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domingo, 14 de dezembro de 2025

Um prefácio meu sobre um livro de Dennys Xavier apresentando a obra de Thomas Sowell (2020) - Paulo Roberto de Almeida

Reproduzo novamente uma postagem minha de 2020, quando foi publicado o livro de Dennys Xavier sobre Thomas Sowell 

quarta-feira, 4 de março de 2020

Breves Lições com Dennys Xavier: Thomas Sowell (LVM)


Hoje tive o prazer de receber não um, o mais recente, mas QUATRO livros editados pela LVM, todos eles sob o emblema unificado de "Breves Lições", ensaios organizados pelo professor Dennys Garcia Xavier em torno da vida e da obra de quatro grandes economistas liberais: Friedrich Hayek (também um filósofo), Hans Hoppe (igualmente filósofo e sociólogo), Ayn Rand (mais uma romancista e filósofa do que propriamente economista) e, sobretudo, Thomas Sowell, um livro que tive a honra e o privilégio de prefaciar.

Thomas Sowell é, possivelmente, um dos maiores economistas americanos vivos, e já
deveria ter recebido o Prêmio Nobel, não tanto por suas elaborações "matemáticas", mas sobretudo pelo seu imenso trabalho de "educação popular" nas mais variadas vertentes da economia, não só relativas a problemas tipicamente americanas, como o racismo, por exemplo, mas sobretudo pelo trabalho enciclopédico que ele desenvolve em escala universal, de "pedagogia econômica" num terreno que os franceses chamariam de haute vulgarisation, ou seja, traduzir fenômenos complexos em linguagem acessível ao leigo, ao leitor não especializado. Tenho vários livros dele, sobretudo o Thomas Sowell Reader, que é um compêndio de seus mais importantes ensaios e artigos de opinião, todos eles rigorosamente embasados num enorme conhecimento da história do mundo, em todas as épocas.

Dennys Xavier conduziu um trabalho primoroso de coordenação de ensaios sobre os grandes pensadores da liberdade em seus quatro livros até agora produzidos sobre esses gigantes da filosofia social de cunho liberal, até libertário.

Meu prefácio ao livro de Thomas Sowell começa por uma confissão: demorei muito tempo a descobri-lo, mas também quando o fiz, comecei a comprar os seus livros sequencialmente.

“Thomas Sowell: um intelectual completo”; Brasília, 12 julho 2019, 9 p. Prefácio a livro organizado por Dennys Garcia Xavier com contribuições de estudos sobre o grande economista americano por estudiosos do Brasil. Publicado no livro intitulado Thomas Sowell e a aniquilação de falácias ideológicas: Breves Lições, com organização de Dennys Xavier (São Paulo: LVM, 2019, 312 p.; ISBN: 978-6550520168).

Nele eu digo basicamente o seguinte: 


"Um dos livros de Sowell que mais aprecio, porque talvez também combine com meu espírito contrarianista, é o seu famoso Economic Facts and Fallacies (2008), na verdade um tipo de abordagem que ele seguiu, invariavelmente, em muitos dos seus demais livros, em especial aqueles voltados a desmentir políticas distributivistas, ações afirmativas, supostos efeitos do racismo ou das disparidades sociais, demonstrando aos incautos, com base em certezas acachapantes, como nosso julgamento superficial sobre a aparente “racionalidade” de certas opções políticas não fazem nenhum sentido do ponto de vista da eficiência ou da consistência econômica. O frontispício dessa obra, uma citação de John Adams, deixa transparecer sua atitude básica em face de opiniões subjetivas ou de percepções de senso comum: 
Fatos são coisas teimosas; e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas preferências, ou os ditados de nossas paixões, eles não podem alterar o estado dos fatos e das evidências.


Paradoxalmente, ele trata os principais postulados econômicos como evidências de alcance geral, tal como revelado no título de seus livros mais conhecidos, e mais usados como text-booksBasic Economics: A Citizen's Guide to the Economy (2000) e Basic Economics: A Common Sense Guide to the Economy (3ª. edição, 2007). Em consonância com essa atitude inerente à sua metodologia, ele nunca hesitou em marchar contra a corrente, seja nas questões raciais – um tema especialmente delicado num país com remorso de seu apartheid passado, talvez nunca terminado, e que empreendeu uma cruzada nas ações “afirmativas” –, seja nos problemas de desigualdades de renda dentro e entre os países. Ele não apenas toma posição contra essas verdades de senso comum, que nada mais são do que pensamento politicamente correto envelopado em belas frases progressistas, como demonstra, com apoio em estudos empiricamente embasados, como a visão dos bem pensantes e das almas caridosas não passam no teste da realidade prática ou da eficiência econômica. Nisso ele se aproxima de um outro intelectual que também nadou contra a corrente durante a maior parte da sua vida: o francês Raymond Aron, tão denegrido em sua terra natal quanto, entre nós, Roberto Campos ou Eugênio Gudin, dois liberais clamando no deserto. 
O debate econômico nos Estados Unidos – em grande medida graças aos grandes bastiões do liberalismo clássico que são os think tanks da linha hayekiana ou miseniana, e escolas de pensamento econômico como Chicago – nunca foi tão dominado pela vertente social-democrática quanto o foi na Europa continental, em especial na França e nos países latinos. Na França, por sinal, durante muito tempo se repetiu que era “melhor estar errado com Jean-Paul Sartre do que ter razão com Raymond Aron”, mas é também verdade que a praga do politicamente correto teve início nas universidades americanas para depois se espalhar como erva daninha por instituições congêneres de quase todos os países do mundo. Na América Latina, a chegada da praga foi mais delongada, pois o desenvolvimentismo estava na linha de frente do debate público, sujeito às controvérsias conhecidas e que foi abordado em várias das obras tipicamente econômicas de Sowell: como seria de se esperar ele recusa as teorias vulgares da dependência e da exploração como causas do atraso.
A maior parte das falácias econômicas é partilhada por pessoas não formalmente instruídas na teoria ou na história econômica. Mas mesmo economistas podem ser levados a defender algumas falácias simplesmente por ignorar certos fatos econômicos – a verdadeira obsessão de Sowell com a fundamentação empírica de todas as suas demonstrações – ou por operar um corte seletivo na realidade econômica, sem observar uma metodologia rigorosa que os teria levado a outras “descobertas” ou argumentos. No caso da América Latina, por exemplo, não só a opinião pública educada (entre elas políticos e acadêmicos), mas também economistas se deixaram seduzir pela “teoria”, aparentemente “comprovada pela evidência histórica”, da “deterioração dos termos do intercâmbio”, ou seja, a baixa relativa e contínua dos preços das matérias primas comparativamente ao valor dos produtos industrializados. O confronto tendências opostas entre preços de commodities e de manufaturas alimentou vários programas de industrialização substitutiva, com todas as consequências criadas pelo excesso de protecionismo e de dirigismo estatal nas décadas seguintes à disseminação dessa “teoria” a partir de suas fontes cepaliana e prebischianas. A França, por sua vez, é um dos poucos países do Ocidente avançado onde livros de economistas recomendando a adoção explícita e aberta do protecionismo recebem certa adesão entre colegas."

