Coleção Breves Lições, Hayek, Ayn Rand, Filosofia,
Justiça e Liberdade. Entrevista com o professor Dennys Xavier
26/4/2019 às 19h58 | Atualizado em 26/4/2019 às 22h36
- Dennys Garcia Xavier
O
professor Dennys Xavier está lançando a coleção Breves Lições. Proposta é
difundir “novas” ideias de autores influentes no conservadorismo, liberalismo e
libertarianismo.
O
jornal Caderno Jurídico tem o prazer de entrevistar o professor Dennys Xavier.
Dennys Garcia Xavier é pós-doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra
(Portugal) e pela PUC-SP. É doutor em História da Filosofia pela Università
degli Studi di Macerata (Itália). Tem trabalhos de pesquisa na Universidad
Carlos III de Madrid (Espanha), Universidad de Buenos Aires (Argentina),
Trinity College Dublin (Irlanda), Università La Sapienza di Roma (Itália),
Università di Cagliari (Itália) e Université Paris Sorbonne (França). É
professor na Universidade Federal de Uberlândia, diretor de pesquisas do
UniLivres e coordenador do Students for Liberty Brasil e do projeto Pragmata.
O
professor Dennys Xavier está lançando a coleção Breves Lições, pela
editora LVM. A proposta da coleção é difundir “novas” ideias de autores
influentes no conservadorismo, liberalismo e libertarianismo. Para conversar
acerca da coleção e outros assuntos de relevância, Dennys gentilmente concordou
em ser entrevistado pelo colunista e colaborador do Caderno Jurídico, Andre
Bourguedes d’Melo.
Andre
Melo – De início, parabenizo pela nova coleção e desejo
sucesso na divulgação e nas vendas. Professor, como surgiu o projeto de fazer a
coleção Breves Lições?
Professor
Dennys Xavier – Muito obrigado, caro Andre. Este projeto surgiu
de modo bastante “caseiro”. Numa disciplina de Filosofia Política que ministrei
na Universidade em que trabalho, propus aos alunos escrever textos que
explicassem em linguagem tecnicamente adequada, mas acessível, um célebre autor
da assim denominada “Escola Austríaca” de economia: Hayek. Tratava-se de uma
disciplina optativa, com alunos experientes, muitos dos quais em segunda
graduação e também com pós-graduações concluídas em diversas áreas. O material
ficou muito bom. Trabalhei os textos com mais detalhes e convidei amigos,
alguns deles grandes nomes do liberalismo no Brasil, para ingressarem no
projeto. Em suma, os textos viraram livro e outros autores (liberais,
libertários, conservadores) passaram compor o nosso horizonte. A editora LVM
adorou a proposta e a coleção ganhou luz e grande repercussão. Na verdade ela
responde a uma grande lacuna no mercado editorial brasileiro. Explicar de modo
didático e conceitualmente criterioso esses autores não é tarefa simples, mas a
resposta do público à coleção dá bem a medida do quanto era necessária.
Andre
Melo – Professor, explique-me acerca da estruturação
dos livros e da seleção dos textos.
Dennys
Xavier – Bem, a coleção não é mais um projeto “caseiro”
ou artesanal. Logo, as responsabilidades e as expectativas aumentam
sobremaneira. Na condição de coordenador, componho os grupos que vão trabalhar
cada autor e distribuo os temas entre os nossos colaboradores. Temos uma
saudável composição aqui: pesquisadores experimentados, escritores de fama
reconhecida, e jovens talentos. Acompanho de perto a redação do material,
sempre em estreita parceria com a equipe, muitas vezes como autor ou coautor de
alguns dos textos que compõem os livros. Em nossas obras, opiniões pessoais ou
subjetivas não entram. Queremos explicar o autor, seus conceitos, seus dilemas,
sua vida, seu pensamento. Por isso, todos os livros contam com uma biografia
ilustrada dos pensadores. Queremos que o leitor compreenda a relação entre a
vida e a obra do autor estudado. O nosso leitor deve acabar a leitura e sentir
ter compreendido seus conceitos fundamentais de maneira didática, agradável,
unitária. Não é outro o propósito da coleção: fazer vir à luz doutrinas e
autores que permaneceram à margem dos estudos acadêmicos e não-acadêmicos de
enorme importância para o país.
Andre
Melo – Quais autores farão parte da coleção?
