Um leitor de trabalhos meus, em alguma das plataformas que uso (e são várias), escreveu-me para dizer que estava lendo (ou ouvindo, agora não sei), uma entrevista minha na Zero Hora de Porto Alegre, o que eu mesmo já nem me lembrava de quando exatamente foi isso. Só pode ter sido depois de minha defenestração do cargo de diretor do IPRI-MRE, quando fiquei brevemente e temporariamente "famoso", e fui assediado por diversos jornalistas de vários veículos de comunicação. Sem saber exatamente o que foi registrado, busquei no instrumento de pesquisa do jornal Zero Hora por meio do meu nome, e veio o que vai abaixo.
Ainda não li, ou ouvi, depois eu faço isso.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de maio de 2019
Addendum: agora pude ler minha entrevista ao Zero Hora, que transcrevo abaixo.
RELAÇÕES EXTERIORES
"Fui proibido de
trabalhar", desabafa diplomata demitido por Bolsonaro e Ernesto Araújo
Em
entrevista, Paulo Roberto de Almeida, que foi afastado na segunda-feira,
denuncia quebra de hierarquia e diz que exoneração ocorreu por críticas a Olavo
de Carvalho
Zero Hora, 05/03/2019
- 16h25min
RODRIGO
LOPES
·
Em tom de
desabafo, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, exonerado do cargo de
presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na
segunda-feira (4), por críticas ao
chanceler Ernesto Araújo,
afirmou à coluna estar se sentindo livre. O afastamento ocorreu depois que
Almeida reproduziu, em seu blog pessoal,
três textos recentes, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
do embaixador Rubens Ricupero e do atual ministro das Relações Exteriores,
sobre a crise na Venezuela.
Em seu artigo, Araújo critica as posições dos antecessores,
afirmando que os dois “escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não
conhecem”.
Antes, o
embaixador agora demitido havia feito críticas ao escritor Olavo de Carvalho,
responsável por apresentar Araújo ao presidente Jair Bolsonaro.
Almeida acredita que este foi o real motivo de seu afastamento.
Na entrevista a
seguir, Almeida faz duras críticas ao atual assessor especial da
Presidência, Filipe Martins,
chamando-o de "Robespirralho", em referência a Robespierre, líder dos
jacobinos durante a Revolução Francesa, quando foi implantado um regime de
terror no país. Ele também considera Araújo "um embaixador júnior",
que promoveu uma nova geração a postos de comando por ter dificuldade em
dialogar com embaixadores mais antigos "e provavelmente mais sapientes do
que ele".
Pelos colegas, o
afastamento é visto como um ato de repressão político-ideológica do governo
Bolsonaro.
Diplomata desde
1977, Almeida serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros
postos de destaque. Em 1984, concluiu doutorado em Ciência Política pela
Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. Ele havia assumido a direção do
instituto em 2016 durante o governo Michel Temer.
Mesmo exonerado do comando do Ipri, Almeida seguirá no Itamaraty porque é
diplomata de carreira.
A seguir, os
principais trechos da entrevista.
Como o senhor está
depois da exoneração do cargo?
Estou me sentindo
livre porque, desde novembro do ano passado, quando foi anunciado o novo
chanceler, sabia que meu tempo no Ipri (Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais)estava contado. Trata-se de um embaixador
júnior (Ernesto Araújo), que anunciou várias coisas bizarras do
ponto de vista da diplomacia. O que se viu pelo blog dele (antes de ser
nomeado chanceler) e por declarações que deu, Araújo seria algo
estranho para a diplomacia brasileira e para a administração, inclusive pelo
fato de ser um embaixador júnior. Toda mudança de governo suscita substituição
de pessoal. É normal que os novos dirigentes escolham seus assessores. É normal
que eu fosse substituído. Só não sabia que seria dessa forma. Eu sabia que
haveria substituição, tanto que foi anunciado um chefe mais jovem do que eu.
Não um embaixador, mas um ministro de segunda classe, aliás um rapaz que foi
meu secretário em Washington. Em dezembro, todos os embaixadores que eram
subsecretários, com dois ou três postos no Exterior, foram comunicados de que
estavam em disponibilidade. Todos foram substituídos por secretários jovens.
Essa é a postura do Itamaraty, uma ruptura de hierarquia, como os militares
dizem, coronel mandando em general. Mas (uma atitude)que combina
com a postura do chanceler devido a sua insegurança em dialogar com
embaixadores mais experientes, mais antigos, provavelmente mais sapientes do
que ele em diferentes temas.
O senhor se
considera vítima de censura?
