O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Constituição de 1988. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Constituição de 1988. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Constituição brasileira contra o Brasil: 25 anos de esquizofrenia econômica - capitulo de livro Paulo Roberto de Almeida

Um trabalho escrito no meio do ano, publicado recentemente:


1112. “A Constituição brasileira contra o Brasil: dispositivos constitucionais que dificultam o seu crescimento econômico”, In: René Marc da Costa Silva (org.): 25 Anos da Constituição Federal de 1988: uma comemoração crítica (Brasília: Uniceub, 2013, 240; ISBN: 978-85-61990-17-6; p. 55-81). Relação de Originais n. 2505.

Assim que possível, vou postar no meu site...
Paulo Roberto de Almeida 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Paulo Roberto de Almeida no site do Instituto Millenium - lista de postagens

Hoje começou a ser publicado, no site do Instituto Millenium, este meu trabalho, dividido em nova blocos de menor tamanho:
2505. “A Constituição brasileira contra o Brasil: uma interpretação econômica da esquizofrenia constitucional”, Hartford, 8 Agosto 2013, 39 p. Ensaio interpretativo sobre os mais importantes dispositivos econômicos da Constituição de 1988, e dos que regulam direitos sociais com impacto na economia do país, enfatizando seu caráter distributivo, o que inviabiliza uma taxa de crescimento mais vigorosa para o país. Resumo em 20 p., sob o título “A Constituição brasileira aos 25 anos: um caso especial de esquizofrenia econômica”, publicado no Digesto Econômico (Julho-Agosto 2013, p. 64-74). Divulgação desta versão dividida em nove blocos, no site do Instituto Millenium (http://www.imil.org.br/artigos/a-constituio-brasileira-um-caso-especial-de-esquizofrenia-econmica/). 

Abaixo, uma pequena relação (muitos devem estar faltando) de alguns trabalhos meus publicados no site do Millenium:

domingo, 13 de outubro de 2013

Recuerdos de uma Constituinte esquizofrenica (saiu uma Constituicao idem) - Percival Puggina


AOS QUE SABEM "DE OUVIR DIZER"
Percival Puggina, 13/10/2013


Vinte e cinco anos se passaram desde a promulgação da Constituição Federal. Um nada, na linha da história. Um vapt-vupt, na existência de cada um. No entanto, o leitor talvez se surpreenda ao saber que, segundo a pirâmide etária brasileira de 2010, apenas 31% dos cidadãos brasileiros de hoje tinham 18 anos ou mais naquela data. Portanto, sessenta e nove por cento sabem do processo constituinte de 1988 apenas por ouvirem dizer. E em questões de política e história recentes, saber por ouvir dizer, beber de solitária fonte, é das piores maneiras de ser informado.

            Surpreendeu-me a afirmação de Lula sobre a participação de seu partido na Constituinte. Segundo ele, se tivesse sido aprovada a constituição que o PT queria, "o país seria ingovernável, porque nós éramos duros na queda e muito exigentes". Com efeito, o PT da Constituinte detestou tanto o texto final que votou contra. Não satisfeito, anunciou que sequer iria assinar aquela coisa. Denegrindo a carta e seus autores, os petistas espalharam pelo país seu escândalo ante o "conservadorismo" do texto. Por um triz os deputados do partido não rasgaram as vestes na Praça dos Três Poderes. E só após muitos apelos de Ulysses Guimarães, consentiram em acrescentar seu precioso jamegão à Carta Magna. De nariz torcido, claro.

            Quem lê estas linhas em 2013 deve estranhar o fato de o PT haver sido derrotado pela maioria em 1988. Pois mais ainda o surpreenderá saber que para aquela importantíssima legislatura o partido de Lula conquistou apenas 16 das 487 cadeiras existentes à época na Câmara. E não elegeu um único senador. Os parlamentares do PT, PCB, PCdoB, PSB e PDT, somados aos esquerdistas do PMDB, compunham pequena minoria naquele plenário. Mas o reduzido grupo, liderado por José Genoíno e Roberto Freire, com apoio da CNBB, produzia um alarido de proporções nacionais em favor de teses comunistas na ordem econômica, socialistas na ordem social, populistas quase sempre. E demagógicas em tudo. Dá para reconhecer o estilo?

