Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
O Núcleo América do Sul do CEBRI convida para o evento de lançamento do Policy Paper "A hora da diplomacia brasileira voltar a priorizar seu retorno regional".
Data e hora: 9 de agosto, terça-feira, às 17h.
Evento presencial em São Paulo, vagas limitadas. Inscrição presencial: rsvp@cebri.org.br Assista ao evento ao vivo AQUI
Endereço: USP - Cidade Universitária - Prédio do Instituto de Relações Internacionais Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, Tv. 4 e 5/2º andar, Butantã, São Paulo
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Atual governo destrói com empenho a política internacional do país
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Folha de S. Paulo, 23/01/2020
No final de 2019, o ministro das Relações
Exteriores, Ernesto Araújo, publicou no Twitter o balanço da política
externa brasileira no primeiro ano de sua gestão.
Segundo ele, a ação exterior de sua pasta acumulara êxitos na área
comercial, na afirmação da soberania e na promoção da democracia e dos
valores do povo brasileiro. Há quem concorde com o ministro, enfatizando
que nossa política externa, por ser coerente com a orientação do
governo Bolsonaro, estaria no rumo certo.
Mas qual é mesmo o rumo?
Isso existe no comércio internacional. Aí o dinamismo e os interesses
do agronegócio definem o caminho. Fora disso, em meio a discursos
grandiloquentes, ofensas gratuitas a parceiros e obsequiosa
subserviência ao presidente Donald Trump, Bolsonaro e seu fiel ministro empurram o país rumo à insignificância internacional.
Muitas décadas atrás, o embaixador Araújo Castro (1919-1975),
diplomata tarimbado, disse que, nos anos 1950, embora houvesse
desenvolvido uma política externa, o Brasil ainda carecia de uma
política internacional. Com isso distinguia as relações de um país com
outros —fossem elas bilaterais ou no interior de organismos
multilaterais— da existência de concepção mais ampla e de longo alcance
do papel internacional que aspira a desempenhar bem como das estratégias
para chegar lá.
Ao longo das últimas décadas, governos de diferentes orientações
políticas foram construindo a visão de uma nação pacífica que desejava
mais protagonismo nas decisões internacionais. Um país que buscava
relações de cooperação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que
reafirmava sua autonomia em relação à grande potência do Norte. E que se
propunha a desempenhar função estabilizadora e de articulação política
na América do Sul —além de se somar à causa da preservação ambiental.
Para realizar seus objetivos, o compromisso forte com o multilateralismo
tornou-se política de Estado, não por ideologia, mas por ser esse o
arranjo no qual limitados recursos de poder disponíveis a uma nação
emergente poderiam ser potencializados.
Assim, em sua ação externa, o Brasil somou-se à construção de regimes
internacionais —entre eles o da mudança climática— e teve participação
ativa nos organismos multilaterais, nos quais passou a demandar assento
nos centros de decisão mais importantes, como, por exemplo, a direção da
Organização Mundial do Comércio ou uma cadeira permanente no Conselho
de Segurança das Nações Unidas.
É a política internacional do Brasil que o governo de extrema direita está destruindo com empenho. Sem ela, a política externa ruma certeiramente para lugar nenhum.
Maria Hermínia Tavares
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.
A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina é densa e não se limita ao comércio
Governantes podem fazer muitas coisas. Mas nem o mais poderoso autocrata consegue mudar seu país de lugar ou escolher os vizinhos. Por isso, considerações geopolíticas constituem um dado das relações internacionais, assim como o trato de cada nação com as que lhe são próximas representa uma dimensão crucial de sua diplomacia.
É tradição da política externa brasileira evitar conflitos com nossos dez vizinhos ou, quando se tornam inevitáveis, resolvê-los por meio da negociação.
O princípio da não-ingerência nos assuntos internos alheios regeu quase sempre o nosso relacionamento com os Estados que compartilham o espaço sul-americano. A retórica contida, a forma de expressão da ação diplomática voltada para a boa vizinhança.
Uma vez mais, a grosseria veio abraçada à ignorância dos fatos que governantes têm por obrigação conhecer. A teia de interesses comuns que enreda Brasil e Argentina não só é densa, como resulta de um longo processo pelo qual, nas palavras do embaixador Marcos Azambuja, os dois países passaram de inimigos a rivais, de rivais a aliados e de aliados a sócios.
Isso não se resume ao comércio, que fez da Argentina nosso terceiro parceiro e principal mercado para a indústria automobilística nacional. Envolve ainda investimentos produtivos de parte a parte —incluindo o setor de defesa—, proveitoso turismo, cooperação científica, militar e policial.
Foram enlaces importantes dessa tessitura o Acordo Tripartite Brasil-Argentina-Paraguai para o aproveitamento das hidrelétricas de Itaipu e Corpus, em 1979; o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear de 1980, que levou, 11 anos depois, à criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares; o apoio do Brasil à demanda argentina sobre as Ilhas Malvinas, em 1982; e, finalmente, o Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, em 1991.
Além disso, Brasil e Argentina jogaram juntos, em muitos momentos, nas negociações agrícolas da OMC, no G20 e no Conselho de Segurança da ONU.
Relações desse quilate requerem respeito e abominam o xingatório.