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sábado, 11 de setembro de 2021

Uma confusão vista de fora - Duda Teixeira (Crusoe)

Uma confusão vista de fora

Como governos estrangeiros e players que costumam orientar investimentos no país enxergam o caótico cenário brasileiro
Duda Teixeira | 10 de setembro de 2021

O presidente Jair Bolsonaro está prestes a ingressar em seu último ano de mandato quase que totalmente isolado do resto do mundo . Com a chance de se reeleger em 2022, ele tem sido cada vez mais ignorado por outros chefes de governo, que mencionam o seu nome e passam longe dos aeroportos brasileiros. Nos atos antidemocráticos do 7 de Setembro não foi diferente. A imprensa estrangeira deu pouco destaque aos protestos e nenhum político de peso levou a sério, ao menos publicamente, conforme declaração golpista do presidente. Para eles, mais vale acompanhar o desenrolar dos acontecimentos à distância e aguardar até que o Bolsonaro deixe o poder. Investidores estrangeiros, por sua vez, já não se animam tanto com uma recuperação da economia e já começaram a fazer as contas de olho no que virá depois.

Os danos à imagem externa do Brasil durante o governo de Bolsonaro têm ocorrido de maneira progressiva e já têm três momentos capitais até agora. O primeiro foi em 2019, ainda no primeiro ano de mandato, quando as queimadas na Amazônia e no Pantanal alcançaram números recordes. A destruição da floresta virou assunto em reunião do G7 e a chanceler alemã Angela Merkel foi flagrada dizendo que ligaria depois para o presidente. Dos Estados Unidos, Donald Trump telefonou para Bolsonaro e disse que seu país estava “pronto para ajudar”. O francês Emmanuel Macron quis conversar pessoalmente com o brasileiro em uma reunião do G20, em Osaka, para discutir a Amazônia. Ainda não há nenhuma esperança de envolver Brasília em questões globais. O Brasil era chamado para ajudar em crises regionais, como a Venezuela, e integrantes do governo eram convocados para reuniões na Casa Branca.

O segundo momento em que a imagem do país foi arranhada se deu em maio do ano passado. Com o número de mortes diárias por Covid ultrapassando o dos Estados Unidos, o Brasil apareceu em manchetes do mundo todo. O país ganhou, assim, o título de “epicentro da pandemia”. Como todos os governantes estavam preocupados com seus problemas próprios, as críticas à forma como Bolsonaro lidou com a Covid partiram principalmente dos brasileiros. O terceiro grande momento aflorou agora, com o presidente incitando uma ruptura democrática. Mas,  diferente dos dois anteriores, ele foi ignorado. Diplomatas de países que antes eram considerados aliados do governo brasileiro foram convidados a participar dos atos de 7 de Setembro, mas preferiram ficar em casa. Sem poder contar com Donald Trump, dos Estados Unidos, e Benjamin Netanyahu, de Israel, o Brasil ficou sozinho.

Ao calcular como devem lidar com um presidente em confronto direto com o Judiciário e a imprensa, os mandatários estrangeiros têm optado pelo menor vínculo possível. A falta de iniciativas na política externa, com um governo atolado na crise doméstica, contribui para que os contatos sejam ainda menos frequentes. O Brasil foi escanteado, por exemplo, das negociações entre a ditadura venezuelana e a oposição, e tem recebido atenção ínfima do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Desde que Biden tomou posse, em janeiro, notas e os comunicados do Departamento de Estado americano sobre o Brasil evitam menções ao presidente ou ao seu governo. Ao mesmo tempo, mensagens enfatizam que os americanos valorizam a democracia, o que é uma forma de dizer que não apoiam uma ruptura da ordem. Em resposta enviada a Crusoé sobre se o Brasil seria convidado para a Cúpula pela Democracia, em dezembro, o Departamento de Estado deixou a questão no ar, e afirmou que os EUA pedem que os países “mostrem compromissos que promovam a democracia, combatam a corrupção e incentivo o respeito pelos direitos humanos”. No 7 de Setembro, outra nota defendeu a liberdade para reunir e protestar pacificamente, mas afirmava que, “como fazemos com todas as democracias, esperamos que o governo brasileiro e as instituições respeitem totalmente suas leis”.

Com quase três anos do mandato de Bolsonaro, os líderes mundiais já não acreditam que seja possível convencer o presidente brasileiro de alguma coisa - e não consideram que valha a pena citá-lo. “O presidente brasileiro segue o mesmo roteiro dos populistas de direita com inclinações e ambições autoritárias. Ele sabe que o meio que tem de conseguir seguidores e retê-los é polarizando o país, espalhando o medo e mobilizando uma base própria ”, diz o sociólogo americano Larry Diamond, professor da Universidade Stanford e especialista em democracia. Mas a atenção limitada que o resto do mundo está dando ao Brasil também tem outro motivo. Ainda que as declarações do presidente assustem, acadêmicos e analistas entendem que as instituições nacionais estão em condições de resistência. “No geral, há uma expectativa de que as instituições irão prevalecer no Brasil, que tem muita força em sua sociedade civil, no Judiciário e na imprensa independente ”, diz Diamond.

