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domingo, 11 de maio de 2014

Henry Ford: o homem que inventou a era moderna (e depois a perdeu) - Richard Snow

O homem que inventou a era moderna
Autor de nova biografia de Henry Ford mostra como o empresário transformou a produção industrial e o regime capitalista
11 de maio de 2014 |
Lucia Guimarães - O Estado de S.Paulo

NOVA YORK - Num ano próximo a 1940, um adolescente conversava com Henry Ford sobre livros didáticos que considerava antiquados. Ford defendia os livros. O jovem John Dahlinger, de fato, filho ilegítimo de Henry Ford com sua amante, protestou: "Mas, senhor, vivemos novos tempos. Esta é a idade moderna e...". Ford cortou o interlocutor: "Rapaz, eu inventei a idade moderna".
A frase confirma a arrogância do pai da produção industrial do século 20, mas é um epíteto merecido, diz o autor da nova biografia de Henry Ford, o historiador Richard Snow. Em Henry Ford, O Homem que Inventou o Consumo (Ed. Saraiva, 416 páginas, R$ 44,90), nas livrarias brasileiras no dia 15, Snow não desenterra esqueletos ou revela fatos inéditos. Mas, numa narrativa com verve literária, que vai cativar leitores desinteressados nos meandros da combustão interna do histórico automóvel Modelo T, o automóvel que "todos podiam comprar" e que inaugurou a produção em massa responsável pela prosperidade americana no último século, Snow nos lembra da importância do homem que, segundo ele, teve a vida partida ao meio. Foi cativante, generoso e brilhante na primeira metade de seus 84 anos. Tirano, antissemita e megalomaníaco na metade seguinte.
O homem que dobrou o salário de todos os seus empregados, em 1913, acreditava que os judeus tinham inventado o jazz para dominar os Estados Unidos. O capitalista mais bem-sucedido do mundo há cem anos, detestava finanças e achava que acionistas não deviam receber dividendos. O empresário que inventou a produção industrial em massa, antes conhecida como "Fordismo", passou mais de uma década resistindo à inovação de sua galinha dos ovos de ouro: o Ford Modelo T, o automóvel que mudou a paisagem urbana e a economia mundial, apelidado no Brasil de Ford Bigode.
O menino da fazenda que detestava os animais gastou milhões pra montar um museu dedicado à vida rural. As contradições de Ford continuam a desafiar a compreensão do homem que em 1915 alugou um navio, encheu de escritores e jornalistas, e partiu para a Europa sob a manchete do New York Times: "Grande Guerra Vai Terminar no Natal. Ford vai Deter a Guerra". Ford não impediu o conflito. Mas continua inquietando os que se debruçam sobre sua biografia extraordinária. Em 1929, o popular ator e humorista Will Rogers disse a Henry Ford, sem o menor tom de brincadeira: "Vai demorar cem anos para sabermos se você nos ajudou ou nos prejudicou. Mas o certo é que você não nos deixou onde nos encontrou".
Estado conversou com o biógrafo Richard Snow em seu apartamento em Manhattan.
Qual a maior contribuição de Henry Ford?

Ford não era um inventor. Ele teve uma visão sobre o modo de produção que mudou o mundo. Em vez de ter um operário cumprindo 37 tarefas, decidiu que 37 operários deveriam cumprir 37 tarefas e a linha de montagem deveria passar por eles. Podemos atribuir a produção em massa a Henry Ford. Sabe que até o termo foi cunhado por ele num artigo para a Enciclopédia Britânica? Antes, os americanos se referiam a esse modo de produção como 'Fordismo'. Quando outras indústrias começaram a imitar o Fordismo, teve início a prosperidade americana que se estendeu por boa parte do século 20 e nos ajudou a sair vitoriosos na 2.ª Guerra.
O primeiro veículo experimental criado por Henry Ford, em 1896, foi o Quadriciclo, parente da bicicleta e não da carruagem.

