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sábado, 13 de agosto de 2022

Introdução a uma nova edição dos Princípios de Economia Política (1804), de José da Silva Lisboa, pela Editora LVM - Paulo Roberto de Almeida

 Recebi, há dois dias, convite, do editor da LVM – que em setembro estará publicando meu livro Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior –  para fazer a introdução da reedição digitalizada deste livro do meu primeiro personagem, José da Silva Lisboa, com esta única demanda: teria que ser rapidíssimo, pois o livro já estava ficando pronto. 

Sem esperar, recolhi todos os livros que possuo sobre o maior economista brasileiro, e mais alguns na Biblioteca do Itamaraty, e compus de imediato, este trabalho: 

4216. “O maior pensador econômico brasileiro, embora ainda controverso”, Brasília, 12 agosto 2022, 20 p. Introdução a uma nova edição dos Princípios de Economia Política (1804), de José da Silva Lisboa, pela Editora LVM. 

Permito-me transcrever alguns trechos dessa introdução e a bibliografia que utilizei para compor minha introdução. Pode ser que outros se interessem em aprofundar o conhecimento desse grande intelectual.

O maior pensador econômico brasileiro, embora ainda controverso

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Introdução aos Princípios de Economia Política, de José da Silva Lisboa (1804), pela LVM

  

O nascimento da economia política em terras escocesas e sua recente projeção asiática

Adam Smith, o pai fundador da moderna economia política, pode não ter sido seguido nas políticas econômicas aplicadas na Grã-Bretanha a partir do século XIX, sobretudo sob a dominância do fabianismo econômico no século XX, mas ele nunca foi intelectualmente contestado por qualquer outro economista, britânico ou não, nos seus principais argumentos em torno da “ciência do estadismo”, que é como ele costumava designar a nova disciplina. Smith deixou uma única obra nesse terreno, a Riqueza das Nações (1776), bem posterior à Teoria dos Sentimentos Morais (1759), mas é por aquele livro seminal que ele é conhecido universalmente, inclusive, e surpreendentemente, pelos mandarins contemporâneos. Estes decidiram adotar, durante algum tempo, as fantasiosas recomendações econômicas de Marx, que seguiu Adam Smith numa equivocada e ingênua adesão à teoria do valor trabalho.

Os atuais administradores do Império do Meio reformado disfarçam o seu moderno sistema “smithiano” sob o disfarce enganoso de “socialismo com características chinesas”, quando o que de verdade estão construindo é um “capitalismo com características chinesas”. Cabe, com efeito, corrigir o título de um dos livros do sociólogo italiano radicado nos Estados Unidos, Giovanni Arrighi (2007), para quem Adam Smith “teria ido” a Beijing. O contrário ocorreu: os chineses é que foram, literalmente, à Escócia de Adam Smith, tomar lições sobre como se administra uma economia de mercado. Com efeito, a China começou a sua irresistível ascensão por uma espécie de “capitalismo manchesteriano”, típico dos tempos de Adam Smith e de David Ricardo. Como a Grã-Bretanha da primeira revolução industrial, ela exibe traços similares aos daquela mudança nos modos de produção: a deterioração ambiental, causada pelo mesmo combustível nos dois processos de industrialização: o carvão; um agudo aumento da desigualdade social e, não sem razão, os primeiros socialistas criaram o termo de lumpemproletariado, para designar os miseráveis urbanos; e uma democracia muito pouco aberta: a aristocracia britânica manteve durante muito tempo franquias eleitorais reduzidas, que preservaram um sistema político bastante oligárquico até praticamente o final do século XIX. A China “smithiana” ainda não se decidiu pela importação das ideias de outros iluministas britânicos, como John Locke e David Hume, ou do liberal John Stuart Mill.

Adam Smith foi o autor de uma única grande obra, que marcou época no domínio da história econômica, pois foi ela que assinalou, intelectualmente, o fim do mercantilismo e o início prático do liberalismo econômico (que não deve ser confundido com o liberalismo político, uma doutrina que só tomará forma em meados do século XIX). Seu “inquérito” sobre as origens da riqueza das nações produziu efeitos em praticamente todo o mundo, ainda que em ondas temporalmente distantes, como ocorreu com a China de Deng Xiaoping. No caso de Portugal e do Brasil, a semente smithiana foi rapidamente importada, na obra de um pensador único na historiografia econômica dos dois países: José da Silva Lisboa (Salvador, 1756; Rio de Janeiro, 1835). É pelos seus Princípios de direito mercantil e leis de marinha (1798) que começa, na metrópole e na sua principal colônia, uma mudança fundamental nas ideias econômicas. A despeito de sua importância crucial para o nascimento do pensamento econômico em Portugal e no Brasil, sobretudo pela obra que lhe faz sequência, justamente os Princípios de economia política (1804), Silva Lisboa não conheceu a fama que legitimamente sempre cercou Adam Smith, à qual, no entanto, ele teria pleno direito de desfrutar, inclusive pelo fato de ter inovado em relação ao escocês. Precisamos entender as razões desse fato.

 

Um pensador original, embora contestado pela historiografia brasileira

Embora um economista político à altura da noção de estadismo que Adam Smith atribuía à aplicação prática da ciência econômica, Silva Lisboa é pouco conhecido na história e na cultura brasileira. Os manuais escolares apenas relatam o fato de que ele influenciou o príncipe regente D. João na decretação da abertura dos portos em 1808, quando da passagem deste por Salvador, uma medida, aliás, inevitável, nas circunstâncias criadas pela fuga da Corte ao Brasil, fugindo da invasão napoleônica, em 1807. Os livros de história assinalam sua tomada de posição em favor da união de Brasil a Portugal, mesmo nos anos turbulentos de 1820 a 1822, assim como sua postura inflexivelmente pró-Coroa, seja no reinado de D. João VI, seja já na defesa do próprio Pedro I, depois dos abalos representados pela Confederação do Equador, em 1824, e pelos conflitos entre o príncipe português e seus súditos brasileiros.

(...)


Mas quem foi Silva Lisboa? Qual o seu papel na construção do Estado independente?