Eu recomendaria a todos os meus leitores que adquirissem não só o Thomas Sowell, mas os três outros: Hayek, Rand, Hoppe, pois os ensaios neles contidos – dezenas de brilhantes textos de intelectuais brasileiros – equivalem a uma grande aula de economia.

 

sábado, 13 de dezembro de 2025

O pequeno manual prática da decadência, examinado e reconsiderado pela Inteligência Artificial, por meio de Airton Dirceu Lemmertz

 Escrevi um longo ensaio, em 2007, sobre a decadência como processo social ou civilizatório, postado diversas vezes neste quilombo de resistência intelectual, a última vez, neste link: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/12/pequeno-manual-pratico-da-decadencia_12.html

O leitor assíduo e fiel do blog Diplomatizzando, Airton Dirceu Lemmertz, tomou o costume de submeter todos os meus escritos, até simples notas provocadoras, ao crivo da Inteligência Artificial, o que é muito bem-vindo.

O resultado do seu experimento mais recente está postado aqui abaixo, mas o exercício é feito apenas em relação aos indicadores sintéticos, sem abordar o ensaio na sua íntegra, o que pode ser visto no link acima.

Gostei das observações feitas por Madame IA, e creio que vou revisar meu ensaio com base nessas observações muito pertinentes, agradecendo sempre a ajuda do Airton pelo trabalho de submeter algumas de minhas escrevinhações ao exame dessa leitora atenta e muito sensata. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília,  13 dezembro 2025

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"Pode-se saber que um país, ou uma sociedade, está em decadência quando: 
1. O sentimento de mal-estar se torna generalizado na sociedade, ainda que possa ser difuso. 
2. Os avanços econômicos são lentos, ou menores, em relação a outros povos e sociedades. 
3. Os progressos sociais são igualmente lentos ou repartidos de maneira desigual. 
4. A lei passa a não ser mais respeitada pelos cidadãos ou pelos próprios agentes públicos. 
5. As elites se tornam autocentradas, focadas exclusivamente no seu benefício próprio. 
6. A corrupção é disseminada nos diversos canais de intermediação dos intercâmbios sociais. 
7. Há uma desafeição pelas causas nacionais, com ascensão de corporatismos e particularismos. 
8. A cultura da integração na corrente nacional é substituída por reivindicações exclusivistas. 
9. A geração corrente não se preocupa com a seguinte, nos planos fiscal, ambiental ou outros. 
10. Ocorre a degradação moral ou ética nos costumes, a despeito mesmo de “avanços” materiais." 
 
 
ANALISE, DE MODO DETALHADO E CRÍTICO, CADA UM DOS DEZ PONTOS CONSIDERADOS COMO CARACTERÍSTICAS DE DECADÊNCIA DE UM PAÍS OU DE UMA SOCIEDADE.


Os dez pontos apresentados oferecem uma estrutura para diagnosticar a decadência de uma sociedade ou país. Abaixo, segue uma análise detalhada e crítica de cada um deles:

* Análise Detalhada e Crítica
 
Ponto 1: O sentimento de mal-estar se torna generalizado na sociedade, ainda que possa ser difuso.
Análise: Um sentimento difuso de mal-estar é um indicador psicológico e sociológico crucial. Sugere uma perda de confiança coletiva no futuro e nas instituições.
Crítica: Embora importante, o "mal-estar" é subjetivo e pode ser manipulado politicamente. Pode refletir crises temporárias ou expectativas irreais, não necessariamente uma decadência sistêmica. Culturas diferentes reagem a crises de formas distintas.
 
Ponto 2: Os avanços econômicos são lentos, ou menores, em relação a outros povos e sociedades.
Análise: O desempenho econômico relativo é um indicador objetivo de competitividade e dinamismo. A estagnação em relação a pares sugere ineficiência ou falta de inovação.
Crítica: A "decadência" não é sinônimo de crescimento relativo. Uma sociedade pode escolher priorizar a qualidade de vida ou a sustentabilidade em detrimento do crescimento do PIB a todo custo, o que não é necessariamente decadência. Focar apenas na comparação pode desconsiderar o bem-estar interno.
 
Ponto 3: Os progressos sociais são igualmente lentos ou repartidos de maneira desigual.
Análise: A desigualdade crescente e a estagnação social corroem a coesão e a legitimidade do sistema. A ausência de mobilidade social é um sinal de alerta para a estabilidade a longo prazo.
Crítica: "Progresso social" pode ser definido de várias maneiras. Concentrar-se apenas na velocidade ou igualdade da distribuição pode ignorar a importância de garantir um mínimo para todos. Pode haver um conflito entre igualdade e mérito, que precisa ser analisado.
 
Ponto 4: A lei passa a não ser mais respeitada pelos cidadãos ou pelos próprios agentes públicos.
Análise: O Estado de Direito é o pilar de uma sociedade funcional. A erosão do respeito pela lei, especialmente por parte das autoridades, indica corrupção sistêmica e injustiça, minando a confiança no sistema.
Crítica: O "respeito pela lei" deve ser matizado. Leis injustas podem e devem ser contestadas (desobediência civil). A questão não é o respeito cego, mas a justiça e a aplicabilidade universal da lei.
 
Ponto 5: As elites se tornam autocentradas, focadas exclusivamente no seu benefício próprio.
Análise: Elites que falham em considerar o bem comum perdem sua função social e legitimidade. Esse comportamento leva à extração de recursos em vez da criação de riqueza compartilhada.
Crítica: O "interesse próprio" é um motor da economia, como argumentado por Adam Smith. A crítica deve focar no parasitismo e na extração de privilégios, em oposição ao empreendedorismo legítimo. A definição de "benefício próprio" precisa ser clara.
 