Essa visão é compartilhada pelo instituto sueco V-Dem, que monitora o estado da democracia em vários países. Nos últimos seis anos, o V-Dem incluiu o Brasil no grupo com democracias em declínio, ao lado de Hungria, Tailândia, Bolívia, Venezuela, Bielo-Rússia e Polônia. Mas, em comparação, o Brasil se sai melhor em alguns pontos importantes. “Notamos que a capacidade de o Legislativo brasileiro conter o Executivo diminuiu um pouco. Mas o Brasil segue com um Judiciário forte e, principalmente, com uma nota muito boa no seu sistema eleitoral. Com essas qualidades ainda presentes, o risco para a democracia brasileira é baixo”, diz a pesquisadora Yuko Sato. “Se as alterações ocorrerem normalmente em 2022 e o poder passar para o vencedor do pleito, como é esperado, todos ficarão bem menos preocupados com o Brasil”.

Em relatório para clientes de dentro e fora do Brasil, a consultoria Eurasia disse que existem poucos perigos para a eleição do ano que vem. Para os analistas, o resultado da próxima eleição presidencial será respeitado pelo Congresso, pelos tribunais, pela imprensa e pelos militares, independentemente de quem for o vencedor. “Quando os clientes nos perguntam sobre a possibilidade de uma ruptura democrática, nós respondemos que os índices são baixos. Os atritos recentes ocorrem justamente porque as instituições brasileiras estão resistindo. Os freios e contrapesos estão funcionando. Além disso, Jair Bolsonaro não tem apoio popular suficiente para fazer uma grande mudança”, diz Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria.

O problema é que a crise política contaminou o setor econômico. Investidores que estavam pensando em uma possível retomada, com o fim da pandemia no ano que vem, estão reticentes. “Até a eleição de 2022, tudo indica que teremos Bolsonaro encurralado, brigando com as instituições e aumento a polarização. Esse conflito tem alimentado muitas incertezas, como a situação fiscal do país, o pagamento de 00precatórios, a inflação elevada e a crise hídrica. Há um pessimismo grande com a economia brasileira atualmente, e isso não vai se dissipar tão cedo”, diz Garman.

A partir de 2023, o consultor afirma que o próximo presidente terá de governar em um ambiente difícil. A situação fiscal não possibilita muita folga para gastos, em um momento em que a população, principalmente a classe média, pode externar inquietações represadas durante uma pandemia. Além disso, o descontentamento com as instituições, o sentimento que origina a eleger Bolsonaro e que depois foi estimulado por ele, seguirá em alta em grande parte da população. “A principal missão do presidente, a partir de 2023, será devolver a legitimidade às instituições democráticas brasileiras”, afirma o diretor-executivo da Eurasia. Será difícil para o país vencer, tão cedo, uma condição de pária internacional.

https://crusoe.com.br/edicoes/176/a-confusao-vista-de-fora

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Entrevista sobre o bolsolavismo diplomático, com Paulo Roberto de Almeida - Duda Teixeira (Crusoé)

 Uma entrevista que concedi recentemente ao jornalista Eduardo Teixeira, da revista Crusoé, sobre diferentes aspectos da diplomacia bolsolavista, publicada na edição desta sexta-feira, 18/06/2021.

Aos leitores interessados, vale uma assinatura desta excelente revista (estou renovando a minha).



Quanto a mim, penso desenvolver alguns elementos dessa entrevista para uma matéria sobre aspectos absolutamente inéditos para a política externa e a diplomacia brasileira derivados das esquizofrenias do bolsolavismo na direção das relações internacionais do Brasil

O clipping da ADB capturou a matéria no seu boletim diário:

Mudança à força

Um dos principais críticos da interferência petista e bolsonarista no Itamaraty, o embaixador Paulo Roberto Almeida diz que as correções de rumo na diplomacia brasileira só devem acontecer no atual governo por pressão externa

18.06.21

O diplomata Paulo Roberto Almeida, de 71 anos, é conhecido por sempre dizer o que pensa. Por causa disso, levou diversos puxões de orelha e teve a carreira prejudicada. Na era petista, foi acusado de ser “neoliberal” e foi relegado ao que, entre os diplomatas, é conhecido informalmente como o DEC, departamento de escadas e corredores. Passou treze anos e meio sem ocupar um cargo. Em 2016, no breve governo de Michel Temer, foi reabilitado e assumiu a direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, o Ipri, vinculado ao Itamaraty. Três anos depois, já no governo de Jair Bolsonaro, foi exonerado do posto após publicar em seu blog textos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do embaixador Rubens Ricupero e do ex-ministro Ernesto Araújo, discutindo a Venezuela. Os posts irritaram os bolsonaristas, que não gostaram de ver tucanos criticando o atual governo.

Almeida foi então transferido para a Divisão de Arquivos, no segundo subsolo do Itamaraty, onde não há wifi nem sinal de celular. “Enquanto os petistas não me colocaram em lugar algum, os bolsonaristas quiseram me humilhar”, diz o embaixador. Mesmo assim, ele não se intimidou e, desde 2019, publicou cinco livros. O último deles, Apogeu e Demolição da Política Externa, acaba de seguir para a última revisão.

O diplomata avalia que a nomeação de Carlos França para o cargo de chanceler melhorou o clima internamente. Como França consulta os colegas e segue os processos decisórios normais, as chances de erros diminuem. Contudo, Almeida afirma que ainda paira sobre o Itamaraty a influência de Jair Bolsonaro, seus filhos e assessores, o que pode resultar em constrangimentos – um exemplo é a indicação do ex-senador e ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, para a embaixada na África do Sul. “Isso demonstra, mais uma vez, que o presidente não hesita em tomar atitudes que prejudicam a imagem e os interesses do Brasil quando se trata de defender seus interesses eleitoreiros”, diz. Eis a entrevista.

