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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Mudar política ambiental pode tirar o Brasil do isolamento no exterior, diz Rubens Barbosa - Emilio Sant’Anna (Terra.com.br)

 Mudar política ambiental pode tirar o Brasil do isolamento no exterior, diz Rubens Barbosa


Instituto presidido pelo ex-embaixador em Washington e em Londres coordenou estudo da USP que analisou cumprimento de mais de 60 normas e 15 acordos ambientais assinados pelo País

Emilio Sant’Anna
Terra.com.br, 25 ago 2022 - 10h10

O ex-embaixador Rubens Barbosa afirma que o Brasil está "marginalizado", mas o isolamento no exterior pode ser revertido rapidamente, se houver medidas assertivas de política ambiental e de direitos humanos. "Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado", disse o diplomata em entrevista ao Estadão.

O Brasil é signatário dos principais tratados e normas internacionais, como o Acordo de Paris, mas a dúvida sobre o cumprimento deles surge diante do desmonte de órgãos de controle e aumento dos índices de desmatamento crescentes, alvo de questionamentos constantes do governo de Jair Bolsonaro.

Para começar a desfazer esse nó ambiental e de confiança, um estudo do grupo de pesquisa em Diplomacia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) completou uma análise de dois anos e meio em mais de 60 normas internacionais e 15 acordos ambientais. O objetivo foi avaliar o grau de cumprimento deles desde 1992. O trabalho foi coordenado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), presidido por Barbosa, com organização da professora da USP Wânia Duleba. Em formato de e-book, ele pode ser acessado gratuitamente no site interessenacional.com.br.

De maneira geral, o Brasil teve tempo para assimilar esses acordos e cumprir boa parte de suas obrigações. Nos últimos quatro anos, no entanto, a situação é mais preocupante. Mesmo após a reunião da cúpula do clima, em Glasgow, e dos compromissos assumidos pelo Brasil "não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso", diz Barbosa.

O estudo faz o diagnóstico e aponta soluções para um impasse que pode ser resolvido, afirma o diplomata. "Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa", diz.

"Tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 1980, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima. Só em 1992, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa."

O ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos e no Reino Unido destaca que a discussão sobre as políticas ambientais e a Amazônia precisam ser mais amplas e levar em consideração os riscos e prejuízos que não cumpri-las causa ao País.

Qual a imagem que o Brasil passa hoje para os outros países em relação à sua política ambiental e ao cumprimento dos acordos ambientais de que é signatário?
A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa. Nós tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 80, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima, só em 92, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa. O estudo mostra que, até 2018, o Brasil estava bem na fotografia. Agora, não. Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa. A recuperação disso, a restauração da credibilidade do Brasil vai passar em parte pelo cumprimento desses acordos, pelo pleno comprimento dos acordos, então o estudo vem nesse momento até para ajudar nisso. Esse trabalho foi feito por professores da USP, sem nenhuma conotação política ou ideológica, nada. É uma coisa objetiva.

No estudo, quando olhamos para, por exemplo, o Acordo de Paris, há ali uma preocupação clara de que as metas de redução de emissões para 2025 e para 2050 não sejam alcançadas se as políticas ambientais continuarem na mesma toada em que estão hoje.
É isso. Mostra os pontos em que o Brasil vai ter que melhorar. Até na Cop-26, o País avançou em metas concretas (de redução de emissões de gases do efeito estufa, por exemplo). Agora, não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso, porque 2025 é depois de amanhã. O que o Brasil está fazendo? Não há publicamente nenhuma indicação política do governo para chegar a essa meta que foi prometida.

Se para desmontar uma política ambiental parece ser muito rápido, remontar deve ser mais difícil? Quanto tempo será necessário para o Brasil voltar para os trilhos no que diz respeito à sua política ambiental?
Ela pode ser rapidamente reconstruída a partir de medidas muito simples. O problema é que existe hoje no exterior, em relação ao Brasil, a percepção de que o meio ambiente e a mudança de clima são temas globais, que o mundo se preocupa, e o Brasil se preocupa menos por uma série de ações que o governo tomou. Vou dar um exemplo concreto: o Fundo Amazônia foi suspenso no início do governo porque ele desmontou os órgãos de governança que acompanhavam o emprego dos recursos que vinham do exterior para o combate ao desmatamento. Se houver uma negociação com a Alemanha e com a Noruega, e na primeira semana do governo esses órgãos voltarem a funcionar imediatamente, os recursos, US$ 1 bilhão, que estão parados no BNDES, poderão ser utilizados. Então, o que eu estou querendo dizer é que a percepção externa poderá começar a mudar rapidamente por ações muito pontuais.

