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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Desmantelando o "pikettyanismo" falsamente economico - Donald J. Boudreaux

Piketty: Um tesouro de conceitos errados

Donald J. Boudreaux
Portal Libertarianismo, 17/06/2014
Capital no Século XXI (ainda sem tradução para o português), de Thomas Piketty, pode figurar em breve, junto com O Capital, de Karl Marx, como uma das obras primas mais influentes da economia dos últimos 150 anos. Mas, infelizmente, o tomo de 696 páginas, habilmente traduzido por Arthur Goldhammer para o inglês não é mais esclarecedor sobre o capitalismo do século XXI do que O Capital de Marx era sobre o capitalismo do século XIX.
Apenas como um fenômeno de vendas, o tratado do professor da Escola de Economia de Paris, que foi saudado por três laureados pelo prêmio Nobel – Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Robert Solow – demanda a nossa atenção.  Também é digno de nota como o sintoma de uma ideologia perversa que parece dominar o pensamento progressista, incluindo o dos presidentes Barack Obama e François Hollande, e um método falho de análise econômica.
Muitos de nós nos importamos se, e em que medida, a massa de pessoas melhorou absolutamente as condições materiais de vida. Enquanto Piketty não ignora inteiramente a questão, ele se foca na causa e na cura das disparidades relativas em renda monetária e de riqueza entre grupos de pessoas e através dos séculos. Algumas maneiras de diminuir essas disparidades, como taxas punitivas de impostos, correm o risco de prejudicar a todos, tanto pobres quanto ricos. Mas para Piketty, a importância de diminuir as desigualdades monetárias é tão monumental que ele quase totalmente ignora esses riscos.
O método de Piketty de fazer economia envolve, frequentemente, grandes proclamações de “justiça social” e “evoluções” econômicas, mas ele não oferece nenhuma análise da dinâmica de como as decisões individuais são feitas, o que comumente se chama de “microeconomia”, que deveria ser um ponto central da questão que ele levanta.
Ao contrário, o autor paira na estratosfera econômica, e vê somente o único fenômeno visível a essa distância: grandes estatísticas como o crescimento da população ou a parte da renda nacional “reivindicada” pelos muito ricos. De maneira reveladora, Piketty escreve sobre a renda e a riqueza como sendo reivindicada ou “distribuída”, nunca sendo merecida ou produzida. As estatísticas resultantes são muito agregadas para revelar o que acontece com os indivíduos na terra.
Ao invés de olhar para o comportamento por trás das estatísticas, o autor usa ad hoc e, em última instância, teorias pouco persuasivas sobre o “comportamento” das próprias estatísticas agregadas, incluindo pesados agregados impessoais como o retorno de capital e a razão da riqueza nacional para a renda nacional. Ele imagina que estes agregados interagem de uma maneira robótica, com uma lógica própria, intocáveis pela inciativa, criatividade ou escolhas de seres humanos.
CONSIDERE A TEORIA CENTRAL DE PIKETTY, de que a taxa de retorno do capital, que ele chama de “r”, tende a ser maior do que a taxa de crescimento da economia, ou “g”. Para o autor, o fato de que r é mais rápido do que g – em vários pontos percentuais, segundo a conta dele – é suficiente para selar o destino do capitalismo, porque isto implica que os donos do capital necessariamente ficam mais ricos do que aqueles que não são donos. Como a propriedade sobre o capital é “distribuída” de maneira desigual na sociedade, as diferenças de renda e riqueza devem, por sua vez, piorar, “empobrecendo” tanto a classe média quanto os pobres, enquanto elites ricas relativamente pequena vão ter tanto vastos recursos quanto influência desproporcional sobre as decisões políticas do governo.
Apesar da implicação lógica do retorno de capital ser maior do que o crescimento econômico, Piketty não pensa que a plutocratização da sociedade é inevitável. Primeiro, ela pode ser detida e até mesmo revertida por calamidades como guerras mundiais ou o comunismo ao estilo soviético, já que os efeitos destrutivos desses eventos recaem desproporcionalmente sobre os ricos. Pior, ele opina que as consequências bem vindas dessas ações corretivas são somente temporárias.
