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sábado, 11 de janeiro de 2020

O Brasil e o conflito Irã-EUA - Entrevista com o Prof. Mauricio Santoro (UERJ)

Como o governo Bolsonaro reage à crise entre EUA e Irã
Estêvão Bertoni
Nexo Jornal, 07 de jan de 2020(atualizado 08/01/2020 às 15h43)

O professor da Uerj Maurício Santoro fala ao ‘Nexo’ sobre os possíveis efeitos que o alinhamento brasileiro ao governo americano pode ter nas relações do Brasil com países do Oriente Médio
Foto: Alan Santos - 18.mar.2019/Presidência da República 
O presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (ao fundo) durante evento nos Estados UnidosO presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro (ao fundo) durante evento nos Estados Unidos
O governo do Irã pediu explicações ao Brasil sobre a nota divulgada pelo Itamaraty em apoio à operação dos Estados Unidos no Iraque que resultou no assassinato do general Qassim Suleimani, principal liderança militar iraniana. O pedido ocorreu no domingo (5), dois dias depois da divulgação da posição do governo brasileiro sobre o caso.
O general foi morto na madrugada de sexta-feira (3) após o carro em que estava ser atingido por um míssil disparado por um drone americano, perto do aeroporto internacional de Bagdá, no Iraque. A ação foi autorizada pelo presidente Donald Trump, que acusou Suleimani de planejar atentados a diplomatas e funcionários americanos na região. 
Logo após a morte do general, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, pediu vingança. Na noite de terça-feira (7), o país atacou com mísseis pelo menos duas bases aéreas que abrigavam tropas americanas no Iraque, em retaliação à ação dos EUA.
No domingo (5), Trump havia dito que responderia “de maneira desproporcional” a qualquer ação iraniana contra americanos no exterior. Em discurso nesta quarta (8), o presidente americano afirmou que a ofensiva do Irã contra as bases não deixou mortos e, adotando um tom mais brando, não falou em em retaliação militar. Em suas redes sociais, Bolsonaro gravou uma live acompanhando o pronunciamento.
A morte do general causou comoção no país persa e levou centenas de milhares de pessoas às ruas durante seu cortejo fúnebre. Um tumulto durante o funeral do militar, na cidade de Kerman, sua terra natal, deixou mais de 50 mortos e cerca de 200 feridos na terça-feira (7).
O pedido de explicações
O questionamento sobre a nota foi feito a representantes brasileiros em Teerã, capital do Irã. Encarregada de negócios da embaixada brasileira na cidade, Maria Cristina Lopes se reuniu com as autoridades iranianas no Ministério das Relações Exteriores do país para dar explicações, mas o teor da conversa não foi revelado. O embaixador do Brasil no Irã, Rodrigo Azeredo, não foi ao encontro por estar de férias. 
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro, comandado pelo chanceler Ernesto Araújo, confirmou a reunião, mas disse que seu teor é “reservado”. Segundo o Itamaraty, a conversa transcorreu com “cordialidade”, “dentro da usual prática diplomática”. Convocações do tipo são vistas, entretanto, como reprimendas.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Maria Cristina Lopes foi orientada a dizer às autoridades iranianas que a nota do governo brasileiro não era uma manifestação contra o Irã e que a relação entre os dois países não poderia se reduzir ao tema abordado no comunicado.
Inicialmente, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que o governo poderia se manter distante do caso, mas a nota do Itamaraty criou um problema com um parceiro comercial. Em 2018, o Brasil exportou US$ 2,26 bilhões para o Irã, em produtos como milho, soja, açúcar e carne. Já as importações brasileiras de produtos semimanufaturados de ferro e aço do Irã somaram US$ 39 milhões. 
As manifestações brasileiras sobre o caso
Consulta a Heleno e preço do combustível
Numa das primeiras manifestações sobre o tema, Bolsonaro disse a jornalistas, ao deixar o Palácio do Alvorada na sexta-feira (3), que iria se encontrar com o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, para “se inteirar” sobre o caso e poder “emitir seu juízo de valor”. Também se mostrou preocupado com o aumento do preço do petróleo devido ao conflito. “Já está alto o combustível, se subir muito, complica”, afirmou.
