DAS INCONVENIÊNCIAS DE FICAR VELHO
E o antigo caderninho de endereços também vai envelhecendo
NÃO
SE DEVEM tomar estatinas, explicou-me longamente um amigo. Um mês
depois, morreu do coração. Qual a sua glicemia? Câncer de próstata, é
mesmo? Quem foi o colega de colégio que teve um AVC? Caiu no banheiro?
Prótese no joelho bichado? Gostou da UTI do Einstein? Quantos stents?
Assim vão as conversas de velho, em uma espiral infindável e incontida.
Como profilaxia preventiva, um grupo de conhecidos fez um pacto solene: é
proibido falar de doença!
Como fazem os aposentados para preencher o seu dia? A Lei de Parkinson responde: o que quer que precise ser feito vai consumir todo o tempo.
Comprar
um remédio pode ser empreitada para uma tarde inteira. Vestir-se,
conferir a receita, ir à farmácia, checar as novidades e trocar ideias
com o farmacêutico. Já em casa, ler a bula e ligar para o amigo,
narrando os detalhes da expedição.
Essas
questões não são, a rigor, o tema desta crônica, mas, sim, o esforço de
manter minha atividade de pesquisador, escritor e conferencista. Meu
sucesso na empreitada depende de uma rede de conhecimentos bem azeitada.
Por exemplo, a ex-estagiária foi para o Banco Mundial e,
de lá, convidou-me para a Clinton Initiative, na qual conheci um
brasileiro que me levou para um evento em Londres. Uma consultoria,
oferecida por um colega do BID, me aproximou de alguém que me convidou
para vários eventos na América Central. Alguém ouviu minha conferência
em Santiago e me chamou para falar na Universidad de La Frontera. É o
networking, em plena pujança. Sucesso para quem tem um poderoso
caderninho de endereços.
A desgraça é
que os amigos, colegas e conhecidos vão se aposentando ou morrendo.
Está com Alzheimer o empresário que me levava para visitar seus
programas sociais. A ex-estagiária que assumiu bons cargos foi criar
cavalos na Bolívia. O amigo em uma posição crítica agora cuida da sua
fazenda. Outro virou expert em vinhos e arqueólogo amador.
Uma
a uma, o supremo adversário come as minhas pedras no xadrez da vida.
Desfalca-se a network, com efeitos catastróficos. Serão as redes sociais
uma poção mágica para sobreviver nessa área? Quem sabe? As conferências
remuneradas escasseiam e as de graça permanecem. Mas, sem aceitar essas
últimas, cai a probabilidade das primeiras. Conselho: jamais volte,
muitos anos depois, a uma instituição onde trabalhou. Fui à Organização
Internacional do Trabalho com a memória dos cumprimentos simpáticos
pelos corredores. Vi-me um completo forasteiro. Apenas reconheci o
garçom e o jardineiro.
No passivo, diante das novas piruetas e
façanhas econométricas, tenho de pedir socorro à nova geração. No ativo,
os anos de experiência permitem entender o âmago das questões mais
rapidamente e com menos leituras. Sinto que capto o ponto central de um
tema, enquanto os jovens se perdem nas tecnicalidades. A inconveniência
reside no enorme esforço para remendar a network e conseguir atividades
interessantes. E, aqui, luto contra a natureza, pois preciso de toda a
energia, na idade em que o ciclo de vida joga contra. Mas não perdi a
guerra. Continuo escrevendo, falando e pesquisando.
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