Outro exemplo: se o governo brasileiro, o novo governo, a partir de 1º de janeiro, definir como definiram os outros países, inclusive os Estados Unidos, que o meio ambiente está no centro da política externa brasileira, isso já é uma revolução no exterior. É uma volta gradual à credibilidade. Evidentemente que não adianta você só anunciar as medidas, o que vai fazer realmente mudar a percepção externa sobre o Brasil são os resultados.

Quer dizer, se você colocar o meio ambiente no centro da política externa, começar a corrigir algumas das políticas que foram adotadas, o número de queimadas, diminuir o número de corte de madeira, diminuir os atritos com os índios, você vai ter que ter uns seis meses, um ano, para que os resultados sejam efetivamente percebidos lá fora, mas você já vai mudar a maneira como os países vão encarar o Brasil. Hoje, o Brasil está marginalizado, está isolado no exterior. Isso muda rapidamente se houver uma mudança de política ambiental, de direitos humanos e de uma série de outros fatores.

E o desmonte dos órgãos de controle e combate ao desmatamento?
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), é só você montar novamente. Isso é fácil de montar porque tem muita gente que não está sendo aproveitada e que pode voltar para fiscalizar. Agora, os recursos para esses órgãos vão depender de o novo governo rearrumar o financiamento. Enfim, eu não estou pessimista, desde que haja uma vontade de mudar a política ambiental, de mudar a maneira como os problemas relacionados, sobretudo com a Amazônia, porque quando você fala hoje de problemas ambientais do Brasil é lá que está o foco dessa preocupação global.

O senhor está falando da percepção externa sobre o Brasil e sua política ambiental, mas lhe preocupa a percepção interna sobre isso ou de, pelo menos, uma parte da sociedade, como as Forças Armadas com a retomada do "integrar para não entregar"? Como deve ser o comportamento das Forças num futuro governo?
Elas sempre tiveram um papel muito importante na Amazônia, vão continuar a ter. É a instituição que está mais presente na região, tanto a Marinha, quanto a Aeronáutica e o Exército. Claramente essa política do GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem) não deu certo, eu não tenho detalhes, não sei por que não deu certo, mas não diminuíram as queimadas, não diminuíram o desmatamento da Amazônia. E acho que no futuro governo isso tem de merecer um tratamento especial. Por exemplo, há alguns anos atrás a gente não estaria discutindo a Amazônia. Ela se transformou num foco de preocupações políticas por várias razões. Por causa da política externa, do comércio exterior, dos direitos humanos, dos indígenas. É um problema complexo porque tem seus habitantes, 25 milhões de pessoas. E você tem uma coisa muito importante que foi deixada de lado, mas é muito importante, que é um sistema de proteção das fronteiras.

Veja esse caso que houve lá no Vale do Javari (as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips). É uma região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) e, aparentemente, não tem ninguém lá, todo mundo sabe que é uma área de contrabando de drogas. Então deve estar faltando alguma coisa ali para funcionar. Isso mostrou uma ausência do Estado importante. Se há uma inteligência que identifica ali uma região conturbada pelo contrabando de armas, de drogas, de madeira e de pescado, alguma coisa deveria ter sido feita. Não é uma questão ambiental, apenas. Quer dizer, não é uma coisa secreta, entendeu? É uma coisa que se faz ao ar livre. Isso se faz abertamente, o que mostra uma presença do Estado que tem de ser fortalecida. Para coibir os ilícitos na região, as Forças Armadas vão ter um papel importante, como sempre tiveram.

Esse é um assunto que resvala na questão financeira, com a repercussão que isso tudo tem, por exemplo, na OCDE de forma inédita, no acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O senhor acredita que a força do capital é suficiente para a mobilização dessas políticas ambientais?
Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado. Cada vez mais vão existir medidas que restrinjam as importações de produtos que saem de áreas que estão sendo desmatadas. Então, não adianta a gente ter uma retórica aqui no Brasil dizendo que isso é um problema de interesses externos para ocupar a Amazônia, ou que é um interesse protecionista para impedir produtos brasileiros. O Brasil só vai entrar na OCDE se cumprir o que ela prevê. A mesma coisa o acordo com a União Europeia. O exterior está dizendo, em outras palavras, vocês têm que cumprir a legislação interna de vocês pra aceitarmos vocês. Eles não estão exigindo nada mais. Estão querendo que a gente cumpra. Só isso.