A insistência, nesta introdução, de referir-se ao personagem como Silva Lisboa, e não como Cairu, deve-se simplesmente ao fato de que sua grande obra intelectual foi elaborada e praticamente concluída entre o final do século XVIII – seu livro sobre o Direito Mercantil é de 1798 – e as primeiras duas décadas do século XIX, quando ele conclui o seu livro teoricamente mais ambicioso, ainda que incompleto – os Estudos do bem comum, de 1819-1820 –, passando pela obra verdadeiramente smithiana de 1804 – os Princípios de Economia Política –, antes, portanto, dele converter-se num dos mais fieis cortesãos do governo, o de D. João VI, o do príncipe regente e o do imperador D. Pedro I, e deste receber seus títulos de nobreza e sua cadeira senatorial. A partir da Revolução do Porto (1820) e do início das agitações e turbulências em diversas províncias do Reino Unido do Brasil – que as Cortes de Lisboa pretendiam reverter ao comando direto da metrópole –, Silva Lisboa atuou mais do que qualquer outro defensor dos dois soberanos e seus respectivos governos na defesa da legitimidade de um regime “meio português”, pelo menos até 1831 (e alguns historiadores datam a verdadeira independência do Brasil deste último ano). 

(...)


Os Princípios de Economia Política, uma obra verdadeiramente seminal

Sua intenção inicial, que já tinha sido declarada “no prospecto dos Princípios de Direito Mercantil, seu livro de 1798, era a de oferecer uma série de “tratados elementares” cobrindo diversos aspectos do direito mercantil; mas, a vastidão do empreendimento levou-o, como declarou no Prólogo, a trabalhar “sobre mais vasta escala”, obrigando-o a entrar “frequentemente em conflito com instituições antigas, erros populares, discórdia de sábios e polícia [política] de Estados cultos”, assim expressando os objetivos do seu novo e mais denso trabalho: 

Mas, para não desgostar logo aos leitores com discussões prolixas, em matérias que parecem áridas e pouco atrativas, enquanto se não está convencido da sua importância e influência na felicidade geral, nem familiarizado com a respectiva linguagem técnica, resolvi-me a preludiar com a presente Introdução, em que indico as primeiras ideias de Economia, e exponho os motivos por que recomendo a lição da imortal obra da A Riqueza das Nações do celebrado Adam Smith, e o sigo nas teses cardeais de seu sistema; persuadido de ter sido ele o primeiro que dissipou as escuridades da Economia Política, levantando a facha [tocha] de luz para esclarecer às nações e governos sobre os seus genuínos interesses, que são inseparáveis dos da Humanidade. (Lisboa,1804, p. iv)

 

Nessa sua obra seminal, em uma carreira verdadeiramente prolífica – cerca de 94 escritos, listados por Montenegro (2000, p. 317-325), entre livros, jornais e panfletos e discursos –, além de uma exposição e defesa das ideias de Adam Smith, há uma ruptura radical com respeito ao pensamento econômico francês – a fisiocracia, até então dominante em certos círculos –, assim como uma demanda por maior liberalização das atividades econômicas na colônia brasileira (onde Silva Lisboa já estava firmemente instalado), o que é confirmado por um Apêndice inédito (encontrado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, constante da edição do Banco de Portugal), publicado dois anos depois, “contendo discussões interessantes contra a crítica de um apologista da filosofia rural” (Almodovar, 1993-I, nota 12, p. xvi; Apêndice em cinco partes, p. 123-183). 

(...)


Quão Smithiano era Silva Lisboa? Como isso se refletiu nos Princípios de 1804?

Os Princípios de Economia Política constituíram a primeira incursão explícita no terreno relativamente novo da Economia Política na língua portuguesa, representando, assim, a primeira etapa para o seu reconhecimento institucional (Almodovar, 1993-I, p. xix). Para Silva Lisboa era fundamental colocar a nova ciência sobre bases sólidas, mas bem distantes das tradicionais fontes francesas nas quais os homens de Estado portugueses iam buscar inspiração. A distinção a ser feita, naquele momento, estava na ênfase a ser dada à perspectiva britânica, reformista e progressista, contra os pontos de vista revolucionários e perigosos vindos da França. Muitos dos seus argumentos eram retirados não apenas da grande obra The Wealth of Nations, mas também da Theory of Moral Sentiments, citada extensivamente no Apêndice posterior a essa obra de Silva Lisboa, como enfatizado por Almodovar (1993-I, p. xxi, note 22).

(...)

 

Silva Lisboa foi honrado mais adiante, durante o primeiro Reinado, com os títulos de barão e visconde de Cairu, e tornou-se, já no século XX, o patrão dos economistas brasileiros, ainda que poucos economistas, nos dias atuais, leiam as obras do seu “protetor” e suposto inspirador nos programas e disciplinas das faculdades de Economia da imensa maioria dos cursos universitários. Até meados do século XX, Silva Lisboa era apenas uma referência vaga até para os especialistas em história econômica ou pensamento econômico. Suas obras permaneceram sem novas edições durante um século e meio. Para ser mais exato, em 1940, uma Comissão brasileira para os Centenários portugueses – fundação do Condado Portucalense, por Afonso Henriques, durante a Idade Média, no século XIII, e os três séculos do final da União Ibérica, em 1640 –, buscando alguma coisa para comemorar, decidiu reimprimir uma edição fac-similar de uma de suas obras, e um texto menos importante foi escolhido: a Memória dos Benefícios de El-Rei D. João VI (1818; 1940), não exatamente um livro de economia política, mas puramente encomiástico ao rei recentemente coroado. Foi apenas em 1956, que uma nova edição, anotada, dos Princípios de Economia Política (1804) foi publicada, por ocasião do 200o. aniversário do nascimento de Silva Lisboa (1756). Duas décadas mais tarde, em 1975, os Estudos do Bem Comum e Economia Política foram publicados pelo Ipea, com uma excelente e extensa introdução por José Almeida, cuja fidelidade ao original (pontuação, maiúsculas, expressões) foi aqui seguida, ao lado das edições portuguesas, pelo Banco de Portugal, de suas principais obras econômicas. Finalmente, em 1999, preparando as comemorações do 500º aniversário do Descobrimento do Brasil, em 2000, o Senado Federal inseriu em sua Biblioteca Básica Brasileira uma nova edição das Observações sobre a franqueza da indústria, e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810), com uma erudita introdução por Fernando Antônio Novais e José Jobson de Andrade Arruda, também utilizada nesta introdução.

