A Internacional olavista
Como Olavo de Carvalho se encaixa no movimento global
que tenta empurrar a direita para o populismo nacionalista
Marina
Dias/Folhapress
Olavo de Carvalho cumprimenta Steve Bannon, em março,
ao lado de Eduardo Bolsonaro 10.05.19
Crusoe, n. 54
O presidente Jair Bolsonaro recebeu das
urnas um mandato para combater a corrupção e resolver o problema da segurança
pública. O estado de devastação deixado pelos governos anteriores do PT, com
seus gastos sem controle, também o levou a aceitar a prescrição de remédios
ortodoxos, como as privatizações, a reforma da Previdência e a redução da
máquina pública. No conjunto, esses pilares seriam mais do que suficientes para
colocar o atual governo no campo da direita liberal, a exemplo de outros da
região, como os da Argentina, do Chile e da Colômbia. A ideia era que o
discurso mais conservador na área comportamental, muito utilizado durante a
campanha eleitoral, fosse apenas moldura. Mas, pressionado pelo escritor
Olavo de Carvalho, o presidente parece ter perdido o controle sobre a ala mais
ideológica do seu governo.
Este grupo, que entrou em conflito
aberto com os militares nas últimas semanas, é composto por dois filhos do
presidente, Eduardo e Carlos, o assessor especial do presidente para assuntos
internacionais, Filipe Martins, e o chanceler Ernesto Araújo. Ao emplacar
diversas nomeações, a ala fincou raízes principalmente no Itamaraty e no
Ministério da Educação. Seus integrantes destilam uma esperada ojeriza à
esquerda, ao PT e ao suposto domínio marxista nas instituições brasileiras. Mas
vão mais além ao incluir em suas reivindicações um fervor de natureza religiosa
que tenta incluir a disputa política doméstica numa campanha mundial em prol de
valores judaico-cristãos e ideais ultranacionalistas. No entendimento dos
envolvidos, eles seriam os escolhidos para redimir o povo, que foi ludibriado e
submetido pelas elites, pela imprensa, pelo sistema político e pelas
organizações internacionais. É com essas bandeiras extras, de alcance menor na
população, que a ala ideológica do governo brasileiro se incorpora à onda
liderada pelo americano Steve Bannon, o ex-estrategista que trabalhou para
Donald Trump durante sua campanha e depois, por oito meses, na Casa Branca.
Em janeiro de 2017, mês em que Trump
tomou posse em Washington, Bannon e o advogado Mischael Modrikamen, fundador do
Parti Populaire (Partido Popular) na Bélgica, registraram em Bruxelas a
organização The Movement (O Movimento). O objetivo da dupla era apoiar grupos
populistas e nacionalistas na Europa e no resto do planeta. São três os eixos
principais do Movimento: mais soberania para as nações que fazem parte de
mercados únicos, ênfase contra o radicalismo islâmico e uma política rígida de
fronteiras. Em agosto desse mesmo ano, Bannon foi demitido por Trump. Depois de
chorar e de implorar para manter o cargo, ele passou a se dedicar com mais
fervor à sua causa nacionalista e populista. A América Latina, que de início
mal aparecia em seu mapa, acabou virando uma das maiores surpresas.
Bolsonaro venceu as eleições de 2018 com
quase 58 milhões de votos. Sua vitória fez com que os contatos que já estavam
sendo feitos com Eduardo Bolsonaro se intensificassem em velocidade
vertiginosa. “Durante a campanha de Jair Bolsonaro, Steve Bannon deu conselhos
para equipe do brasileiro, da mesma forma como ele fez durante a campanha de
Donald Trump”, disse a Crusoé Mischael Modrikamen, parceiro de
Bannon. “O Movimento enxerga Bolsonaro como um líder populista chave e sua
eleição como parte da insurreição populista que vimos no Brexit e na eleição de
Trump”. Em janeiro de 2019, após a posse de Bolsonaro, Bannon visitou a casa de
Olavo de Carvalho no estado americano da Virgínia. Os dois vivem a duas horas
de distância. Conversaram sobre a situação do Brasil e ao que consideram
ameaças ao Ocidente. No mês seguinte, Bannon nomeou o deputado Eduardo
Bolsonaro para ser líder do Movimento na América do Sul. Na viagem de Jair
Bolsonaro aos Estados Unidos, em março, o primeiro evento da agenda foi um
jantar na residência oficial do embaixador brasileiro em Washington, Sergio
Amaral. Olavo de Carvalho e Steve Bannon estavam entre os convidados à mesa.
“Olavo é um dos maiores intelectuais conservadores do mundo. O que ele prega é
o que eu chamo de evangelho da verdade”, disse Bannon, em vídeo compartilhado
nas redes sociais.