Há um outro ponto no estudo que são os nossos problemas ambientais relacionados ao oceano. O senhor acha que isso passa despercebido frente ao tamanho dos outros problemas?
Foi no governo Michel Temer pela primeira vez que se criou uma política em relação à preservação dos oceanos. A extensão territorial do Brasil no mar é muito grande e aí entra a questão da pesca, da exploração de minérios no fundo dos oceanos. Tem um capítulo no livro que cuida da pesca, essa parte é a mais abandonada. É a parte com o maior número de itens marcados em vermelho, os compromissos que o Brasil assumiu de preservação de manguezais, a questão da pesca em geral, das espécies em extinção. Como eu disse, isso só entrou na percepção política agora, então é uma coisa que a gente vai ter de desenvolver também.

Nesses últimos anos vivemos uma espécie de negacionismo dos problemas ambientais. O senhor acredita que esse comportamento se aproxima do populismo político?
Entrou no contexto geral. O grupo do agro, que é muito importante também, em algumas áreas tem algumas resistências. A política reflete um pouco esses apoios que são recebidos. Não há dúvida que por uma série de razões, políticas, ou por algumas pessoas não acreditarem efetivamente na preservação, ou porque a Amazônia está muito distante e por acharem que existe uma espécie de indústria de multas, essas políticas foram abandonadas literalmente. Abandonadas no sentido de que as medidas de coerção para os ilícitos e as políticas de fiscalização e repressão com as multas foram abrandadas.

Como eu disse, essa questão não é só de meio ambiente é uma questão que abrange muitos aspectos. São aspectos financeiros, como o de mercado de carbono, aspectos de segurança nacional, da preservação do território, das fronteiras, a questão dos tratados. Temos um tratado de cooperação amazônica que a gente (o atual governo) não invoca porque faz parte a Venezuela. Quer dizer, a Amazônia não é apenas uma questão ambiental. Esse estudo lança essa visão de conjunto.

O senhor acredita que com esse caldo todo de problemas que estamos vivendo, e com o crescente aumento da pressão financeira e de conscientização da sociedade, neste ano de eleições a questão ambiental vai impor um espaço na agenda dos debates eleitorais?
Deveria. Eu já vi alguns pronunciamento de candidatos e essa questão é pouco mencionada. É um tema que alcança uma dimensão enorme que afeta o interesse do Brasil. Agora não é um tema central, como não é, por exemplo, a política externa, de defesa. Eu li hoje uma matéria que me mandaram sobre os Estados Unidos se recusarem a vender um míssil para o Brasil por causa da situação política interna aqui. Quer dizer, o Brasil não está isolado no mundo. Nós não podemos pensar que tudo se resolve aqui dentro. A influência do que ocorre lá fora impacta aqui dentro. Eu fiz um trabalho, e até publiquei no Estadão o artigo, sobre as vulnerabilidades do Brasil depois da pandemia e depois da guerra na Ucrânia. Quem discutia que o Brasil importa 85% dos fertilizantes, a dependência que nós temos de semicondutores, a questão do trigo? 60% do produto mais importante para a mesa do brasileiro vem do exterior, 80% vem de um único país. Quem discutia isso?

Nós não somos um país pequeno, de 5 milhões de habitantes. Somos um país continental de 213 milhões de habitantes. Quer dizer, você tem de ter um pensamento estratégico, um pensamento global. Você não pode ficar limitado a questões pontuais sem prever outras consequências. Por tudo isso que quando se discute a Amazônia de maneira mais ampla, e não apenas do ponto de vista do meio ambiente, é um problema muito complicado porque acaba afetando o Brasil inteiro.

https://www.terra.com.br/planeta/sustentabilidade/mudar-politica-ambiental-pode-tirar-o-brasil-do-isolamento-no-exterior-diz-rubens-barbosa,81c71416060179bef9d6c5adba3a1139ib8mdum3.html

sábado, 11 de setembro de 2021

Uma confusão vista de fora - Duda Teixeira (Crusoe)

Uma confusão vista de fora

Como governos estrangeiros e players que costumam orientar investimentos no país enxergam o caótico cenário brasileiro
Duda Teixeira | 10 de setembro de 2021