Mas outro remédio, mais duradouro, está à mão: tributação contundente. Piketty pede por impostos maiores e mais progressivos, não somente sobre a renda – de pelo menos 80% na fatia superior de renda – mas também na riqueza, de preferencia a ser imposta globalmente, para evitar com que diferentes regimes de tributação façam com que os plutocratas saiam de uma jurisdição com altos impostos e se mudem para uma jurisdição com impostos mais baixos. Enquanto ele não é otimista sobre possibilidade de ocorrer à cooperação necessária entre os governos, ele está disposto a aceitar quaisquer medidas que governos mais iluminados possam tomar para impor altos impostos sobre os ricos – e especialmente medidas que podem ser acompanhadas de um compartilhamento de informações maior entre os países em relação a contas em bancos e outros investimentos de propriedade de estrangeiros.
A grande quantidade de falhas arruínam a saga capitalista contada por Piketty, falhas que surgem, principalmente, do desprezo dele aos princípios econômicos básicos. Nenhuma aparece mais claramente do que a noção errada dele sobre riqueza.
Todo semestre, eu pergunto aos meus calouros o quão rico eles seriam se cada um deles valesse tanto quanto Bill Gates, mas estivessem com todas as ações, títulos de propriedade e sacos de dinheiro em uma ilha deserta, sozinhos. Eles imediatamente veem que o que importa não é a quantidade de dinheiro que eles têm, mas, ao invés, o que o dinheiro pode comprar. Nenhum princípio econômico é mais essencial que perceber que, em última instância, riqueza não é dinheiro ou ativos financeiros, mas sim, acesso imediato a bens e serviços reais.
Piketty mal parece perceber essa realidade, e se foca nas diferenças dos portfólios monetários das pessoas. Ele, portanto, ignora o importantíssimo lado da oferta: o que as pessoas – ricos, classe média e pobres – podem comprar com o dinheiro que tem. Ainda mais: na medida em que as desigualdades são absolutamente relevantes, as únicas que realmente importam são as desigualdades de acesso a bens e serviços reais a serem consumidos. Os aposentos de Bill Gates são maiores e mais elegantes que os meus e, eu arrisco dizer, que os seus também. Mas até mesmo aqueles que são os mais pobres dentro de uma economia de mercado viram a capacidade de consumir decolar com o tempo. E quanto mais pobres eles já foram, maior foi a melhoria na capacidade de consumir.
Se nós seguirmos o conselho de Adam Smith e examinar a capacidade das pessoas consumirem, nós descobrimos que quase todo mundo em economias de mercado está ficando mais rico. Nós também descobrimos que as diferenças econômicas reais separando ricos da classe média e dos pobres está diminuindo. Avaliando o padrão de vida – em capacidade de consumir – o capitalismo está criando uma sociedade cada vez mais igualitária.
OS EUA SÃO a bête noire (N do T.: Besta Negra, em francês no original) de Piketty e de outros progressistas obcecados com a desigualdade monetária. Mas a classe média americana dá como certa as casas com ar condicionado, carros e locais de trabalho – junto com os smartphones, viagens aéreas seguras e remédios que tratam de hipertensão até disfunção erétil. No final da Segunda Guerra Mundial, quando as desigualdades de riqueza e renda em termos de moeda eram menores do que tinham sido em qualquer momento do século anterior, esses bens e serviços ou não estavam disponíveis para ninguém ou somente aqueles muito ricos poderiam usufruir deles. Então, independentemente de quantos dólares os plutocratas de hoje acumularam e tem acumulado no portfólio, a acumulação de riqueza das elites não impediu que o padrão de vida das pessoas comuns melhorasse de maneira espetacular.
Além disso, essas melhorias em padrão de vida foram, inegavelmente, muito maiores para as pessoas comuns do que para os ricos. Em 1950, Howard Hughes e Frank Sinatra poderiam, facilmente, pagar por coisas como entregas de pacotes no dia seguinte, conversas telefônicas internacionais de horas de duração e casas com ar condicionado. Para os americanos comuns, entretanto, essas coisas estavam apenas na imaginação. Agora, mesmo que os magnatas e celebridades de hoje ainda tenham acesso a essas amenidades, os americanos de classe média e até mesmo pobres tem acesso a elas também. A redução da diferença entre a riqueza real dos ricos e dos pobres devem acalmar as preocupações em relação aos perigos políticos da expansão da desigualdade no terreno da riqueza monetária.