Muitos pensam que o carro substituiu o veículo de tração animal. Mas o importante passo intermediário foi fruto da explosão da bicicleta no fim da década de 1880. A demanda por bicicletas era tal, no final do século 19, que exigia uma fabricação mais refinada. As peças de metal tinham de ser cortadas com mais precisão e os fabricantes acabaram aprendendo técnicas que não eram necessárias para as carruagens. A bicicleta permitiu a transição decisiva da tração animal para o automóvel.
O sucesso do Modelo T é atribuído a uma decisão incomum numa era em que empresários viam o automóvel como um artigo de luxo.

Quando Ford abriu sua primeira fábrica, em 1903, seus sócios imediatamente queriam aumentar o preço do Modelo T. Ele foi categórico: 'Vamos cortar preços' e virou uma noção do capitalismo ao avesso. Naquela época, o preço médio de um carro de qualidade era US$ 7 mil. Uma casa no subúrbio custava US$ 2 mil. Ford dizia que, cada vez que cortava US$ 0,50 do preço do Modelo T, atraía mais 50 mil compradores. Ele acreditava que sua máquina tinha de ser simples e barata. No final da produção, em 1927, um Modelo T custava US$ 295 e a Ford tinha vendido 15 milhões de unidades.
Quando o Modelo T começou a fazer sucesso, Ford tomou outra decisão que enfureceu os industriais.

Ford tinha 50 mil empregados. Eles ganhavam US$ 2,50 por dia, um bom salário então, numa linha de montagem. De repente, ele dobrou os salários para US$ 5,00. O Wall Street Journal o acusou de tentar destruir o capitalismo com filantropia. Ford sabia o que estava fazendo. Transformou seus empregados em compradores de automóveis. Outras indústrias se sentiram compelidas a aumentar salários e Ford inaugurou um ciclo de produção e consumo que trouxe enorme prosperidade ao país.
Como o passado de Ford, crescendo numa fazenda, pesou sobre o futuro inovador da América urbana?
Ford não suportava a rotina rural. Desde menino, ele pensava que o músculo animal era ineficiente e que a energia humana devia ser substituída pela energia mecânica. Aos 13 anos, ele já consertava relógios na área de rural de Michigan, onde morava. Ele não gostava dos animais da fazenda, tomou horror a vacas e declarava, sério: 'A vaca tem de acabar!'. Sua intimidade com máquinas era única. Colocavam 12 carburadores idênticos na sua frente e ele acertava o que funcionava mal. A ironia é que, no fim da vida, ele celebrou num museu a vida rural americana que tinha conseguido destruir mais do que qualquer outro. O museu Greenfield Village, em Michigan, é um primor. Começou com a fazenda de sua infância, mas é também um documento sobre a transição dos Estados Unidos para a modernidade. Ford comprou e instalou lá o laboratório de Thomas Edison e a oficina dos irmãos Wright, pioneiros da aviação.
O sr. acha que Henry Ford compreendeu o impacto que causava na vida dos americanos com o Modelo T?

Não acredito que ele pudesse entender inicialmente as consequências de sua inovação. Em poucos anos, foi rompido o isolamento da vida rural. O carro de produção em massa causou uma transformação profunda na forma como as pessoas se comunicavam. De repente, era possível visitar alguém a 60 quilômetros de distância e não apenas para conduzir negócios. Ford revolucionou o lazer. O carro mudou a noção de privacidade: John Steinbeck gostava de dizer que metade dos bebês americanos nos anos 20 tinham sido concebidos num Modelo T. Não era preciso mais manter várias gerações de uma família sob o mesmo teto. Criaram-se as condições para o estilo de vida suburbano. Tudo o que assumimos como natural na vida moderna do século 21 cresceu da viabilidade da produção do motor de combustão interna há 100 anos.
O sr. acredita que o Ford visionário esbarrou no Ford que não era um pensador profundo?