O presidente Jair Bolsonaro está prestes a ingressar em seu último ano de mandato quase que totalmente isolado do resto do mundo . Com a chance de se reeleger em 2022, ele tem sido cada vez mais ignorado por outros chefes de governo, que mencionam o seu nome e passam longe dos aeroportos brasileiros. Nos atos antidemocráticos do 7 de Setembro não foi diferente. A imprensa estrangeira deu pouco destaque aos protestos e nenhum político de peso levou a sério, ao menos publicamente, conforme declaração golpista do presidente. Para eles, mais vale acompanhar o desenrolar dos acontecimentos à distância e aguardar até que o Bolsonaro deixe o poder. Investidores estrangeiros, por sua vez, já não se animam tanto com uma recuperação da economia e já começaram a fazer as contas de olho no que virá depois.

Os danos à imagem externa do Brasil durante o governo de Bolsonaro têm ocorrido de maneira progressiva e já têm três momentos capitais até agora. O primeiro foi em 2019, ainda no primeiro ano de mandato, quando as queimadas na Amazônia e no Pantanal alcançaram números recordes. A destruição da floresta virou assunto em reunião do G7 e a chanceler alemã Angela Merkel foi flagrada dizendo que ligaria depois para o presidente. Dos Estados Unidos, Donald Trump telefonou para Bolsonaro e disse que seu país estava “pronto para ajudar”. O francês Emmanuel Macron quis conversar pessoalmente com o brasileiro em uma reunião do G20, em Osaka, para discutir a Amazônia. Ainda não há nenhuma esperança de envolver Brasília em questões globais. O Brasil era chamado para ajudar em crises regionais, como a Venezuela, e integrantes do governo eram convocados para reuniões na Casa Branca.

O segundo momento em que a imagem do país foi arranhada se deu em maio do ano passado. Com o número de mortes diárias por Covid ultrapassando o dos Estados Unidos, o Brasil apareceu em manchetes do mundo todo. O país ganhou, assim, o título de “epicentro da pandemia”. Como todos os governantes estavam preocupados com seus problemas próprios, as críticas à forma como Bolsonaro lidou com a Covid partiram principalmente dos brasileiros. O terceiro grande momento aflorou agora, com o presidente incitando uma ruptura democrática. Mas,  diferente dos dois anteriores, ele foi ignorado. Diplomatas de países que antes eram considerados aliados do governo brasileiro foram convidados a participar dos atos de 7 de Setembro, mas preferiram ficar em casa. Sem poder contar com Donald Trump, dos Estados Unidos, e Benjamin Netanyahu, de Israel, o Brasil ficou sozinho.

Ao calcular como devem lidar com um presidente em confronto direto com o Judiciário e a imprensa, os mandatários estrangeiros têm optado pelo menor vínculo possível. A falta de iniciativas na política externa, com um governo atolado na crise doméstica, contribui para que os contatos sejam ainda menos frequentes. O Brasil foi escanteado, por exemplo, das negociações entre a ditadura venezuelana e a oposição, e tem recebido atenção ínfima do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Desde que Biden tomou posse, em janeiro, notas e os comunicados do Departamento de Estado americano sobre o Brasil evitam menções ao presidente ou ao seu governo. Ao mesmo tempo, mensagens enfatizam que os americanos valorizam a democracia, o que é uma forma de dizer que não apoiam uma ruptura da ordem. Em resposta enviada a Crusoé sobre se o Brasil seria convidado para a Cúpula pela Democracia, em dezembro, o Departamento de Estado deixou a questão no ar, e afirmou que os EUA pedem que os países “mostrem compromissos que promovam a democracia, combatam a corrupção e incentivo o respeito pelos direitos humanos”. No 7 de Setembro, outra nota defendeu a liberdade para reunir e protestar pacificamente, mas afirmava que, “como fazemos com todas as democracias, esperamos que o governo brasileiro e as instituições respeitem totalmente suas leis”.

Com quase três anos do mandato de Bolsonaro, os líderes mundiais já não acreditam que seja possível convencer o presidente brasileiro de alguma coisa - e não consideram que valha a pena citá-lo. “O presidente brasileiro segue o mesmo roteiro dos populistas de direita com inclinações e ambições autoritárias. Ele sabe que o meio que tem de conseguir seguidores e retê-los é polarizando o país, espalhando o medo e mobilizando uma base própria ”, diz o sociólogo americano Larry Diamond, professor da Universidade Stanford e especialista em democracia. Mas a atenção limitada que o resto do mundo está dando ao Brasil também tem outro motivo. Ainda que as declarações do presidente assustem, acadêmicos e analistas entendem que as instituições nacionais estão em condições de resistência. “No geral, há uma expectativa de que as instituições irão prevalecer no Brasil, que tem muita força em sua sociedade civil, no Judiciário e na imprensa independente ”, diz Diamond.