Falhas no ponto de vista macro do autor também estão a vista quando tentamos pensar em termos humanos sobre a inevitabilidade do retorno sobre capital, de 4% a 5%, que é maior que a taxa de crescimento da economia, que vai de 1% a 1,5%. De acordo com o autor, esta diferença de alguns pontos percentuais, quando acumulada através dos anos, pode fazer com que a desigualdade econômica seja “potencialmente aterrorizante”. Mas dois fatores chaves fazem com que esta tendência dificilmente persista por muito tempo na vida da maioria dos indivíduos.
Para começar, idas e vindas, ao invés de permanência, tendem a caracterizar o padrão da maior parte dos empreendimentos bem sucedidos. Mais cedo ou mais tarde, a entrada de competidores e as mudanças nos gostos dos consumidores freiam o crescimento da empresa, quando não reduz absolutamente o tamanho delas ou as leva a falência. Somente em 2013, 33 mil empresas nos EUA declararam moratória, um número típico em anos de expansão econômica. Em segundo lugar, e mais importante, capitalistas bem sucedidos raramente criam filhos e netos que igualam o sucesso dos ancestrais. Existe uma regressão de volta à média. Note que o aterrorizante, bem sucedido capitalista Bill Gates dificilmente irá ser sucedido por Gates mais jovens preparados para se capitalizarem sobre o sucesso dele.
Podemos até mesmo deixar de lado os planos por parte de pessoas como os Gates e Warren Buffet de doar uma grande parte da própria fortuna, ou o papel redistributivo da filantropia. Os dados empíricos sugerem que a rotatividade é a norma entre os capitalistas ricos, ao invés da construção de uma plutocracia permanente. A lista do “Top 400 declarações de imposto de renda” do I.R.S. (N. do T.: Receita Federal americana) nos dá evidências da instabilidade no topo. Ao longo dos 18 anos, desde 1992 até o fim de 2009, 73% dos indivíduos que apareciam nesta lista, apareceram apenas por um ano. Somente um punhado de indivíduos apareceu na lista em dez ou mais anos. A riqueza se dilui com o tempo, quando deixada para diferentes herdeiros, e se dilui ainda mais graças aos impostos, filantropia e mudanças nas condições de mercado.
AS FALAS DE PIKETTY sobre a estabilidade da riqueza dos capitalistas negam esta realidade. Por exemplo, ele escreve que “[O] Capital nunca é quieto: ele é sempre empreendedor e orientado para o risco, pelo menos na origem, e ainda assim ele sempre tende a se transformar em rendas a medida que ele se acumula em quantias grandes o bastante. Essa é a vocação do capital, o destino lógico”. Leia-se: O elemento de risco, empreendedor na formação de negócios, eventualmente regride em importância até o negócio naturalmente evoluir em direção ao “destino lógico” – o de eterna máquina de dinheiro que regularmente cospe “renda”.
Em um caminho similar, Piketty observa, “O que poderia ser mais natural de pedir a um bem de capital do que pedir para produzir ume renda fixa e certa: este é, de fato, o objetivo de um mercado de capital ‘perfeito’, como os economistas definem”. Pode ser “natural” pedir isto de um bem de capital. Mas somente economistas que tratam sobre mercados “perfeitos” de capital são inocentes o bastante para esperar um “sim” como resposta.
Se Piketty realmente acredita em um mercado “perfeito” de capital, dando aos capitalistas uma renda fixa e certa, ele pode se perguntar porque a gigante e falida rede de livrarias Borders não está vendendo mais livros, enquanto a Amazon  cresceu e desafiou toda a rede de varejistas não-virtuais. No mundo de Piketty, o capitalismo é um sistema de lucros. No mundo real, é um sistema de lucros e prejuízos.
O desprezo de Piketty pelo raciocínio econômico básico cega ele de todas as forças importantes do mercado que trabalham no mundo real – forças essas que, se deixadas livres pelo governo, produzem uma prosperidade crescente para todos. Ainda assim, ele alegremente restringiria essas forças com impostos absurdos.
Louvavelmente, apesar de tudo, ele expressa preocupação sobre o potencial do regime de impostos proposto para expandir o tamanho do governo: “Antes de podermos aprender a organizar eficientemente as finanças públicas equivalentes de dois terços a três quartos da renda nacional”, ele diz,  “seria bom melhorar a organização e operação do setor público existente”. De fato, seria “bom” fazer essas melhorias. Eu gostaria de imaginar que, se Karl Marx fosse vivo hoje, ele iria informar ao colega menos experiente que, infelizmente a 150 anos atrás, socialistas tiveram a mesmíssima ideia. Não funcionou da maneira que eles esperavam.
// Tradução de Daniel Coutinho. Revisão de Ivanildo Terceiro. | Artigo Original