Desde janeiro, fui
proibido de trabalhar. Saí de Brasília logo depois do Natal, fui para o Rio
Grande do Sul (sua esposa, Carmen Licia Palazzo, é gaúcha), fiquei
aí até o começo do ano. Voltei a Brasília no dia 14. Quando retornei, fui
instruído a não fazer nada até que tivesse um novo presidente da Funag (Fundação
Alexandre de Gusmão, instituição ligada ao Ministério das Relações Exteriores),
até que tivesse aprovado meu programa pelo chanceler. É inédito ser instruído a
não fazer nada, a não trabalhar. Não esperava uma defenestração como ocorreu
ontem (segunda-feira) pela manhã. Eles usaram o argumento da publicação no meu
blog pessoal de três artigos (de Fernando Henrique Cardoso, de Rubens Ricupero e
de Araújo).
Chamei Olavo (de Carvalho) de sofista da Virgínia. E
gozei dele em várias postagens, porque ele é um ignorante em política
internacional.
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
Diplomata
O senhor sentiu
que aquela publicação seria a gota d'água?
Estava propondo um
debate, como sempre fiz. Sempre publiquei coisas sobre política externa em meus
blogs e nas minhas redes sociais. Sempre debati com as pessoas, sempre escrevi.
Aquilo não foi o gatilho da demissão. O gatilho está em comentários anteriores
que fiz sobre Olavo de Carvalho,
que é o santo protetor de Ernesto Araújo. Chamei Olavo de sofista da Virgínia.
E gozei dele em várias postagens, porque ele é um ignorante em política
internacional, em economia. Na última postagem, gozei de uma declaração que
fez, dizendo que os anos de maior comércio com a China também corresponderam
aos de maior decadência moral, política e social no Brasil. Algo tão
estapafúrdio que não pude me conter ao dizer que aquilo era uma idiotice total.
E, claro, (critiquei) Eduardo Bolsonaro, quando ele falou
contra a ida de Lula no velório do neto. Fiz uma postagem pequena dizendo que
fundamentalistas não só se parecem como são semelhantes. Achei horrível.
Chama atenção que
o senhor ficou quase 14 anos na geladeira do Itamaraty, durante o governo do
PT. E agora é exonerado pela direita. O senhor se sente perseguido?
Os extremismos e
fundamentalismos se parecem. Eles não suportam contestação, controvérsia. James
Bond, que todo mundo conhece porque tinha permissão especial da rainha para
matar. Eu me auto atribuí permissão especial para dissentir, para divergir.
Sempre escrevi e por isso sempre fui punido. Inclusive antes do lulopetismo eu
já havia sido punido pelo regime tucanês por escrever sem autorização. O
próprio Seixas Corrêa (Luiz Felipe de Seixas Correa, embaixador) me
puniu três vezes, por eu escrever e publicar sem autorização. Me puniu
indevidamente porque você, como diplomata, não pode escrever sobre temas de
política externa da agenda corrente sem autorização superior. O que eu
concordo. Mas eu escrevia sobre política internacional de forma geral. Ele
tinha feito uma lei da mordaça que serviu para defenestrar o Samuel Pinheiro Guimarães
da minha mesma posição. Ele era diretor do Ipri em 2001 e foi defenestrado pelo
Seixas Corrêa. Passei 13 anos e meio fora de qualquer cargo, só fui
chamado depois do impeachment de Dilma, em agosto de 2016.
O filho do
presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro é uma espécie de chanceler
paralelo?
Sem dúvida. Já
tinha o Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência) no
regime lulopetista. Mas é muito diferente. Não dá para compará-lo com o Filipe
Martins (que ocupa o cargo no governo Bolsonaro), chamado de
"Robespirralho" (referência a Robespierre, líder dos
jacobinos durante a Revolução Francesa, quando foi implantado um regime de
terror) porque não tem estatura. Marco Aurélio Garcia era um agente
cubano, homem de confiança dos cubanos para o Fórum de São Paulo e outras
coisas da política externa para a América do Sul, tanto que era chamado de
chanceler para a América do Sul. Ele tinha certa autoridade sobre o Itamaraty.
Felipe Martins é só um colega de conversas de Ernesto Araújo. Ernesto Araújo
não tem nada desse olavismo desenfreado. Nunca foi. Ele usou isso para
ascender, isso é construído, é deliberado. Ele farejou essa coisa e investiu
nessa vertente.
O senhor quer
dizer que ele usou Olavo de Carvalho como trampolim para chegar ao cargo?
Exatamente. Ele
estava em Washington quando estava lá Nestor Forster Júnior (diplomata
na capital americana), um grande amigo meu, bom funcionário, mas um
olavista fanático. Ele foi o cara que o levou Araújo a Olavo de Carvalho, em
maio do ano passado, na Virgínia (estado americano onde Olavo mora).
Bolsonaro e
Ernesto Araújo prometem desideologizar o Itamaraty, mas aparentemente há muita
ideologia na atual política externa brasileira.
É até irônico falarem essas coisas. Não tem nada de
mais ideológico do que falar contra globalismo, climatismo, marxismo cultural,
politicamente correto, ideologia de gênero. Eles não se dão conta de que são
ridículos. É absolutamente ridículo de falar política externa e comércio sem
ideologia, quando o que mais fazem é reclamar da China.