Ponto 6: A corrupção é disseminada nos diversos canais de intermediação dos intercâmbios sociais.
Análise: A corrupção sistêmica introduz ineficiência, injustiça e desconfiança. É um indicador clássico de falha de governança e moral pública em declínio.
Crítica: Todos os países têm alguma corrupção. O ponto crítico é o seu nível de disseminação e se o sistema tem mecanismos eficazes para combatê-la. A percepção da corrupção também pode aumentar com a maior transparência.
 
Ponto 7: Há uma desafeição pelas causas nacionais, com ascensão de corporatismos e particularismos.
Análise: O declínio do senso de propósito comum ou identidade nacional pode levar à fragmentação social, onde grupos priorizam seus interesses de nicho sobre o bem-estar coletivo.
Crítica: O "nacionalismo" pode ser perigoso e levar ao conflito. A ascensão de particularismos pode, por outro lado, representar um progresso na valorização da diversidade e dos direitos das minorias. O equilíbrio entre coesão e diversidade é complexo.
 
Ponto 8: A cultura da integração na corrente nacional é substituída por reivindicações exclusivistas.
Análise: Semelhante ao ponto 7, aborda a erosão do consenso e o surgimento de grupos que se veem fora, ou contra, a sociedade majoritária, minando a solidariedade.
Crítica: O que é a "corrente nacional"? Muitas vezes, essa "integração" reflete a hegemonia de um grupo dominante. As reivindicações "exclusivistas" podem ser lutas legítimas por reconhecimento e justiça social.
 
Ponto 9: A geração corrente não se preocupa com a seguinte, nos planos fiscal, ambiental ou outros.
Análise: Este ponto aborda a sustentabilidade e a responsabilidade intergeracional. O endividamento excessivo, a degradação ambiental e a miopia política indicam uma falha ética e prática em garantir o futuro.
Crítica: É um dos pontos mais consensuais em termos de decadência. A crítica principal é a dificuldade de medir o "nível de preocupação" e a complexidade das políticas necessárias para equilibrar as necessidades presentes e futuras.
 
Ponto 10: Ocorre a degradação moral ou ética nos costumes, a despeito mesmo de “avanços” materiais.
Análise: Sugere que o progresso material não é suficiente e que uma sociedade precisa de um arcabouço moral ou ético para se sustentar.
Crítica: A "moral" e a "ética" são altamente relativas e mutáveis ao longo do tempo. O que um grupo vê como "degradação", outro pode ver como libertação ou progresso (ex: direitos LGBTQIA+). Este é o ponto mais subjetivo e ideológico da lista.

Fonte (IA do Google):
https://www.google.com/search?q=%22Pode-se+saber+que+um+pa%C3%ADs%2C+ou+uma+sociedade%2C+est%C3%A1+em+decad%C3%AAncia+quando%3A+1.+O+sentimento+de+mal-estar+se+torna+generalizado+na+sociedade%2C+ainda+que+possa+ser+difuso.+2.+Os+avan%C3%A7os+econ%C3%B4micos+s%C3%A3o+lentos%2C+ou+menores%2C+em+rela%C3%A7%C3%A3o+a+outros+povos+e+sociedades.+3.+Os+progressos+sociais+s%C3%A3o+igualmente+lentos+ou+repartidos+de+maneira+desigual.+4.+A+lei+passa+a+n%C3%A3o+ser+mais+respeitada+pelos+cidad%C3%A3os+ou+pelos+pr%C3%B3prios+agentes+p%C3%BAblicos.+5.+As+elites+se+tornam+autocentradas%2C+focadas+exclusivamente+no+seu+benef%C3%ADcio+pr%C3%B3prio.+6.+A+corrup%C3%A7%C3%A3o+%C3%A9+disseminada+nos+diversos+canais+de+intermedia%C3%A7%C3%A3o+dos+interc%C3%A2mbios+sociais.+7.+H%C3%A1+uma+desafei%C3%A7%C3%A3o+pelas+causas+nacionais%2C+com+ascens%C3%A3o+de+corporatismos+e+particularismos.+8.+A+cultura+da+integra%C3%A7%C3%A3o+na+corrente+nacional+%C3%A9+substitu%C3%ADda+por+reivindica%C3%A7%C3%B5es+exclusivistas.+9.+A+gera%C3%A7%C3%A3o+corrente+n%C3%A3o+se+preocupa+com+a+seguinte%2C+nos+planos+fiscal%2C+ambiental+ou+outros.+10.+Ocorre+a+degrada%C3%A7%C3%A3o+moral+ou+%C3%A9tica+nos+costumes%2C+a+despeito+mesmo+de+%E2%80%9Cavan%C3%A7os%E2%80%9D+materiais.%22.+ANALISE%2C+DE+MODO+DETALHADO+E+CR%C3%8DTICO%2C+CADA+UM+DOS+DEZ+PONTOS+CONSIDERADOS+COMO+CARACTER%C3%8DSTICAS+DE+DECAD%C3%8ANCIA+DE+UM+PA%C3%8DS+OU+DE+UMA+SOCIEDADE.&rlz=1C2GCEA_enBR1094BR1098&sca_esv=34fb7e70802b3bda&sxsrf=AE3TifPRdquw3-78Rs_3sxJP6qHzCXyS_Q%3A1765591502987&source=hp&ei=zsk8acrvOaDb1sQPv7_l-Q8&iflsig=AOw8s4IAAAAAaTzX3rmzWriJbYgJrJWMUqJ9rC0fCpJa&aep=22&udm=50&ved=0ahUKEwjKjujyvLmRAxWgrZUCHb9fOf8QteYPCBI&oq=&gs_lp=Egdnd3Mtd2l6IgBIAFAAWABwAHgAkAEAmAEAoAEAqgEAuAEByAEAmAIAoAIAmAMAkgcAoAcAsgcAuAcAwgcAyAcAgAgA&sclient=gws-wiz&mstk=AUtExfAEHPPL9ceHA-QbKGldfp8TzIz2nfl4mLw3kV_d4uKXlOyVNecU48ts9x22C8K75Fo2_F0mdcM4WIDdySYUtEkNkHfM1jrAF-f6zNkANtojFwFvQEfB4eobeRoPXWJzBHbVcufR2fDfB9Gh85XFE_viUVv6cLNGPnw9SvELh_IeNFO8q0N-0ecoR8E-A1ZdYHeG-aBBX5OEdSNo11LQHaGqIIki-xZS8XBAiApWDj3gRfyx1Q2NYByMmIxCkbaEOwA0q1blmE7i6Czit1hJfe8rQEpgYU0gLW4&csuir=1&mtid=fMo8adCbF8fe1sQP2NnZoAM 