            Poucos, hoje, terão ouvido falar do "Centrão", o grupo de congressistas que se organizou para que houvesse um mimimum minimorum de racionalidade no novo texto constitucional, opondo-se às teses da esquerda radical, muito minoritária, mas muito organizada. Este último grupo dispunha, em seu favor, de notável suporte da mídia militante, que execrava o Centrão e o servia à opinião pública como Salomé, na bandeja das coisas odiosas, articuladas com as mais nefastas e malignas intenções. Abro parêntesis: é bom que se diga, a bem da verdade, que o Centrão não foi sempre majoritário e que as cisões eram frequentes no bloco diante das pressões desencadeadas de fora para dentro do plenário e das comissões. Fecho parêntesis. Assim, em 1988, a sensatez perdeu inúmeras partidas e o Brasil ganhou uma Constituição grávida de direitos, infértil de deveres. Nos anos seguintes presenciaríamos inesquecível surto inflacionário e depois, uma escalada tributária que persiste ainda hoje entre as mais altas do mundo.

            A intenção deste artigo, quando se comemoram os 25 anos da Constituição, é sublinhar o reconhecimento de Lula aos pecados de seu grupo no processo constituinte de 1988. Ao declarar que as propostas petistas tornariam o país ingovernável, ele admite ter sido bom que não hajam vingado. Mas elas não vingaram graças a resistência dos bravos que decidiram pagar o preço da impopularidade para que a Carta, enfim aprovada, fosse o menor dos males possíveis. Na contramão, 14 anos mais tarde, com as mesmas teses comunistas (na economia), socialistas (no social), populistas (em quase tudo) e demagógicas (sempre), o PT se tornou o maior partido político do país.

            Com ele, muito distante de qualquer sinal de contrição, prosperou seu exército de falsos "progressistas". São, entre outros, os fazedores de cabeça no meio escolar e universitário. E são os manipuladores da informação na mídia, das consciências em templos e da Justiça em tribunais.
_____________
* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Constituinte de 1988: Cesar Maia, constituinte, entrevista a si proprio

Seria preciso deixar claro, antes de tudo, que NÃO houve Assembleia Constituinte, e sim Congresso Constituinte.
Escrevi um imenso trabalho sobre as loucuras econômicas da Constituinte e a esquizofrenia econômica que foi consagrada na Constituição de 1988, este aqui:
2505. “A Constituição brasileira contra o Brasil: uma interpretação econômica da esquizofrenia constitucional”, Hartford, 8 Agosto 2013, 39 p. Ensaio interpretativo sobre os mais importantes dispositivos econômicos da Constituição de 1988, e dos que regulam direitos sociais com impacto na economia do país, enfatizando seu caráter distributivo, o que inviabiliza uma taxa de crescimento mais vigorosa para o país. Resumo em 20 p. em 08/08/2013, sob o título “A Constituição brasileira aos 25 anos: um caso especial de esquizofrenia econômica”, Publicado no Digesto Econômico (Julho-Agosto 2013, p. 64-74). Novo resumo em 25 p. em 12/08/2013, sob o título “A Constituição brasileira contra o Brasil: dispositivos constitucionais que dificultam o seu crescimento econômico”, como contribuição a livro sobre “A Constituição de 1988 - comemoração crítica”, organizado por René Marc da Costa Silva e Márcia Leuzinger, em fase de publicação.

Como é muito grande, vou publicar aos "pedaços".
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA COM O DEPUTADO CONSTITUINTE DE 87/88, CESAR MAIA!

            

1. Ex-Blog: Você tem sublinhado a importância de contextualizar a Constituinte de 87/88 (AC-88). Por quê? Cesar Maia: Há que se levar em conta 3 fatores. O primeiro foi a previsibilidade. As etapas do processo de redemocratização foram geridas pelo próprio regime militar, especialmente pela emenda constitucional 11/78, que revogou o AI-5, da lavra do ministro Petrônio Portela (que faleceu jovem, 55 anos, em seguida). Portanto, a participação do partido do regime na eleição de 1986 foi contínua, sem constrangimentos.
            
2. Ex-Blog: E os outros 2 fatores? CM: O segundo foi o plano cruzado, quando o PMDB elegeu 22 entre 23 governadores. 38 de 47 senadores e 260 de 487 deputados. Mas a força do PMDB-SP com Ulysses Guimarães levou o PMDB a se dividir ao meio, do ponto de vista ideológico na AC-88, diluindo sua expressão eleitoral. E, durante a AC-88, com a proximidade da queda do Muro de Berlim um ano depois, as teses em superação, da esquerda, ainda estavam vivas e explicam dispositivos que depois foram chamados de atraso, mas que na verdade foram a expressão daquele momento.
            