Que avaliação o sr. faz da gestão de Carlos França, substituto de Ernesto Araújo no cargo de ministro das Relações Exteriores?

A chegada dele foi um alívio. A personalidade de França é o inverso da do Ernesto Araújo, que era rejeitado quase que unanimemente pelos profissionais. França sempre foi um excelente diplomata, com um trabalho impecável. É reconhecido pelo seu jeito afável e pela sua cordialidade sincera. Tem um modo de ser transparente, simples e modesto. Apenas a sua chegada já representou uma melhoria de 200% na gestão dos assuntos internos do Itamaraty. Além disso, ele retomou o processo decisório, o que é muito bom.

Como?

Isso acontece em todo lugar, nas empresas, nas organizações. Os funcionários de cada área, que estão na base, fazem relatórios em suas áreas de especialização. Essas informações sobem pela hierarquia até chegar à cúpula, onde as decisões são tomadas. No Itamaraty, quando se trata de algo muito importante, o assunto vai parar na Presidência da República. No governo militar, que tinha uma estrutura muito rígida, com planejamento e metas, eu era uma dessas pessoas trabalhando na base, em assuntos específicos. Quando o papa João Paulo II foi escolhido, em 1978, eu fiz um longo memorando sobre o que isso significava. O texto foi muito elogiado e possivelmente foi para a Presidência. Sempre tínhamos de produzir esses textos. Quando o balé Bolshoi, da Rússia, vinha para o Brasil, os militares sempre achavam que vinha um monte de espião comunista, e nós precisávamos escrever sobre aquilo. Algumas vezes, os relatórios de três ou quatro páginas voltavam com a rubrica “de acordo”, o que significava que o Itamaraty tinha feito uma exposição para o presidente, que tinha concordado com o conteúdo. Em outros momentos, vinha com a orientação para consultar outros ministérios. Foi assim com o Ernesto Geisel, com o Figueiredo. Foi assim também com o Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique. Uma mudança aconteceu com Lula. Em seu governo, ele pediu para que o Itamaraty mostrasse relatórios mais breves, com no máximo uma página.

E como era com o Ernesto Araújo?

Araújo tomava decisões trancado em seu gabinete, sem consultar diplomatas ou ler qualquer coisa. Despachava de um bunker, auxiliado apenas pelo deputado Eduardo Bolsonaro, pelo Filipe Martins, assessor de assuntos internacionais da Presidência, e pelo Olavo de Carvalho. As notas que o Araújo soltava nada tinham a ver com a tradição do Itamaraty. Nenhum diplomata seria capaz de escrever aqueles absurdos. Os textos não faziam nenhuma referência ao direito internacional e traziam uma linguagem estropiada, com português mal escrito.

O que acontece quando não se respeita esses processos?

O risco maior é tomar decisões que vão contra os interesses nacionais. Uma delas foi o anúncio de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Isso seria desastroso para o agronegócio brasileiro. Se o governo tivesse deixado a empresa chinesa Huawei de fora do leilão de tecnologia 5G, a China teria imposto retaliações maciças ao Brasil. Os processos decisórios também são importantes na elaboração dos discursos oficiais, como aqueles que são feitos em foros internacionais. O embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, que é sogro do Ernesto Araújo, fez um livro, em três tomos, sobre as posições do Brasil na ONU. Há 70 anos, o Brasil inaugura as sessões da Assembleia Geral, o que foi uma forma de compensar o país por não ter entrado no Conselho de Segurança. Esses discursos mostram como o Brasil tradicionalmente pensa em diversos temas. Está tudo ali. Há uma unidade muito clara. Mas provavelmente não haverá uma quarta edição. O primeiro discurso de Bolsonaro na ONU em setembro de 2019 foi muito estranho, e o segundo foi um pouco menos ruim. Faltou consultar os demais diplomatas.

Na prática, algo já mudou na diplomacia brasileira?

Acho que as mudanças ainda estão por vir. Elas devem chegar principalmente como resultado de pressão externa, que pode vir do agronegócio, do Senado, das empresas, da opinião pública ou de outros países. Não necessariamente virão da vontade do presidente e dos seus assessores. Por enquanto, olhando para algumas votações em Genebra, na área de direitos humanos, ainda não voltamos ao padrão anterior. Permanece aquela visão contra o aborto da Damares Alves (ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). É uma visão ainda desconfiada de temas que possam levar a direitos da mulher e a direitos reprodutivos. O evento mais recente, ainda não resolvido, é essa indicação absolutamente estranha do bispo Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, para ser o embaixador na África do Sul. Na verdade, o assunto dele é Angola, onde há pendências entre as autoridades locais e sua instituição religiosa. Sabe-se que há muita lavagem de dinheiro com destino à África do Sul. Isso foi revelado porque um dos brasileiros que trabalhavam em Luanda teve um acidente na estrada. A polícia encontrou 60 milhões de dólares no seu automóvel. Então, é comum que carros atravessem a Namíbia levando dinheiro para a África do Sul. Claro, o Crivella gostaria que o governo desse uma cobertura total para os negócios da Universal. Ele não poderia ir para Angola, porque há uma pendência judicial contra ele. Então Bolsonaro fez algo muito estranho, que é designar um bispo que não pode sair do Brasil, que foi preso em dezembro, para ser o embaixador na África do Sul, onde ele poderia atuar. Mas a África do Sul é a base financeira dos negócios de lavagem de dinheiro na África, que envia dinheiro para paraísos fiscais. Seria muito estranho ter um embaixador não do Brasil, mas da Igreja Universal, na África do Sul.