Dennys
Xavier – Nosso projeto com a editora LVM avançará ano a
ano. Em 2019 lançaremos Hayek, Rand, Sowell, Rothbard, Hoppe e Mises. Queremos
marcar posição forte com esses autores. Hayek e Rand já estão disponíveis no
mercado. Do meio do ano para a frente, lançaremos os outros quatro (sempre em
versão impressa, ebooks e mesmo audiobooks). Em 2020, devemos trazer Friedman,
Bastiat, Burke entre outros. Queremos fazer dessa coleção material obrigatório
para quem deseja entender, sem as firulas e o pedantismo da linguagem
acadêmica, os autores que dela fazem parte.
Andre
Melo – Qual é o objetivo e o público alvo desse
projeto?
Dennys
Xavier – Em minhas palestras Brasil afora fico sempre
impressionado. Praticamente nada sabemos sobre pensamento liberal, libertário,
etc. Muita gente intuitivamente defende os eixos de sustentação teóricos dessas
“escolas”, mas ainda desconhece a teia conceitual que a envolve. Viemos para
ajudar neste sentido. Queremos um público amplo, que não dependa de longo
percurso formativo para compreender o que expomos na coleção. Um aluno em vias
de concluir o ensino médio será capaz de tirar grande proveito dos livros (e,
então, por via de consequência, todos os que estiverem para além em seus
caminhos intelectuais). Nossos livros são poliédricos. Você pode começar pelo
último capítulo, passar para a apresentação e assim por diante. Quem sabe mais,
aproveita mais. Quem sabe menos, aproveita o mínimo necessário para avançar com
inteligência e critério.
Andre
Melo – Como você é uma pessoa da academia, imagino que
foi um grande desafio encabeçar um projeto que vai na contramão das ideias que
dominam o seu ambiente profissional. O quão importante é esta coleção para o
exercício do contraditório nos locais de formação intelectual formal?
Dennys
Xavier – Passei poucas e boas na academia, por assim
dizer. Um professor de Filosofia declaradamente Liberal (ou, como alguns
preferem, “de Direita”) não é algo lá muito comum nas universidades federais.
No entanto, aprendi a lidar com as adversidades e com os ataques. A melhor
resposta é o trabalho intenso e o avanço incessante sobre os espaços das
instituições. Não aceitam que um documentário de tendencias liberais seja
exibido no anfiteatro da universidade? Exibimos assim mesmo. Ameaçam com
violência ou “intervenções artísticas”? Fazemos com proteção policial. Não luto
pelo monopólio do pensamento liberal, mas pela multiplicação das leituras realizadas
dentro das universidades (o que implica a democrática manutenção da esquerda).
O problema é que eles se acostumaram ao discurso monopolizado, ao aparelhamento
ideológico levado às últimas e mais absurdas consequências. Viemos para
combater isso... e não pararemos. Os grupos que trabalham a favor da liberdade
têm crescido em progressão geométrica nas Universidades. Ainda somos poucos,
mas já nos defendemos bem. Aliás, nem sei se somos exatamente poucos. Talvez
sejamos a maioria, ganhando progressivamente mais e mais voz.
Andre
Melo – Você viajará pelo Brasil para a divulgação da
coleção? Se sim, quais serão as datas e locais dessa divulgação?
Dennys
Xavier – Sim, tenho já uma agenda interessante de eventos
de lançamento da coleção. Os amigos leitores podem acompanhar tudo pela página
“Pragmata” no Facebook ou pelos meus perfis pessoais nas redes sociais. Tenho
lançamentos marcados nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro,
Goiás, Paraná e na região Nordeste do país. Muitos me perguntam se cobro para
palestrar e fazer os lançamentos. Digo sempre que já sou pago por cada um de
vocês, na condição de professor de federal. Caso tenham interesse em ouvir
sobre temas da liberdade (política, economia, filosofia, etc.) e em conhecer a
coleção mais de perto, fico à disposição.
Andre
Melo – Os primeiros livros da coleção são sobre
Friedrich Hayek e Ayn Rand. Quanto a Hayek, gostaria que você falasse um pouco
da percepção do pensador acerca da Justiça.