Sobre o autor

Donald J. Boudreaux
Donald J. Boudreaux é professor de economia na George Mason University, e ex-presidente da Foundation for Economic Education (FEE). Autor do livro "Globalization (Greenwood Guides to Business and Economics)", escreve com frequência no seu blog "Cafe Hayek".

domingo, 5 de agosto de 2012

Keynes, Friedman e Krugman, o Pinocchio - Donald J. Boudreaux


Donald Boudreaux: Was Milton Friedman a Secret Admirer of Keynes?

Liberals misread the great free-market scholar in order to hijack his legacy.

The Wall Street Journal, Opinion, August 3, 2012
With the possible exception of Adam Smith, no person in history is more widely recognized as ably championing free markets than Milton Friedman. Justly so: For more than 60 years until his death in 2006, he pressed the case for capitalism and freedom with impeccable scholarship, good cheer, impressive vigor and unmatched clarity.

Related Video

George Mason University economist Donald Boudreaux on why those who say Milton Friedman's attitude toward government is similar to Keynes's are wrong. Photo: Getty Images
Despite his clarity, there are a handful of people whose inability or unwillingness to grasp Friedman's arguments leads them to misrepresent his writings and policy recommendations.
Consider British journalist Nicholas Wapshott. He used the occasion of the 100th anniversary of Friedman's birth (July 31) to claim, in the Daily Beast, that Friedman's attitude toward government was much closer to that of pro-interventionist John Maynard Keynes than to that of Keynes's famous free-market opponent, Friedrich A. Hayek.
Mr. Wapshott says that Friedman really was quite sanguine about a large and constitutionally unrestrained state, based on the alleged contents of a supposedly "lost" essay by Friedman. Contrary to the naive Hayek—who worried that power concentrated in big government inevitably corrupts politicians and invites its own misuse—Mr. Wapshott says, the essay (which was originally published in 1989) shows Friedman believed "that big government is not evil so long as it is honestly administered." He adds that the essay "calls into question whether those today who rail against the size of the state are blaming the system when they should be rooting out corrupt politicians and public officials instead."
So Milton Friedman was really a good-government progressive? No.
Friedman's essay, "John Maynard Keynes," was never lost. The original article, first published in German translation in a volume of commentaries on Keynes's "General Theory," was translated and republished in 1997 by the Richmond Federal Reserve Bank in its quarterly magazine, and it is readily available on the bank's website.
The essay shows beyond a shadow of doubt what Friedman really thought about Keynes's views on government: "I conclude that Keynes's political bequest has done far more harm than his economic bequest and this for two reasons. First, whatever the economic analysis, benevolent dictatorship is likely sooner or later to lead to a totalitarian society. Second, Keynes's economic theories appealed to a group far broader than economists primarily because of their link to his political approach."
Friedman here articulates concerns long expressed by Hayek in the latter's 1944 book, "The Road to Serfdom," that big government of the sort that Keynes demanded is poisonous to freedom and prosperity. He saw clearly that Keynes's "political bequest" was so dangerous that no amount of rooting out of corrupt officials would prevent a government armed with unlimited discretionary economic power from becoming tyrannical.
There's an even more egregious misrepresentation of Friedman, this one by Paul Krugman, the economist and New York Times columnist. A few months after Friedman's death in November 2006, Mr. Krugman penned an essay in the New York Review of Books, "Who Was Milton Friedman," accusing him of being "intellectually dishonest." He doubled down on this charge in a letter to the editor of the New York Review responding to critics of the essay.
Getty Images
Economist Milton Friedman
The dishonesty, in Mr. Krugman's telling, consists in an alleged contradiction. On one hand, Friedman the scholar claimed in his famous "Monetary History of the United States" that the Great Depression was worsened by the Fed's failure to keep the money supply from falling. But, on the other hand, Friedman the public figure claimed that the Depression likely would have been far less severe in the absence of the Fed. "I'm sorry," Mr. Krugman wrote in the letter, "but those are contradictory positions."
Mr. Krugman's charge is silly. Friedman understood that, without the Federal Reserve, private bank-clearinghouse associations—market institutions that were displaced by the Fed—would likely have prevented the money supply from collapsing and, hence, might well have kept the depression from becoming "great." But Friedman also understood that the Fed, having substituted its own technocratic discretion for the market adjustments of clearinghouses, then had a responsibility to manage the money supply properly. It failed to do so. Friedman (and his co-author Anna Schwartz) properly criticized the Fed for this terrible failure.
Friedman's argument here is no more contradictory or dishonest than would be the argument of, say, a physician who, having unsuccessfully warned a patient not to rely for medical care upon a witch doctor, points to the witch doctor's failure to administer appropriate mouth-to-mouth resuscitation as the cause of the patient's death.
Milton Friedman combined soaring academic credentials with a remarkable virtuosity at explaining to the public why free markets are economically and ethically superior to even well-intentioned government plans and regulations. He was throughout his long life and career a special target of those who would preserve what he and his wife, Rose, called "the tyranny of the status quo." This status quo consists of interest groups, bureaucrats and politicians who—with help from cheerleaders in the media and the academy—use government to enlarge their own pocketbooks and to stroke their own egos, all at the expense of the general public.
If Friedman was secretly upbeat about powerful government or, worse, misleading the public, then the voice of one of history's greatest advocates of free markets would be silenced. In fact, Milton Friedman's advocacy of free markets was as principled, consistent and honest as it was brilliant.
Mr. Boudreaux is professor of economics at George Mason University and author of "Hypocrites and Half-Wits" (Free To Choose Press, 2012).
A version of this article appeared August 4, 2012, on page A15 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: Was Milton Friedman a Secret Admirer of Keynes?.