituições tão ruins ou piores do que as brasileiras. Não obstante, a Índia tem sete institutos federais de tecnologia que são padrão de grandes universidades e recrutam dentro do bilhão de habitantes. Cria-se um filtro dentro do filtro e acaba com gente extremamente competente e dedicada. A comparação é válida porque mostra que se pode ter um sistema educacional muito ruim e bons doutores. Essa solução não é boa, nem no Brasil, nem na Índia. Bom seria que partisse de uma base muito maior. Veja a Suíça, que tem uma grande produção de prêmios Nobel com uma população de 7 milhões.

    Por que o sistema brasileiro é ruim? Porque começamos com vários séculos de atraso. Em 1450, apenas 15% da população da Europa era alfabetizada. Em 1.500, com Guttemberg, passou para 30%. Em 1900, 15% da população de Portugal era alfabetizada - estava no nível da Europa pré-imprensa -, e nós herdamos esse sistema educacional. No Brasil de 1900, 10% da população era alfabetizada. Há 50 anos, as estatísticas educacionais brasileiras eram bem pior do que as do Paraguai, Bolívia, Equador, para não falar da Colômbia. Começamos atrás desses países, já os passamos e estamos nos aproximando de Argentina, Uruguai e Chile, que são os melhores na América Latina.

    Qual a razão dessa - comparativamente - rápida alfabetização por aqui? A economia brasileira cresceu mais em termos de PIB bruto do que qualquer país no mundo entre 1870 e 1980. A melhoria da educação do Brasil é fruto dessa demanda do setor produtivo que precisa de gente mais competente. Muito mais do que um voluntarismo de um setor público iluminado como houve por exemplo na França.

    O que é necessário para melhorar a educação no país? Pesquisa recente mostrou que 70% dos pais estão satisfeitos com a escola no Brasil. Ou seja, não estão dispostos a brigar por uma escola melhor, e os políticos não vão brigar por isso porque não têm o apoio da sociedade. Esse é o maior entrave: a falta de percepção de que não basta ir para a escola e passar um monte de anos como hoje, pois o aluno não aprende.

    O currículo escolar brasileiro é ruim em relação ao de outros países? De uma maneira geral, a estrutura é muito parecida. Em todos os lugares tem direito, medicina, engenharia etc. Há um primeiro e segundo graus que têm a mesma cara. O grande problema é que tentamos ensinar mais do que aluno dá conta de aprender. Os currículos são frondosos, exagerados. Em Cingapura, um livro de matemática da quarta série tem oito tópicos. O livro brasileiro tem 56. Cingapura está lá em cima no índice Pisa da OECD (Programa para Avaliação Internacional de Alunos, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, nas siglas em inglês). Isso mostra que o brasileiro vai ouvir falar dos 56 tópicos e não vai aprender nenhum.

    Mas, nas últimas reformas curriculares, aumentou-se esse currículo, com aulas de cultura negra, filosofia, sociologia, línguas. Estamos no caminho errado? Cada vez mais se torna mais remota a possibilidade de se aprender realmente. Quando se ensina assunto demais, o aluno aprende de menos (sic). Educação não é entupir o aluno com datas, lugares e eventos. Educação é ensinar a pensar, e isso se consegue com foco, tempo para praticar estilos de pensamento e se exercitar isso, o que não é possível com a avalanche curricular que temos, sobretudo no ensino médio, que é um desastre monumental.

    Qual seria a alternativa? Reduzir o número de matérias, e a maneira de fazer isso é criar um currículo mínimo. Todos têm de fazer ciência, história, matemática português e deixar que as escolas completem o currículo com coisas que são de interesse e estão ao alcance dos alunos. Deveríamos eliminar a ideia de um currículo único para todos.

    O grande gargalo na educação brasileira ainda é a seleção para o curso superior? Não. O grande gargalo chama-se chatice, no ensino médio, que é supremamente aborrecido, saturado de matérias desinteressantes. São matérias distantes do mundo do aluno e impossíveis de serem apreendidas. Os alunos estão saindo no meio e a deserção do ensino médio é alarmante, um terço apenas termina. A taxa de aproveitamento do médio para o superior no Brasil é das maiores do mundo - cerca de 80% daqueles que se formam no colégio vão para a faculdade. As escolas particulares têm mais vagas do que alunos. Hoje, o que não tem é aluno para o ensino superior.

    O Enem melhorou o ensino brasileiro? Não tivemos tempo para saber se o novo Enem cumpre o que prometeu. Tivemos uma aplicação extremamente conturbada e não temos uma avaliação da prova. E o Enem foi mudado há um ano, pois antes era uma prova só de raciocínio e precisou de um pouco mais de currículo escolar para servir como vestibular. A ideia é perfeita, mas, se a dose curricular foi exagerada, eu não posso dizer e não há consenso hoje.

    Sobre educação infantil, como lidar com a chamada geração Y, que chega à escola sabendo computação e por vezes tem mais informação do que o professor sobre determinado assunto? Se informação fosse educação, é esse o aluno que deveria dar aula para o professor. Mas educação é saber usar o conhecimento. É fazer sentido desse colosso de informação que está aí. Isso o aluno não sabe. O que o professor tem de fazer é botar o aluno para pensar disciplinadamente, usando problemas do nosso cotidiano.

    Como o professor pode colocar limite nessas crianças? Ele deve oferecer um ensino relevante e não ser envergonhado em relação à disciplina. Hoje o professor tem vergonha de mandar no aluno. A escola tem vergonha de disciplinar. Essa confusão entre autoridade e autoritarismo faz com que as coisas se precipitem, até que o professor tem de usar sua autoridade para que a casa não venha abaixo, mas aí já está em um conflito.

    Seria a volta da palmatória? Irrelevante, não estou pregando isso. Estou pregando que o professor tem de aceitar exercer a autoridade sobre o aluno desde o primeiro dia de aula e não achar que autoridade é autoritarismo. Uma pesquisa com os dez melhores alunos do Enem mostrou que todos vieram de escolas com disciplina muito forte e rígida. Essas são as pessoas que estão indo para as melhores universidades e tendo melhor desempenho.

    Se o professor ganhar melhores salários, a educação no país melhora? Impacto zero. Se pegar os 27 Estados brasileiros e botar salários de um lado e desempenho do outro, seja Ideb ou Prova Brasil, a correlação é zero. Não há nenhuma associação entre o nível de salário dos professores e o desempenho do Estado.

    O professor brasileiro é bem formado? Esse é o desastre. Se tivesse de mexer em alguma coisa seria na formação do professor, porque as faculdades de educação, públicas e privadas, têm uma reputação muito ruim e recrutam os alunos mais fracos, na média. Depois, essas faculdades viraram redutos ideológicos, e as pessoas ficam estudando luta de classe ou então teorias pedagógicas muito rarefeitas e complicadas. O que eles fazem é aprender as palavras, mas não aprendem nem o conteúdo nem a dar aula