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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Uma lagrima para... Gilberto Paim: um racional que se vai - Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 25/08/2013

 Faleceu, na sexta-feira passada (23-08-2013), na cidade do Rio de Janeiro, o grande escritor, pesquisador e jornalista Gilberto Paim. Era um liberal de fortes convicções e um patriota de tempo completo. A sua posição crítica em face do Estado patrimonial brasileiro, que fez da Petrobrás butim a ser distribuído alegremente entre os "companheiros", valeu-lhe, décadas atrás, implacável ostracismo na imprensa paga  pela estatal. Um liberal sem pelos na língua e um brasileiro que tinha a convicção de que poderíamos sair do atraso caso fossem tomadas as medidas necessárias para domar a besta patrimonialista. Tive a alegria de compartilhar momentos importantes  ao lado desse grande intelectual e amigo, no seio do Conselho  Técnico da Confederação Nacional do Comércio, do qual participo desde 1993. Como tributo à sua memória, reproduzo aqui artigo escrito por ele no Jornal do Brasil (edição de 02-11-2003).

A POBREZA ABAIXO DO RIO GRANDE
Gilberto Paim, Jornalista
Jornal do Brasil,  02-11-2003

A cidade americana de Laredo está separada pelo Rio Grande de sua irmã gêmea, Nuevo Laredo, mexicana. Falam o mesmo idioma, são de religião católica e celebram as mesmas datas religiosas. Em recentes jogos em que se enfrentaram equipes americana e mexicana, as duas populações perderam a identidade. Filhos torciam pelo lado de cá. E pais pelo lado de lá. Em dias de eleição, os candidatos, tendo os mesmos nomes, poderiam ser votados em qualquer dos lados, bastando atravessar uma das pontes. 

Há alguns anos, The Economist dedicou ampla reportagem às cidades de Laredo e Nuevo Laredo, destacando a riqueza da primeira e a pobreza da segunda. Na Laredo americana, a autorização para a lavra de petróleo é concedida de modo quase automático pela prefeitura municipal e na verdade constitui um estímulo à perfuração do subsolo em busca de petróleo. Pequenas e grandes empresas recebem igual tratamento e até famílias contratam proprietários de sondas para perfurações de fundo de quintal. Quinze por centro da produção de petróleo americana procedem de pequenos poços. 

Em Laredo, a visão da alta renda por habitante abrange casas ajardinadas, automóveis do ano, pavimentação impecável da via pública e eficiente limpeza urbana, ruas bem iluminadas e a coorte de benefícios sociais que são fruto da opulência. Do outro lado do Rio Grande, os ventos da Pemex espalham a pobreza sobre Nuevo Laredo. De um lado, a praia de São Conrado (Laredo) e do outro, a favela da Rocinha, (Pemex e Petrobrás). 

Em 1958, o presidente argentino Arturo Frondizi permitiu a operação no país de empresas petrolíferas estrangeiras, que, em 1962, davam à Argentina auto-suficiência em petróleo. Buenos Aires fez repetidas tentativas para vender ao Brasil o seu excedente. Mas houve rejeição sistemática, pois tais ofertas colocavam a Petrobrás em confronto com sua ineficiência. É de 1953 a lei do monopólio, e meio século depois o Brasil ainda sofre o constrangimento de importar petróleo. O país não gosta de enfrentar a realidade. 

De 1973 (a primeira alta do petróleo) até 2000, as importações brasileiras de petróleo totalizaram cerca de US$170 bilhões, recordando-se que, de 1979 a 1982, as taxas de juros externas chegaram a mais de 20% ao ano. E nunca foram inferiores a 10% nos demais anos. Conforme a tradição, nos empréstimos externos para financiar a importação de petróleo, há uma estranha divisão de responsabilidades: o Tesouro contrata os empréstimos, cujo valor se transforma em parte da dívida externa, sujeita aos juros de mercado. Assim, a Petrobrás adquire o petróleo como se o comprasse à vista, deixando ao Tesouro o encargo dos juros, o que oculta os custos reais da estatal. Além desse portentoso benefício, os derivados do petróleo extraído na bacia de Campos são faturados com base nos preços internacionais (de 25 a 30 dólares o barril), embora o custo de extração da Petrobrás seja de sete dólares, conforme se lê em seu Relatório de 2002. O monopólio foi há pouco extinto, mas a empresa continua a extorquir os consumidores de seus produtos. 

A Petrobrás sempre teve um custo administrativo elevado, e a exploração na plataforma submarina só lhe rende petróleo pesado, que não é processado integralmente em suas refinarias. Por isso, troca o excedente na base de três barris de óleo pesado por um barril de óleo leve. Em 2006, a empresa começa a refinar o petróleo leve, da plataforma do Espírito Santo. Como espera novas descobertas do mesmo óleo, do Espírito Santo para o Norte, especula-se sobre se no futuro a empresa abandonará os poços de óleo pesado, se o preço deste baixar a cinco dólares, como antes de 1999. 

No balanço final de meio século sem a auto-suficiência, os brasileiros poderiam perguntar pelos resultados. Vejamos: no período, a Petrobrás realizou investimentos de valor equivalente a US$ 120 bilhões. Se aplicado a juros de 6% ao ano, esse valor estaria em nível muito mais alto. Na Análise Financeira do Relatório de 2002, a Petrobrás declara que o valor de seu patrimônio líquido é de R$ 34 bilhões, ou US$ 12 bilhões. A informação oficial causa pasmo. Que fabuloso desperdício! Pois aos investimentos devem somar-se os juros pagos pelo Tesouro nos empréstimos para pagar a importação de petróleo, ao longo de dezenas de anos. A parcela do investimento e a dos juros pagos pelo Tesouro somam centenas de bilhões de dólares, dinheiro que faltou ao progresso social. A pobreza nacional está em grande parte ligada ao monopólio petrolífero. 


Em lance típico do poder autocrático, o presidente da Petrobrás mandou fechar ao público a biblioteca da empresa. Boris Casoy tem a palavra certa para atos dessa espécie.