3. Ex-Blog: O que destacaria no processo constituinte? CM:Claro, a sua dinâmica. Todas as Constituintes têm como preliminar uma comissão que elabora o documento-base. E, a partir daí, a AC se organiza por temas que fazem emendas e depois todo o conjunto vai ser votado e –se for o caso- reemendado em plenário. Mas a AC-88 foi um caso único. O presidente Sarney criou a Comissão Arinos. Quando chegamos em fevereiro de 1987 recebemos o documento. Houve uma rejeição majoritária por três questões mais importantes: o parlamentarismo, a centralização federal do ICM (ganhou um S na AC-88) e a criação do ministério da defesa (aliás, criado anos depois).
            
4. Ex-Blog: E o processo em si? CM: Sem documento básico decidiu-se criar comissões temáticas e estas, subcomissões que escreveriam os respectivos capítulos da constituição. Seriam documentos básicos desarticulados. Por isso –após esse trabalho- criou-se uma Comissão de Sistematização, com sessões plenárias e votação para consolidar o texto básico. E esse foi submetido ao Plenário Geral para receber emendas e ser votado dispositivo por dispositivo sem limitações. Um processo de baixo para cima, que explica tanto o alto grau democrático conseguido, como os acertos para votação que culminaram em uma grande quantidade de dispositivos que teriam que ser regulamentados posteriormente por leis complementares, até hoje não finalizadas.
           
5. Ex-Blog: Como foi a divisão de força na AC-88? CM:Formou-se um “partido/frente parlamentar” para dar base ao governo: o Centrão. A esquerda teve hegemonia na oposição, bem articulada e com uma forte presença dos movimentos sociais. E os independentes. Com isso, quase todas as votações eram imprevisíveis. A ideia do parlamentarismo cresceu e o texto –no final- reduziu os poderes do executivo, o que levou à previsão de um plebiscito sobre sistema/regime de governo uns anos depois, que reafirmou o presidencialismo. E se criou a Medida Provisória para substituir o Decreto Lei, um desvio que minimizou o legislativo posteriormente.
          
6. Ex-Blog: E as críticas do governo que aquela Constituição quebraria o governo? CM: O deputado Nelson Jobim (sub-relator geral) dizia que o Brasil não tinha uma Assembleia do Povo, mas uma Câmara dos Estados, com voto por distrito (estados) e dentro de cada um, voto proporcional aberto. Com isso, o bolo tributário depois de distribuído ficou em 40% para o Governo Federal/Previdência Social, 40% para os Estados e 20% para os Municípios. Com aquele argumento, o Governo Federal passou a usar o artificio de Contribuições, driblando a Constituição e alterando em dois anos a distribuição aprovada. Hoje são mais ou menos 50% para a esfera federal, 18% para a municipal e 32% para a estadual.
        
7. Ex-Blog: E o Estado do Rio? CM: Perdemos a votação de cobrança do ICM sobre operações interestaduais de petróleo. Mas a negociação sobre as compensações terminou ampliando bastante as receitas do Estado e da Capital. Os 3 impostos Únicos sobre Combustíveis, Energia Elétrica e Telecomunicações, que eram federais e repassados em uma pequena fração a Estados e Municípios, foram extintos e transformados em ICM –e por isso o S: ICMS. Um ganho importante para os Estados e o nosso em particular. Basta ver hoje o quanto representam da arrecadação. E –claro- a inclusão dos Royalties do Petróleo na Constituição. Antes havia uma lei que alocava ainda modestamente estes recursos.
        
8. Ex-Blog: Mais alguma coisa? CM: O mais importante da AC-88 é que deu ao país estabilidade e previsibilidade institucionais e esse é um elemento básico para o desenvolvimento. Lembro a normalidade no afastamento de Collor e, apesar dos constituintes do PT não terem assinado a Constituição de 1988, a eleição de Lula se deu neste novo marco institucional, o que não permitiu que os radicais do partido prevalecessem. 