Sem armas nucleares para poder opinar
No final da sexta-feira, Bolsonaro voltou a tratar do assunto em entrevista à TV Band e disse que precisava tomar “cuidado com as palavras”. Ele disse seguir uma linha “pacífica” e que não podia dar “opinião tranquilamente sem sofrer retaliações” porque o Brasil não tem “forças armadas nucleares”. Mesmo assim, sugeriu que a ação americana se tratava de um exemplo de combate ao terrorismo.
A nota do Itamaraty pró-EUA
Na noite de sexta-feira (3), o Itamaraty divulgou uma nota sobre os “acontecimentos no Iraque”, sem abordar especificamente o ataque dos EUA ao general iraniano. O texto usa a palavra “terrorismo” cinco vezes, sem dizer abertamente do que se tratava, o que sugeriu que Suleimani, uma alta autoridade responsável por comandar a unidade de elite da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, seria um terrorista. Os únicos episódios que o governo brasileiro condenou no comunicado foram os ataques à embaixada dos EUA em Bagdá, dias antes. Segundo o site UOL, a nota foi duramente criticadadentro do próprio Itamaraty por colocar em risco os interesses nacionais e quebrar uma tradição diplomática de propor o diálogo.
Ordem para manter silêncio sobre o caso
Na terça-feira (7), Bolsonaro evitou falar sobre o assunto e reafirmou repudiar o terrorismo. Ele disse que vai esperar o ministro Ernesto Araújo voltar de férias para tratar do episódio em que o Irã pediu explicações. Afirmou ainda que não houve nenhuma retaliação comercial contra o Brasil e que o país continuará fazendo negócio com os iranianos. Segundo o jornal O Globo, a ordem no Planalto é não falar mais do tema. A ala militar do governo considera que o país tem que se manter distante do conflito, mesmo que concorde com os EUA.
Uma análise sobre a posição brasileira
Nexo conversou com Maurício Santoro, professor-adjunto do departamento de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) para entender as consequências da posição adotada pelo governo brasileiro em relação à crise no Oriente Médio. 
Como o sr. avalia a nota do Itamaraty?
Maurício Santoro Na minha avaliação, é uma nota de apoio aos EUA e à morte do general Suleimani. Embora o texto não cite explicitamente o ataque que matou o general, toda a argumentação, toda a estrutura da nota é de apoio a essa morte, com a justificativa de que ela faz parte do combate ao terrorismo. E tem também uma condenação explícita, com todas as letras, aos protestos em Bagdá que culminaram no ataque à embaixada americana. É uma nota que, no seu tom e no seu estilo, foi mais longe do que a nota da Otan a respeito do ataque, ou a nota do Reino Unido, que são aliados tradicionalíssimos dos EUA. A Otan é uma organização militar da qual os próprios EUA são parte. É realmente algo que destoa do que é o posicionamento tradicional brasileiro nas guerras no Oriente Médio. 
Com a nota, o Brasil classifica as forças iranianas como terroristas?
Maurício Santoro Ao contrário, por exemplo, da União Europeia, ou dos EUA, o Brasil não tem, ou pelo menos não tinha até o governo Bolsonaro, uma lista de organizações ou regimes políticos considerados como terroristas. O que o Brasil fazia era condenar atos individuais de terrorismo, mas não classificar, por exemplo, o Hezbollah, como terrorista. O que o Brasil fazia era simples: fazer a crítica dos atos em si. A nota é muito abrangente, mas dá a entender, e acho que é uma interpretação legítima, de que a força Al Quds, que era a unidade comandada pelo general Suleimani, seria uma organização terrorista ou envolvida em crimes desse tipo, uma vez que o assassinato de seu comandante se justificaria como parte desse combate internacional terrorista.
O que significou o pedido do Irã de explicações ao Brasil?