Dennys
Xavier – Hayek é extraordinário. Em minha modesta
opinião, o grande nome da Escola Austríaca. Seu conceito de Justiça – como
aliás, toda a sua Filosofia – está atrelado a uma concepção muito precisa do individualismo
enquanto o que tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo
como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e
opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a
convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações
pessoais, para além de qualquer determinação exterior, especialmente de
natureza estatizante. Hayek chama a nossa atenção para o canto sedutor do
socialismo, da máquina estatal centralizadora, mas expõe as entranhas das suas
contradições absolutas como poucos. A Justiça para Hayek passa pelo exercício
de um racionalismo crítico ou evolucionista, segundo
o qual, perante as limitações cognitivas, a ordem espontânea entre
indivíduos é a forma correta de utilizar o conhecimento limitado que cada um de
nós possui, de conduzir a vida da melhor forma possível. Sendo assim, por
tentativas e erros, as regras de comportamento vão sendo aprimoradas
de forma involuntária, num processo em que aquelas regras que se mostrem mais
adequadas são transmitidas e/ou imitadas por outros. Intervir nesse processo de
ajuste natural das forças dialéticas da história levam a injustiças que todos
nós conhecemos (vide Venezuela, Cuba et caterva). O caminho da
intervenção estatal é o caminho da servidão. As nações que aprenderam este fato
antes de nós, prosperaram. As nações que ainda não aprenderam com a realidade
pagam o preço… e continuarão a pagar caso não mudem. Simples assim.
Andre
Melo – Em um mundo tomado pela flexibilidade do
conceito de Justiça e de Lei, qual é a importância de Hayek nos dias atuais?
Dennys
Xavier – Penso, amparado por Hayek, que o problema não
esteja numa flexibilidade do conceito de Justiça e de Lei, mas na qualidade
histórica do conceito que adotamos para nós enquanto nação. Estamos falando de
um pensador que desenha o curso da história amparado por uma espécie de
darwinismo segundo o qual os mais aptos e preparados avançam e os menos aptos e
menos preparados naturalmente sucumbem. Quando “forçamos” a manutenção
sistemática de estruturas destinadas à falência, temos a corrupção dos sistemas
de Justiça e, então, a manipulação odiosa da lei. Nossa Constituição é um belo
exemplo disso. Trata-se de um documento que nos dá direito a quase tudo, mas não
diz quem paga a conta pela “festa cidadã”. Parafraseando Roberto Campos, uma
“lista telefônica” enorme que pretende garantir uma vasta gama de benefícios
efetivamente insustentáveis. Logo, trabalhamos às margens do Estado
centralizador, cheios de boas intenções que não conseguimos por em prática. O
cinismo do que Hayek chama de “racionalidade ingênua” traz resultados
catastróficos, como bem sabemos. Num Estado assim, Lei e Justiça, são ficções.
Ou avançamos pragmaticamente ou pagamos o preço pela idealização de um mundo
que jamais existirá, porque mesmo contrário à natureza das coisas.
Andre
Melo – Quanto a Ayn Rand, peço que apresente aos nossos
leitores a Filosofia criada por ela.
Dennys
Xavier – Rand é autora da obra que, em influência, perde
apenas para a Bíblia nos EUA (falo da sua célebre “A Revolta de Atlas”). É a
filósofa do Objetivismo, corrente que defende um egoísmo racional: se o
indivíduo é a menor das minorias, que suas decisões (racionalmente
determinadas) sejam elevadas a valores absolutos. Rand é a encarnação da sua
própria filosofia. Jovem ainda, fugiu dos horrores do comunismo da ex-União
Soviética e foi tentar a vida nos Estados Unidos da América. Viu a família
perder tudo por causa do processo de “estatização” das empresas da família e
mesmo do apartamento no qual morava com os pais. Para ela, o grande mal a ser
combatido é a hipocrisia do “altruísmo”, a ideia de que devemos nos anular
(total ou parcialmente) para fazer “pelo outro”, como base no que a sociedade
“espera de nós”. É a filosofia do empreendedorismo, da vitória do indivíduo
sobre o seu destino. Conheçam Rand! Seu pensamento é um balde de água fria em
qualquer sentimento amplo ou residual de autopiedade.
Andre
Melo – O objetivismo de Ayn Rand é uma filosofia que se
baseia na realidade. Lembro-me muito de Max Weber quando cria o individualismo
metodológico por entender que a análise coletivista é abstrata, subjetiva e
irreal. Você acha que os dois autores se conectam de certa forma?