Fonte: Ex-Blog do Ex-Prefeito (sic) Cesar Maia, 8/10/2013

domingo, 6 de outubro de 2013

Constituicao deve ser o que o povo quer? Sim, para Jose Levi do Amaral

Constituição deve se moldar à vontade do povo
Revista Consultor Jurídico, 6 de outubro de 2013
Na segunda edição desta coluna quinzenal publicada neste espaço da ConJur, Carlos Bastide Horbach criticou alguns mitos próprios ao Direito Constitucional, mormente ao Direito Constitucional brasileiro. Esta edição da coluna dedica-se a outro mito, que se soma àqueles examinados por Carlos Bastide Horbach: “The Constitution means what the Supreme Court says it means.”
Trata-se de famosa frase do Chief Justice Charles Evans Hughes. Tem sido traduzida, adaptada e repetida — de modo consciente e inconsciente quanto às suas implicações — pela doutrina e jurisprudência brasileiras: “A Constituição significa o que o Supremo Tribunal Federal diz que ela significa”, ou “A Constituição é o que o Supremo diz que ela é.”
Em uma primeira leitura, é possível que a afirmação impressione e pareça irretocável, sobretudo porque de há muito é tão disseminada quanto bem aceita a ideia de que na guarda da observância da Constituição, está o Poder Judiciário “acima dos demais Poderes, não havendo, pois, que falar-se, a esse respeito, em independência de Poderes”, como explicou, com precisão habitual, o ministro Moreira Alves no Mandado de Segurança 20.257/DF, julgado em 8 de outubro de 1980.
Por outro lado, da circunstância de o Supremo na maior parte das vezes efetivamente ter a última palavra sobre a constitucionalidade das leis, não decorre a desnecessidade de a Corte tomar em consideração a compreensão popular acerca da própria Constituição, muito antes pelo contrário.
Em um regime de governo verdadeiramente democrático, em que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (cf. parágrafo único do artigo 1o da Constituição brasileira de 1988), a frase do Chief Justice Hughes não faz o menor sentido.
A Constituição — insista-se, ao menos em um regime democrático — é obra do próprio povo ou de seus representantes para tanto eleitos, de modo a instituir e disciplinar o exercício do poder pelo povo (aqui também: diretamente ou por meio de representantes eleitos), inclusive no que se refere ao seu significado.
A importância do impulso popular rumo a práticas mais democráticas exerce papel essencial na evolução das instituições políticas, aí incluídas as altas cortes de Justiça.
A Constituição americana de 1787, por exemplo, com o passar do tempo, a bem da democracia, foi sendo paulatinamente aperfeiçoada em sua letra e, sobretudo, em sua prática. A propósito, Robert Dahl aponta o que considera sete elementos não democráticos contidos em seu texto original (DAHL,Robert. How democratic is the American Constitution?, 2a edição, New Haven: Yale University Press, 2003, p. 15-20):
1) escravidão: não proibia a escravidão, nem conferia poderes ao Congresso para fazê-lo;
2) sufrágio: não garantia o direito ao sufrágio, o que deixava a matéria para os estados. Assim, implicitamente, deixou em vigor a exclusão de metade da população: mulheres, afro-americanos e nativos;
3) eleição presidencial: a eleição do Presidente estava separada da maioria popular e do controle do Congresso, o que acabou descartado pela crescente tendência democrática do povo americano;
4) escolha dos senadores: originalmente os senadores eram escolhidos pelas assembleias dos estados, não pela população desses, o que perdurou até a XVII Emenda, de 1913;
5) igual representação no Senado: o mesmo número de senadores para cada estado, independentemente do número de habitantes desses, fornece um poder desproporcional a algumas minorias privilegiadas;
6) Poder Judiciário: a Constituição falhou no limitar os poderes da magistratura, que pode declarar inconstitucionais leis regularmente aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo Presidente; e
7) poderes do Congresso: o Governo federal não tinha poder para regular e controlar a economia.
O próprio Dahl registra que as gerações americanas subsequentes à fundação, com aspirações mais democráticas, desencadearam uma revolução democrática.
Vejam-se dois exemplos.
Primeiro: A escolha do presidente americano, não obstante ainda sujeita formalmente à eleição indireta por meio do colégio eleitoral, tornou-se, em sua prática, uma eleição direta. O colégio eleitoral foi pensado para evitar a partidarização das eleições presidenciais. No entanto, não só a eleição partidarizou-se desde muito cedo, como os 538 delegados que compõem o colégio eleitoral americano passaram a ser escolhidos precisamente com base no apoio dado a determinado candidato presidencial. Engendrou-se, com isso, um sistema atípico e ritualizado de colher os votos dos estados para a presidência. Porém, ainda embute o risco de um candidato com a maioria dos votos populares perder a presidência se não vier a obter a maioria no colégio eleitoral (risco que decorre da opção feita pela grande maioria dos estados de conferir todas as respectivas vagas no colégio eleitoral apenas ao partido mais votado, ou seja, sem repartição proporcional: “winner-take-all”). Aconteceu em 2000 (Bushv. Gore) e três vezes antes (op. cit., p. 30-31)