Afinados na ideologia, Olavo de Carvalho
e Steve Bannon são personalidades com habilidades diferentes, mas
complementares. “Minha impressão é a de que Olavo tem perfil mais intelectual,
de professor, enquanto Bannon é, sobretudo, um operador político, um homem de
ação”, diz o embaixador Rubens Ricupero. Há também uma distinção em relação aos
interesses. Bannon olha muito mais para a Europa e para os Estados Unidos. Ele
já afirmou que dedicaria 80% de seu tempo ao Velho Continente, que terá
eleições para o Parlamento Europeu entre 23 e 26 de maio. Olavo de Carvalho,
obviamente, tem os olhos voltados principalmente para o Brasil. “Ele tem a
pretensão de promover uma revolução conservadora no país, que estaria dominado
pelo marxismo cultural”, diz o especialista em relações internacionais Carlos
Gustavo Poggio.
Nas batalhas retóricas dos últimos dias,
o general Eduardo Villas Bôas, assessor especial do Gabinete de Segurança
Institucional que foi atacado por Olavo de Carvalho, chamou o escritor de
“Trotski de direita” – uma comparação que, na verdade, se encaixaria muito mais
ao figurino de Bannon do que ao do guru, cada vez mais identificado como o
longa manus do plano mirabolante de Bannon na parte brasileira do Globo.
“Bannon estaria muito mais próximo de Trotski, pois tem buscado mais ativamente
a internacionalização de seu movimento através de uma espécie de revolução
global permanente”, diz Poggio. “Olavo de Carvalho é apenas uma peça no xadrez
do americano”. A mais recente ofensiva do guru, que adora bater em
Hamilton Mourão, teve como alvo o ministro da Secretaria de Governo, o general
Carlos Alberto Santos Cruz. Sob a alçada do militar está a comunicação do
Palácio do Planalto. Internamente, há quem veja nos ataques de Olavo de
Carvalho um movimento orquestrado para que a ala mais ideológica do governo tome
o controle não só da estrutura como da verba milionária da área. Vencer a
resistência dos militares e passar a controlar o setor seria um atalho para
amplificar, com dinheiro e organização, o ideário do grupo.
Para cumprir a missão que se atribuiu, o
Movimento tem como proposta funcionar como um “clube”, abrigando sob o mesmo
guarda-chuva líderes populistas para discutir e trabalhar juntos. “Os da
esquerda e os globalistas já têm as suas plataformas: o Fórum de Davos, o Clube
de Bildeberg, George Soros e sua Open Society Foundation e, em alguma medida, a
União Europeia e as Nações Unidas”, diz Modrikamen. Mais do que promover
reuniões, seus fundadores se propõem a prover estratégia de campanha, conexões
e aconselhamento político para agremiações populistas nacionalistas dispostas a
pagar pelos serviços. Para as eleições do Parlamento Europeu, o Movimento
espera que esses partidos formem uma única bancada coesa dentro do Parlamento
Europeu. “O grupo não seria chamado de Movimento, mas nós certamente o apoiaríamos”,
diz o belga.
Com o objetivo de formar líderes
populistas para o futuro, o Movimento iniciou na Itália outra empreitada. No
Monastério de Trisulti, construído em 1204, Bannon pretende fundar a Academia
do Ocidente Judaico-Cristão. Seria uma “escola de gladiadores para guerreiros
culturais”, segundo seu coordenador, o inglês Benjamin Harnweel. O complexo
histórico, que fica no alto de uma montanha, foi alugado por 100 mil euros por
ano pela organização Dignitates Humanae Institute, de Harnweel. A localização,
a duas horas de Roma, é simbólica. “Roma, além de Jerusalém e de Atenas, é o
centro do Ocidente Judaico-Cristão”, diz Bannon. O primeiro curso piloto, que
tem entre duas e quatro semanas de duração, está programado para este ano. As
aulas devem incluir teologia, economia, história, filosofia e mídias digitais.
Entre os professores, estaria Olavo de Carvalho. “Ele disse que seria uma honra
juntar-se à universidade”, disse o americano ao jornal Financial Times.
Para oferecer diplomas certificados de mestrado, Bannon está buscando uma
parceria com uma universidade católica americana.
É na Itália que o Movimento mais tem
obtido sucesso. Em agosto do ano passado, o vice-presidente e ministro do
Interior, Matteo Salvini, assinou a entrada de seu partido, a Liga (ex-Liga
Norte) no grupo de Bannon. A legenda está em franca ascensão. Das atuais seis
cadeiras que ocupa no Parlamento Europeu, a Liga deve pular para 26. Outro
partido de direita do país, a Fraternidade Italiana, de Georgia Meloni, também
aderiu ao Movimento. Alinhado com Bannon, Salvini propôs a união de diversos
partidos nacionalistas europeus em um único bloco no Parlamento Europeu, o
Europa das Nações e Liberdade (ENF, na sigla em inglês). Entre os que já
aderiram, está o francês Reunião Nacional, de Marine Le Pen. Juntos, os membros
do ENF devem conseguir perto de 60 das 751 cadeiras do Parlamento em Bruxelas,
cerca de 8% do total. Mas o Movimento também tem esbarrado em diversos
obstáculos. No ano passado, o grupo divulgou que pretendia fazer uma convenção
com vinte a trinta partidos populistas do mundo todo. O evento acabou adiado
por falta de quórum.