 

 

Referências bibliográficas: 

(Observação: algumas entradas estão como Cairu, outras como Lisboa, segundo as fichas catalográficas das respectivas edições de suas obras)

 

Almeida, Paulo Roberto (2018). A Brazilian Adam Smith: Cairu as the Founding Father of Political Economy in Brazil at the beginning of the 19th century”, Mises: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics, vol. 6, n. 1, jan.-abr. 2018, p. 117-129; disponível: https://doi.org/10.30800/mises.2018.v6.64 (acesso: 11 ago. 2022)

_______ (2002). “O nascimento do pensamento econômico brasileiro” in: Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou, Armazém Literário. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002; reedição fac-similar, vol. XXX, p. 323-369.

Almodovar, António (1993). Introdução a: Lisboa, José da Silva. Escritos Económicos Escolhidos, 1804-1820. Lisboa: Banco de Portugal, Coleção de Obras Clássicas do Pensamento Económico Português, 2 vols.; t. I, p. ix-xxxii (disponível: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/ocpep-5_t1.pdf; acesso: 16 ago. 2021).

Arrighi, Giovanni (2007). Adam Smith in Beijing: Lineages of the Twenty-First CenturyLondres: Verso Books.

Cairu, José da Silva Lisboa, Visconde de (1999). Observações sobre o Comércio Franco do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial; edição original: Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1808 (disponível na Biblioteca Digital do Senado: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1032/217333.pdf e https://www.bportugal.pt/sites/default/files/ocpep-5_t1.pdf ; acesso: 15 ago. 2021).

_______ (1999). Observações sobre a franqueza da indústria, e estabelecimento de fábricas no Brasil (1810). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, Coleção Biblioteca Básica Brasileira; edição original: Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1810 (disponível na Editora do Senado: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1032 e https://www.bportugal.pt/sites/default/files/ocpep-5_t1.pdf; acesso: 15 ago. 2021).

_______ (1975). Estudos do bem-comum e economia política, ou ciência das leis naturais e civis de animar a geral indústria e promover a riqueza nacional e prosperidade do Estado (1819). Rio de Janeiro: IPEA/INPES; introdução de José Almeida.

Cardoso, José Luís (2006)Portugal como Problema, a Economia como Solução. Lisboa: Público-Fundação Luso-Americana, 2 vols.

Fenelon, Dea Ribeiro (1973). Cairu e Hamilton: um estudo comparativo. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Furtado, Celso Brasil (1959). Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura; 5ª ed.: 1963.

Kirschner, Tereza Cristina (2009). José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: itinerários de um ilustrado luso-brasileiro.São Paulo: Alameda; Belo Horizonte: PUC-Minas.

Landes, David (1995). The Wealth and Poverty of Nations. Nova York: W. W. Norton. 

Lima, Heitor Ferreira (1976). História do Pensamento Econômico no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

Lisboa, José da Silva (1993). Escritos Económicos Escolhidos (1804-1820). Lisboa: Banco de Portugal, Coleção de Obras Clássicas do Pensamento Económico Português, 2 vols.; introdução e direção António Almodovar.

_______ (1993). Estudos do bem-comum e economia política, ou ciência das leis naturais e civis de animar a geral indústria e promover a riqueza nacional e prosperidade do Estado (1819). Rio de Janeiro: Impressão Régia; in: Escritos Económicos Escolhidos (1804-1820), tomo II.

_______ (1940). Memória dos Benefícios Políticos do governo de El-Rey Nosso Senhor D. João VI. 2ª ed.; Rio de Janeiro: Arquivo Nacional; edição fac-similar da Comissão Brasileira dos Centenários de Portugal. 

Manoilescu, Mihail (1929). Théorie de l’Échange Inégal et du Protectionisme. Paris: Giard. 

Montenegro, João Alfredo de Sousa (2000). O discurso autoritário de Cairu. Brasília: Senado Federal (Coleção Brasil 500 anos).

Novais, Fernando Antonio; Arruda, José Jobson de Andrade (1999), Prometeus e Atlantes na forja da nação, Introdução a Lisboa, José da Silva (1810), Observações sobre a Franqueza da Indústria, e Estabelecimento de Fábricas no Brasil. Brasília: Senado Federal, p. 9-29; coleção Biblioteca Básica Brasileira (disponível:https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1032; acesso: 15 ago. 2021).

Paim, Antonio (1968). Cairu e o liberalismo econômico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

San Tiago Dantas, Francisco Clementino (1962). Cairu: protagonista de sua época, in: San Tiago Dantas, F. C. Figuras do Direito. Rio de Janeiro: J. Olympio Editora, p. 3-20 (disponível: https://www.santiagodantas.com.br/wp-content/uploads/Cairu-Protagonista-de-sua-%C3%89poca.pdf; acesso: 9 ago. 2021).

Rocha, Antonio Penalves, organização e introdução (2001). José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu. São Paulo: Editora 34. 

Rodrigues, José Honório (1988). História da História do Brasil; vol. II, tomo I: A Historiografia Conservadora. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

Smith, Adam (1791). An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. 6th ed.; Londres: A. Strahan and T. Cadell, 3 vols.

 

 

Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, é autor de diversos livros sobre a política externa e a história diplomática brasileira, entre eles Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império(3ª edição: Brasília, Funag, 2017), Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021) e A Grande Ilusão do BRICS e o universo paralelo da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, Kindle, 2022). 

 

[Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4216: 12 agosto 2022, 20 p.]

 

quarta-feira, 4 de março de 2020

Breves Lições com Dennys Xavier: Thomas Sowell (LVM)


Hoje tive o prazer de receber não um, o mais recente, mas QUATRO livros editados pela LVM, todos eles sob o emblema unificado de "Breves Lições", ensaios organizados pelo professor Dennys Garcia Xavier em torno da vida e da obra de quatro grandes economistas liberais: Friedrich Hayek (também um filósofo), Hans Hoppe (igualmente filósofo e sociólogo), Ayn Rand (mais uma romancista e filósofa do que propriamente economista) e, sobretudo, Thomas Sowell, um livro que tive a honra e o privilégio de prefaciar.