Segundo: A superação do horror da escravidão passou pela Guerra de Secessão (1860-1865), cujo resultado jurídico foi, justamente, emendar a Constituição americana de 1787 para dar ao Congresso poder de legislar sobre o assunto, abolindo a escravidão e integrando (inclusive com direitos políticos) o afro-americano na sociedade americana (no silêncio da Constituição, a competência era estadual, daí uma das razões do conflito entre estados). Isso foi feito por meio das três Emendas da Reconstrução ou Restauração americana (XIII, XIV e XV, ratificadas entre 1865 e 1870), devidas ao empenho do presidente Abraham Lincoln (e que lhe custaram a vida).
No entanto, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1896, ao decidir o caso Plessy v. Ferguson, estabeleceu a doutrina segregacionista do “separate but equal”. A segregação apenas foi superada décadas após, no contexto do movimento pacifista que teve ponto culminante no célebre discurso de Martin Luther King Jr., proferido quando da marcha a Washington, em 28 de agosto de 1963. Alguns anos antes, em 1954, a Suprema Corte americana, ao decidir o caso Brown v. Board of Education, superou o entendimento firmado no caso Plessy v. Ferguson. Porém, ainda seria necessário o Civil Rights Act, de 1964 (a propósito: WALDRON, Jeremy, The core of the case against judicial review in The Yale Law Journal, n. 115, 2006, p. 1405). Assim como Lincoln, King também deu a própria vida pela causa. Justamente por isso, a revista Time, de 26 de agosto de 2013, alusiva aos cinquenta anos da marcha de Washington, dedica sua capa a King, elevando-o à emblemática condição de founding father: “Vivemos em um mundo que King ajudou a criar. Ainda não vivemos no mundo que ele nos ajudou a sonhar.” (One man in Time de 26 de agosto de 2013, p. 31).
São dois casos que mostram como as instituições políticas constantes do texto constitucional podem e devem se amoldar ao constitucionalismo democrático, aquele que vem do povo. Para tanto, concorrem não apenas a Suprema Corte e — mais que ela — os demais poderes, mas, também, sobretudo, a própria sociedade, o povo. Antes de um modelo especificamente americano, esse é um modelo respeitoso ao regime democrático.
É por isso que uma boa interpretação constitucional, por mais “nova” que seja (e sempre haverá uma “nova hermenêutica”), não pode estar apoiada em uma única técnica de interpretação. Cass Sunstein, em obra tão lúcida quanto importante, cujo título já é bastante expressivo no ponto — A Constitution of many minds — toma em consideração três aproximações da Constituição: i) a tradicionalista, ou seja, a consideração de práticas de longa data como produto de muitas mentes, pois a Constituição não é um texto “congelado”; ii) a popular, porque os juízes — em atitude de humildade — devem tomar em consideração a opinião pública; e iii) a cosmopolita, pois convém a uma Suprema Corte conhecer como tribunais análogos de outros países lidam com as mesmas questões constitucionais. Sunstein reconhece a intensa controvérsia sobre se a Suprema Corte americana deve prestar atenção à compreensão estrangeira sobre interpretação constitucional (SUNSTEIN, Cass. A Constitution of many minds: Why the founding document doens’t mean what it meant before, Princenton: Princenton University Press, 2009, p. 15). Talvez precisamente por isso, entre outros fatores, o “we the people” americano venha perdendo apelo junto ao “people around the world”, para usar interessante jogo de palavras constante do título de resenha de Adam Liptak acerca de pesquisa acadêmica relativa ao declínio da influência da Constituição americana sobre outros países (“We the People” loses appeal with people around the world in The New York Times de 6 de fevereiro de 2012).
Em sentido diametralmente oposto ao da frase do Chief Justice Hughes, vale citar conclusão de Larry Kramer (Constitucionalismo popular e controle de constitucionalidade, Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 302): “(...) para controlar a Suprema Corte, necessitamos primeiro reclamar a Constituição para nós mesmos. Isso significa repudiar publicamente os juízes da Corte que dizem que eles, e não nós, possuem a máxima autoridade para dizer o que significa a Constituição.”
É por isso mesmo que está corretíssimo o ministro Luís Roberto Barroso quando, em 2 de setembro de 2013, ao reconhecer haver periculum in mora para deferir liminar nos autos do Mandado de Segurança 32.326/DF, também tomou em consideração “a indignação cívica”.
Quando, em uma democracia, a Constituição é retirada do povo, sonegada ao povo, como se ela não fosse dele (povo), só resta a nós, cidadãos destituídos da nossa Constituição, fazer análise (constitucional) para, talvez, convencermo-nos do impensável: a Constituição não é nossa, mas de alguns poucos em quem sequer votamos. O perigo é alguém acabar convencido da inexistência do parágrafo único do artigo 1o da Constituição ou de que dele não consta a fórmula “representantes eleitos”.
José Levi Mello do Amaral Júnior é professor de Direito Constitucional e doutor em Direito do Estado pela USP, e procurador da Fazenda Nacional.