Maurício Santoro Significa que o embaixador brasileiro vai ter que dizer exatamente o que essa nota significa. Com todas as letras: o que o Brasil pensa sobre o assassinato do Suleimani, qual é a posição brasileira em relação às ameaças que estão sendo feitas contra o Irã. Do ponto de vista diplomático, é um indicador muito forte de que “nós não gostamos do que vocês escreveram e me deem o detalhes disso”. Eu não acredito, a princípio, que isso resulte em nenhuma grande perda para o Brasil. O Brasil não é um ator importante dentro dessas tensões armadas que estão se desenhando no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, é um fornecedor relevante de comida para o Irã. As exportações agrícolas brasileiras, e a carne, são importantes para o Irã. Não acredito que o Irã vá correr algum risco em relação a esse comércio por causa da retórica exacerbada do Brasil. Mas é uma coisa que traz uma tensão desnecessária para a diplomacia brasileira, que traz um problema onde antes não existia nenhum. O que realmente destoa do que tradicionalmente é a política externa brasileira para o Irã ou para o Oriente Médio em geral. 
O caso pode aumentar a tensão entre as alas militares e ideológica dentro do governo brasileiro?
Maurício Santoro Certamente. Eu diria que, na verdade, há uma tensão entre os militares e o agronegócio, pressionando por uma posição mais moderada por parte do Brasil, e essa ala que envolve o chanceler Araújo, o [deputado] Eduardo Bolsonaro, a família do presidente de uma maneira geral. E a gente vê essa queda de braço dentro do próprio governo nas manifestações contraditórias do Brasil desde a morte do Suleimani. Por exemplo, logo no início, as primeiras falas do Bolsonaro foram indicadores de que o Brasil não ia ter uma declaração de peso, de que a gente não tem capacidade nuclear para falar disso. Depois, veio essa nota do Itamaraty. Isso mostra, também, que já há um debate acontecendo dentro do próprio governo e que pelo menos, momentaneamente, foi vencido por esse lado mais radical que está enxergando nessa crise do Oriente Médio uma oportunidade de o Brasil afirmar uma vez mais a busca dessa relação preferencial com os EUA. Foi uma busca que, diga-se de passagem, ao longo de 2019 não resultou em benefícios econômicos para o país. Pelo contrário. Houve uma série de disputas: aquele anúncio do Trump de querer aumentar a tarifa para o aço brasileiro, depois o Bolsonaro disse que o Trump tinha voltado atrás, mas o Trump até agora não confirmou nada disso. Foi uma diplomacia que não apresentou os resultados esperados pela ala ideológica do governo no primeiro ano. Num certo sentido, é uma diplomacia que está na berlinda, sob questionamento.
Que impacto pode ter no Oriente Médio esse alinhamento aos EUA?
Maurício Santoro No longo prazo, pode ser que aponte para uma diplomacia brasileira mais complicada no Oriente Médio. Não foi o que aconteceu no primeiro ano do governo Bolsonaro. O que a gente viu, passado aquele primeiro momento de uma retórica de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, o que houve foi a manutenção das posições tradicionais do Brasil, sobretudo por causa da pressão do agronegócio. Tanto o Irã quanto os países árabes são parceiros econômicos importantes para o Brasil, que tem superávits bilionários no comércio com esses países. Se a gente estiver diante de uma crise prolongada no Oriente Médio, que degenere para uma nova guerra na região, é possível que isso perturbe esse tenso equilíbrio do primeiro ano do governo Bolsonaro e que leve a uma diplomacia mais ideológica para o Oriente Médio, nessa busca de afirmar essa relação especial com os EUA. 
A preocupação é estritamente comercial?
Maurício Santoro Até houve no governo Lula uma tentativa de ter uma posição política mais forte no Oriente Médio, aquele esforço do Brasil e da Turquia de mediar um acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, mas essa tentativa acabou abandonada depois que houve uma rejeição muito grande das grandes potências a isso, e ela não foi retomada nem no governo Dilma nem nos governos posteriores. Basicamente o que tem sido a política externa brasileira para o Oriente Médio, ao longo do últimos dez anos, é basicamente a busca de mercados, a ampliação dessa oportunidade para o agronegócio, sem que haja um grande envolvimento do Brasil em negociações políticas na região.

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