Sim. Ele teve uma visão e mudou o mundo com seu sistema de produção. Mas o sucesso estrondoso lhe deu a ilusão de que podia fazer tudo. O que levou a várias ideias desastrosas. Um exemplo clássico foi a Fordlândia.
Por que Ford errou tanto na aventura amazônica?

Quanto mais rico e mais bem-sucedido, menos tolerante ele ficava a limitações. Queria controlar todas as etapas de produção, ser dono das minas, das fábricas de vidro. E queria se livrar da dependência da borracha que os britânicos produziam na Ásia. Quando fechou o acordo para a Fordlândia com o governo brasileiro no final da década de 20, Ford já estava cercado de uma claque de assessores obedientes que diziam o que ele queria ouvir. Despachou engenheiros para plantar seringueiras! Com sua mania de pregar e pontificar, queria decidir como os empregados deviam trabalhar e viver. A Fordlândia acabou vendida em 1946 com prejuízo pelo neto dele, Henry Ford II, por US$ 20 milhões, mais ou menos US$ 200 milhões hoje.
Entre as decisões desastrosas, o sr. cita também a maneira como ele descartou colaboradores fundamentais.

Era um padrão estranho e profundamente destrutivo. James Couzens, o homem que ajudou Ford a montar seu império financeiro, foi uma grande perda inicial. Outra perda, com consequências trágicas para a companhia, foi a do imigrante dinamarquês William Knudsen, arquiteto da expansão da Ford na Europa. Quando diziam, é hora de inovar o Modelo T, o consumidor quer um carro mais confortável, um objeto de desejo, Knudsen ofereceu soluções para mudar a produção. Foi logo despachado, em 1921. No ano seguinte, Alfred Sloan, vice-presidente da General Motors, o contratou. O resultado foi o Chevrolet. Knudsen ajudou a GM a usurpar a liderança da Ford. Acho que Ford se livrava das pessoas como se quisesse eliminar testemunhas. Ele não se conformava com a ideia de que teria de mudar e manteve o Modelo T em produção até 1927, por muito mais tempo do que era sensato. Mesmo a introdução, do Ford Modelo A, com seu design elegante e inovações mecânicas, não podia repetir a façanha. O Modelo T já tinha mudado o mundo e o Chevrolet agora disputava a preferência dos consumidores.
Por que o sr. encerra a biografia em 1927, quando termina a produção do Modelo T?

Henry Ford era uma figura bastante incomum. Não consigo pensar num outro grande homem - penso que ele pode ser descrito como tal - cuja vida foi tão claramente partida ao meio. Na primeira metade, ele foi genuinamente produtivo, generoso e afável. Tinha um talento mágico para atrair gente talentosa. Mas, na segunda metade de vida, ele foi horrível. Ele parece ter mudado no curso de dois anos e não conheço ninguém de sua estatura que tenha mudado dessa forma. Mais do que qualquer outra decepção da vida pessoal, acho que a ideia de abandonar o Modelo T o deixou louco. O Modelo T era feio, confiável, simples e, para Ford, era perfeito, um objeto de virtude. Quanto mais ele ouviu dos próximos que era hora de mudar mais ressentido foi ficando.
Ele conseguiu se reabilitar do antissemitismo militante?

Acho que o antissemitismo o manchou para sempre. Ele comprou um jornal local de Michigan, o Dearborn Independent, que publicou uma série de 96 artigos sob o título "O Judeu Internacional". Ford era obcecado pela ideia de que os judeus queriam começar guerras para promover comércio e controlavam as finanças. Foi uma desgraça. O jornal acabou fechando em 1927, sob uma barragem de processos de difamação. Ford se desculpou alegando que não lia o que estava sendo publicado.
A quem o sr. compara Henry Ford entre empresários do século 21?