 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Pequeno manual prático da decadência (recomendável em caráter preventivo...), um texto de 2007, comentado em 2025 - Paulo Roberto de Almeida

Um leitor de meu blog (com o qual me desculpo pelo atraso na revisão dos comentários), escreveu-me isto: 

 
"Caro Paulo, seu texto parece ainda mais atual com a passagem dos anos. Ele deveria ser discutido em todas as salas de aula desse país, independentemente da área do conhecimento. Deveria também ser discutido no Congresso Nacional para que pudéssemos ter uma centelha de esperança que ele provocasse um repensar de todos sobre o que significa o "interesse da maioria e das minorias." Creio que ele será legado às gerações futuras e sempre manterá a sua utilidade. Obrigado por clarificar nosso modo de pensar. Você é um produtor incansável de conhecimento útil."
Carlos Silva
https://draft.blogger.com/profile/08733243456971329675

Minha postagem tinha sido uma destas versões:
"1717. “Pequeno manual prático da decadência (recomendável em caráter preventivo...)”, Brasília, 31 janeiro 2007, 11 p. Digressões sobre formas e modalidades de declínio econômico e social, sem qualquer referência ao Brasil. Colaboração a número especial sobre “O Brasil que saiu das urnas”, da revista Digesto Econômico, revista da Associação Comercial de São Paulo (ano 62, n. 441, jan-fev 2007, p. 38-47; ISSN: 0101-4218; disponível em duas partes no site da revista. Revista Espaço Acadêmico (ano 6, n. 71, abril 2007; link: ?). Feita versão resumida em 14.04.07, para o boletim Via Política (15.04.2007). Postado no blog Diplomatizzando (11/04/2013; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/pequeno-manual-de-decadencia-para-uso.html). Postado novamente no blog Diplomatizzando (26/01/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/e-por-falar-em-declinio-paulo-roberto.html). Postado novamente no blog Diplomatizzando (4/10/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/10/pequeno-manual-pratico-da-decadencia.html). Relação de Publicados n 757."

Agora preciso agradecer ao Carlos Silva, que comentou em meu blog em 8 de outubro de 2025.

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 Transcrevo aqui, uma das versões: 

(recomendável em caráter preventivo...)

Paulo Roberto de Almeida
Colaboração a número especial da revista Digesto Econômico
Revista da Associação Comercial de São Paulo.
 (ano 62, n. 441, jan.-fev. 2007, p. 38-47; ISSN: 0101-4218)

O conceito de decadência está histórica e usualmente associado às imagens – e também às realidades – de declínio econômico, de disfuncionalidade política, de regressão social, de queda relativa nos padrões de vida, de desordem institucional, de involução moral, quando não ao caos gerador de conflitos exacerbados e possível elemento-motor (“gatilho”) do colapso de toda uma sociedade. No plano histórico, é costume citar os precedentes dos impérios romano, bizantino, chinês, otomano ou britânico como exemplos ilustrativos de decadência – processos que, por vezes, se arrastaram durante décadas, quando não séculos –, levando essas sociedades a fases de crise sistêmica ou de estagnação total, precipitando-as em “colapsos” mais ou menos prolongados e ao seu desaparecimento ou, até, à dominação por povos mais dinâmicos e empreendedores, alguns deles, aliás, suplantando os exemplos citados que tinham brilhado em épocas anteriores. Numa perspectiva recente, costuma-se citar a Grã-Bretanha contemporânea, isto é, pós-imperial e pós-Segunda Guerra, e até mesmo a Argentina pós-1930 como exemplos reais e acabados de processos lentos e agônicos de decadência econômica, pelo menos durante algumas décadas. Exemplos eloquentes de decadência certamente não faltam nos livros de história.
No entanto, não é essa a percepção que possam ter tido as sociedades referidas em relação ao seu próprio itinerário histórico, isto é, os povos e protagonistas contemporâneos dos processos gerais descritos sumariamente acima. Muitas vezes, o declínio econômico e a decadência política se dão em meio a extraordinários surtos de vigor artístico e de fervor intelectual, com intensos debates e mobilização social perpassando todas as categorias e classes da sociedade em questão. O estado de “regressão” nem é percebido como tal, uma vez que: a economia consegue ainda produzir em condições quase “normais”; as trocas materiais e os intercâmbios intelectuais se fazem ainda pelos canais habituais; os indicadores objetivos de padrões de vida continuam a apresentar traços de “progresso” – ainda que de recuo relativo na perspectiva internacional ou regional – e que a sociedade ainda não soçobrou na “anomia” e na “desorganização”, a que são normalmente associados essas noções de decadência ou de declínio.
O fato é que a decadência pode ter elementos difusos de todos esses processos citados acima, mas pode não ser percebida como tal pelos próprios integrantes da sociedade em questão. O sentimento geral dos cidadãos pode ser, simplesmente, de um certo malaise, de um mal-estar vago e indefinido, partilhado por diferentes estratos sociais e percebido como tal por intelectuais, mas raramente expresso de forma direta e cabal nos discursos das autoridades ou traduzidos nas propostas de ação por candidatos alternativos ao poder político. “Entra-se” em decadência muitas vezes sem o saber, como aquele personagem de Molière que fazia prosa involuntariamente.
Proponho-me, neste curto ensaio analítico, traçar os elementos principais de uma pequena radiografia da decadência, de maneira a subsidiar, talvez, diagnósticos mais precisos de situações concretas que possam preocupar os leitores eventuais deste “manual” de identificação dos sinais precursores de uma decadência anunciada (não necessariamente percebida). Assim, pode-se saber que um país, ou uma sociedade, está em decadência quando:

1. O sentimento de mal-estar se torna generalizado na sociedade, ainda que possa ser difuso.
2. Os avanços econômicos são lentos, ou menores, em relação a outros povos e sociedades.
3. Os progressos sociais são igualmente lentos ou repartidos de maneira desigual.
4. A lei passa a não ser mais respeitada pelos cidadãos ou pelos próprios agentes públicos.
5. As elites se tornam autocentradas, focadas exclusivamente no seu benefício próprio.
6. A corrupção é disseminada nos diversos canais de intermediação dos intercâmbios sociais.
7. Há uma desafeição pelas causas nacionais, com ascensão de corporatismos e particularismos.
8. A cultura da integração na corrente nacional é substituída por reivindicações exclusivistas.
9. A geração corrente não se preocupa com a seguinte, nos planos fiscal, ambiental ou outros.
10. Ocorre a degradação moral ou ética nos costumes, a despeito mesmo de “avanços” materiais.