Thomas Sowell é, possivelmente, um dos maiores economistas americanos vivos, e já
deveria ter recebido o Prêmio Nobel, não tanto por suas elaborações "matemáticas", mas sobretudo pelo seu imenso trabalho de "educação popular" nas mais variadas vertentes da economia, não só relativas a problemas tipicamente americanas, como o racismo, por exemplo, mas sobretudo pelo trabalho enciclopédico que ele desenvolve em escala universal, de "pedagogia econômica" num terreno que os franceses chamariam de haute vulgarisation, ou seja, traduzir fenômenos complexos em linguagem acessível ao leigo, ao leitor não especializado. Tenho vários livros dele, sobretudo o Thomas Sowell Reader, que é um compêndio de seus mais importantes ensaios e artigos de opinião, todos eles rigorosamente embasados num enorme conhecimento da história do mundo, em todas as épocas.

Dennys Xavier conduziu um trabalho primoroso de coordenação de ensaios sobre os grandes pensadores da liberdade em seus quatro livros até agora produzidos sobre esses gigantes da filosofia social de cunho liberal, até libertário.

Meu prefácio ao livro de Thomas Sowell começa por uma confissão: demorei muito tempo a descobri-lo, mas também quando o fiz, comecei a comprar os seus livros sequencialmente.

“Thomas Sowell: um intelectual completo”; Brasília, 12 julho 2019, 9 p. Prefácio a livro organizado por Dennys Garcia Xavier com contribuições de estudos sobre o grande economista americano por estudiosos do Brasil. Publicado no livro intitulado Thomas Sowell e a aniquilação de falácias ideológicas: Breves Lições, com organização de Dennys Xavier (São Paulo: LVM, 2019, 312 p.; ISBN: 978-6550520168).

Nele eu digo basicamente o seguinte: 


"Um dos livros de Sowell que mais aprecio, porque talvez também combine com meu espírito contrarianista, é o seu famoso Economic Facts and Fallacies (2008), na verdade um tipo de abordagem que ele seguiu, invariavelmente, em muitos dos seus demais livros, em especial aqueles voltados a desmentir políticas distributivistas, ações afirmativas, supostos efeitos do racismo ou das disparidades sociais, demonstrando aos incautos, com base em certezas acachapantes, como nosso julgamento superficial sobre a aparente “racionalidade” de certas opções políticas não fazem nenhum sentido do ponto de vista da eficiência ou da consistência econômica. O frontispício dessa obra, uma citação de John Adams, deixa transparecer sua atitude básica em face de opiniões subjetivas ou de percepções de senso comum: 
Fatos são coisas teimosas; e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas preferências, ou os ditados de nossas paixões, eles não podem alterar o estado dos fatos e das evidências.


Paradoxalmente, ele trata os principais postulados econômicos como evidências de alcance geral, tal como revelado no título de seus livros mais conhecidos, e mais usados como text-booksBasic Economics: A Citizen's Guide to the Economy (2000) e Basic Economics: A Common Sense Guide to the Economy (3ª. edição, 2007). Em consonância com essa atitude inerente à sua metodologia, ele nunca hesitou em marchar contra a corrente, seja nas questões raciais – um tema especialmente delicado num país com remorso de seu apartheid passado, talvez nunca terminado, e que empreendeu uma cruzada nas ações “afirmativas” –, seja nos problemas de desigualdades de renda dentro e entre os países. Ele não apenas toma posição contra essas verdades de senso comum, que nada mais são do que pensamento politicamente correto envelopado em belas frases progressistas, como demonstra, com apoio em estudos empiricamente embasados, como a visão dos bem pensantes e das almas caridosas não passam no teste da realidade prática ou da eficiência econômica. Nisso ele se aproxima de um outro intelectual que também nadou contra a corrente durante a maior parte da sua vida: o francês Raymond Aron, tão denegrido em sua terra natal quanto, entre nós, Roberto Campos ou Eugênio Gudin, dois liberais clamando no deserto. 
O debate econômico nos Estados Unidos – em grande medida graças aos grandes bastiões do liberalismo clássico que são os think tanks da linha hayekiana ou miseniana, e escolas de pensamento econômico como Chicago – nunca foi tão dominado pela vertente social-democrática quanto o foi na Europa continental, em especial na França e nos países latinos. Na França, por sinal, durante muito tempo se repetiu que era “melhor estar errado com Jean-Paul Sartre do que ter razão com Raymond Aron”, mas é também verdade que a praga do politicamente correto teve início nas universidades americanas para depois se espalhar como erva daninha por instituições congêneres de quase todos os países do mundo. Na América Latina, a chegada da praga foi mais delongada, pois o desenvolvimentismo estava na linha de frente do debate público, sujeito às controvérsias conhecidas e que foi abordado em várias das obras tipicamente econômicas de Sowell: como seria de se esperar ele recusa as teorias vulgares da dependência e da exploração como causas do atraso.
A maior parte das falácias econômicas é partilhada por pessoas não formalmente instruídas na teoria ou na história econômica. Mas mesmo economistas podem ser levados a defender algumas falácias simplesmente por ignorar certos fatos econômicos – a verdadeira obsessão de Sowell com a fundamentação empírica de todas as suas demonstrações – ou por operar um corte seletivo na realidade econômica, sem observar uma metodologia rigorosa que os teria levado a outras “descobertas” ou argumentos. No caso da América Latina, por exemplo, não só a opinião pública educada (entre elas políticos e acadêmicos), mas também economistas se deixaram seduzir pela “teoria”, aparentemente “comprovada pela evidência histórica”, da “deterioração dos termos do intercâmbio”, ou seja, a baixa relativa e contínua dos preços das matérias primas comparativamente ao valor dos produtos industrializados. O confronto tendências opostas entre preços de commodities e de manufaturas alimentou vários programas de industrialização substitutiva, com todas as consequências criadas pelo excesso de protecionismo e de dirigismo estatal nas décadas seguintes à disseminação dessa “teoria” a partir de suas fontes cepaliana e prebischianas. A França, por sua vez, é um dos poucos países do Ocidente avançado onde livros de economistas recomendando a adoção explícita e aberta do protecionismo recebem certa adesão entre colegas."