“Esses partidos não precisam de Bannon
para seguir adiante”, diz a socióloga Mabel Berezin, professora da Universidade
Cornell, nos Estados Unidos, e estudiosa da política francesa e italiana. O
Movimento não tem uma lista oficial de membros próprios, mas afirma ter feito
acordos com três siglas. Além da Liga, de Salvini, e do Fraternidade Italiana,
apenas um desconhecido partido de Montenegro, Movimento por Mudanças, integra a
lista. “Bannon costuma exagerar a influência que de fato exerce na Europa. É
certo que contatos ocorreram, mas ele não participa ativamente das campanhas.
Bannon se comporta muito mais como um conselheiro informal”, diz o cientista
político italiano Lorenzo Pregliasco, professor da Universidade de Bolonha e
autor do livro O Fenômeno Salvini.
As especificidades da política europeia,
bem mais heterogênea que a americana, também deve inviabilizar o crescimento do
bloco de partidos nacionalistas, como gostaria o Movimento. Salvini e Le Pen,
do ENF, têm tentado atrair o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, cujo
partido, o Fidesz, pertence a outro bloco de direita, o Partido do Povo Europeu
(EPP, na sigla em inglês). Orbán tem resistido a aceitar a proposta. Os
poloneses do Partido Lei e Justiça também não pretendem se unir a Salvini e Le
Pen. Isso porque ambos são próximos do russo Vladimir Putin, o que naturalmente
causa desconfiança na Polônia. O Movimento 5 Estrelas, que governa a Itália em
coalizão com a Liga de Salvini, também tem preferido ficar longe de Bannon e
integrar outro bloco com o inglês Ukip. Os nacionalistas, ao final, deverão
estar fragmentados em três blocos no Parlamento Europeu. A maior parte deles
acha até contraditória a proposta de uma frente “internacional”. O fato de o
Movimento ser liderado por um americano e ter a sede em Bruxelas, a cidade que
é o símbolo da União Europeia, só piora as coisas.
A Academia do Ocidente Judaico-Cristão
também se viu obrigada a redimensionar os seus planos. Para alugar o mosteiro,
a organização ligada a Bannon alegou que tinha experiência na administração de
museus, o que se provou falso. A Dignitates Humanae Institute não estava,
ainda, legalmente registrada à época da negociação com o governo italiano — o
que contraria a legislação. Moradores locais, anarquistas e ambientalistas têm
protestado contra a chegada do Movimento. Eles alegam que Bannon, seus
professores e alunos desvirtuariam o local, até então dedicado à paz e à contemplação.
As finanças são outro buraco no caminho. O prefeito da vila medieval de
Collepardo, aos pés da montanha, aplicou um imposto de 80 mil euros por ano aos
novos locatários. Não há qualquer garantia de que conservadores do mundo
inteiro se sentirão atraídos a estudar na Academia do Ocidente Judaico-Cristão,
pagando entre 40 mil e 50 mil euros por curso. Bannon não convenceu outros
patrocinadores a investir na instituição. Até agora, tudo tem saído do seu
próprio bolso.
“Nossa perspectiva de crescimento é
global”, diz o belga Modrikamen. “Vemos muito potencial em países como Japão,
Israel, Paquistão, Estados Unidos e, claro, Brasil”, diz ele. O cumprimento
desse objetivo, contudo, dependerá da habilidade de vencer barreiras. No
Brasil, o papel de pedra no caminho tem sido desempenhado pelos militares,
avessos à ideia de uma “internacional nacionalista”. Daí os ataques
constantes de Olavo de Carvalho aos integrantes das Forças Armadas que integram
o governo. Em uma postagem no Facebook no dia 5 de maio, o general Paulo Chagas
mandou um recado para a ala ideológica que se reúne em torno de Olavo de
Carvalho. “Vejo o deslumbramento e o radicalismo da parte dos aliados que se
julga a única representante e responsável por estes novos tempos que podemos
vir a desfrutar. São, em sua maioria, pessoas bem intencionadas, mas que se
tornaram pacientes de um processo de submissão passional e intelectual que as
impede de entender a importância, a sensibilidade e a complexidade deste
momento”, escreveu Chagas. “Que, pelo menos, nos motivemos para pensar sobre
isto antes de pôr em risco a melhor oportunidade que já tivemos para alcançar o
tal futuro que há tantas gerações estamos a perseguir’.
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