Em sua pomposa biografia de 1922, Minha Vida e Obra, Ford faz um comentário de passagem que é esclarecedor. Conta que quando estava construindo o quadriciclo experimental, não havia demanda alguma pelo automóvel. 'Claro que nunca há a demanda para um produto que não existe', dizia. Mais uma vez, virava noções ao avesso. Neste caso, a de que a necessidade é a mãe da invenção. Ele introduziu a invenção que criou a necessidade. E acho que nós não tínhamos necessidade alguma de um iPhone ou iPad, não? Ele pode ser assim comparado a Steve Jobs.
 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Salario minimo: quem inventou foi o setor privado

Em 1914, Henry Ford decidiu pagar pelo menos 5 dolares por dia para cada trabalhador de suas usinas.
Das paginas do New York Times (5/01/1914)
This Day in History

[Ford] Gives $10,000,000 To 26,000 Employees

Ford to Run Automobile Plant 24 Hours Daily in Profit-Sharing Plan
MINIMUM WAGE $5 A DAY
No Employee to be Discharged Except for Unfaithfulness or Hopeless Inefficiency
Special to The New York Times

Detroit, Mich., Jan. 5. -- Henry Ford, head of the Ford Motor Company, announced today one of the most remarkable business moves of his entire remarkable career. In brief it is:

To give to the employees of the company $10,000,000 of the profits of the 1914 business, the payments to be made semi-monthly and added to the pay checks.

To run the factory continuously instead of only eighteen hours a day, giving employment to several thousand more men by employing three shifts of eight hours each, instead of only two nine-hour shifts, as at present.

To establish a minimum wage scale of $5 per day. Even the boy who sweeps up the floors will get that much.

Before any man in any department of the company who does not seem to be doing good work shall be discharged, an opportunity will be given to him to try to make good in every other department. No man shall be discharged except for proved unfaithfulness or irremediable inefficiency.

The Ford Company's financial statement of Sept. 20, 1912, showed assets of $20,815,785.63, and surplus of $14,745,095.57. One year later it showed assets of $35,033,919.86 and surplus of $28,124,173.68. Dividends paid out during the year, it is understood, aggregated $10,000,000. The indicated profits for the year, therefore, were about $37,597,312. The company's capital stock authorized and outstanding, is $2,000,000. There is no bond issue.

About 10 per cent of the employees, boys and women, will not be affected by the profit sharing, but all will have the benefit of the $5 minimum wage. Those among them who are supporting families, however, will have a share similar to the men of more than 22 years of age.

In all, about 26,000 employees will be affected. Fifteen thousand now are at work in the Detroit factories. Four thousand more will be added by the institution of the eight-hour shift. The other seven thousand employees are scattered all over the world, in the Ford branches. They will share the same as the Detroit employees.

Personal statements were made by Henry Ford and James Couzens, Treasurer of the company, regarding the move.

"It is our belief," said Mr. Couzens, "that social justice begins at home. We want those who have helped us to produce this great institution and are helping to maintain it to share our prosperity. We want them to have present profits and future prospects. Thrift and good service and sobriety, all will be enforced and recognized.

"Believing as we do, that a division of our earnings between capital and labor is unequal, we have sought a plan of relief suitable for our business. We do not feel sure that it is the best, but we have felt impelled to make a start, and make it now. We do not agree with those employers who declare, as did a recent writer in a magazine in excusing himself for not practicing what he preached, that 'movement toward the bettering of society must be universal.' We think that one concern can make a start and create an example for other employers. That is our chief object."

"If we are obliged," said Mr. Ford, "to lay men off for want of sufficient work at any season we purpose to so plan our year's work that the lay-off shall be in the harvest time, July, August, and September, not in the Winter. We hope in such case to induce our men to respond to the calls of the farmers for harvest hands, and not to lie idle and dissipate their savings. We shall make it our business to get in touch with the farmers and to induce our employees to answer calls for harvest help.

"No man will be discharged if we can help it, except for unfaithfulness or inefficiency. No foreman in the Ford Company has the power to discharge a man. He may send him out of his department if he does not make good. The man is then sent to our 'clearing house,' covering all the departments, and is tried repeatedly in other work, until we find the job he is suited for, provided he is honestly trying to render good service."

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mitos amazonicos, paranoias brasileiras...

