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sábado, 16 de julho de 2022

“Dicionário dos Antis” apresenta o Brasil como o país do contra - Jorge Barcellos (Zero Hora)

 

Cultura negativista

“Dicionário dos Antis” apresenta o Brasil como o país do contra

Seria a intolerância, a segregação e a capacidade de ser sectário também uma herança de nossa formação?

    Eyematrix / stock.adobe.com
    Vivemos a época do êxtase dos discursos e práticas que antagonizam os Outros, produto de um mundo dividido

    Jorge Barcellos (*)

    Em A Vertigem das Listas, Umberto Eco afirma que as listas mudaram ao longo do tempo e expressaram o espírito de sua época. A publicação de Dicionário dos Antis: a Cultura Brasileira em Negativo (editora Pontes, 858 páginas, R$ 160), por um lado, mostra que vivemos uma época que pode ser resumida por um notável prefixo anti, o que significa que somos, acima de tudo, uma cultura do contra; por outro lado, vivemos num pais no qual, ao longo dos últimos anos, emergem todas as correntes e discursos centrados na percepção negativa do Outro — antissemitismo, anticlericalismo, anticomunismo etc. — e sobre o qual se constituem as identidades no Brasil

    Reunindo artigos de 131 pesquisadores em 133 verbetes que descrevem o processo de demonização das diferenças, a obra é uma história da cultura brasileira em negativo. Produto da parceria de caráter internacional entre o Núcleo de Estudos de Cultura da Universidade Federal de Sergipe e o Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) da Universidade de Lisboa, com o apoio de mais 13 instituições nacionais e internacionais, a obra dirigida pelos pesquisadores Luiz Eduardo Oliveira e José Eduardo Franco tem a versão brasileira organizada por Carmela Grüne, Cristiane Nunes, Jean Chauvin, José dos Santos e Sandro Marengo, reunindo famosos pesquisadores brasileiros, como Luis Mott, Maria Luiza Tucci Carneiro e Valdete Souto Severo, e outros nem tão conhecidos — como o resenhista que vos fala, que colabora com o artigo Antibolsonarismo. É uma obra top de linha. 

    livro reproduz no Brasil o que o Dicionário dos Antis: a Cultura Portuguesa em Negativo foi em Lisboa. A ideia surgiu ao escritor português José Eduardo Franco em 2004, quando estava concluindo seu doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Lá, estudou os discursos anti, como o antijesuitismo, o antissemitismo, o anticastelhanismo, o anti-islamismo, o antimaçonismo, o antiprotestantismo e o anticomunismo, e começou a redigir o dicionário português em 2011, lançando-o em 2018. No ano seguinte, partiu para construir o dicionário brasileiro, processo que foi impactado pela pandemia em 2020. 

    Talvez por essa razão, a versão brasileira saiu menor do que a portuguesa: suas 858 páginas representam menos do que a metade da versão além-mar, com suas 2.314 páginas divididas em dois volumes. Ainda assim, no entanto, é uma edição de fôlego. 

    Escreve José Eduardo Franco: “Fomos habituados, na escola, a aprender fundamentalmente aquilo a que podemos chamar a cultura positiva, a visão afirmativa da história. Este dicionário, em contrapartida, propõe uma visão diametralmente oposta: uma viagem pelas correntes, etnias, religiões e instituições, as figuras a partir do olhar do adversário, de quem discordou, de quem atacou, de quem pensou o contrário”. 

    O cenário que os autores encontram no Brasil é inquietante. Os artigos reunidos revelam que o negativo também faz parte de nossa natureza, que percebemos o Outro de forma reduzida e, com isso, criamos os estereótipos e demonizamos as diferenças. 

    É curioso que a ideia de ser “do contra” seja tão presente tanto no Brasil quanto em Portugal. Seria a intolerância, a segregação e a capacidade de ser sectário também uma herança de nossa formação? 

    Os organizadores afirmam que o negativo “é um elemento constitutivo do processo de construção de identidades, quando não parte integrante das mesmas”. A obra instaura um discurso crítico do conhecimento do Outro, recusando as visões simplificadoras e empobrecedoras. A realidade é complexa, rica e diversa. As fake news, nesse sentido, seriam apenas mais um recurso propagandístico a serviço da deturpação da verdade, e, nesse sentido, antijornalismo. 