Eu recomendaria a todos os meus leitores que adquirissem não só o Thomas Sowell, mas os três outros: Hayek, Rand, Hoppe, pois os ensaios neles contidos – dezenas de brilhantes textos de intelectuais brasileiros – equivalem a uma grande aula de economia.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Friedrich Hayek, Ayn Rand - Entrevista e obras de Dennys Xavier

Coleção Breves Lições, Hayek, Ayn Rand, Filosofia, Justiça e Liberdade. Entrevista com o professor Dennys Xavier
26/4/2019 às 19h58 | Atualizado em 26/4/2019 às 22h36 - Dennys Garcia Xavier

O professor Dennys Xavier está lançando a coleção Breves Lições. Proposta é difundir “novas” ideias de autores influentes no conservadorismo, liberalismo e libertarianismo.
O jornal Caderno Jurídico tem o prazer de entrevistar o professor Dennys Xavier. Dennys Garcia Xavier é pós-doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra (Portugal) e pela PUC-SP. É doutor em História da Filosofia pela Università degli Studi di Macerata (Itália). Tem trabalhos de pesquisa na Universidad Carlos III de Madrid (Espanha), Universidad de Buenos Aires (Argentina), Trinity College Dublin (Irlanda), Università La Sapienza di Roma (Itália), Università di Cagliari (Itália) e Université Paris Sorbonne (França). É professor na Universidade Federal de Uberlândia, diretor de pesquisas do UniLivres e coordenador do Students for Liberty Brasil e do projeto Pragmata.
O professor Dennys Xavier está lançando a coleção Breves Lições, pela editora LVM. A proposta da coleção é difundir “novas” ideias de autores influentes no conservadorismo, liberalismo e libertarianismo. Para conversar acerca da coleção e outros assuntos de relevância, Dennys gentilmente concordou em ser entrevistado pelo colunista e colaborador do Caderno Jurídico, Andre Bourguedes d’Melo.

Andre Melo – De início, parabenizo pela nova coleção e desejo sucesso na divulgação e nas vendas. Professor, como surgiu o projeto de fazer a coleção Breves Lições?
Professor Dennys Xavier – Muito obrigado, caro Andre. Este projeto surgiu de modo bastante “caseiro”. Numa disciplina de Filosofia Política que ministrei na Universidade em que trabalho, propus aos alunos escrever textos que explicassem em linguagem tecnicamente adequada, mas acessível, um célebre autor da assim denominada “Escola Austríaca” de economia: Hayek. Tratava-se de uma disciplina optativa, com alunos experientes, muitos dos quais em segunda graduação e também com pós-graduações concluídas em diversas áreas. O material ficou muito bom. Trabalhei os textos com mais detalhes e convidei amigos, alguns deles grandes nomes do liberalismo no Brasil, para ingressarem no projeto. Em suma, os textos viraram livro e outros autores (liberais, libertários, conservadores) passaram compor o nosso horizonte. A editora LVM adorou a proposta e a coleção ganhou luz e grande repercussão. Na verdade ela responde a uma grande lacuna no mercado editorial brasileiro. Explicar de modo didático e conceitualmente criterioso esses autores não é tarefa simples, mas a resposta do público à coleção dá bem a medida do quanto era necessária.

Andre Melo – Professor, explique-me acerca da estruturação dos livros e da seleção dos textos.
Dennys Xavier – Bem, a coleção não é mais um projeto “caseiro” ou artesanal. Logo, as responsabilidades e as expectativas aumentam sobremaneira. Na condição de coordenador, componho os grupos que vão trabalhar cada autor e distribuo os temas entre os nossos colaboradores. Temos uma saudável composição aqui: pesquisadores experimentados, escritores de fama reconhecida, e jovens talentos. Acompanho de perto a redação do material, sempre em estreita parceria com a equipe, muitas vezes como autor ou coautor de alguns dos textos que compõem os livros. Em nossas obras, opiniões pessoais ou subjetivas não entram. Queremos explicar o autor, seus conceitos, seus dilemas, sua vida, seu pensamento. Por isso, todos os livros contam com uma biografia ilustrada dos pensadores. Queremos que o leitor compreenda a relação entre a vida e a obra do autor estudado. O nosso leitor deve acabar a leitura e sentir ter compreendido seus conceitos fundamentais de maneira didática, agradável, unitária. Não é outro o propósito da coleção: fazer vir à luz doutrinas e autores que permaneceram à margem dos estudos acadêmicos e não-acadêmicos de enorme importância para o país.

Andre Melo – Quais autores farão parte da coleção?
Dennys Xavier – Nosso projeto com a editora LVM avançará ano a ano. Em 2019 lançaremos Hayek, Rand, Sowell, Rothbard, Hoppe e Mises. Queremos marcar posição forte com esses autores. Hayek e Rand já estão disponíveis no mercado. Do meio do ano para a frente, lançaremos os outros quatro (sempre em versão impressa, ebooks e mesmo audiobooks). Em 2020, devemos trazer Friedman, Bastiat, Burke entre outros. Queremos fazer dessa coleção material obrigatório para quem deseja entender, sem as firulas e o pedantismo da linguagem acadêmica, os autores que dela fazem parte.

Andre Melo – Qual é o objetivo e o público alvo desse projeto?
Dennys Xavier – Em minhas palestras Brasil afora fico sempre impressionado. Praticamente nada sabemos sobre pensamento liberal, libertário, etc. Muita gente intuitivamente defende os eixos de sustentação teóricos dessas “escolas”, mas ainda desconhece a teia conceitual que a envolve. Viemos para ajudar neste sentido. Queremos um público amplo, que não dependa de longo percurso formativo para compreender o que expomos na coleção. Um aluno em vias de concluir o ensino médio será capaz de tirar grande proveito dos livros (e, então, por via de consequência, todos os que estiverem para além em seus caminhos intelectuais). Nossos livros são poliédricos. Você pode começar pelo último capítulo, passar para a apresentação e assim por diante. Quem sabe mais, aproveita mais. Quem sabe menos, aproveita o mínimo necessário para avançar com inteligência e critério.

Andre Melo – Como você é uma pessoa da academia, imagino que foi um grande desafio encabeçar um projeto que vai na contramão das ideias que dominam o seu ambiente profissional. O quão importante é esta coleção para o exercício do contraditório nos locais de formação intelectual formal?
Dennys Xavier – Passei poucas e boas na academia, por assim dizer. Um professor de Filosofia declaradamente Liberal (ou, como alguns preferem, “de Direita”) não é algo lá muito comum nas universidades federais. No entanto, aprendi a lidar com as adversidades e com os ataques. A melhor resposta é o trabalho intenso e o avanço incessante sobre os espaços das instituições. Não aceitam que um documentário de tendencias liberais seja exibido no anfiteatro da universidade? Exibimos assim mesmo. Ameaçam com violência ou “intervenções artísticas”? Fazemos com proteção policial. Não luto pelo monopólio do pensamento liberal, mas pela multiplicação das leituras realizadas dentro das universidades (o que implica a democrática manutenção da esquerda). O problema é que eles se acostumaram ao discurso monopolizado, ao aparelhamento ideológico levado às últimas e mais absurdas consequências. Viemos para combater isso... e não pararemos. Os grupos que trabalham a favor da liberdade têm crescido em progressão geométrica nas Universidades. Ainda somos poucos, mas já nos defendemos bem. Aliás, nem sei se somos exatamente poucos. Talvez sejamos a maioria, ganhando progressivamente mais e mais voz.