Antes de Henry Ford, se acreditava que os EUA queriam conquistar a Amazônia para "exportar" os negros americanos. Depois dele vieram outros iludidos com as "fabulosas riquezas" da selva, apenas para enterrar dinheiro no mato, como fizeram o próprio Ford e Keith Daniel Ludwig nos anos 1970.
Bem depois surgiram os boatos em torno da "internacionalização" da Amazônia, uma fraude que contou com a ativa colaboração de militares de extrema direita e militantes bocós de extrema esquerda, numa pouco santa aliança em torno de montagens deliberadas de mapas e supostos livros americanos (tenho um dossiê sobre isso no meu site).
O livro abaixo é sério e demonstra como os homens mais bem assessorados do planeta podem cometer as piores bobagens com base em informações erradas, mas animados por uma vontade irracional de crer em alguns mitos sem fundamento.
Paulo Roberto de Almeida

Um sonho de sociedade perdido no meio da floresta
Por Anamarcia Vaisencher
Valor Econômico, 10/08/2010 – p. D12

Amazônia: Henry Ford não conseguiu levar para a selva seu ideal do "american way of life"

Fordlândia - Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva
Greg Grandin. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. Rocco. 397 págs., R$ 56,00

Henry Ford pretendia harmonizar agricultura e indústria num projeto que garantiria a segurança americana

A Amazônia ainda carrega a herança deixada por Henry Ford como desdobramento de sua tentativa de implantar na selva um espaço de racionalidade econômica chamado Fordlândia. E com a inestimável colaboração local de governantes, políticos, lobistas e gente que atuava na sombra, como Jorge Dumont Villares (sobrinho de Alberto Santos Dumont), articulador do plano que induziu Ford a pagar por terras que provavelmente teria recebido de graça do governo para implantar seu ambicioso projeto.

Muito se disse e escreveu sobre a tentativa de Ford de levar para a Amazônia, ali no vale do Tapajós, um "american way of life" que ele próprio idealizara. Mas "Fordlândia", de Greg Grandin, professor de história da Universidade de Nova York, não é um relato comum. Apoiado em farta documentação e pesquisa, o encadeamento de fatos proporciona uma leitura de reveladora substância.

Se fosse possível simplificar a aventura fordiana, ela teve menos a ver com a necessidade de assegurar o fornecimento de borracha para a fabricação de pneus e uso em outras partes de automóveis, no imenso complexo industrial de River Rouge, nos Estados Unidos, do que com aquilo que o autor chama de "pastoralismo americano" de Ford - uma concepção de sociedade em que as atividades agrícola e industrial estariam em salutar equilíbrio, sem predomínio de uma sobre a outra, numa espécie de simbiose entre terra, mão de obra, recursos, fabricação, finanças e consumo. "Com um pé na indústria e outro na agricultura, a América estará segura", sentenciava Ford. Fordlândia seria um lugar que permitiria antecipar essa convergência. Ele preservava, porém, uma visão quase onírica da realidade corrente em seu país, pois em 1928 se declarava "otimista" em relação ao ano seguinte, "certo de que a nova fábrica de River Rouge, localizada em Dearborn, sua cidade natal, perto de Detroit, seria capaz de atender à demanda" (por seu novo modelo de carro, agora da série A, depois do T).

Em janeiro daquele ano, Ford aproveitou a inauguração do imenso complexo de River Rouge - que integrava praticamente todo o processo de fabricação do automóvel, desde a produção de aço - para anunciar que logo voaria até a Amazônia para inspecionar sua plantação de seringueiras, no vale do Tapajós. O látex era o único recurso natural que Ford não controlava. Grandin não deixa em branco o paradoxo que seria a semente da falência do megalomaníaco projeto no qual Ford despejou vários milhões de dólares. De um lado, o pioneiro que havia aperfeiçoado a linha de montagem e dividira o processo de fabricação em componentes cada vez mais simples, concebendo-o para tornar um produto reproduzível infinitamente, com o primeiro indistinguível do milionésimo. Do outro, a Amazônia, dona de si mesma, reino da natureza avassaladora.