    Há os anti no campo social (antifeminismo, anti-humanismo), no econômico (anticapitalismo, anticomunismo), no ideológico (antiantropocentrismo, anticolonialismo), no artístico (antiarquitetura, anticlassicismo), mas é no campo político que a contribuição da obra à cultura brasileira é mais forte: de anticorrupção à antilavajatismo, passando por antipetismo e antibolsonarismo, é a crônica anunciada de uma cultura em desagregação. Seu ponto de partida é o nosso ponto de chegada, o de que vivemos a época do êxtase dos discursos e práticas que antagonizam os Outros, produto de um mundo dividido que usa de diversas estratégias, seja em termos de estilo de vida, crenças ou ideologia. Nesses discursos, o Outro é visto como uma ameaça aos valores do grupo que o pronuncia e aquele que o profere se apresenta como “novo” porque reduz o diferente ao “velho”, síntese de nossas práticas da qual os brasileiros não se orgulhariam ao olhar no espelho.

    (*) Doutor em Educação (UFRGS)

    quinta-feira, 15 de outubro de 2020

    Resistindo ao Espírito do Tempo: a Confraria PAZ (no RS) - Marcos Rolim et ali (Zero Hora)

    Um artigo, publicado no jornal gaúcho Zero Hora, da RBS (Rede Brasil Sul) de Comunicações, a propósito dos quatro anos de criação e operações da Confraria PAZ, à qual tive o prazer, junto com Carmen Lícia Palazzo, de estar associado desde que seu funcionamento passou a ser feito de maneira virtual, em virtude da pandemia, atendendo ao convite de nosso amigo comum, o historiador gaúcho Gunter Axt (com quem eu já havia colaborado anos atrás num livro co-organizado com Fernando Schuler sobre Os Construtores do Brasil, com um capítulo sobre Hipólito da Costa).

    Paulo Roberto de Almeida

     Resistindo ao Espírito do Tempo 

    Daniela Sallet, Cláudia Laitano, Gunter Axt, Juliano Corbellini e Marcos Rolim

    Zero Hora   (Porto Alegre), 15/10/2020

     

    Nesse dia 16, terão se passados quatro anos desde a morte de Plínio Alexandre Zalewski. Muito provavelmente, ele não suportou um tipo de ataque que passou a ser comum desde que a intolerância se converteu em paisagem. Plínio havia acumulado uma importante experiência na militância política e se construído como um quadro qualificado na gestão pública. Ao longo de sua vida, se envolveu intensamente com a ideia da renovação ética das práticas políticas, articulando projetos e iniciativas que valorizavam a democracia e a participação cidadã. Leitor apaixonado, era tranquilo, gentil e comprometido em superar as superfícies por onde o autoritarismo constrói a cultura do “cancelamento” e por onde começam todas as ameaças.  

    Logo após o trágico evento, um grupo de amigos do Plínio, que prezavam especialmente a disposição pelo debate respeitoso, propuseram a formação de uma confraria, algo como uma associação de homens e mulheres livres. A expressão evoca o convívio fraterno, aquele que se realiza na medida em que reconhecemos no outro a humanidade que nos define. A ideia, tão simples, foi a de aproximar pessoas interessadas em temas relevantes - da política, da cultura, das ciências - independentemente de suas inclinações político-ideológicas, para encontros mensais de debate franco, quase sempre aberto por pessoa convidada, especialista no tema selecionado.  

    E para que objetivo tais pessoas deveriam se reunir? Com que propósitos políticos? Nenhum propósito além do prazer em interagir, em transitar por uma zona não marcada por interdições, e deslocar-se pela força de argumentos sólidos. Nenhuma estratégia, salvo a firme determinação de resistir ao “espírito do tempo” (Zeitgeist) e à distopia que vai se tecendo a cada vez que a estupidez é normalizada.