Essa visão é compartilhada pelo instituto sueco V-Dem, que monitora o estado da democracia em vários países. Nos últimos seis anos, o V-Dem incluiu o Brasil no grupo com democracias em declínio, ao lado de Hungria, Tailândia, Bolívia, Venezuela, Bielo-Rússia e Polônia. Mas, em comparação, o Brasil se sai melhor em alguns pontos importantes. “Notamos que a capacidade de o Legislativo brasileiro conter o Executivo diminuiu um pouco. Mas o Brasil segue com um Judiciário forte e, principalmente, com uma nota muito boa no seu sistema eleitoral. Com essas qualidades ainda presentes, o risco para a democracia brasileira é baixo”, diz a pesquisadora Yuko Sato. “Se as alterações ocorrerem normalmente em 2022 e o poder passar para o vencedor do pleito, como é esperado, todos ficarão bem menos preocupados com o Brasil”.

Em relatório para clientes de dentro e fora do Brasil, a consultoria Eurasia disse que existem poucos perigos para a eleição do ano que vem. Para os analistas, o resultado da próxima eleição presidencial será respeitado pelo Congresso, pelos tribunais, pela imprensa e pelos militares, independentemente de quem for o vencedor. “Quando os clientes nos perguntam sobre a possibilidade de uma ruptura democrática, nós respondemos que os índices são baixos. Os atritos recentes ocorrem justamente porque as instituições brasileiras estão resistindo. Os freios e contrapesos estão funcionando. Além disso, Jair Bolsonaro não tem apoio popular suficiente para fazer uma grande mudança”, diz Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria.

O problema é que a crise política contaminou o setor econômico. Investidores que estavam pensando em uma possível retomada, com o fim da pandemia no ano que vem, estão reticentes. “Até a eleição de 2022, tudo indica que teremos Bolsonaro encurralado, brigando com as instituições e aumento a polarização. Esse conflito tem alimentado muitas incertezas, como a situação fiscal do país, o pagamento de 00precatórios, a inflação elevada e a crise hídrica. Há um pessimismo grande com a economia brasileira atualmente, e isso não vai se dissipar tão cedo”, diz Garman.

A partir de 2023, o consultor afirma que o próximo presidente terá de governar em um ambiente difícil. A situação fiscal não possibilita muita folga para gastos, em um momento em que a população, principalmente a classe média, pode externar inquietações represadas durante uma pandemia. Além disso, o descontentamento com as instituições, o sentimento que origina a eleger Bolsonaro e que depois foi estimulado por ele, seguirá em alta em grande parte da população. “A principal missão do presidente, a partir de 2023, será devolver a legitimidade às instituições democráticas brasileiras”, afirma o diretor-executivo da Eurasia. Será difícil para o país vencer, tão cedo, uma condição de pária internacional.

https://crusoe.com.br/edicoes/176/a-confusao-vista-de-fora

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Duas tragédias da pandemia: Brasil e Índia - Jamil Chade (UOL) e Paulo Roberto de Almeida

 Por mais triste que tenha sido a trajetória da Covid-19 no Brasil, sob o desgoverno inepto do capitão incompetente — que provocou muito mais mortes do que ocorreria “naturalmente” —, ela não é nada comparada ao que ainda vai ocorrer na triste e catastrófica experiência da Índia: haverá mortes às centenas de milhares, infelizmente, e isso vai perturbar o fornecimento de vacinas e insumos para o resto mundo, para o Brasil inclusive. Ou seja, uma tragédia magnificada!

Paulo Roberto de Almeida 


Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia

Jamil Chade
Colunista do UOL
26/04/2021 04h00

Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia
APRIL 26, 2021
A comunidade internacional se mobiliza para ajudar a Índia a superar seu pior momento da pandemia da covid-19, com a organização do envio de oxigênio, equipamentos, máscaras e até insumos para vacinas. A resposta global se contrasta com a reação tímida que ocorreu no momento em que o Brasil vivia, há poucas semanas, o que a OMS chegou a chamar de "inferno".