Acredita que a indicação pode ser aprovada pelo Senado?

Acho pouco provável. A Comissão de Relações Exteriores do Senado vai achar muito estranha essa designação. Mesmo assim, seria preciso aguardar a aceitação do país africano. Se acontecer, seria muito complicado para o Brasil. Crivella poderia se envolver nos negócios africanos da Universal, com o potencial de gerar novos escândalos. Isso demonstra, mais uma vez, que o presidente não hesita em tomar atitudes que prejudicam a imagem e os interesses do Brasil quando se trata de defender seus interesses eleitoreiros. A candidatura para a OCDE (o clube dos país mais ricos do mundo), por exemplo, poderia ser prejudicada porque ela exige cooperação nas operações contra lavagem de dinheiro e contra a corrupção.

Ainda soa estranho um político ser indicado para um cargo em embaixada?

A diplomacia petista estreou com a indicação de pessoas de fora da carreira diplomática. Lembro do caso do Tilden Santiago. Ele era formado em jornalismo e filosofia, e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Santiago tentou uma candidatura ao Senado por Minas Gerais em 2002, mas perdeu a eleição. Lula o mandou para a embaixada em Cuba, porque ele era admirador do Fidel Castro. Foi um dos poucos não diplomatas a serem enviados para embaixadas no exterior. Celso Amorim, depois, estabeleceu que todos os chefes de embaixadas deveriam ser diplomatas de carreira.

O clima sombrio que havia dentro do Itamaraty melhorou?

Em parte. Depois de se desentender com os senadores, principalmente com a Katia Abreu, Ernesto Araújo foi forçado a se demitir no dia 29 de março. No dia seguinte, o boletim do Itamaraty publicou a lotação dele na Subsecretaria Geral de Administração. Essa é a secretaria que cuida do que podemos chamar de “cozinha” do Itamaraty, da administração da casa. Ele estava tentando colocar seu chefe de gabinete como o subsecretário geral de administração. Pensei na época que o objetivo era construir um Ministério de Relações Exteriores do B. Eles seriam responsáveis por uma diplomacia paralela, com todo apoio do presidente, filhos e assessores. Mas o Ernesto Araújo não conseguiu o que pretendia e tirou uma licença de três meses.

Se o PT voltar em 2022, o sr. não teme ser novamente afastado?

Acho que vou me aposentar no final de 2022, talvez antes. Mas posso dizer que fui prejudicado tanto na era petista como na bolsonarista. Há uma grande diferença entre elas: os bolsonaristas são vingativos e mesquinhos. O PT me deixou fora do Itamaraty por treze anos e meio. Fui vetado e enviado para o departamento de escadas e corredores. Fiquei no limbo. Por dez anos, fiquei sem nenhum cargo na Secretaria de Estado. O Celso Amorim, ex-chanceler, tinha horror a mim, porque eu publicava e dizia o que pensava. Ele vetou uma promoção minha. Os petistas diziam que eu era ‘neoliberal’. Em 2014, eu publiquei o livro Nunca Antes na Diplomacia, com uma crítica pesada ao petismo. Com o bolsonarismo foi distinto. Em 2019, quando eu publiquei no meu blog um artigo do Fernando Henrique Cardoso, um do Rubens Ricupero e outro do Ernesto Araújo, eles me demitiram das funções que exercia. Mas, enquanto os petistas não me colocaram em lugar algum, os bolsonaristas quiseram me humilhar. Eles me mandaram para a Divisão de Arquivos. Então eu fiquei lá na biblioteca, sem função. Em 2019, eu publiquei um pequeno livro intitulado Miséria da Diplomacia: a Destruição da Inteligência no Itamaraty. Decidiram me retaliar. Sem que eu soubesse, eles foram computando minhas faltas. Em muitas delas, eu estava em bancas acadêmicas em São Paulo, em Curitiba, dando palestras. Uma vez, eu estava com o próprio Ernesto Araújo, no Ministério da Defesa, e eles me deram falta. Eu justifiquei e não aceitaram. Mais recentemente, passaram a me cobrar por horas não trabalhadas. Já tive um prejuízo de mais de 40 mil reais com eles. Só não conseguiram me demitir por justa causa porque veio a pandemia.

O Itamaraty, afinal, falhou na compra de vacinas?

Não, o Itamaraty, como instituição, não falhou na aquisição de vacinas pela simples razão que nunca lhe foi dada essa atribuição. O problema foi a oposição do presidente a uma ação vigorosa nessa frente. Araújo apenas se submeteu a isso. O governo falhou por inteiro em todas as fases, etapas e configurações de um enfrentamento sério da pandemia. O quadro de miséria moral existente nesse setor está na origem da tragédia acumulada em número de mortos e outras vítimas da Covid-19, por uma indiferença perversa. Tanto o Itamaraty não falhou que o novo chanceler proclamou, em seu conciso e objetivo discurso de posse, que sua primeira preocupação será com uma diplomacia da vacina, colocando os postos a serviço dessa meta.

Isso pode fazer diferença no combate à pandemia no Brasil?