Algumas considerações rápidas sobre cada um dos elementos listados, sumariamente, acima são necessárias, se quisermos que este “minitratado” da decadência possa ser efetivamente utilizado como uma espécie de manual para sua prevenção ou para a eventual correção de curso. Serei, tanto quanto possível, conciso, sem ater-me a exemplos conhecidos em processos concretos, mais ou menos identificados pelo leitor ocasional.

1. Malaise generalizado e difuso na sociedade.
Na verdade, o mal-estar que costuma atingir sociedades e povos em decadência efetiva é mais um resultado dos próprios processos de “involução” já em curso, do que um sinal precursor desse itinerário “regressista”. De fato, o sentimento de incerteza quanto ao futuro costuma perpassar de maneira difusa os diferentes estratos sociais mobilizados nas atividades correntes da sociedade em questão. A literatura consegue captar, antes mesmo de diagnósticos “sociológicos”, essa sensação de desconforto em relação aos padrões vigentes, que é também vista e interpretada nas artes em geral, por meio de peças e demonstrações de “ruptura” em relação às normas sociais comumente aceitas e “consumidas” pelos estratos sociais incluídos nas transações correntes. O sentimento de fin d’une époque, ou de esgotamento de um “ciclo”, é geralmente percebido pelos espíritos mais argutos, mas o desconforto com o “estado reinante” das coisas se dissemina de modo generalizado em camadas mais amplas da sociedade. Ocorre uma desafeição em relação à cultura predominante, mas não se consegue propor ou viabilizar padrões ou modelos alternativos que sejam eficientes ou implementáveis. Os custos da transição para “algo mais racional” são considerados por todos como muito elevados, em vista dos pactos vigentes, e a sociedade se acomoda na resignação e no déjà vu.

2. Avanços econômicos lentos, em perspectiva comparada.
A decadência não significa, necessariamente, retrocesso econômico absoluto ou mesmo uma deterioração das condições prevalecentes no plano da organização social da produção. Ao contrário, podem até ocorrer avanços tecnológicos, progressos científicos e melhoras nos padrões vigentes de produção, tendo em vista capacidades técnicas e habilidades gerenciais já acumuladas pela sociedade. Uma sociedade pode avançar, em suas próprias realizações, e mesmo assim ser ultrapassada relativamente por outras, mais dinâmicas, empreendedoras e inovadoras. O declínio relativo é geralmente o resultado de uma queda nos índices de produtividade, a perda progressiva de competitividade, um recuo nos espaços anteriormente ocupados no âmbito internacional e um lento movimento para escalões inferiores em rankings setoriais de classificação de países.
Os processos de divergência entre os povos e sociedades resultam, geralmente, de longas fases de crescimento (ou falta de), mais do que de altas taxas ocasionais de expansão do produto. O desenvolvimento pode ocorrer pari-passu a baixas taxas – mas sustentadas – de crescimento econômico, sendo que expansões rápidas podem ser contrarrestadas por surtos inflacionários ou crises sistêmicas que produzem perdas do produto social e erosão do poder de compra da moeda nacional. O elemento propulsor do processo de desenvolvimento são os ganhos de produtividade, que produzem, no registro histórico, os fenômenos de convergência ou de divergência entre os povos e economias nacionais. As sociedades humanas progrediram muito lentamente durante os milhares de anos de revolução agrícola neolítica e civilizacional-urbana, para conhecer, dois séculos e meio de rápidos progressos nos indicadores de bem-estar a partir da primeira e da segunda revolução industrial. A partir desta, os progressos se tornaram contínuos, autogerados e induzidos pelo próprio avanço científico-tecnológico anterior, configurando aquilo que, em termos marxistas, poderia ser chamado de “modo inventivo de produção”. Este foi, antes de qualquer outra, uma peculiaridade das sociedades ditas “ocidentais”, mas tende a se disseminar ao conjunto do planeta, com o término dos obstáculos políticos ao processo de globalização.
Nem todas as sociedades conseguem replicar ou reproduzir, mesmo por mimetismo, o padrão de progresso tecnológico do Ocidente desenvolvido. Mas todas elas se encontram, hoje, medianamente dotadas de condições mínimas para fazê-lo, a partir dos progressos dos meios de comunicação e de difusão dos conhecimentos científicos (amplamente disponíveis nos veículos existentes, à diferença do know-how e da tecnologia proprietária, estes bem mais restritos). O fato de uma sociedade recuar economicamente, ainda que de modo relativo, pode ser explicado, tão simplesmente, por sua incapacidade em dotar os seus cidadãos dos requisitos mínimos de ensino formal e de educação elementar, suscetíveis de os converterem em “absorvedores” do saber técnico já disponível universalmente nos canais abertos de difusão de conhecimento. Não se trata aqui, necessariamente, de padrões de ensino pós-graduado ou especializado, mas basicamente da existência de ensino fundamental de boa qualidade para o conjunto dos cidadãos.