    Tomamos, então, as iniciais do nome de nosso amigo ausente, e chamamos nossos encontros de “Confraria Paz”.  A paz pressupõe a lei civil e se traduz, em sua forma mais avançada, na construção desse magnífico artifício que costumamos identificar pelo nome de democracia. Em um Estado Democrático de Direito, como se sabe, todos possuem garantias fundamentais que não podem, aliás, ser suprimidas por maiorias eventuais; compreensão corporificada no instituto das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição Federal (art. 60, § 4º).

    Por conta desses direitos, não há “ponta de praia” aos dissidentes, nem metralha para os hereges. Pelo contrário, nos interessa os olhares desviantes, as sensibilidades diversas e, sobretudo, as dúvidas pertinentes já que elas originam o pensamento.  

    Com esses pressupostos, temos nos reunido há quatro anos, ouvindo pessoas das mais diversas formações e posicionamentos, todas, claro, dentro do campo civilizatório demarcado pela Constituição Federal de 1988. A experiência tem nos oferecido ensinamentos que emergem da diversidade e permitido, a cada um dos professores, pesquisadores, servidores públicos e profissionais liberais que integram a confraria, o convívio em uma pequena polis – desde o início da pandemia, virtual - onde a reflexão é sempre bem-vinda. 

    É preciso reconstruir espaços públicos para que as palavras transitem por sobre os muros que resguardam o poder e a mentira. Nesses espaços, podemos nos reconhecer politicamente como iguais e legitimar a razão dissonante. A Confraria Paz é uma gota em um oceano turbulento cada vez mais avesso ao debate e à razão. Nada impede, entretanto, que experiências como ela se disseminem, semeando o respeito, ao invés do escárnio; as evidências, ao invés dos dogmas; a solidariedade ao invés do egoísmo e a compaixão ao invés da indiferença.  Plinio, por certo, apreciaria muito essa missão. 


    segunda-feira, 20 de maio de 2019

    Paulo Roberto de Almeida na Zero Hora de Porto Alegre: o que foi que eu disse mesmo?

    Um leitor de trabalhos meus, em alguma das plataformas que uso (e são várias), escreveu-me para dizer que estava lendo (ou ouvindo, agora não sei), uma entrevista minha na Zero Hora de Porto Alegre, o que eu mesmo já nem me lembrava de quando exatamente foi isso. Só pode ter sido depois de minha defenestração do cargo de diretor do IPRI-MRE, quando fiquei brevemente e temporariamente "famoso", e fui assediado por diversos jornalistas de vários veículos de comunicação. Sem saber exatamente o que foi registrado, busquei no instrumento de pesquisa do jornal Zero Hora por meio do meu nome, e veio o que vai abaixo.
    Ainda não li, ou ouvi, depois eu faço isso.
    Paulo Roberto de Almeida
    Brasília, 20 de maio de 2019
    Addendum: agora pude ler minha entrevista ao Zero Hora, que transcrevo abaixo.


