Confusos esses discípulos: primeiro fizeram todas as vontades do caudilho, que morreu antes que anunciassem. Depois esqueceram de botar gelo no caixão e como diria Cruz e Souza, os vermes começaram a se deliciar com o corpo putrefato do ilustre personagem. Esqueceram de contratar os especialistas egípcios, que estavam ocupados tentando restaurar a primavera que se foi. Esqueceram de contratar russos, vietnamitas, coreanos do norte, iugoslavos e outros malucos que adoram um boneco de cera...
Agora não tem mais jeito, e o jeito é passear com o caixão mesmo, em veículo especialmente adaptado para transportar caixão, candidato, aspones, servidor de cafezinho, propagandista, distribuidor de dinheiro, e vários gorilas, para garantir que não roubem o caixão.
Sim, também tem de ter um telão para transmitir aqueles discursos fluviais do caudilho, aqueles que demoravam horas e sempre tinha interpretações estilo karaoke no meio.
Vai ser preciso um grande ônibus, ou uma carreta para transportar tudo isso.
Vai ser gozada essa campanha...
Paulo Roberto de Almeida
Embalsamamento tardio
16 de março de 2013 | 2h 10
EDITORIAL O Estado de S.Paulo
A inexorável degenerescência orgânica e a crônica incompetência de áulicos de pouca prática podem prejudicar a candidatura do chavista Nicolás Maduro nas eleições presidenciais da Venezuela, em 14 de abril, de uma forma que nem o mais otimista oposicionista preveria. O candidato oficial, que substitui o extinto no governo desde a última viagem deste para Havana, reconheceu publicamente que um dos símbolos de sua campanha - o cadáver do comandante - pode sair de cena, porque o processo de seu embalsamamento não foi providenciado em tempo hábil.
A Constituição tinha sido o primeiro obstáculo à intenção do governo bolivariano da Venezuela de expor os despojos do ex-chefe no Panteão Nacional, construído por Chávez para abrigar os restos mortais de Simón Bolívar, o venerado patrício que sempre teve a memória exaltada a ponto de dar nome à moeda local. No regime chavista, o Libertador tornou-se padroeiro do esquisito socialismo pregado por Chávez. Talvez porque, antes de completar 60 anos, não contasse com a própria morte tão cedo, ele introduziu na Constituição que impôs ao país a proibição de homenagear alguém no monumento antes que se completassem 25 anos de sua morte. O pranteado desaparecimento do líder, contudo, forçou seu indicado à sucessão a propor ao Congresso que votasse uma alteração nesse dispositivo para permitir a honrosa exceção.
A autorização para expor o cadáver embalsamado de Chávez no monumento a Bolívar foi dada pelo submisso Parlamento local, com o aval rápido do Judiciário. Luísa Estella Morales, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, cujos membros foram em sua grande maioria nomeados pelo ex-presidente e, enquanto viveu, lhe devotaram canina fidelidade, atestou que a emenda não altera o sentido da norma, mas apenas muda um termo "para facilitar sua aplicação". Segundo Morales, "a letra da Constituição é que se esperariam 25 anos para examinar os méritos da pessoa para que ela fosse admitida no Panteão Nacional, mas o presidente, em seus 58 anos, conseguiu demonstrar méritos suficientes".
A transposição do obstáculo constitucional, contudo, não evitou o descuido dos seguidores do supremo chefe bolivariano quanto ao atendimento das implacáveis leis da biologia. Maduro foi obrigado a informar a seus devotos eleitores sobre o risco real de o cadáver se decompor devido ao tardio início do processo de embalsamamento. Foram chamados cientistas russos e alemães para darem início aos preparativos, mas estes informaram às autoridades que o procedimento teria de ter começado antes. "Eles nos dizem que está muito difícil, porque o processo de embalsamamento deveria ter começado imediatamente após a morte, e que agora não se pode mais. Estamos no meio de um processo, um processo delicado. É meu dever avisar a vocês", informou Maduro.
Tudo indica, portanto, que os venezuelanos não poderão preservar o corpo de Chávez como pretendiam, imitando a política de culto à personalidade do líder, adotada antes por ditaduras comunistas. Enquanto a União Soviética existiu, filas de militantes e turistas se formaram no monumento construído por Stalin para a exposição do cadáver de Lenin, líder da revolução bolchevique de 1917, na Praça Vermelha, em Moscou. Ho Chi Minh, o herói da guerra que unificou o Vietnã sob um regime comunista, e o chinês Mao Tsé-tung também se tornaram objetos de curiosidade depois da morte.
O eventual malogro do embalsamamento de Chávez não altera a previsão dos especialistas sobre o favoritismo de Nicolás Maduro na disputa contra o oposicionista Henrique Capriles. No entanto, a inesperada revelação põe em xeque a versão oficial de que o comandante teria morrido em 5 de março. Ou ele teria morrido em Havana, antes de ser transportado para a Academia Militar, em cujo hospital teria passado os últimos dias, ou seus herdeiros no poder se mostraram incapazes de tomar as providências necessárias para evitar a decomposição do cadáver. O que se pode esperar deles, então, na gestão da grave crise econômica?