Dennys
Xavier – Há um pano de fundo ali que talvez os vincule
conceitualmente, em âmbito pragmático. Mas Rand é de tal forma uma
racionalista, que não me arriscaria a avançar com o vínculo entre eles. A
realidade é o que é, diria o homem randiano, e nossa tarefa é submetê-la tanto
quanto possível (e esse “tanto quanto possível” faz máxima diferença). A
“sociologia” de Rand não é senão o indivíduo. Um homem genuinamente egoísta
escolhe as suas diretrizes orientado pela razão – e porque os interesses de
homens racionais não se chocam –, outros homens podem, frequentemente,
beneficiar-se de suas ações. Mas o benefício de outros homens não é seu
propósito ou objetivo básico; seu próprio benefício são seu propósito básico e
objetivo consciente que dirigem suas ações. O coletivismo, derivado do
altruísmo, é mal em sentido absoluto e deve ser combatido.
Andre
Melo – Professor, hoje vemos políticas identitárias,
discursos que pregam igualdade ao mesmo tempo que segregam pessoas por sexo,
etnia e religião, há os tais direitos das minorias e toda sorte de imposições
baseadas em sentimentos e subjetividades. Qual seria a visão de Ayn Rand acerca
dessas coisas?
Dennys
Xavier – Para Rand são meros exercícios de lamentação
histórica, forças coletivas que trabalham para anular a potência primordial de
cada indivíduo. Ali não se buscam soluções efetivas para os problemas, apenas a
sua celebração pública. Isso se torna evidente nos últimos anos no Brasil. Há
provas cabais, por exemplo, de que a política de cotas para negros nas
instituições de ensino superior falham onde quer que sejam aplicadas. Apresente
as evidências ao movimento negro para que a sua luta seja mais bem direcionada...
e falhe miseravelmente. Em sua maioria (logo, não me refiro a todos eles) são
movimentos preocupados com protagonismo político, fortemente ancorados num
sentido lamentável de autocomiseração. Não consigo pensar em nada mais
“não-Randiano”.
Andre
Melo – Professor Dennys, qual é a sua percepção acerca
da penetração das ideias da coleção no Brasil de hoje? Pergunto isso tanto no
ambiente popular como acadêmico.
Dennys
Xavier – Andre, esse é um processo que apenas nos últimos
poucos anos ganhou alguma visibilidade. Mas avançamos já de modo realmente
impactante. A repercussão da coleção Breves Lições e de outras
obras sobre temas relativos à liberdade dão a exata dimensão do quanto este
movimento foi aguardado. Estava tudo muito represado e as pessoas não aguentam
mais falsas soluções para um país que está sempre em crise. Hoje o homem comum
começa a perceber, por exemplo, que os “benefícios” prometidos pelo Estado são
infinitamente menos impactantes em sua vida do que os malefícios derivados de
uma maior presença desse mesmo Estado em sua vida. Fomos enganados por tempo
demais e a conta é salgada. Veja o que fizemos com as nossas universidades,
verdadeiros centros de formação de militância de ideologias falidas,
infantiloides, em tudo atrasadas (tudo isso a R$ 3.500,00/mês em média por
aluno). Criamos uma máquina central que come por dentro a nossa produtividade,
para nos devolver alguns dos piores serviços públicos do mundo. Estamos
invarivelmente entre os primeros colocados nos rankings internacionais de tudo
o que não presta (violência, corrupção, etc.) e figuramos entre os últimos em
tudo o que importa (infraestrutura, saúde, educação, liberdade econômica).
Oras, precisamos acordar... e estamos acordando. A bibliografia que produzimos
apenas ampara um movimento que considero inevitável e ajuda a balizá-lo para
que não se perca novamemente no desenrolar do nosso futuro.
Andre
Melo – Ao olhar o cenário político brasileiro, você
enxerga alguma influência – ou possibilidade de influência – das ideias da
liberdade no governo ou em alguns membros da política?
Dennys
Xavier – Bem, temos ali o que considero ser uma
unanimidade: Paulo Guedes e sua equipe econômica. Mas não me deixo iludir:
elegemos um presidente que passou a vida a votar com estatistas e que, aqui e
ali, ainda pode deixar o nacional desenvolvimentismo militarista aflorar. Fico
sempre a torcer para que isso não ocorra, claro. Mas sou otimista. Quando é que
tivemos um liberal puro sangue como Guedes tocando pautas econômicas? Meu maior
medo, devo confessar, está no MEC. Um rápido olhar pela história basta para
dizermos com segurança: nenhuma política economica de sucesso se mantem sem o
amparo de mão de obra intelectualmente e tecnicamente muito bem preparada.
Nossa educação é de África subsaariana, logo, nossa capacidade produtiva é
risível. Sou pelo esvaziamento do MEC, pela descentralização dos processos
formativos, pelo homeschooling, pelo uso da política de vouchers. Em educação
não precisamos inventar nada. É aplicar o que funciona e ver a mágica acontecer.