No domingo, a Índia voltou a registrar mais de 340 mil novos casos da doença, com 2,8 mil mortes. Hospitais lotados e escassez de produtos, porém, são sinais de que a crise pode se aprofundar ainda mais.

No final da semana passada, o chanceler indiano, S. Jaishankar, fez um apelo por ajuda internacional e promoveu um encontro virtual com governos da Alemanha, EUA e UE. Poucas horas depois, tanques de oxigênio estavam sendo enviados pelo governo de Cingapura. Na Arábia Saudita, sinais de que uma ajuda seria organizada também foram dados.

Um gesto similar ainda foi anunciado por parte dos Emirados Árabes Unidos, além da UE e Rússia. Mesmo entidades da sociedade civil no Paquistão também ofereceram ajuda. Mesmo o governo rival do Paquistão fez questão de "expressar solidariedade" com os indianos.

Nos EUA, a Casa Branca anunciou no final de semana que iria providenciar insumos para a produção de vacinas, assim como testes e respiradores. "Os EUA estão trabalhando 24 horas por dia para enviar os recursos disponíveis", disse uma porta-voz do governo americano.

Um gesto positivo também foi feito no fim de semana por Anthony Fauci, líder da resposta americana à pandemia, que indicou que Washington ajudará os indianos a aumentar sua produção local de vacinas.

Já o Reino Unido seguiu o exemplo de outros governos prometendo o envio de oxigênio. O primeiro-ministro, Boris Johnson, afirmou que seu país estaria "ao lado da índia como amigo e parceiro".

Parte da preocupação da comunidade internacional é de que, fora de controle, a pandemia na Índia possa gerar novas mutações do vírus, ameaçando uma vez mais o restante dos países.

Mas o mundo também contava com a Índia para ser a maior fornecedora de vacinas. Com a crise atingindo novos patamares no país, o governo local tem sido obrigado a proibir as exportações de doses para poder atender sua própria população. Em janeiro, antes da nova onda de infecções, o primeiro-ministro Narendra Modi usou um discurso no Fórum Econômico Mundial para garantir ao mundo que seu país abasteceria a todos com vacinas.

"O mundo precisa apoiar a Índia, da mesma forma que a Índia ajuda o mundo", declarou o chanceler do país nas redes sociais.

Bolsonaro e Itamaraty tiveram dificuldades para obter apoio
A mobilização, porém, se contrasta com a resposta global que o governo brasileiro recebeu de parceiros internacionais quando saiu pelo mundo para pedir socorro. Ainda no início do ano e no pior momento da pandemia em Manaus, o então chanceler Ernesto Araújo não conseguiu que seu maior aliado - Donald Trump - enviasse oxigênio para a cidade. A ajuda acabou vindo de Nicolas Maduro, que nunca foi agradecido pelo governo.

Recursos também chegaram de ongs estrangeiras, assim como do governo da Espanha. Madri anunciou na semana passada a doação de medicamentos do kit intubação, usado no tratamento de pacientes graves internados com covid-19.

Em abril de 2020, enquanto a OMS lançava um mecanismo global para distribuir vacinas aos países em desenvolvimento, Araújo evitou fazer parte e, no primeiro encontro da iniciativa, o governo brasileiro sequer estava presente. Semanas depois, sob pressão, o Itamaraty decidiu aderir ao projeto.

Para negociadores, porém, a falta de uma resposta internacional mais sólida ao Brasil é resultado de dois anos de uma política externa do governo Bolsonaro que ofendeu líderes estrangeiros, rompeu relações com tradicionais parceiros e transformou a diplomacia em um braço da ofensiva ideológica da extrema-direita.

Durante os primeiros meses da pandemia, o governo brasileiro ainda criticou a direção da OMS, não compareceu a reuniões com a China e atacou propostas da Índia

Nas últimas semanas, governadores e senadores fizeram apelos para que entidades internacionais e parceiros ampliassem a ajuda ao Brasil.

Com a OMS, a esperança é de que a entidade consiga enviar 4 milhões de doses de vacinas até o final de abril. O volume, porém, se refere a uma entrega que já estava prevista. Mas que, diante da escassez do produto, havia sido colocada em questão. Para maio, serão mais 4 milhões de doses, também dentro do cronograma.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/26/timida-com-brasil-comunidade-internacional-se-mobiliza-para-socorrer-india.htm