Andre Melo – Você viajará pelo Brasil para a divulgação da coleção? Se sim, quais serão as datas e locais dessa divulgação?
Dennys Xavier – Sim, tenho já uma agenda interessante de eventos de lançamento da coleção. Os amigos leitores podem acompanhar tudo pela página “Pragmata” no Facebook ou pelos meus perfis pessoais nas redes sociais. Tenho lançamentos marcados nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Paraná e na região Nordeste do país. Muitos me perguntam se cobro para palestrar e fazer os lançamentos. Digo sempre que já sou pago por cada um de vocês, na condição de professor de federal. Caso tenham interesse em ouvir sobre temas da liberdade (política, economia, filosofia, etc.) e em conhecer a coleção mais de perto, fico à disposição.

Andre Melo – Os primeiros livros da coleção são sobre Friedrich Hayek e Ayn Rand. Quanto a Hayek, gostaria que você falasse um pouco da percepção do pensador acerca da Justiça.
Dennys Xavier – Hayek é extraordinário. Em minha modesta opinião, o grande nome da Escola Austríaca. Seu conceito de Justiça – como aliás, toda a sua Filosofia – está atrelado a uma concepção muito precisa do individualismo enquanto o que tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais, para além de qualquer determinação exterior, especialmente de natureza estatizante. Hayek chama a nossa atenção para o canto sedutor do socialismo, da máquina estatal centralizadora, mas expõe as entranhas das suas contradições absolutas como poucos. A Justiça para Hayek passa pelo exercício de um racionalismo crítico ou evolucionista, segundo o qual, perante as limitações cognitivas, a ordem espontânea entre indivíduos é a forma correta de utilizar o conhecimento limitado que cada um de nós possui, de conduzir a vida da melhor forma possível. Sendo assim, por tentativas e erros, as regras de comportamento vão sendo aprimoradas de forma involuntária, num processo em que aquelas regras que se mostrem mais adequadas são transmitidas e/ou imitadas por outros. Intervir nesse processo de ajuste natural das forças dialéticas da história levam a injustiças que todos nós conhecemos (vide Venezuela, Cuba et caterva). O caminho da intervenção estatal é o caminho da servidão. As nações que aprenderam este fato antes de nós, prosperaram. As nações que ainda não aprenderam com a realidade pagam o preço… e continuarão a pagar caso não mudem. Simples assim.

Andre Melo – Em um mundo tomado pela flexibilidade do conceito de Justiça e de Lei, qual é a importância de Hayek nos dias atuais?
Dennys Xavier – Penso, amparado por Hayek, que o problema não esteja numa flexibilidade do conceito de Justiça e de Lei, mas na qualidade histórica do conceito que adotamos para nós enquanto nação. Estamos falando de um pensador que desenha o curso da história amparado por uma espécie de darwinismo segundo o qual os mais aptos e preparados avançam e os menos aptos e menos preparados naturalmente sucumbem. Quando “forçamos” a manutenção sistemática de estruturas destinadas à falência, temos a corrupção dos sistemas de Justiça e, então, a manipulação odiosa da lei. Nossa Constituição é um belo exemplo disso. Trata-se de um documento que nos dá direito a quase tudo, mas não diz quem paga a conta pela “festa cidadã”. Parafraseando Roberto Campos, uma “lista telefônica” enorme que pretende garantir uma vasta gama de benefícios efetivamente insustentáveis. Logo, trabalhamos às margens do Estado centralizador, cheios de boas intenções que não conseguimos por em prática. O cinismo do que Hayek chama de “racionalidade ingênua” traz resultados catastróficos, como bem sabemos. Num Estado assim, Lei e Justiça, são ficções. Ou avançamos pragmaticamente ou pagamos o preço pela idealização de um mundo que jamais existirá, porque mesmo contrário à natureza das coisas.

Andre Melo – Quanto a Ayn Rand, peço que apresente aos nossos leitores a Filosofia criada por ela.
Dennys Xavier – Rand é autora da obra que, em influência, perde apenas para a Bíblia nos EUA (falo da sua célebre “A Revolta de Atlas”). É a filósofa do Objetivismo, corrente que defende um egoísmo racional: se o indivíduo é a menor das minorias, que suas decisões (racionalmente determinadas) sejam elevadas a valores absolutos. Rand é a encarnação da sua própria filosofia. Jovem ainda, fugiu dos horrores do comunismo da ex-União Soviética e foi tentar a vida nos Estados Unidos da América. Viu a família perder tudo por causa do processo de “estatização” das empresas da família e mesmo do apartamento no qual morava com os pais. Para ela, o grande mal a ser combatido é a hipocrisia do “altruísmo”, a ideia de que devemos nos anular (total ou parcialmente) para fazer “pelo outro”, como base no que a sociedade “espera de nós”. É a filosofia do empreendedorismo, da vitória do indivíduo sobre o seu destino. Conheçam Rand! Seu pensamento é um balde de água fria em qualquer sentimento amplo ou residual de autopiedade.

Andre Melo – O objetivismo de Ayn Rand é uma filosofia que se baseia na realidade. Lembro-me muito de Max Weber quando cria o individualismo metodológico por entender que a análise coletivista é abstrata, subjetiva e irreal. Você acha que os dois autores se conectam de certa forma?
Dennys Xavier – Há um pano de fundo ali que talvez os vincule conceitualmente, em âmbito pragmático. Mas Rand é de tal forma uma racionalista, que não me arriscaria a avançar com o vínculo entre eles. A realidade é o que é, diria o homem randiano, e nossa tarefa é submetê-la tanto quanto possível (e esse “tanto quanto possível” faz máxima diferença). A “sociologia” de Rand não é senão o indivíduo. Um homem genuinamente egoísta escolhe as suas diretrizes orientado pela razão – e porque os interesses de homens racionais não se chocam –, outros homens podem, frequentemente, beneficiar-se de suas ações. Mas o benefício de outros homens não é seu propósito ou objetivo básico; seu próprio benefício são seu propósito básico e objetivo consciente que dirigem suas ações. O coletivismo, derivado do altruísmo, é mal em sentido absoluto e deve ser combatido.