Ainda estamos numa situação diferente da dos demais países, onde o combate à pandemia recebe o inteiro apoio dos chefes de governo ou de estado. Isso não é uma realidade no Brasil. Bolsonaro segue com a mesma indiferença perversa. Na verdade, em temas de interesse global – meio ambiente, desenvolvimento, cooperação regional, comércio internacional, direitos humanos, novas fronteiras dos direitos coletivos –, o Itamaraty sempre exerceu um protagonismo digno de nota, sendo conhecido pelos seus esforços de mediar interesses de países avançados e em desenvolvimento, num esforço notável em foros multilaterais. Não fosse este governo, o Brasil teria provavelmente liderado uma iniciativa de coordenação global contra a pandemia, unindo cooperação bilateral, regional, multilateral, em todos os foros e instâncias abertas ao engenho e à arte de nossa diplomacia.

https://crusoe.com.br/edicoes/164/mudanca-a-forca/

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Cultura e diplomacia: debate na ABI Cultura, com Diogo Schelp, Duda Teixeira e Ricardo Carvalho (15/04/2021; canal YouTube da ABI)

Um debate recente sobre a política externa: 

“Embaixador Paulo Roberto de Almeida, que enfrentou Ernesto Araújo, no Encontros da ABI com a Cultura”, 15 abril 2021, 1:20hs. Debate organizado por Zezé Sack, diretora do Cine Clube Macunaima da ABI, com a participação dos jornalistas Diogo Schelp, Duda Teixeira e Ricardo Carvalho, diretor da ABI-SP em torno dos grandes temas da política externa. Incluído no canal da ABI no YouTube (link: https://www.youtube.com/watch?v=lg6Tkxh5E-s)

INSCREVER-SE

Paulo Roberto de Almeida é um embaixador sem papas na língua e ingressou, há dois anos, com uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal, responsabilizando a União por ações de assédio moral e de perseguição no Ministério das Relações Exteriores, inclusive por retaliações financeiras. Aconteceu desde que começou a criticar publicamente nas suas redes sociais o trabalho do chanceler Ernesto Araújo. Ele, que editou revista 200 com foco na Independência do Brasil também relatou que toda a edição dessa revista foi recolhida por ordem do ex-chanceller e ele não sabe o destino da publicação. Diplomata de carreira desde 1977 e também escritor com mais de 20 livros publicados, serviu na embaixada de Paris e como adido na de Washington, entre outros postos de destaque e, em 1984, obteve o doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. Hoje, a partir das 19h30, ele será entrevistado no programa Encontros da ABI com a Cultura pelos jornalistas Diogo Schelp, da revista Crusoé; Duda Teixeira, colunista da UOL; e Ricardo Carvalho, diretor da ABI, em São Paulo. A apresentação é da jornalista e produtora cultural, Zezé Sack. Assistam pelo canal da Associação Brasileira de Imprensa do YouTube e divulguem. Diplomata O diplomata Paulo Roberto de Almeida, com 42 anos de carreira, foi demitido, em março de 2019, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) e alocado na Divisão de Comunicações e Arquivo com funções burocráticas por críticas ao ex- Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em seu blog. Na semana passada, durante o debate semanal no Cineclube Macunaíma da ABI, Paulo Roberto lembrou que o ex-Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é filho de um ex-censor da ditadura, à época do governo Geisel, justificando seu comportamento. Foi também categórico ao afirmar que não podemos ficar esperando as eleições do próximo ano “de braços cruzados”, tendo pedido ao cineasta Sílvio Tendler, que participa do programa, para realizar um documentário que mostre as atividades da Semana de Arte Moderna, em 1922, e fale ainda do bicentenário da Independência, as duas datas que precisam ser comemoradas no próximo ano. Entre os livros publicados do diplomata estão Apogeu e demolição da política externa brasileira: reflexões de um diplomata não convencional (2020), Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (2020), além de diversos artigos. Ele também foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e, desde 2004, dá aulas de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Paulo Roberto é ainda editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, colabora com várias iniciativas no campo das humanidades e ciências sociais e participa de comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas. De agosto de 2016 a março de 2019, foi Diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores. Entrevistadores Duda Teixeira é editor de assuntos internacionais da revista Crusoé e trabalhou por 12 anos na Veja, passando pelas revistas Superinteressante, Saúde e Istoé Dinheiro. É autor dos livros O Calcanhar do Aquiles, Guia Secreto de Buenos Aires, 100 Dúvidas Universais e Almanaque do Pênis Brasileiro. Com Leandro Narloch, escreveu o Guia Politicamente Incorreto da América Latina. Diogo Schelp é colunista do UOL, da Gazeta do Povo e comentarista de política na Jovem Pan News. Foi editor executivo da VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Por14 anos, dedicou-se à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia em 20 países como endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia; o narcotráfico no México; a violência e a crise econômica na Venezuela; o genocídio em Darfur, no Sudão; o radicalismo islâmico na Tunísia; e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros Correspondente de Guerra com André Liohn e No Teto do Mundo com Rodrigo Raineri. Ricardo Carvalho é diretor da ABI, em São Paulo, e trabalhou na Folha de São Paulo, TV Globo e TV Cultura, onde foi diretor de Jornalismo. Há mais de 20 anos vem se dedicando ao estudo e pesquisas sobre Comunicação, Meio Ambiente e Sustentabilidade. A apresentadora Zezé Sack, da Comissão de Cultura da ABI, é jornalista e produtora cultural; trabalhou com Alberto Dines no Observatório da Imprensa e no programa Sem Censura da TVE.