3. Distribuição desigual dos lentos progressos sociais alcançados.
Comportamentos “rentistas”, isto é, apropriação de bens públicos por grupos organizados que têm acesso aos canais oficiais de distribuição de recursos, geram um desestímulo à inovação e à produção pelos agentes econômicos privados. Isso pode ocorrer, e geralmente ocorre, no caso da disponibilidade de abundantes recursos naturais – terras, minérios, commodities primárias – que passam a ser explorados por via de algum tipo de organização estatal, mesmo indireta. Fala-se da “maldição do petróleo”, por exemplo, como um caso típico de ganhos fáceis apropriados de maneira desigual por elites que se organizam para “redistribuir” esses recursos abundantes, o que desvia a atenção dos agentes privados de investimentos em atividades alternativas: toda a atenção passa a ser focada na “captura” da renda disponível na economia nacional.
Mesmo na ausência de uma fonte abundante de recursos naturais, comportamentos rentistas podem disseminar entre os estratos dominantes – ou dirigentes – na sociedade, se a regulação institucional é feita mais por via estatal do que por meio da própria sociedade. O Estado sempre constituiu um poderoso meio de redistribuição da riqueza social para os grupos que o controlam e manipulam em seu favor. Não há aqui nenhuma prevenção a priori contra o Estado, uma vez que ele é necessário mesmo para criar o laissez-faire, ou seja, lutar contra os trusts e cartéis, assegurar a competição, garantir o cumprimento dos contratos e, de forma geral, defender os direitos de propriedade. Ocorre, porém, que o Estado é também um forte indutor de redistributivismo regressivo, isto é, o recolhimento compulsório de recursos de todos os cidadãos, produtores e consumidores, e o seu “redirecionamento” segundo critérios políticos determinados.
Em todos os casos de declínio conhecidos, o Estado serviu precisamente para esse tipo de redistribuição perversa dos recursos públicos, gerando o fenômeno conhecido pelos economistas como “crowding-out”, isto é, a captura da poupança privada pelo próprio Estado e pelos rentistas profissionais e sua apropriação pelo próprio Estado (e seus amigos), o que provoca deseconomias de escala e erosão do investimento produtivo. Os grupos politicamente mais bem articulados conseguem acesso aos planejadores e legisladores do orçamento público, deixando ao relento os setores menos organizados. Isso geralmente implica em concentração de renda e ausência de um mercado interno dinâmico. Os exemplos de declínio e de estagnação coincidem, justamente, com o que Veblen chamaria de “consumo conspícuo” das elites, em total indiferença em relação ao conjunto dos cidadãos.
Não se pense, por fim, que tudo se faz em benefício do “grande capital monopolista” e em detrimento da “classe trabalhadora”. Sindicatos são máquinas organizadas para criar escassez de mão-de-obra e para produzir desemprego, atuando em perfeita sincronia – nem sempre funcional, é verdade – com os sindicatos de patrões, com vistas a extorquir recursos do resto da sociedade desorganizada. Viceja, nos casos típicos de declínio econômico prolongado, uma espécie de “pacto perverso”, pelo qual ambos sindicatos entram em conluio – algumas vezes de forma involuntária ou até inconsciente – em favor de seus ganhos respectivos, repassando os custos para o resto da sociedade. A desigualdade distributiva nem sempre é “aristocrática”...

4. Não acatamento da lei pelos cidadãos e pelos próprios agentes públicos.
A decadência, como já afirmado, nem sempre se traduz em pobreza material, ao contrário, pois sociedades decadentes são, igualmente, sistemas de relativa abundância, pelo menos para os privilegiados. Mas, a decadência verdadeira sempre implica em miséria moral, a começar por um sistemático, no começo sutil, depois disseminado, desrespeito à lei e às boas normas de convivência. Uma sociedade não começa a decair com o aumento da delinquência comum e com a expansão da criminalidade de baixa extração, mas justamente com o desprezo pela lei por parte dos poderosos e dos próprios encarregados de manter a ordem. Sociedades patrimonialistas são naturalmente mais propensas a esse tipo de corrupção moral, como evidenciado na trajetória do império otomano, mas nem mesmo sistemas “tecnocráticos” estão imunes a esse tipo de evolução involutiva, se é possível este tipo de trajetória. O império chinês, com seu imenso corpo de mandarins bem treinados, talvez tenha conhecido itinerário semelhante, antes mesmo de o país ser invadido e humilhado pelos imperialistas ocidentais (e depois japoneses).
O desrespeito à lei, ou mesmo a contravenção pura e simples por parte dos poderosos, constituem o traço mais visível do declínio moral de uma sociedade. Quando as suas elites, em especial o seu corpo dirigente, recorrem a expedientes escusos, quando não a práticas claramente criminosas, para extrair benefícios para si, pode-se constatar que a sociedade caminha célere para a sua decadência. Não se deve, porém, confundir, artifícios ilegais, ou no limite da legalidade, empregados por algumas elites econômicas – como caixa dois, elisão ou evasão fiscal ou ainda pagamentos por fora – como representando necessariamente sinônimo de decadência. O setor produtivo pode ser especialmente competitivo e gerencialmente capaz, apenas que penalizado por um Estado voraz, por dirigentes políticos de comportamento predatório, sendo levado a utilizar-se do recurso a esse tipo de expediente como uma forma de “defesa patrimonial”. É, aliás, o que fazem a maioria dos cidadãos que buscam evadir o fisco, uma vez que adquiriram a consciência de que os impostos pagos diretamente e os tributos recolhidos indiretamente não retornam proporcionalmente sob a forma de serviços públicos.
A ilegalidade se dissemina paulatinamente na sociedade e se converte em uma “segunda natureza” do cidadão comum e do empresário: ninguém se “arrisca” a ser totalmente honesto, uma vez que isto representaria a inviabilidade do seu negócio ou a “extração compulsória” seria demais onerosa no plano das rendas individuais. Pouco a pouco, a corrupção e a contravenção se instalam em todos os poros da sociedade e ela, sem perceber, caminha rapidamente para o que chamamos de decadência.

5. Elites distantes da sociedade e focadas no seu benefício próprio.
Esta é uma outra manifestação do mesmo comportamento descrito acima, apenas que os meios são absolutamente legais, ainda que ilegítimos, e redundam quase sempre nos mesmos efeitos já referenciados no rentismo perverso e no redistributivismo desigual. Responsáveis políticos se ocupam não tanto de legislar para a sociedade, mas em causa própria. Os meios passam a absorver uma proporção crescente dos recursos voltados para determinados fins. Isto geralmente se dá no setor legislativo, mas pode perfeitamente ocorrer nos meios judiciários e, igualmente, em corporações de ofício que se organizam burocraticamente no âmbito do poder executivo. A representação política deixa de constituir um mandato conferido pela sociedade para o desempenho das funções que lhe são próprias para converter-se em um fim em si mesmo.
Esses traços de comportamento não são exclusivos da representação política, embora eles sempre se reproduzam no estamento político. Elites rentistas, de modo geral, desenvolvem essa indiferença em relação à sociedade, cuja simbologia mais famosa – ainda que provavelmente equivocada – é historicamente representada pela frase de Maria Antonieta sobre os brioches que o povo deveria comer, no lugar do pão comum. Elites aristocráticas do ancien Régime, na França e na Rússia czarista, foram em grande medida responsáveis pela desafeição do povo em relação às suas elites, contribuindo para a derrocada dos respectivos regimes políticos ao se operar um claro divórcio entre suas concepções do mundo. O apartheid social, mais até no plano mental do que no âmbito material, costuma ser construído por minorias ativas, nem todas elas privilegiadas, mas sempre elitistas em relação à massa da sociedade.
Por vezes, uma elite “subversiva” se apossa do poder e passa a exibir os mesmos traços de comportamento que o das elites antes privilegiadas, numa típica reprodução da fábula contida em Animal Farm, segundo a qual “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