Não tem nada de mais ideológico do que falar contra
globalismo, climatismo, marxismo cultural, politicamente correto, ideologia de
gênero.
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
Diplomata
E Araújo, o senhor
tem o criticado duramente, chamando-o de "júnior". As relações entre
vocês inexistem?
Elas são
totalmente inexistentes. Eu o conheci nos anos 1990, quando ele trabalhava
sobre Mercosul e até assinou um livro sobre o tema com o embaixador Sérgio
Florêncio (embaixador), que eu resenhei, achei muito bom livro (a obra
chama-se Mercosul hoje). Depois, nunca mais havia encontrado com ele. Em
novembro de 2016, quando comecei a convidar pessoas para palestras no Ipri,
chamei um amigo meu, professor da Academia Diplomática Americana, para falar
sobre as implicações do governo Donald Trump para o Brasil e a América Latina.
Tinha chamado Ernesto Araújo, que então era ministro-chefe do Departamento da
América do Norte para ele comentar e introduzir o debate. Ele sacou do bolso um
monte de folhas e começou a ler aquela coisa que depois se converteu no artigo
dele: Trump e o Ocidente. Fiquei agastado porque não o chamei para proclamar
que Trump iria salvar o Ocidente, mas não podia interrompê-lo na frente de todo
mundo. Ele falou 20 minutos. Nem prestei atenção no que tinha falado. Fiquei
entregue a minhas coisas. Teve uma pergunta de um professor da audiência,
Eduardo Viola, que fez uma pergunta: "Ernesto, o senhor acredita realmente
que o Facebook e o Google fazem parte dessa conspiração globalista contra a
soberania dos países?". Ele simplesmente disse: "Sim, acredito."
Fiquei surpreendido. Só em março ou abril de 2017 é que ele (Araújo)apresentou
esse artigo para a revista Cadernos de Política Exterior. Em novembro de 2018,
soube que, depois que a revista fora impressa, ele foi levá-la para Olavo de
Carvalho na Virgínia. Ele começou a construir a coisa desde 2016.
O senhor foi
exonerado por meio de uma ligação do chefe de gabinete do ministro de Estado,
Pedro Gustavo Ventura Wollny. Foi dito que o senhor estava saindo do cargo
devido às publicações dos artigos em seu blog?
Ele achou que eu
tinha sido descortês com o ministro não só em relação a esses artigos, mas a
outras postagens que fiz. Sempre coloco o que acho interessante. Todos os
artigos que coloco estão no clipping do Itamaraty. A alegação é de que fui
descortês com a chefia da Casa. A versão verdadeira é de que provavelmente
ofendi Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, os dois sustentáculos de Ernesto.
Tecnicamente, o
senhor pode ser exonerado. O que vai fazer agora?
Fui colocado lá
por decisão do governo Temer, do ministro José Serra (ex-chanceler),
do Rubens Ricupero, do Rubens Barbosa (embaixadores). Estava nos
corredores por anos. Me resgataram, fui promovido. Eu poderia ser exonerado a
qualquer momento. Muda o governo, todos os embaixadores podem ser substituídos.
Agora, vou fazer o que sempre fiz. Vou para a biblioteca (do Itamaraty),
sento, leio, penso e escrevo. Eles não vão me oferecer nada no Itamaraty e nada
lá fora. Ou eu arrumo um trabalho fora do Itamaraty ou fico sem função, o que
até é uma irregularidade administrativa. Você não pode ficar recebendo sem
trabalhar. Mas fiquei. Durante todo o lulopetismo, fui todas as vezes ao chefe
da administração dizer: "Olha, estou aqui para trabalhar, por favor, me
deem uma função". Eles respondiam: "Ah, sim, vamos tratar".
Nunca fizeram nada.
Ficaram enrolando?
Até um chefe da
área falou: Você é uma pessoa muito valiosa, mas, se o chanceler não gosta de
você, fica difícil eu lhe colocar na minha área".
Como o senhor
resume o que está acontecendo no Itamaraty em termos de política externa
brasileira?
Não temos política
externa. Alguns questionam a minha opinião sobre política externa, eu pergunto:
"Qual?" Não há nenhuma exposição sobre política externa. Há um
conjunto de pronunciamentos que vão sendo revertidos por "volta
atrás!" do próprio presidente ou por tutela dos militares. Tudo o que
Ernesto Araújo falou de mais controverso foi claramente cerceado, revertido
pelos militares: base americana, Jerusalém, China, Acordo de Paris. Não está
acontecendo nada de política externa porque não há. Existem eflúvios
bolsonaristas e olavistas que orientam algumas ações do chanceler Ernesto
Araújo sob estreita e estrita vigilância do comitê de tutela militar.
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