Neste link:

terça-feira, 13 de abril de 2021

Cultura e diplomacia: os rumos da cultura em tempos incertos - Paulo Roberto de Almeida, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Ricardo Carvalho, Zeze Sack (ABI)

 Cultura e diplomacia: não sou o diplomata mais indicado para discorrer sobre o tema, pois temos grandes nomes nessa área, como o Edgard Telles Ribeiro – autor de vários romances e de um delicioso artigo na Piauí do mês de março, no qual ele conta como quase não escapou de ser comido pelos crocodilos –, o João Almino – acadêmico, autor de vários romances premiados –, o Alexandre Vidal Porto, o Ary Quintella, sem mencionar poetas de todas as escolas e estilos...


Não sei exatamente o que poderei dizer, mas como desconfio que haverá algumas perguntas sobre o Itamaraty atual, aproveito para avisar sobre meu último texto a este respeito, só para contestar a nossa EA, a Era dos Absurdos, sobre a qual escrevi isto: 

3889. “O balanço de uma gestão catastrófica: a Era dos Absurdos no Itamaraty”, Brasília, 11 abril 2021, 21 p. Confrontaão do “balanço” mentiroso oferecido pelo ex-chanceler acidental, no dia 10/04/2021, com exposição da verdade dos fatos e crítica da gestão desastrosa que se encerrou no dia 29 de março. Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46617441/3889_Balanco_de_uma_gestao_catastrofica_a_Era_dos_Absurdos_no_Itamaraty_2021_) e no blog Diplomatizzando (12/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/o-balanco-de-uma-gestao-catastrofica.html).


Alguns de meus livros sobre temas diplomáticos: 


46) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2020, 169 p.; ISBN: 978-65-00-19254-4)

42) O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2020; 225 p.; Edição Kindle, ASIN: B08B17X5C1; ISBN: 978-65-00-05968-7).

34) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (Brasília: Edição do autor, 2019, 184 p., ISBN: 978-65-901103-0-5; Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p., Coleção “Comunicação e Políticas Públicas vol. 42; ISBN: 978-85-8288-201-6 - livro impresso; ISBN: 978-85-8288-202-3 - livro eletrônico).

33) Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019, 247 p.; ISBN: 978-85-473-2798-9)

32) Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (3ª edição; Brasília: Funag, 2017; 2 volumes; 964 p.; ISBN: 978-85-7631-675-6).



domingo, 12 de maio de 2019

A Internacional olavista - Duda Teixeira (Crusoe)


A Internacional olavista
Como Olavo de Carvalho se encaixa no movimento global que tenta empurrar a direita para o populismo nacionalista
Marina Dias/Folhapress

Olavo de Carvalho cumprimenta Steve Bannon, em março, ao lado de Eduardo Bolsonaro 10.05.19