6. Corrupção disseminada nas transações sociais de maneira geral.
O cimento mais poderoso em todas as sociedades organizadas é a confiança: não só na palavra dada, no plano individual, mas também na moeda, na observância da lei em caráter impessoal, no cumprimento dos contratos e, sobretudo, na certeza da punição em caso de ações “desviantes”. O que mantém o poder de compra de uma moeda, por exemplo, não é tanto a força absoluta de uma economia, mas a confiança de que seu valor de face não será abalado por atos arbitrários das autoridades emissoras, medidas intervencionistas que afetem sua liquidez ou alguma ameaça de confisco, mesmo indireto.
A incerteza jurídica – por vezes trazida pelos próprios juízes, que não se contentam em interpretar a lei, preferindo criá-la, ou colocá-la a serviço de alguma causa “social” – está na origem do desrespeito aos contratos e, portanto, no aumento dos custos de transação. Setores da sociedade passam a desenvolver formas próprias, geralmente informais, de intercâmbio, que podem englobar um volume crescente de atividades. Sociedades decadentes são, geralmente, sociedades nas quais a informalidade recobre grande parte da população economicamente ativa e uma fração significativa do produto social. Um Estado “extrator” pode também ser o responsável direto pela “expulsão” do mercado formal de agentes econômicos privados que não encontram nenhuma vantagem em se colocar à margem da legalidade, mas que não conseguem se enquadrar nas regras existentes. Na verdade um cipoal de regulamentos estabelecido justamente para vigiar o cumprimento de uma legislação barroca no plano regulatório.
A sociedade como um todo passa a se acostumar com a modalidade informal de se completarem as transações e, ao fim e ao cabo, os intercâmbios legais passam a cobrir uma fração cada vez menor do conjunto das trocas sociais. A sociedade de “desconfiança” afeta a todos os participantes do mercado, gerando graus crescentes de anomia e de deterioração dos costumes básicos. A sociedade em questão está “pronta” para aprofundar seu processo de decadência.

7. Avanço dos corporatismos e particularismos, em detrimento das “causas nacionais”.
A fragmentação da representação política e social nos diversos corpos constitutivos da sociedade cria uma colcha de retalhos de difícil administração institucional. Para que grandes reformas estruturais se façam – e toda sociedade requer, periodicamente, adaptação às novas condições ambientais externas e às suas próprias transformações internas, demográficas e outras –, as diferentes partes da sociedade precisam estabelecer um pacto de convivência, no qual todos cedem um pouco para que as mudanças possam ser implementadas. A perseguição de objetivos particularistas por grupos sociais organizados, geralmente com vistas a se alcançar metas setoriais e exclusivas, inviabiliza qualquer “projeto nacional” digno desse nome (ainda que essa figura seja antes um mito do que uma realidade, pois “projetos” bem executados geralmente resultam da ação decisiva de uma pequena elite de “iluminados”, quando não de um líder carismático atuando como estadista).
O fato é que os processos de decadência também são caracterizados pela existência de “projetos fragmentários”, condizentes com o perfil já fortemente sindicalizado dessa sociedade. Não é incomum a representação política passar da dominância de próceres cosmopolitas, da elite, mas dotados de uma visão do mundo não provinciana, para “delegados de categoria”, eleitos por um grupo de interesse restrito (de caráter sindical, setorial ou religioso). O processo legislativo se divide então em uma miríade de demandas particularistas, que esquartejam o orçamento nacional e transformam o planejamento público em uma assemblagem de partes heteróclitas. Congela-se a possibilidade de atuar nas grandes causas, pois o mercado político converte-se num bazar de compra e venda de projetos setoriais e fragmentários. Um indicador fiável dessa tendência é dada por meio de consulta a um calendário-agenda: a sociedade estará tão mais próxima da decadência quanto mais dias do ano são dedicados a homenagear categorias profissionais...

8. Grupos sociais particulares pretendem distinguir-se do conjunto da sociedade.
A chamada “identidade nacional” – um conceito difuso e frequentemente mal interpretado – constitui um dos traços mais conspícuos da psicologia de massas. Uma sociedade dinâmica ostenta um forte sentimento de inclusividade e de identificação com os símbolos nacionais, sejam eles realidades históricas tangíveis, sejam eles simples mitos criados para fortalecer o processo de Nation building. Em qualquer hipótese, o sentimento de pertencimento – status de appartenance ou membership – a um corpo social ou humano relativamente homogêneo é um poderoso cimento da identidade nacional, o que não impede, obviamente, particularidades regionais, traços étnicos ou especificidades culturais próprias a sociedades complexas, racialmente diversas e dotadas de origens “multinacionais”. O ideal de toda sociedade integrada e orgulhosa de sê-lo é, justamente, conseguir passar do estágio simplesmente “multinacional” para o de “sociedade multirracial”, o que deveria ser o objetivo de toda comunidade inclusiva, uma vez que tal característica destrói as próprias bases de qualquer manifestação de racismo ou apartheid.
A desafeição em relação à fusão dos particularismos raciais ou culturais no mainstream social e humano nacional enfraquece a noção de identidade nacional e reforça a noção artificial de aparteísmo. Este tipo de divisor precisa ser construído politicamente, uma vez que se adota como suposto básico a unidade fundamental do gênero humano. A divisão é, geralmente, obra de ativistas e militantes de uma causa que se julga legítima, cujas raízes encontram fundamentação histórica em opressões seculares, que se pretende transplantar para o presente, como forma de preservar antigas particularidades raciais, linguísticas ou religiosas, que já estavam prontas a se fundir no poderoso molde nacional. A conformação política de uma cultura distinta da nacional reforça manifestações de racismo ao contrário, pois que as propostas são geralmente feitas para eliminar supostos focos de “racismo”. O apartheid também pode ser construído por minorias...