Agora, se vierem com aparelhamento ideológico com sinal trocado, podemos
esperar por mais décadas e décadas de estagnação. Não podemos perder este
momento histórico mais do que propício.
Andre
Melo – Hoje há uma popularização das ideias filosóficas.
Assuntos como interrupção precoce da gravidez, descriminalização de drogas,
censura, etc., são intensamente discutidos nas redes sociais e nas reuniões de
amigos e familiares. Ao mesmo tempo temos visto o crescimento de
influenciadores no meio digital e o aumento da venda de livros ligados a temas
filosóficos. Como um professor de Filosofia, o que você tem achado da
popularização de ideias filosóficas fora do ambiente acadêmico?
Dennys
Xavier – Vivemos num país composto em grande medida por
analfabetos funcionais. Logo, a massa de informações alimentadas nas redes
sociais reflete isso (não poderia mesmo ser diferente). A vantagem aqui é que
ideias e pensamentos de qualidade chegam em espaços nos quais, por meios,
digamos, “tradicionais”, jamais chegariam. Uso de modo intenso as redes sociais
para divulgar ideias e conceitos filosóficos e fico surpreso com a repercussão
obtida. Estamos falando de uma luta por espaços. Não é simples vencer a
argumentação medíocre, ancorada na crença de quem a alimenta... mas as pequenas
vitórias junto a alguns interlocutores se multiplicam em potencial
transformador. Em suma, redes sociais são “pharmakon”: bem usadas, são
remédios, mal usadas, venenos. Em todo caso, prefiro o risco do uso inadequado
do que a não existência da substância, por evidente.
Andre
Melo – Aliás, qual é a importância de se conhecer o
pensamento de autores de filosofia para compreender melhor os desafios atuais?
Dennys
Xavier – Infelizmente a Filosofia moderna/contemporânea
se perdeu no tecnicismo acadêmico, fato que a afastou sobremaneira do homem
comum. Mas a Filosofia enquanto tal é da praça pública, do debate aberto, da
assembleia. O que ela pretende é nos ensinar a viver melhor. Contamos com um
repertório de 2.500 anos de homens brilhantes que se debruçaram sobre o bem
viver (e sobre tudo o que acaba por orbitar esse bem viver). Não conhecer com
alguma profundidade tal repertório é não apenas um desperdício de longo arco
histórico, mas um atestado de imbecilidade crônica. Como alguém passa uma vida
sem conhecer algo de Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles... eis algo para mim
incompreensível. Não apenas porque dedico minha vida também ao pensamento de
tais homens, mas pelo simples fato de que está quase tudo ali, decifrado,
analisado, lançado como dúvida metódica, desenhado. Ninguém precisa cursar
Filosofia na universidade para saber um pouco mais sobre a arquitetônica
filosófica que nos antecede e sustenta, mas um olhar cuidadoso para ela deveria
ser sempre muito bem-vindo.
Andre
Melo – Aproveitando o ensejo, professor, faço a
seguinte provocação: a faculdade de Filosofia forma ou não filósofos? Pergunto
isso porque sempre li que a faculdade de Filosofia trabalha apenas com um dos
diversos aspectos do pensamento filosófico, mais especificamente a
analise/pesquisa Histórico-Filológica. Em outras palavras, o estudo da
literatura e registros históricos, com a sua respectiva verificação de
autenticidade e determinação do real significado, não transforma alguém em um
pensador. O que você acha dessa afirmação?
Dennys
Xavier – Não, absolutamente não forma filósofos, mas
bachareis ou licenciados em Filosofia. Ali treinamos historiadores da
Filosofia, capazes de compreender os diversos movimentos dialéticos na
construção do pensamento que nos antecedeu. “Filósofo” é um bicho bem diferente
(risos). Ele constroi um modo próprio de ver as coisas, o mundo, o homem,
segundo metodologia precisa e construção argumetativa meditada. Claro que o
filósofo poderá (e frequentemente o faz) se basear em doutrinas que o
antecederam, mas apenas na medida em que servirão para alinhar o seu próprio
pensamento. Quando chamam de “filósofo” alguém simplemente por ser formado em
filosofia, Platão chora em seu túmulo.