Crusoe, n. 54

O presidente Jair Bolsonaro recebeu das urnas um mandato para combater a corrupção e resolver o problema da segurança pública. O estado de devastação deixado pelos governos anteriores do PT, com seus gastos sem controle, também o levou a aceitar a prescrição de remédios ortodoxos, como as privatizações, a reforma da Previdência e a redução da máquina pública. No conjunto, esses pilares seriam mais do que suficientes para colocar o atual governo no campo da direita liberal, a exemplo de outros da região, como os da Argentina, do Chile e da Colômbia. A ideia era que o discurso mais conservador na área comportamental, muito utilizado durante a campanha eleitoral, fosse apenas moldura. Mas, pressionado pelo escritor Olavo de Carvalho, o presidente parece ter perdido o controle sobre a ala mais ideológica do seu governo.
Este grupo, que entrou em conflito aberto com os militares nas últimas semanas, é composto por dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos, o assessor especial do presidente para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o chanceler Ernesto Araújo. Ao emplacar diversas nomeações, a ala fincou raízes principalmente no Itamaraty e no Ministério da Educação. Seus integrantes destilam uma esperada ojeriza à esquerda, ao PT e ao suposto domínio marxista nas instituições brasileiras. Mas vão mais além ao incluir em suas reivindicações um fervor de natureza religiosa que tenta incluir a disputa política doméstica numa campanha mundial em prol de valores judaico-cristãos e ideais ultranacionalistas. No entendimento dos envolvidos, eles seriam os escolhidos para redimir o povo, que foi ludibriado e submetido pelas elites, pela imprensa, pelo sistema político e pelas organizações internacionais. É com essas bandeiras extras, de alcance menor na população, que a ala ideológica do governo brasileiro se incorpora à onda liderada pelo americano Steve Bannon, o ex-estrategista que trabalhou para Donald Trump durante sua campanha e depois, por oito meses, na Casa Branca.
Em janeiro de 2017, mês em que Trump tomou posse em Washington, Bannon e o advogado Mischael Modrikamen, fundador do Parti Populaire (Partido Popular) na Bélgica, registraram em Bruxelas a organização The Movement (O Movimento). O objetivo da dupla era apoiar grupos populistas e nacionalistas na Europa e no resto do planeta. São três os eixos principais do Movimento: mais soberania para as nações que fazem parte de mercados únicos, ênfase contra o radicalismo islâmico e uma política rígida de fronteiras. Em agosto desse mesmo ano, Bannon foi demitido por Trump. Depois de chorar e de implorar para manter o cargo, ele passou a se dedicar com mais fervor à sua causa nacionalista e populista. A América Latina, que de início mal aparecia em seu mapa, acabou virando uma das maiores surpresas.
Bolsonaro venceu as eleições de 2018 com quase 58 milhões de votos. Sua vitória fez com que os contatos que já estavam sendo feitos com Eduardo Bolsonaro se intensificassem em velocidade vertiginosa. “Durante a campanha de Jair Bolsonaro, Steve Bannon deu conselhos para equipe do brasileiro, da mesma forma como ele fez durante a campanha de Donald Trump”, disse a Crusoé Mischael Modrikamen, parceiro de Bannon. “O Movimento enxerga Bolsonaro como um líder populista chave e sua eleição como parte da insurreição populista que vimos no Brexit e na eleição de Trump”. Em janeiro de 2019, após a posse de Bolsonaro, Bannon visitou a casa de Olavo de Carvalho no estado americano da Virgínia. Os dois vivem a duas horas de distância. Conversaram sobre a situação do Brasil e ao que consideram ameaças ao Ocidente. No mês seguinte, Bannon nomeou o deputado Eduardo Bolsonaro para ser líder do Movimento na América do Sul. Na viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, em março, o primeiro evento da agenda foi um jantar na residência oficial do embaixador brasileiro em Washington, Sergio Amaral. Olavo de Carvalho e Steve Bannon estavam entre os convidados à mesa. “Olavo é um dos maiores intelectuais conservadores do mundo. O que ele prega é o que eu chamo de evangelho da verdade”, disse Bannon, em vídeo compartilhado nas redes sociais.
Afinados na ideologia, Olavo de Carvalho e Steve Bannon são personalidades com habilidades diferentes, mas complementares. “Minha impressão é a de que Olavo tem perfil mais intelectual, de professor, enquanto Bannon é, sobretudo, um operador político, um homem de ação”, diz o embaixador Rubens Ricupero. Há também uma distinção em relação aos interesses. Bannon olha muito mais para a Europa e para os Estados Unidos. Ele já afirmou que dedicaria 80% de seu tempo ao Velho Continente, que terá eleições para o Parlamento Europeu entre 23 e 26 de maio. Olavo de Carvalho, obviamente, tem os olhos voltados principalmente para o Brasil. “Ele tem a pretensão de promover uma revolução conservadora no país, que estaria dominado pelo marxismo cultural”, diz o especialista em relações internacionais Carlos Gustavo Poggio.
Nas batalhas retóricas dos últimos dias, o general Eduardo Villas Bôas, assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional que foi atacado por Olavo de Carvalho, chamou o escritor de “Trotski de direita” – uma comparação que, na verdade, se encaixaria muito mais ao figurino de Bannon do que ao do guru, cada vez mais identificado como o longa manus do plano mirabolante de Bannon na parte brasileira do Globo. “Bannon estaria muito mais próximo de Trotski, pois tem buscado mais ativamente a internacionalização de seu movimento através de uma espécie de revolução global permanente”, diz Poggio. “Olavo de Carvalho é apenas uma peça no xadrez do americano”. A  mais recente ofensiva do guru, que adora bater em Hamilton Mourão, teve como alvo o ministro da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto Santos Cruz. Sob a alçada do militar está a comunicação do Palácio do Planalto. Internamente, há quem veja nos ataques de Olavo de Carvalho um movimento orquestrado para que a ala mais ideológica do governo tome o controle não só da estrutura como da verba milionária da área. Vencer a resistência dos militares e passar a controlar o setor seria um atalho para amplificar, com dinheiro e organização, o ideário do grupo.
Para cumprir a missão que se atribuiu, o Movimento tem como proposta funcionar como um “clube”, abrigando sob o mesmo guarda-chuva líderes populistas para discutir e trabalhar juntos. “Os da esquerda e os globalistas já têm as suas plataformas: o Fórum de Davos, o Clube de Bildeberg, George Soros e sua Open Society Foundation e, em alguma medida, a União Europeia e as Nações Unidas”, diz Modrikamen. Mais do que promover reuniões, seus fundadores se propõem a prover estratégia de campanha, conexões e aconselhamento político para agremiações populistas nacionalistas dispostas a pagar pelos serviços. Para as eleições do Parlamento Europeu, o Movimento espera que esses partidos formem uma única bancada coesa dentro do Parlamento Europeu. “O grupo não seria chamado de Movimento, mas nós certamente o apoiaríamos”, diz o belga.
