Crônica de um novo limbo? De volta ao deserto na
diplomacia
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: exposição recapitulativa; finalidade: informação pública]
Estou iniciando uma
nova travessia do deserto, que não sei quanto tempo vai durar, como tampouco
sabia, na primeira oportunidade, quanto enfrentei a minha primeira travessia do
deserto no Itamaraty, em 2003, ao início do regime lulopetista no Brasil. No
início daquele ano, convidado que fui para dirigir o curso de Mestrado em
Diplomacia do Instituto Rio Branco (do qual já era professor orientador desde
seu começo, em 2001), tive meu nome vetado pela direção do Itamaraty (SG e
chanceler), mas não desconfiava que meu exílio interior demoraria TODO o regime
lulopetista.
Pois é, de 2003 ao
impeachment de Madame Pasadena, em meados de 2016, eu NUNCA tive qualquer cargo
na Secretaria de Estado: trabalhei em outras áreas, fiz um serviço provisório
na China, tirei licença para dar aulas na Sorbonne, e finalmente aceitei um
cargo secundário num pequeno consulado nos EUA, apenas para voltar ao mesmo
limbo ao final de 2015.
Finalmente, depois
que se iniciou o impeachment da desastrosa presidente que nos levou ao que já
chamei de Grande Destruição lulopetista da economia, foi sinalizada minha
reincorporação ao serviço ativo na diplomacia, o que se confirmou em agosto de
2016, ao ter sido oficialmente designado diretor do IPRI, órgão subsidiário da
Fundação Alexandre de Gusmão, e que combinava basicamente com meus pendores
acadêmicos e anarquistas. Foi bom enquanto durou, de agosto de 2016 ao Carnaval
(4 de março mais exatamente) de 2019, quando fui exonerado por um pequeno
chanceler autoritário.
Nunca me intimidei
com exercícios de arbítrio e de autoritarismo, e nunca recuei na defesa de
certas ideias, mesmo contrariando e me contrapondo à instituição à qual
pertenço de desde 1977 (por concurso direto).
Durante os treze anos
e meio de minha travessia do deserto sob o lulopetismo, um exílio involuntário
da diplomacia, o dobro do tempo de meu exílio voluntário sob a ditadura durante
o regime militar, eu nunca deixei de trabalhar, nos meus temas profissionais e
intelectuais, escrevendo vários livros e muitos artigos, a maior parte dos
quais redigidos na Biblioteca do Itamaraty, meu habitat natural e onde fiz o
meu "escritório" de trabalho.
Não sei quanto tempo
vai durar o meu novo exílio diplomático, uma travessia do deserto que pode
durar todo mandado (espero que único) do bolsonarismo, dominado, ao que parece,
por uma banda louca de olavistas fanáticos e fundamentalistas de direita, que
não cesso de denunciar.
Durante aquele
primeiro exílio diplomático, comparei minha situação à dos
"atingidos" – na literatura teológica do cristianismo – pelo chamado
limbo, que depois foi eliminado, como locus da cartografia do Vaticano, em
algum momento dos anos 1990 ou 2000. Gosto da designação de "limbo",
que é uma espécie de "u-topia", cuja etiologia quer dizer "lugar
nenhum". Por isso dou início, agora a uma nova série de "crônicas do
limbo", remetendo, em primeiro lugar, a um texto que redigi ao final
daquela travessia do deserto de 13,5 anos sob o lulopetismo. Ele foi escrito
entre o início e a conclusão do processo de impeachment, daí o título
interrogativo, ou dubitativo, pois outro poderia ter sido o resultado do
processo, para o qual, aliás, se esforçaram não só os militantes do
lulopetismo, mas alguns membros da própria Suprema Corte, que atuaram de forma
inconstitucional para tentar salvar a desastrosa presidente.
Estou postando
novamente esse texto, como abaixo, antes de dar continuidade às minhas novas
"Crônicas do Limbo". Aguardem...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de maio de 2019
131 anos desde a Abolição da Escravidão no Brasil
Crônica
final de um limbo imaginário?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de julho de 2016
O que é o limbo? Limbo, segundo os dicionários, representa,
na teologia cristã, uma região entre a terra e o inferno, um refúgio para as
almas dos homens bons, que viveram antes da chegada de Cristo, ao qual também
estavam destinadas as almas das crianças não batizadas.
Num sentido civil, pode aproximar-se de uma espécie de
prisão, ou confinamento. No sentido mais comum do termo, seria um lugar ou a
condição de negligência, ou de esquecimento, aos quais seriam relegadas coisas
ou pessoas não desejadas.
