Rumo a lugar nenhum
Atual governo destrói com empenho a política internacional do país
Folha de S. Paulo, 23/01/2020
No final de 2019, o ministro das Relações
Exteriores, Ernesto Araújo, publicou no Twitter o balanço da política
externa brasileira no primeiro ano de sua gestão.
Segundo ele, a ação exterior de sua pasta acumulara êxitos na área
comercial, na afirmação da soberania e na promoção da democracia e dos
valores do povo brasileiro. Há quem concorde com o ministro, enfatizando
que nossa política externa, por ser coerente com a orientação do
governo Bolsonaro, estaria no rumo certo.
Mas qual é mesmo o
rumo?
Isso existe no comércio internacional. Aí o dinamismo e os interesses
do agronegócio definem o caminho. Fora disso, em meio a discursos
grandiloquentes, ofensas gratuitas a parceiros e obsequiosa
subserviência ao presidente Donald
Trump, Bolsonaro e seu fiel ministro empurram o país rumo à insignificância internacional.
Muitas décadas atrás, o embaixador Araújo Castro (1919-1975),
diplomata tarimbado, disse que, nos anos 1950, embora houvesse
desenvolvido uma política externa, o Brasil ainda carecia de uma
política internacional. Com isso distinguia as relações de um país com
outros —fossem elas bilaterais ou no interior de organismos
multilaterais— da existência de concepção mais ampla e de longo alcance
do papel internacional que aspira a desempenhar bem como das estratégias
para chegar lá.
Ao longo das últimas décadas, governos de diferentes orientações
políticas foram construindo a visão de uma nação pacífica que desejava
mais protagonismo nas decisões internacionais. Um país que buscava
relações de cooperação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que
reafirmava sua autonomia em relação à grande potência do Norte. E que se
propunha a desempenhar função estabilizadora e de articulação política
na América do Sul —além de se somar à causa da preservação ambiental.
Para realizar seus objetivos, o compromisso forte com o multilateralismo
tornou-se política de Estado, não por ideologia, mas por ser esse o
arranjo no qual limitados recursos de poder disponíveis a uma nação
emergente poderiam ser potencializados.
Assim, em sua ação externa, o Brasil somou-se à construção de regimes
internacionais —entre eles o da mudança climática— e teve participação
ativa nos organismos multilaterais, nos quais passou a demandar assento
nos centros de decisão mais importantes, como, por exemplo, a direção da
Organização Mundial do Comércio ou uma cadeira permanente no Conselho
de Segurança das Nações Unidas.
É a política internacional do Brasil que o governo de extrema direita está
destruindo com empenho. Sem ela, a política externa ruma certeiramente para lugar nenhum.
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