Andre Melo – Professor, hoje vemos políticas identitárias, discursos que pregam igualdade ao mesmo tempo que segregam pessoas por sexo, etnia e religião, há os tais direitos das minorias e toda sorte de imposições baseadas em sentimentos e subjetividades. Qual seria a visão de Ayn Rand acerca dessas coisas?
Dennys Xavier – Para Rand são meros exercícios de lamentação histórica, forças coletivas que trabalham para anular a potência primordial de cada indivíduo. Ali não se buscam soluções efetivas para os problemas, apenas a sua celebração pública. Isso se torna evidente nos últimos anos no Brasil. Há provas cabais, por exemplo, de que a política de cotas para negros nas instituições de ensino superior falham onde quer que sejam aplicadas. Apresente as evidências ao movimento negro para que a sua luta seja mais bem direcionada... e falhe miseravelmente. Em sua maioria (logo, não me refiro a todos eles) são movimentos preocupados com protagonismo político, fortemente ancorados num sentido lamentável de autocomiseração. Não consigo pensar em nada mais “não-Randiano”.

Andre Melo – Professor Dennys, qual é a sua percepção acerca da penetração das ideias da coleção no Brasil de hoje? Pergunto isso tanto no ambiente popular como acadêmico.
Dennys Xavier – Andre, esse é um processo que apenas nos últimos poucos anos ganhou alguma visibilidade. Mas avançamos já de modo realmente impactante. A repercussão da coleção Breves Lições e de outras obras sobre temas relativos à liberdade dão a exata dimensão do quanto este movimento foi aguardado. Estava tudo muito represado e as pessoas não aguentam mais falsas soluções para um país que está sempre em crise. Hoje o homem comum começa a perceber, por exemplo, que os “benefícios” prometidos pelo Estado são infinitamente menos impactantes em sua vida do que os malefícios derivados de uma maior presença desse mesmo Estado em sua vida. Fomos enganados por tempo demais e a conta é salgada. Veja o que fizemos com as nossas universidades, verdadeiros centros de formação de militância de ideologias falidas, infantiloides, em tudo atrasadas (tudo isso a R$ 3.500,00/mês em média por aluno). Criamos uma máquina central que come por dentro a nossa produtividade, para nos devolver alguns dos piores serviços públicos do mundo. Estamos invarivelmente entre os primeros colocados nos rankings internacionais de tudo o que não presta (violência, corrupção, etc.) e figuramos entre os últimos em tudo o que importa (infraestrutura, saúde, educação, liberdade econômica). Oras, precisamos acordar... e estamos acordando. A bibliografia que produzimos apenas ampara um movimento que considero inevitável e ajuda a balizá-lo para que não se perca novamemente no desenrolar do nosso futuro.

Andre Melo – Ao olhar o cenário político brasileiro, você enxerga alguma influência – ou possibilidade de influência – das ideias da liberdade no governo ou em alguns membros da política?
Dennys Xavier – Bem, temos ali o que considero ser uma unanimidade: Paulo Guedes e sua equipe econômica. Mas não me deixo iludir: elegemos um presidente que passou a vida a votar com estatistas e que, aqui e ali, ainda pode deixar o nacional desenvolvimentismo militarista aflorar. Fico sempre a torcer para que isso não ocorra, claro. Mas sou otimista. Quando é que tivemos um liberal puro sangue como Guedes tocando pautas econômicas? Meu maior medo, devo confessar, está no MEC. Um rápido olhar pela história basta para dizermos com segurança: nenhuma política economica de sucesso se mantem sem o amparo de mão de obra intelectualmente e tecnicamente muito bem preparada. Nossa educação é de África subsaariana, logo, nossa capacidade produtiva é risível. Sou pelo esvaziamento do MEC, pela descentralização dos processos formativos, pelo homeschooling, pelo uso da política de vouchers. Em educação não precisamos inventar nada. É aplicar o que funciona e ver a mágica acontecer. Agora, se vierem com aparelhamento ideológico com sinal trocado, podemos esperar por mais décadas e décadas de estagnação. Não podemos perder este momento histórico mais do que propício.

Andre Melo – Hoje há uma popularização das ideias filosóficas. Assuntos como interrupção precoce da gravidez, descriminalização de drogas, censura, etc., são intensamente discutidos nas redes sociais e nas reuniões de amigos e familiares. Ao mesmo tempo temos visto o crescimento de influenciadores no meio digital e o aumento da venda de livros ligados a temas filosóficos. Como um professor de Filosofia, o que você tem achado da popularização de ideias filosóficas fora do ambiente acadêmico?
Dennys Xavier – Vivemos num país composto em grande medida por analfabetos funcionais. Logo, a massa de informações alimentadas nas redes sociais reflete isso (não poderia mesmo ser diferente). A vantagem aqui é que ideias e pensamentos de qualidade chegam em espaços nos quais, por meios, digamos, “tradicionais”, jamais chegariam. Uso de modo intenso as redes sociais para divulgar ideias e conceitos filosóficos e fico surpreso com a repercussão obtida. Estamos falando de uma luta por espaços. Não é simples vencer a argumentação medíocre, ancorada na crença de quem a alimenta... mas as pequenas vitórias junto a alguns interlocutores se multiplicam em potencial transformador. Em suma, redes sociais são “pharmakon”: bem usadas, são remédios, mal usadas, venenos. Em todo caso, prefiro o risco do uso inadequado do que a não existência da substância, por evidente.