    RELAÇÕES EXTERIORES
    "Fui proibido de trabalhar", desabafa diplomata demitido por Bolsonaro e Ernesto Araújo
    Em entrevista, Paulo Roberto de Almeida, que foi afastado na segunda-feira, denuncia quebra de hierarquia e diz que exoneração ocorreu por críticas a Olavo de Carvalho
    Zero Hora, 05/03/2019 - 16h25min
    RODRIGO LOPES
    ·        
    Em tom de desabafo, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, exonerado do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na segunda-feira (4), por críticas ao chanceler Ernesto Araújo, afirmou à coluna estar se sentindo livre. O afastamento ocorreu depois que Almeida reproduziu, em seu blog pessoal, três textos recentes, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do embaixador Rubens Ricupero e do atual ministro das Relações Exteriores, sobre a crise na Venezuela.  Em seu artigo, Araújo critica as posições dos antecessores, afirmando que os dois “escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem”. 
    Antes, o embaixador agora demitido havia feito críticas ao escritor Olavo de Carvalho, responsável por apresentar Araújo ao presidente Jair Bolsonaro. Almeida acredita que este foi o real motivo de seu afastamento. 
    Na entrevista a seguir, Almeida faz duras críticas ao atual assessor especial da Presidência, Filipe Martins, chamando-o de "Robespirralho", em referência a Robespierre, líder dos jacobinos durante a Revolução Francesa, quando foi implantado um regime de terror no país. Ele também considera Araújo "um embaixador júnior", que promoveu uma nova geração a postos de comando por ter dificuldade em dialogar com embaixadores mais antigos "e provavelmente mais sapientes do que ele".
    Pelos colegas, o afastamento é visto como um ato de repressão político-ideológica do governo Bolsonaro.
    Diplomata desde 1977, Almeida serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros postos de destaque. Em 1984, concluiu doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. Ele havia assumido a direção do instituto em 2016 durante o governo Michel Temer. Mesmo exonerado do comando do Ipri, Almeida seguirá no Itamaraty porque é diplomata de carreira.
    A seguir, os principais trechos da entrevista.
    Como o senhor está depois da exoneração do cargo?
    Estou me sentindo livre porque, desde novembro do ano passado, quando foi anunciado o novo chanceler, sabia que meu tempo no Ipri (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais)estava contado. Trata-se de um embaixador júnior (Ernesto Araújo), que anunciou várias coisas bizarras do ponto de vista da diplomacia. O que se viu pelo blog dele (antes de ser nomeado chanceler) e por declarações que deu, Araújo seria algo estranho para a diplomacia brasileira e para a administração, inclusive pelo fato de ser um embaixador júnior. Toda mudança de governo suscita substituição de pessoal. É normal que os novos dirigentes escolham seus assessores. É normal que eu fosse substituído. Só não sabia que seria dessa forma. Eu sabia que haveria substituição, tanto que foi anunciado um chefe mais jovem do que eu. Não um embaixador, mas um ministro de segunda classe, aliás um rapaz que foi meu secretário em Washington. Em dezembro, todos os embaixadores que eram subsecretários, com dois ou três postos no Exterior, foram comunicados de que estavam em disponibilidade. Todos foram substituídos por secretários jovens. Essa é a postura do Itamaraty, uma ruptura de hierarquia, como os militares dizem, coronel mandando em general. Mas (uma atitude)que combina com a postura do chanceler devido a sua insegurança em dialogar com embaixadores mais experientes, mais antigos, provavelmente mais sapientes do que ele em diferentes temas.
    O senhor se considera vítima de censura?
    Desde janeiro, fui proibido de trabalhar. Saí de Brasília logo depois do Natal, fui para o Rio Grande do Sul (sua esposa, Carmen Licia Palazzo, é gaúcha), fiquei aí até o começo do ano. Voltei a Brasília no dia 14. Quando retornei, fui instruído a não fazer nada até que tivesse um novo presidente da Funag (Fundação Alexandre de Gusmão, instituição ligada ao Ministério das Relações Exteriores), até que tivesse aprovado meu programa pelo chanceler. É inédito ser instruído a não fazer nada, a não trabalhar. Não esperava uma defenestração como ocorreu ontem (segunda-feira) pela manhã. Eles usaram o argumento da publicação no meu blog pessoal de três artigos (de Fernando Henrique Cardoso, de Rubens Ricupero e de Araújo).
    Chamei Olavo (de Carvalho) de sofista da Virgínia. E gozei dele em várias postagens, porque ele é um ignorante em política internacional.
    PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
    Diplomata
    O senhor sentiu que aquela publicação seria a gota d'água?
    Estava propondo um debate, como sempre fiz. Sempre publiquei coisas sobre política externa em meus blogs e nas minhas redes sociais. Sempre debati com as pessoas, sempre escrevi. Aquilo não foi o gatilho da demissão. O gatilho está em comentários anteriores que fiz sobre Olavo de Carvalho, que é o santo protetor de Ernesto Araújo. Chamei Olavo de sofista da Virgínia. E gozei dele em várias postagens, porque ele é um ignorante em política internacional, em economia. Na última postagem, gozei de uma declaração que fez, dizendo que os anos de maior comércio com a China também corresponderam aos de maior decadência moral, política e social no Brasil. Algo tão estapafúrdio que não pude me conter ao dizer que aquilo era uma idiotice total. E, claro, (critiquei) Eduardo Bolsonaro, quando ele falou contra a ida de Lula no velório do neto. Fiz uma postagem pequena dizendo que fundamentalistas não só se parecem como são semelhantes. Achei horrível. 
    Chama atenção que o senhor ficou quase 14 anos na geladeira do Itamaraty, durante o governo do PT. E agora é exonerado pela direita. O senhor se sente perseguido?
    Os extremismos e fundamentalismos se parecem. Eles não suportam contestação, controvérsia. James Bond, que todo mundo conhece porque tinha permissão especial da rainha para matar. Eu me auto atribuí permissão especial para dissentir, para divergir. Sempre escrevi e por isso sempre fui punido. Inclusive antes do lulopetismo eu já havia sido punido pelo regime tucanês por escrever sem autorização. O próprio Seixas Corrêa (Luiz Felipe de Seixas Correa, embaixador) me puniu três vezes, por eu escrever e publicar sem autorização. Me puniu indevidamente porque você, como diplomata, não pode escrever sobre temas de política externa da agenda corrente sem autorização superior. O que eu concordo. Mas eu escrevia sobre política internacional de forma geral. Ele tinha feito uma lei da mordaça que serviu para defenestrar o Samuel Pinheiro Guimarães da minha mesma posição. Ele era diretor do Ipri em 2001 e foi defenestrado pelo Seixas Corrêa. Passei 13 anos e meio  fora de qualquer cargo, só fui chamado depois do impeachment de Dilma, em agosto de 2016. 
    O filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro é uma espécie de chanceler paralelo?
    Sem dúvida. Já tinha o Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência) no regime lulopetista. Mas é muito diferente. Não dá para compará-lo com o Filipe Martins (que ocupa o cargo no governo Bolsonaro), chamado de "Robespirralho" (referência a Robespierre, líder dos jacobinos durante a Revolução Francesa, quando foi implantado um regime de terror) porque não tem estatura. Marco Aurélio Garcia era um agente cubano, homem de confiança dos cubanos para o Fórum de São Paulo e outras coisas da política externa para a América do Sul, tanto que era chamado de chanceler para a América do Sul. Ele tinha certa autoridade sobre o Itamaraty. Felipe Martins é só um colega de conversas de Ernesto Araújo. Ernesto Araújo não tem nada desse olavismo desenfreado. Nunca foi. Ele usou isso para ascender, isso é construído, é deliberado. Ele farejou essa coisa e investiu nessa vertente.
    O senhor quer dizer que ele usou Olavo de Carvalho como trampolim para chegar ao cargo?
    Exatamente. Ele estava em Washington quando estava lá Nestor Forster Júnior (diplomata na capital americana), um grande amigo meu, bom funcionário, mas um olavista fanático. Ele foi o cara que o levou Araújo a Olavo de Carvalho, em maio do ano passado, na Virgínia (estado americano onde Olavo mora).
    Bolsonaro e Ernesto Araújo prometem desideologizar o Itamaraty, mas aparentemente há muita ideologia na atual política externa brasileira.
    É até irônico falarem essas coisas. Não tem nada de mais ideológico do que falar contra globalismo, climatismo, marxismo cultural, politicamente correto, ideologia de gênero. Eles não se dão conta de que são ridículos. É absolutamente ridículo de falar política externa e comércio sem ideologia, quando o que mais fazem é reclamar da China. 
    Não tem nada de mais ideológico do que falar contra globalismo, climatismo, marxismo cultural, politicamente correto, ideologia de gênero.
    PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
    Diplomata
    E Araújo, o senhor tem o criticado duramente, chamando-o de "júnior". As relações entre vocês inexistem?