Andre
Melo – Professor, autores como Hayek e Bastiat deixam
claro que o Direito não é sinônimo de legislação. O Direito seria uma lei de
Justiça e, como tal, um absoluto. A legislação (obra do processo político
legislativo) só seria moral se fosse um reforço da lei. Como alguém que conhece
a Filosofia, qual é a percepção ou preocupação com a atuação legislativa
distanciada da lei e o protagonismo judicial indiferente a qualquer limite?
Dennys
Xavier – O assunto é longo e mereceria meditação
pormenorizada. No entanto, tendo a dizer em termos sintéticos que a tarefa do
legislador se tornou de tal forma bizarra no mundo hodierno que a sua
recuperação depende mesmo de uma revolução (não apenas procedimental, mas de
substância). Muito antes de Hayek e Bastiat o nosso Aristóteles dizia que a lei
nada mais é do que o registro dos mais altos valores de uma dada sociedade,
segundo critério de excelência. Ora, “excelência” (areté) é
termo que há tempos despareceu do ideário político. E, sem uma clara concepção
de excelência, perdemos qualquer sentido orientador da função legiferante. Se
somarmos à falta desse sentido orientador geral a baixa qualidade média dos
nossos legisladores, a equação se torna ainda mais complexa. Mas, que reste
claro. Não faria o trabalho que faço não fosse eu um otimista pragmático. Temos
tudo para mudar, em médio prazo, os rumos da ação legislativa temerária,
destrutiva e politicamente viciada.
Andre
Melo – Eu enxergo que os autores da liberdade garantem
a plenitude do que é conhecido como Estado de Direito. Qual é a importância das
ideias da liberdade para o surgimento de uma sociedade mais funcional e
correta?
Dennys
Xavier – O Estado não deve tentar salvar o indivíduo dele
mesmo. Este é o pressuposto básico de uma sociedade funcional e minimamente
ajustada. Alguns tratam as políticas liberais como uma “alternativa” às outras.
Eu, ao contrário, as trato como as políticas que, de um ponto de vista
pragmático, não juvenil ou ficcional, trazem os melhores resultados. Logo, não
estamos falando aqui de “querer” ou de “concordar”, mas de fatos. Não é um
acidente o FATO de que as nações mais desenvolvidas do mundo sejam as mais
livres e que as mais atrasadas sejam as mais estatizadas. Não há registro
histórico de uma família numa lancha a navegar para Cuba, porque lá oferecem a
todos ração diária, moradia, saúde e educação. Mas há incontáveis registros de
famílias sobre balsas precariamente contruídas a fugir, num mar infestado por
tubarões, para o malvado capitalismo desregulamentado americano. Assim somos
nós: preferimos a incerteza da liberdade a uma vida segura, mas controlada. Os
muros que separam regimes coletivistas de regimes abertos existem tão-somente
para impedir que aqueles fujam para esses, nunca o contrário.
Andre
Melo – Professor Dennys, como as pessoas podem conhecer
o seu trabalho, entrar em contato, etc.?
Dennys
Xavier – Muito simples. Podem entrar em contato
diretamente pelas minhas redes sociais (procurando por “Dennys Xavier” hão de
me encontrar) ou pelo e-mail dennysgx@gmail.com. Além disso, tenho página
“institucional”, que citei acima, a “Pragmata”. Estou sempre à disposição por esses
meios.
Andre
Melo – Se alguém quiser adquirir a coleção, onde ela
poderá comprar os livros?
Dennys
Xavier – Os dois primeiros livros da coleção, sobre Hayek
e sobre Rand, já estão disponíveis na página da editora LVM na Amazon (são os
títulos: “F.A. Hayek e a ingenuidade da mente socialista” e “Ayn Rand e os
devaneios do coletivismo”). Eles estão também nas grandes redes nacionais de
livrarias. E também estão na página deste importante jornal, no endereço
cadernojuridico.com.br/livros. De resto, estou a percorrer o país com
lançamentos, nos quais os livros são comercializados.
Andre
Melo – Uma última pergunta: Platão ou Aristóteles?
Dennys
Xavier – Risos. Andre, não me faça escolher! São dois
titãs do espírito humano.
Andre
Melo – Professor Dennys Garcia Xavier, muito obrigado
pela entrevista. Novamente desejo sucesso na nova empreitada e que a coleção se
torne um best-seller.
Dennys
Xavier – Obrigado
eu pelo carinho com a nossa coleção, pela gentileza do diálogo e pelo espaço
que nos concede através do Caderno Jurídico. Estou certo de que o nosso leitor
ficará satisfeito com as obras. Sucesso a todos vocês!
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