Andre Melo – Aliás, qual é a importância de se conhecer o pensamento de autores de filosofia para compreender melhor os desafios atuais?
Dennys Xavier – Infelizmente a Filosofia moderna/contemporânea se perdeu no tecnicismo acadêmico, fato que a afastou sobremaneira do homem comum. Mas a Filosofia enquanto tal é da praça pública, do debate aberto, da assembleia. O que ela pretende é nos ensinar a viver melhor. Contamos com um repertório de 2.500 anos de homens brilhantes que se debruçaram sobre o bem viver (e sobre tudo o que acaba por orbitar esse bem viver). Não conhecer com alguma profundidade tal repertório é não apenas um desperdício de longo arco histórico, mas um atestado de imbecilidade crônica. Como alguém passa uma vida sem conhecer algo de Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles... eis algo para mim incompreensível. Não apenas porque dedico minha vida também ao pensamento de tais homens, mas pelo simples fato de que está quase tudo ali, decifrado, analisado, lançado como dúvida metódica, desenhado. Ninguém precisa cursar Filosofia na universidade para saber um pouco mais sobre a arquitetônica filosófica que nos antecede e sustenta, mas um olhar cuidadoso para ela deveria ser sempre muito bem-vindo.

Andre Melo – Aproveitando o ensejo, professor, faço a seguinte provocação: a faculdade de Filosofia forma ou não filósofos? Pergunto isso porque sempre li que a faculdade de Filosofia trabalha apenas com um dos diversos aspectos do pensamento filosófico, mais especificamente a analise/pesquisa Histórico-Filológica. Em outras palavras, o estudo da literatura e registros históricos, com a sua respectiva verificação de autenticidade e determinação do real significado, não transforma alguém em um pensador. O que você acha dessa afirmação?
Dennys Xavier – Não, absolutamente não forma filósofos, mas bachareis ou licenciados em Filosofia. Ali treinamos historiadores da Filosofia, capazes de compreender os diversos movimentos dialéticos na construção do pensamento que nos antecedeu. “Filósofo” é um bicho bem diferente (risos). Ele constroi um modo próprio de ver as coisas, o mundo, o homem, segundo metodologia precisa e construção argumetativa meditada. Claro que o filósofo poderá (e frequentemente o faz) se basear em doutrinas que o antecederam, mas apenas na medida em que servirão para alinhar o seu próprio pensamento. Quando chamam de “filósofo” alguém simplemente por ser formado em filosofia, Platão chora em seu túmulo.

Andre Melo – Professor, autores como Hayek e Bastiat deixam claro que o Direito não é sinônimo de legislação. O Direito seria uma lei de Justiça e, como tal, um absoluto. A legislação (obra do processo político legislativo) só seria moral se fosse um reforço da lei. Como alguém que conhece a Filosofia, qual é a percepção ou preocupação com a atuação legislativa distanciada da lei e o protagonismo judicial indiferente a qualquer limite?
Dennys Xavier – O assunto é longo e mereceria meditação pormenorizada. No entanto, tendo a dizer em termos sintéticos que a tarefa do legislador se tornou de tal forma bizarra no mundo hodierno que a sua recuperação depende mesmo de uma revolução (não apenas procedimental, mas de substância). Muito antes de Hayek e Bastiat o nosso Aristóteles dizia que a lei nada mais é do que o registro dos mais altos valores de uma dada sociedade, segundo critério de excelência. Ora, “excelência” (areté) é termo que há tempos despareceu do ideário político. E, sem uma clara concepção de excelência, perdemos qualquer sentido orientador da função legiferante. Se somarmos à falta desse sentido orientador geral a baixa qualidade média dos nossos legisladores, a equação se torna ainda mais complexa. Mas, que reste claro. Não faria o trabalho que faço não fosse eu um otimista pragmático. Temos tudo para mudar, em médio prazo, os rumos da ação legislativa temerária, destrutiva e politicamente viciada.

Andre Melo – Eu enxergo que os autores da liberdade garantem a plenitude do que é conhecido como Estado de Direito. Qual é a importância das ideias da liberdade para o surgimento de uma sociedade mais funcional e correta?
Dennys Xavier – O Estado não deve tentar salvar o indivíduo dele mesmo. Este é o pressuposto básico de uma sociedade funcional e minimamente ajustada. Alguns tratam as políticas liberais como uma “alternativa” às outras. Eu, ao contrário, as trato como as políticas que, de um ponto de vista pragmático, não juvenil ou ficcional, trazem os melhores resultados. Logo, não estamos falando aqui de “querer” ou de “concordar”, mas de fatos. Não é um acidente o FATO de que as nações mais desenvolvidas do mundo sejam as mais livres e que as mais atrasadas sejam as mais estatizadas. Não há registro histórico de uma família numa lancha a navegar para Cuba, porque lá oferecem a todos ração diária, moradia, saúde e educação. Mas há incontáveis registros de famílias sobre balsas precariamente contruídas a fugir, num mar infestado por tubarões, para o malvado capitalismo desregulamentado americano. Assim somos nós: preferimos a incerteza da liberdade a uma vida segura, mas controlada. Os muros que separam regimes coletivistas de regimes abertos existem tão-somente para impedir que aqueles fujam para esses, nunca o contrário.

Andre Melo – Professor Dennys, como as pessoas podem conhecer o seu trabalho, entrar em contato, etc.?
Dennys Xavier – Muito simples. Podem entrar em contato diretamente pelas minhas redes sociais (procurando por “Dennys Xavier” hão de me encontrar) ou pelo e-mail dennysgx@gmail.com. Além disso, tenho página “institucional”, que citei acima, a “Pragmata”. Estou sempre à disposição por esses meios.

Andre Melo – Se alguém quiser adquirir a coleção, onde ela poderá comprar os livros?
Dennys Xavier – Os dois primeiros livros da coleção, sobre Hayek e sobre Rand, já estão disponíveis na página da editora LVM na Amazon (são os títulos: “F.A. Hayek e a ingenuidade da mente socialista” e “Ayn Rand e os devaneios do coletivismo”). Eles estão também nas grandes redes nacionais de livrarias. E também estão na página deste importante jornal, no endereço cadernojuridico.com.br/livros. De resto, estou a percorrer o país com lançamentos, nos quais os livros são comercializados.

Andre Melo – Uma última pergunta: Platão ou Aristóteles?
Dennys Xavier – Risos. Andre, não me faça escolher! São dois titãs do espírito humano.

Andre Melo – Professor Dennys Garcia Xavier, muito obrigado pela entrevista. Novamente desejo sucesso na nova empreitada e que a coleção se torne um best-seller.
Dennys Xavier – Obrigado eu pelo carinho com a nossa coleção, pela gentileza do diálogo e pelo espaço que nos concede através do Caderno Jurídico. Estou certo de que o nosso leitor ficará satisfeito com as obras. Sucesso a todos vocês!