    Elas são totalmente inexistentes. Eu o conheci nos anos 1990, quando ele trabalhava sobre Mercosul e até assinou um livro sobre o tema com o embaixador Sérgio Florêncio (embaixador), que eu resenhei, achei muito bom livro (a obra chama-se Mercosul hoje). Depois, nunca mais havia encontrado com ele. Em novembro de 2016, quando comecei a convidar pessoas para palestras no Ipri, chamei um amigo meu, professor da Academia Diplomática Americana, para falar sobre as implicações do governo Donald Trump para o Brasil e a América Latina. Tinha chamado Ernesto Araújo, que então era ministro-chefe do Departamento da América do Norte para ele comentar e introduzir o debate. Ele sacou do bolso um monte de folhas e começou a ler aquela coisa que depois se converteu no artigo dele: Trump e o Ocidente. Fiquei agastado porque não o chamei para proclamar que Trump iria salvar o Ocidente, mas não podia interrompê-lo na frente de todo mundo. Ele falou 20 minutos. Nem prestei atenção no que tinha falado. Fiquei entregue a minhas coisas. Teve uma pergunta de um professor da audiência, Eduardo Viola, que fez uma pergunta: "Ernesto, o senhor acredita realmente que o Facebook e o Google fazem parte dessa conspiração globalista contra a soberania dos países?". Ele simplesmente disse: "Sim, acredito." Fiquei surpreendido. Só em março ou abril de 2017 é que ele (Araújo)apresentou esse artigo para a revista Cadernos de Política Exterior. Em novembro de 2018, soube que, depois que a revista fora impressa, ele foi levá-la para Olavo de Carvalho na Virgínia. Ele começou a construir a coisa desde 2016.
    O senhor foi exonerado por meio de uma ligação do chefe de gabinete do ministro de Estado, Pedro Gustavo Ventura Wollny. Foi dito que o senhor estava saindo do cargo devido às publicações dos artigos em seu blog?
    Ele achou que eu tinha sido descortês com o ministro não só em relação a esses artigos, mas a outras postagens que fiz. Sempre coloco o que acho interessante. Todos os artigos que coloco estão no clipping do Itamaraty. A alegação é de que fui descortês com a chefia da Casa. A versão verdadeira é de que provavelmente ofendi Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, os dois sustentáculos de Ernesto. 
    Tecnicamente, o senhor pode ser exonerado. O que vai fazer agora?
    Fui colocado lá por decisão do governo Temer, do ministro José Serra (ex-chanceler), do Rubens Ricupero, do Rubens Barbosa (embaixadores). Estava nos corredores por anos. Me resgataram, fui promovido. Eu poderia ser exonerado a qualquer momento. Muda o governo, todos os embaixadores podem ser substituídos. Agora, vou fazer o que sempre fiz. Vou para a biblioteca (do Itamaraty), sento, leio, penso e escrevo. Eles não vão me oferecer nada no Itamaraty e nada lá fora. Ou eu arrumo um trabalho fora do Itamaraty ou fico sem função, o que até é uma irregularidade administrativa. Você não pode ficar recebendo sem trabalhar. Mas fiquei. Durante todo o lulopetismo, fui todas as vezes ao chefe da administração dizer: "Olha, estou aqui para trabalhar, por favor, me deem uma função". Eles respondiam: "Ah, sim, vamos tratar". Nunca fizeram nada.
    Ficaram enrolando?
    Até um chefe da área falou: Você é uma pessoa muito valiosa, mas, se o chanceler não gosta de você, fica difícil eu lhe colocar na minha área".
    Como o senhor resume o que está acontecendo no Itamaraty em termos de política externa brasileira?
    Não temos política externa. Alguns questionam a minha opinião sobre política externa, eu pergunto: "Qual?" Não há nenhuma exposição sobre política externa. Há um conjunto de pronunciamentos que vão sendo revertidos por "volta atrás!" do próprio presidente ou por tutela dos militares. Tudo o que Ernesto Araújo falou de mais controverso foi claramente cerceado, revertido pelos militares: base americana, Jerusalém, China, Acordo de Paris. Não está acontecendo nada de política externa porque não há. Existem eflúvios bolsonaristas e olavistas que orientam algumas ações do chanceler Ernesto Araújo sob estreita e estrita vigilância do comitê de tutela militar.

    3425bis. “Fui proibido de trabalhar", desabafa diplomata demitido por Bolsonaro e Ernesto Araújo”, Brasília-Porto Alegre, 5 março 2019, 3 p. Entrevista concedida ao jornalista Rodrigo Lopes, do jornal Zero Hora (Porto Alegre); publicada na edição de 5/03/2019 (link: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rodrigo-lopes/noticia/2019/03/fui-proibido-de-trabalhar-desabafa-diplomata-demitido-por-bolsonaro-e-ernesto-araujo-cjsw5us1000jn01qkba0wa04n.html).



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