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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
Papa Francisco: uma boa alma reformista, mas economicamente equivocado - Academia Liberdade Econômica
O Papa Francisco e Ludwig von Mises não têm a mesma opinião sobre a importância da escolha do consumidor. O papa condena o que Mises defende, e sua discordância vai além do óbvio.
Como todos sabem, o papa condena o que ele chama de “consumismo”. Em um discurso proferido em 2015, por exemplo, ele disse:
Hoje, o consumismo determina o que é importante. Consumir relacionamentos, consumir amizades, consumir religiões, consumir, consumir… Não importam o custo ou as consequências. Um consumo que não favorece o vínculo, um consumo que tem pouco a ver com as relações humanas. Laços sociais são um mero ‘meio’ para a satisfação de ‘minhas necessidades’. O importante não é mais o nosso vizinho, com seu rosto familiar, sua história e sua personalidade.
As pessoas gastam demais em bens materiais, ele alegou, e ignoram o que realmente importa na vida. Por que gastar dinheiro com acessórios inúteis, como bichos de estimação e cosméticos?
Mises, é claro, não conhecia o Papa Francisco, mas há muito tempo ele respondeu àqueles que levantam esse tipo de queixa contra o capitalismo de livre mercado. O capitalismo, ele apontou, é um sistema de produção em massa para as massas. Dá às pessoas o que elas querem, desde que o que elas queiram possa ser produzido de forma lucrativa. Se você não gosta do que as pessoas querem, não culpe o capitalismo. Como se tivesse lido as declarações do papa, ele afirma em “A mentalidade anticapitalista”:
No entanto, muitas pessoas, especialmente intelectuais, apaixonadamente detestam o capitalismo. Na visão deles, esse modo medonho de organização econômica da sociedade não trouxe nada além de danos e miséria. Os homens eram felizes e prósperos nos bons e velhos tempos que precederam a ‘Revolução Industrial’. Agora, sob o capitalismo, a imensa maioria é de um povo faminto, impiedosamente explorado por individualistas austeros. Para esses canalhas, nada conta além de seus interesses monetários. Eles não produzem coisas boas e realmente úteis, mas apenas o que trará os maiores lucros. Eles envenenam corpos com bebidas alcoólicas e tabaco, e almas e mentes com tabloides, livros lascivos e filmes idiotas.
Mises responde que o capitalismo é um sistema de produção em massa para as massas. Dá às pessoas o que elas querem, desde que seja lucrativo fazê-lo.
O traço característico do capitalismo moderno é a produção em massa de bens destinados ao consumo pelas massas. (…) No mercado de uma sociedade capitalista, o homem comum é o consumidor soberano cuja compra ou abstenção de compra determina, em última análise, o que deve ser produzido e em que quantidade e qualidade.
É exatamente nesse ponto que a oposição entre Mises e o Papa Francisco se aprofunda. Se o papa leu Mises, eu não sei, mas ele está familiarizado com o argumento de Mises. Sua resposta é que, mesmo que o capitalismo dê às pessoas o que elas querem, ele ainda é deficiente. O que Mises considera uma virtude do capitalismo é, de fato, um vício. O papa diz:
O resultado é uma cultura que descarta tudo aquilo que já não é mais ‘útil’ ou ‘satisfatório’ para os gostos do consumidor. Transformamos nossa sociedade em uma enorme vitrine multicultural ligada apenas aos gostos de certos ‘consumidores’.
Em resumo, é errado dar aos consumidores o que eles querem, se eles quiserem as coisas erradas. Para responder ao papa, precisamos abordar dois pontos. Primeiro, mesmo que as pessoas escolham mal, elas não estão agindo dentro de seus direitos? Coagi-los a um estilo de vida mais simples e menos materialista seria interferir em sua liberdade de gastar seu dinheiro como quiserem.
É claro que o papa poderia responder e, sem dúvida o faria, negando que as pessoas tenham sólidos direitos de propriedade. Em vez disso, os gastos nos quais elas têm permissão para incorrer devem ser guiados pelo “bem comum”.
Aqui, porém, o papa precisaria enfrentar outro problema ao qual Mises chamou a atenção. Depois de citar vários teólogos com visões do capitalismo como a do Papa Francisco, Mises apontou:
Eles falham em não reconhecer o caráter especulativo inerente a todas as empreitadas para atender futuros desejos ou satisfação; ou seja, em toda ação humana. Ingenuamente, presumem que não há qualquer dúvida sobre as medidas a serem tomadas para a melhor provisão possível dos consumidores. (…) Os defensores de uma economia planejada nunca conceberam que a tarefa é atender desejos futuros que podem ser diferentes dos desejos atuais, e empregar os vários fatores de produção disponíveis da maneira mais conveniente para a melhor satisfação possível desses incertos desejos futuros. – Human Action, Scholars Edition, pág 672 da edição em inglês
Em resumo, o papa teria que resolver o problema do cálculo socialista.
O argumento que acabamos de apresentar é que, mesmo que o papa tenha razão em criticar o consumismo, ele erra em não indicar um sistema alternativo viável. Pode-se, no entanto, criticar mais diretamente o argumento do papa. É verdadeiramente ruim para as pessoas gastar grandes somas de dinheiro em bens de consumo? Lew Rockwell argumentou muito bem que não é.
Claro, é fácil olhar para tudo isso e gritar: consumismo atroz! (…) Talvez você pense que a qualidade de vida não é grande coisa. Será que realmente importa se as pessoas têm acesso a grandes supermercados, drogarias, casas com mais de um cômodo e tecnologia? (…) Considere a expectativa de vida na era do consumismo. As mulheres em 1900 geralmente morriam aos 48 anos, e os homens aos 46. Hoje? As mulheres vivem até 80 e os homens, 77. Isso se deve à melhor alimentação, empregos menos perigosos, melhor saneamento e higiene, melhor acesso aos cuidados de saúde e a toda a gama de fatores que contribuem para o que chamamos de nosso padrão de vida. Somente desde 1950, a taxa de mortalidade infantil caiu 77%. Como resultado, a população está aumentando exponencialmente.
É fácil olhar para esses números e sugerir que poderíamos ter conseguido a mesma coisa com um planejamento central para a saúde, evitando todo esse consumismo repugnante que veio junto. Mas tal planejamento central foi tentado em países socialistas, e seus resultados mostraram exatamente o contrário nas estatísticas de mortalidade. Enquanto os soviéticos lamentavam nossa persistente pobreza em meio ao consumismo desenfreado, nossa pobreza estava sendo reduzida e nossa longevidade aumentava, em grande parte por causa do consumismo pelo qual estávamos sendo criticados.
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