Ford tinha mais de 60 anos quando fundou Fordlândia (hoje Belterra, e esquecida durante 39 anos após a derrocada do projeto), localizada a leste de Santarém e a 726 quilômetros de Manaus. O lugar era definido por alguns visitantes como um "oásis", um verdadeiro "sonho do Meio-Oeste", nas palavras do major Lester Baker, adido militar dos Estados Unidos, com luz elétrica, telefone, máquinas de lavar, vitrolas, refrigeradores, piscinas e até campo de golfe.

Grandin lembra que hoje, como há 80 anos, ainda são necessárias cerca de 18 horas em um lento barco fluvial para chegar a Fordlândia, a partir da cidade importante mais próxima. Não bastasse isso, "os primeiros anos do local foram marcados por desperdício, violência e vícios" - em suma, tudo que o antissemita, admirador do nazismo e antissindicalista ferrenho mais abominava. Entre as incongruências do projeto, o fato de que não batia com a realidade porque, em 1925, quando Ford e o amigo Harvey Firestone pensavam em entrar no ramo da borracha, a prosperidade da hevea brasiliensis já chegara ao fim. Graças, inclusive, à ação de Henry Wickam, que passara pela Amazônia mais de meio século antes para piratear sementes de seringueira que levaria para Londres e que constituiriam a base genética das plantações britânicas em suas colônias.

Justiça seja feita: já nas primeiras décadas do século XX, Ford falava em reciclagem de resíduos para evitar desperdícios e em uma futura carroceria de automóveis inteiramente feita de plástico à base de soja.

A aventura fordiana não teve (não tem ainda) um final feliz. Mais de meio século depois de a Ford Motor Company abandonar sua propriedade de um milhão de hectares na Amazônia (novembro de 1945), por lá - mesmo a título de isca turística - ainda se espera por Henry Ford. Os "barões da borracha" retomariam o poder, mas perderam uma guerra maior para a importação de látex de Cingapura. Quanto a Ford, que "ajudou a liberar o poder da industrialização para revolucionar as relações humanas, passou a maior parte do resto da vida tentando colocar o gênio de volta na garrafa, conter o rompimento que ele mesmo provocara (...)". Ou seja, segurar as forças do capitalismo.

Manaus foi o retrato em branco e preto das "desenfreadas" forças do capitalismo. A cidade só se recuperou no fim dos anos 1960, quando o regime militar transformou-a numa zona de livre comércio. E, também graças à isenção de impostos, Manaus "tornou-se o empório nacional do Brasil", e uma zona de montagem (semelhantes à das maquiladoras mexicanas), descreve o autor. Uma cidade da Belíndia onde, ao lado de luxuosos condomínios, proliferam palafitas. "Uma paisagem dramática de desigualdade em um dos países mais desiguais do mundo. Em comparação, ela torna desprezível a distância que separava os lares dos gerentes americanos daqueles dos brasileiros", como reportava a imprensa. Citando artigo publicado no "Los Angeles Times" em março de 1993, Grandin sintetiza: "A tentativa de reproduzir a América na Amazônia levou à terceirização da Amazônia pela América".

De algum modo, Manaus se recuperou. Fordlândia também. "(...) Mas a ironia mais profunda está atualmente em exibição no local da tentativa mais ambiciosa dele [Henry Ford] de realizar sua visão pastoralista. No vale do Tapajós, três elementos importantes da visão de Ford - madeira, com a qual esperava lucrar, encontrando ao mesmo tempo maneiras de conservar a natureza; estradas que, para ele, uniriam as pequenas cidades e criariam mercados sustentáveis; e a soja, na qual investiu milhões, esperando que a produção industrial pudesse reviver a vida rural - tornaram-se os principais agentes da ruína da Amazônia, não só de sua flora e fauna, mas também de muitas de suas comunidades."