Com o objetivo de formar líderes populistas para o futuro, o Movimento iniciou na Itália outra empreitada. No Monastério de Trisulti, construído em 1204, Bannon pretende fundar a Academia do Ocidente Judaico-Cristão. Seria uma “escola de gladiadores para guerreiros culturais”, segundo seu coordenador, o inglês Benjamin Harnweel. O complexo histórico, que fica no alto de uma montanha, foi alugado por 100 mil euros por ano pela organização Dignitates Humanae Institute, de Harnweel. A localização, a duas horas de Roma, é simbólica. “Roma, além de Jerusalém e de Atenas, é o centro do Ocidente Judaico-Cristão”, diz Bannon. O primeiro curso piloto, que tem entre duas e quatro semanas de duração, está programado para este ano. As aulas devem incluir teologia, economia, história, filosofia e mídias digitais. Entre os professores, estaria Olavo de Carvalho. “Ele disse que seria uma honra juntar-se à universidade”, disse o americano ao jornal Financial Times. Para oferecer diplomas certificados de mestrado, Bannon está buscando uma parceria com uma universidade católica americana.
É na Itália que o Movimento mais tem obtido sucesso. Em agosto do ano passado, o vice-presidente e ministro do Interior, Matteo Salvini, assinou a entrada de seu partido, a Liga (ex-Liga Norte) no grupo de Bannon. A legenda está em franca ascensão. Das atuais seis cadeiras que ocupa no Parlamento Europeu, a Liga deve pular para 26. Outro partido de direita do país, a Fraternidade Italiana, de Georgia Meloni, também aderiu ao Movimento. Alinhado com Bannon, Salvini propôs a união de diversos partidos nacionalistas europeus em um único bloco no Parlamento Europeu, o Europa das Nações e Liberdade (ENF, na sigla em inglês). Entre os que já aderiram, está o francês Reunião Nacional, de Marine Le Pen. Juntos, os membros do ENF devem conseguir perto de 60 das 751 cadeiras do Parlamento em Bruxelas, cerca de 8% do total. Mas o Movimento também tem esbarrado em diversos obstáculos. No ano passado, o grupo divulgou que pretendia fazer uma convenção com vinte a trinta partidos populistas do mundo todo. O evento acabou adiado por falta de quórum.
“Esses partidos não precisam de Bannon para seguir adiante”, diz a socióloga Mabel Berezin, professora da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e estudiosa da política francesa e italiana. O Movimento não tem uma lista oficial de membros próprios, mas afirma ter feito acordos com três siglas. Além da Liga, de Salvini, e do Fraternidade Italiana, apenas um desconhecido partido de Montenegro, Movimento por Mudanças, integra a lista. “Bannon costuma exagerar a influência que de fato exerce na Europa. É certo que contatos ocorreram, mas ele não participa ativamente das campanhas. Bannon se comporta muito mais como um conselheiro informal”, diz o cientista político italiano Lorenzo Pregliasco, professor da Universidade de Bolonha e autor do livro O Fenômeno Salvini.
As especificidades da política europeia, bem mais heterogênea que a americana, também deve inviabilizar o crescimento do bloco de partidos nacionalistas, como gostaria o Movimento. Salvini e Le Pen, do ENF, têm tentado atrair o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, cujo partido, o Fidesz, pertence a outro bloco de direita, o Partido do Povo Europeu (EPP, na sigla em inglês). Orbán tem resistido a aceitar a proposta. Os poloneses do Partido Lei e Justiça também não pretendem se unir a Salvini e Le Pen. Isso porque ambos são próximos do russo Vladimir Putin, o que naturalmente causa desconfiança na Polônia. O Movimento 5 Estrelas, que governa a Itália em coalizão com a Liga de Salvini, também tem preferido ficar longe de Bannon e integrar outro bloco com o inglês Ukip. Os nacionalistas, ao final, deverão estar fragmentados em três blocos no Parlamento Europeu. A maior parte deles acha até contraditória a proposta de uma frente “internacional”. O fato de o Movimento ser liderado por um americano e ter a sede em Bruxelas, a cidade que é o símbolo da União Europeia, só piora as coisas.
A Academia do Ocidente Judaico-Cristão também se viu obrigada a redimensionar os seus planos. Para alugar o mosteiro, a organização ligada a Bannon alegou que tinha experiência na administração de museus, o que se provou falso. A Dignitates Humanae Institute não estava, ainda, legalmente registrada à época da negociação com o governo italiano — o que contraria a legislação. Moradores locais, anarquistas e ambientalistas têm protestado contra a chegada do Movimento. Eles alegam que Bannon, seus professores e alunos desvirtuariam o local, até então dedicado à paz e à contemplação. As finanças são outro buraco no caminho. O prefeito da vila medieval de Collepardo, aos pés da montanha, aplicou um imposto de 80 mil euros por ano aos novos locatários. Não há qualquer garantia de que conservadores do mundo inteiro se sentirão atraídos a estudar na Academia do Ocidente Judaico-Cristão, pagando entre 40 mil e 50 mil euros por curso. Bannon não convenceu outros patrocinadores a investir na instituição. Até agora, tudo tem saído do seu próprio bolso.
“Nossa perspectiva de crescimento é global”, diz o belga Modrikamen. “Vemos muito potencial em países como Japão, Israel, Paquistão, Estados Unidos e, claro, Brasil”, diz ele. O cumprimento desse objetivo, contudo, dependerá da habilidade de vencer barreiras. No Brasil, o papel de pedra no caminho tem sido desempenhado pelos militares, avessos à ideia de uma “internacional  nacionalista”. Daí os ataques constantes de Olavo de Carvalho aos integrantes das Forças Armadas que integram o governo. Em uma postagem no Facebook no dia 5 de maio, o general Paulo Chagas mandou um recado para a ala ideológica que se reúne em torno de Olavo de Carvalho. “Vejo o deslumbramento e o radicalismo da parte dos aliados que se julga a única representante e responsável por estes novos tempos que podemos vir a desfrutar. São, em sua maioria, pessoas bem intencionadas, mas que se tornaram pacientes de um processo de submissão passional e intelectual que as impede de entender a importância, a sensibilidade e a complexidade deste momento”, escreveu Chagas. “Que, pelo menos, nos motivemos para pensar sobre isto antes de pôr em risco a melhor oportunidade que já tivemos para alcançar o tal futuro que há tantas gerações estamos a perseguir’.