Enfim, estas são as definições que retirei do Webster's New Universal Unabridged
Dictionary (2nd edition; New York: Simon and Schuster, 1979): podem
conferir na p. 1.049.
Entretanto, parece que a própria teologia cristã abandonou
esse conceito, que deve ter sido inventado em algum momento especialmente
inovador do cristianismo primitivo, para dar conta daquelas situações ambíguas,
nas quais o sujeito, ou a criança, nem merecia o fogo do inferno, nem estava
habilitada a gozar das delícias do paraíso. Não sei sob qual papa foi adotada
essa supressão totalmente inconveniente, pois eu teria vontade de protestar,
mesmo a posteriori. Não se faz isso com cidadãos desajustados, filósofos
heterodoxos, almas inquietas, contestadores profissionais, como podem ser os
anarco-libertários como eu.
Mas, se os teólogos acabaram com o limbo, para onde irão as
almas nem tão penadas assim, nem tampouco virtuosas, que ficam sem escolha (ou
sem destino) entre o inferno e o paraíso? Situação complicada para seres
controversos, como este que aqui escreve, nem tão corporativo para merecer a
confiança de colegas de guilda, nem tão contestador para merecer degredo ou
banimento. Não se pode planar eternamente na estratosfera, inclusive porque ela
é rarefeita (e não tem canal de notícias nem internet, para nada dizer de uma grande
biblioteca e de uma boa ducha, sem esquecer café expresso).
Pois bem. Creio que estou chegando ao final de meu limbo
institucional, ou seja, uma longa travessia do deserto no qual estive, não
necessariamente em prisão fechada, mas numa espécie de confinamento, do mesmo
tipo daquele que se reserva a pessoas que atuam, pensam ou reagem de maneira
diferente, razão pela qual elas devem ser encaminhadas ao deserto (mas também pode
ser uma espécie de cerrado, mato agreste, ou qualquer outra situação denotando
uma condição áspera, difícil, de isolamento ou de dificuldade, enfim, ostracismo
total). Não foi de todo mau: pelo menos não me colocaram tornozeleira
eletrônica, o que por sinal me habilitou a andar por aí, leve, livre e solto
(mas com mesada reduzida), podendo falar o que queria, sans Dieu, ni Maître...
Não me decidi ainda, sobre o que vou fazer agora que estou
fora do limbo (que confesso nem sei onde ficava, mas ele era uma condição de
espírito, não uma situação geográfica), mas, de todo modo e desde já, vou tratar
de adotar uma atitude de cautela, pela qual todas as minhas ações serão
cientificamente calculadas, e depois registradas, para ver se não volto a
cometer alguma bobagem que me habilite a enfrentar um novo limbo, numa nova fase,
tanto profissional, quanto acadêmica ou pessoal. Uma coisa é certa, não vou
deixar de escrever, ainda que com tinta invisível, como convém em certas
situações...
Sempre acreditei que as pessoas são responsáveis, em grande
medida (senão totalmente), pelo seu próprio destino, na medida em que fazem
escolhas, adotam posturas, assumem atitudes que as colocam em maior ou menor
conformidade com o seu meio social, com o seu ambiente profissional, com o seu
universo de relacionamentos e de interações. Elas são (eu sou) o resultado de suas
(minhas) próprias escolhas, ainda que outras pessoas possam ter contribuído,
direta ou indiretamente, para a sua (minha) própria condição.
Não cabem remorsos, ou lamentações, ainda que exercícios de
reflexão e revisões críticas de trajetórias passadas (e presentes) sejam sempre
desejáveis, na perspectiva de corrigir o que estava (ou ainda está) errado e
impulsionar caminhos mais atrativos, ou interessantes. Cabe, talvez,
estabelecer algum plano de trabalho para enfrentar os desafios futuros, não
mais os anos de travessia de algum deserto particular, mas as novas planícies e
planaltos que convidam a uma serena caminhada. Com GPS é mais fácil chegar, mas
vou continuar lendo enquanto caminho.
Terminando, e resumindo, confesso que a palavra limbo
talvez não seja adequada, uma vez que nunca deixei de trabalhar, e de
socializar meus pensamentos, reflexões, escritos e outras formas de
verbalização do que penso (sobretudo numa era na qual os meios de comunicação
são tão fartos, tão fáceis, tão baratos). A palavra representa, em todo caso, um
conceito útil para definir o fim de uma etapa e o início de outra, esperando
que eu não retorne a essas paragens tão desconhecidas quanto imaginárias, em
busca de algum destino mais apropriado.
Vale!
Brasília, 1 de julho de 2016.
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