9. Irresponsabilidade intergeracional, nos terrenos fiscal ou ambiental, entre outros.
O desejo de preservar o status quo, ou a inconsciência quanto à constante necessidade de ajustes e adaptações às condições “ambientais”, nacionais ou internacionais, sempre cambiantes, fazem com que gerações do presente eventualmente atuem de maneira irresponsável em relação àquelas que as sucederão. Historicamente, o problema sempre esteve associado à depredação do meio ambiente e à extinção de espécies animais, alterando o equilíbrio natural e ameaçando a sustentabilidade de sistemas econômicos inteiros. Contemporaneamente, a questão tende a se revestir de características econômicas bem marcadas, tendo a ver com a trajetória avassaladora do Estado moderno e sua voracidade fiscal, não em benefício próprio, obviamente, uma vez que o Estado é uma entidade impessoal, mas em favor de grupos ou categorias dispondo de condições de acesso e de manipulação dos mecanismos de intervenção pública.
Nos casos mais graves, o conjunto da sociedade pode atuar de maneira irresponsável, ao sustentar escolhas que representam uma clara preferência pelo bem-estar presente, em detrimento do amanhã. Seja nos esquemas de previdência social, seja nas instituições educacionais, ou ainda em matéria de déficits orçamentários e dívida pública, opções erradas e a visão imediatista dos responsáveis políticos, sustentados pela inconsciência da maioria, criam pesadas hipotecas de médio e longo prazo que deverão, em algum momento, ser resgatadas pelos sucessores, aqui entendidos como o conjunto da sociedade de uma ou duas gerações mais à frente. O declínio pode até não ser visível no próprio momento das decisões, mas o que se está fazendo, na verdade, é “contratar” a decadência futura.

10. Degradação ética e moral, independentemente de “progressos” técnicos.
Edward Gibbon, em seu justamente celebrado História do Declínio e Queda do Império Romano, tende a ver a decadência de Roma como o resultado da perda de “valores cívicos” por parte dos cidadãos do império, a começar pelos patrícios, que delegaram aos bárbaros tarefas que eles deveriam ter assumido diretamente. Ele também atacou a influência do cristianismo, como possível fator de afastamento do antigo espírito marcial e guerreiro, que tinha feito, no início, o sucesso da república e do império. Seja como for, a perda de objetivos claros quanto ao futuro, certa resignação em face das dificuldades do presente e a busca de prazeres imediatos em lugar da frugalidade produtiva e empreendedora podem ser sinais precursores da decadência.
Curiosamente, nenhum dos exemplos históricos tidos como ilustrativos ou emblemáticos desse tipo de processo pode ser considerado um insucesso absoluto na cultura ou nas artes. O vigor da produção cultural continua a todo vapor no momento mesmo em que essas sociedades passam a enfrentar problemas na economia e na inovação. Não há um elemento singular ou único que “anuncie” a decadência, mas um conjunto de comportamentos sociais e de reações que indica forte deterioração da solidariedade social e uma crescente anomia em relação aos valores básicos da sociedade. A falta de confiança nas instituições políticas e a forte desconfiança das motivações de outros grupos sociais fazem com que líderes e liderados não mais se sintam comprometidos com o mesmo conjunto de valores, passando a ocorrer manifestações de introversão e de egoísmo que logo superam a identificação com a pátria e a nação.

Em síntese, existe um “espírito” de decadência quando os setores produtivos, em especial os empresários mais politicamente ativos, se mostram resignados ante a presença avassaladora do Estado, que lhes tolhe os movimentos, impõe regras e lhes retira a substância da atividade econômica, que é o lucro e os excedentes para investir. Existe decadência quando os intelectuais e os universitários, de uma forma geral, se conformam ante o culto à ignorância exibido por certos grupos sociais ou líderes supostamente carismáticos ou “salvacionistas”. Existe decadência quando autoridades nacionais, a começar pelos encarregados da preservação da ordem jurídica e institucional, deixam de lado suas obrigações profissionais para cuidar de prosaicos interesses pessoais, pecuniários antes de tudo. Existe decadência quando o cidadão comum não vê qualquer motivo para preservar o patrimônio coletivo, demonstrando total inconsciência quanto ao dever de respeitar a herança das gerações precedentes e a necessidade de repassar às que seguirão a sua própria um ambiente melhor do que aquele recebido dos ancestrais.
Em suma, os sinais materiais, ou externos, da decadência nem sempre são os que contam na avaliação dos “progressos” dessa inacreditável marcha para trás na jornada das sociedades. A insensatez quanto aos rumos da história também se manifesta, antes de tudo, por uma pura e simples inconsciência. Manuais práticos de decadência podem ser um preventivo útil na inversão da trajetória. Basta saber consultá-los...

Brasília, 31 janeiro 2007.

 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Sexta-feira 21/11/2025 repleta: netos, debate sobre Política Externa e Interesse Nacional e homenagem ao professor Amado Luiz Cervo

Dia de muitas atividades a partir desta tarde. Depois de pegar os netos para passar o fim de semana comigo e com Carmen Lícia Palazzo, tenho dois compromissos online:

1) debate organizado pelo embaixador Rubens Barbosa sobre Política Externa e Interesse Nacional, na companhia de
Vitelio Brustolin e Karina Stange Calandrin, às 17hs, no canal YouTube do IRICE, neste link:
https://www.youtube.com/watch?v=4w74yJrglGg

2) Homenagem ao professor emérito da UnB, Amado Luiz Cervo, organizada pelo professor Carlos Domínguez, na companhia de Tereza Cristina Nascimento França (UFS), Albene Miriam Menezes Klemi (UnB), Günther Richter Mros (UFSM), Paulo Roberto de Almeida (MRE), Carlos Eduardo Vidigal (UnB), Raúl Bernal-Meza (UNICEN-Argentina), Lídia de Oliveira Xavier (Unieuro), Delmo Arguelhes (UFF); neste link:
https://www.youtube.com/live/JYKBcLA9DBQ?si=-lNNFqaq9wieR2v2

Depois, de volta aos netos.





Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...