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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Estado interventor no Brasil: monopolio e abuso tributario no periodo colonial - Paulo Werneck

Como sempre, Paulo Werneck, em seu Guardamoria, nos fornece sempre exemplos edificantes de como os monopólios coloniais eram um mecanismo usual de extorsão tributária da Coroa contra os habitantes deste país tropical.
Mudou alguma coisa atualmente?
Paulo Roberto de Almeida

Guardamoria, 23 Aug 2018 07:26 PM PDT
Paulo Werneck


Mulher com arenque salgado para vender
Cris de Paris, ca 1500. Paris, Biblioteque Nationale
Fonte: Wiki  

Em Fake Olds foi apresentado um trecho de um livro com inverdades históricas, a saber normas inexistentes ou fora de contexto, mostrando prejuízos ao desenvolvimento do Estado do Brazil, como o nosso país foi denominado durante a maior parte do tempo em que esteve unido ao Reino de Portugal.

Procurando o texto integral das citadas normas, algumas não foram localizadas na minha vasta biblioteca virtual de livros antigos de legislação, e a busca na Internet acabou por localizar um artigo de Luiz Tenório de Brito.

Dada a relevância do tema, mais algumas diatribes serão contestadas agora, utilizando-se parcialmente o mesmo método pelo qual as notas históricas inverídicas são disseminadas: citação da citação da citação, de ler ou de ouvir dizer, sem verificação das fontes.

Todavia a busca pelos diplomas legais originais continuará e mais cedo ou mais tarde serão publicados neste local, para que a verdade prevaleça.

Em respeito aos que nos precederam e que divulgaram mentiras de boa fé, ressalto que o acesso às fontes originais era dispendioso tanto em tempo como em dinheiro, com a necessidade de busca em arquivos governamentais, onde o mais confiável era, e continua sendo, a Torre do Tombo, em Lisboa.

Mesmo as fontes que consultamos não são documentos originais, mas compilações de legislação feitas por juristas e pesquisadores para auxílio ao trabalho de juízes e advogados, algumas dessas compilações sancionadas pelos governos de então. Mas, evidentemente, como errar é humano, essas compilações podem ter divergências em relação aos diplomas originais.

Vejamos a questão do sal. Ferreira Lima afirma, com base em Pereira dos Reis [que não consultamos] que foi proibida a fabricação do sal ("em 1665, foi proibido produzir sal no Brasil").

Brito rebate essa afirmação, tratada em outra publicação (que ele não nomeia), publicação essa que faz referência a outra norma que teria determinado a mesma proibição:
"LEI DE 20 DE FEVEREIRO DE 1690 proibindo o uso de outro sal que não fôsse o vindo de Portugal e que aqui chegava por preço exorbitante, possuíndo o Brasil, como possuia, excelentes e riquissimas salinas que já eram conhecidas na época".

Sôbre o assunto, leiamos a historiadora Miriam Elis, professôra da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na sua obra monumental - O Monopólio do Sal no Estado do Brasil, pg. 46 - "Apoiado na prerrogativa que o Rei de Castela implantou o monopólio do sal em Portugal, e por orientação do seu valido, o conde duque de Olivares, esta imposição violenta da Coroa dos Felipes, foi uma das consequências da política de Castela, ou melhor, do Domínio Espanhol, tão desastroso e funesto ao comércio exterior e ao poderio lusitano". Era bom o sal do Brasil? "O sal da terra (do Brasil) havia se mostrado muitas vêzes nocivo às salgas e parece que nem todo o sal nativo era aplicável ao salgamento e ao preparo das carnes" (Miriam Elis - obra citada, página 31). 
Note-se que a questão do sal é recorrente na tributação do Ancien Régime, dada a absoluta necessidade de seu uso, portanto tornando-se uma ferramenta adequada, pelo menos aos olhos dos reis e seus ministros, para reforçar a arrecadação.

Esse é um tema importante, por exemplo, na tributação do Reino de França, sob a forma da gabelle du sel. Colbert tentou reduzir um pouco esse imposto indireto. Os interessados podem consultar as muitas referências a esse tributo em Histoire de l’Impôt en France. E os franceses não eram colonos do rei de França...

Quanto a Portugal, Freire tece diversas considerações acerca das salinas propriamente ditas:
ALGUMAS DISPOSIÇÕES SOBRE AS SALINAS

§ XIII - Seja-nos lícito juntar aqui algumas observações sobre as salinas. Os seus antigos direitos pertencem inteiramente ao Rei, segundo a Ordenação, liv. 2, tit. 26, § 15, que se intitula Dos direitos reais. Em Espanha há uma Ordenação semelhante na Recopilación, liv. VI, tit. 13, lei 2; e em França também, como afirma Cujácio nas Observationes, liv. III, cap. 31, assim como entre os Romanos na lei 17, § I, do tit. De verborum significatione, do Digesto, na lei 59, § I, do tit. De heredibus instituendis, do Digesto, na lei II do tit. De vectigalibus et commissis, do Código, e na lei 4, § 7, do tit. De censibus, do Digesto. As nossas leis também proíbem os estrangeiros de trabalhar nas marinhas de sal, Extravagante de 27 de Maio de 1696, Colecção I à Ord. liv. 2, tit. 26, N. II; igualmente estão os naturais do Reino proibidos de trabalhar nas marinhas de sal das outras nações, Extravagante de 15 de Fevereiro de 1695, na mesma Colecção. N. 10. As salinas situadas em local particular não pertencem ao Rei, mas ao respectivo senhor; devem-se, porém, cobrar os direitos do sal pela maneira prescrita no Regimento de 13 de Julho de 1638, apud Menescal, tomo I, pág. 211.

As áreas salineiras, tais como os campos incultos e desertos, eram antigamente dados de sesmaria, sem qualquer ónus, segundo a Ord. liv. 4, tit. 43, § 13; depois, começaram a ser dados mediante uma módica pensão, como se vê de documentos dos anos de 1435, 1460 e 1490, apud Cabedo. p. 2, Decisio 53. A novíssima lei de 17 de Julho de 1769 sobre as salinas dos Algarves seguiu de mui perto essas razões de humanidade e interesse público. 
Não encontramos a proibição de 1665, nem tampouco a lei de 1690, mas existem muitos documentos tratando da tributação do sal, como o Regimento dos Direitos do Sal da Alfândega de Lisboa, de 13 de julho de 1638, registrado na Collecção Chronológica da Legislação Portugueza.

Dispensável informar que as duas proibições, de 1665 e 1690, não foram localizadas.

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

CLAMAGERAN, J. J., Histoire de l’Impôt en France. 3 volumes. Paris: Librairie de Guillaumin, 1867, 1868 e 1876. Disponíveis em epub, pdf, e word em www.mercadores.com.br, na aba História.

FREIRE, Pascoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português, Volume I. Versão Portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, 1966. Disponível em http://www.governodosoutros.ics.ul.pt.

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

SILVA, José Justino de Andrade e, Collecção Chronológica da Legislação Portugueza, 1634 - 1640. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1855.