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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Clima e Segurança no Brasil - International Military Council on Climate and Security (Novembro 2020)

 

Trechos do relatório: 

 

CLIMA E SEGURANÇA NO BRASIL

PARTE DA SÉRIE “WORLD CLIMATE AND SECURITY REPORT 2020”

Um Produto do Grupo de Especialistas do INTERNATIONAL MILITARY COUNCIL ON CLIMATE AND SECURITY (Novembro de 2020)

https://imccs.org/wp-content/uploads/2020/11/CLIMA-E-SEGURANCA-NO-BRASIL.pdf

 

Este relatório deve ser citado como: “Climate and Security in Brazil.” Produto da Expert Group of the International Military Council on Climate and SecurityAutores: Oliver-Leighton Barrett (CCS), Andrea Rezzonico (CCS), Vanessa Pinney (CCS), e Francesco Femia (CCS). Editado por Francesco Femia e Shiloh Fetzek. Publicado pela Center for Climate and Security, um instituto do Council on Strategic Risks. Novembro 2020. 

© 2020 The Center for Climate and Security (CCS), um instituto do The Council on Strategic Risks 

 

(…)

 

A Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa de 2020 reconhece que os impactos causados pelas mudanças climáticas podem ter sérias consequências “sociais, econômicas e políticas”, exigindo “pronta resposta do Estado.”94 No entanto, esta apreciação ainda não informa totalmente os processos de planejamento estratégico, inclusive como as mudanças climáticas afetarão o planejamento das missões, a prontidão militar e a operacionalidade.95

Além disso, todas as implicações do reconhecimento da ameaça que as mudanças climáticas representam para a segurança interna do Brasil não foram refletidas na tomada de decisões em outras áreas do governo, particularmente em torno do uso da terra, desenvolvimento econômico e proteção do patrimônio nacional mais importante do Brasil, a Floresta Amazônica. 

Entre 2005 e 2010, o Brasil esteve perto de cumprir todas as suas metas de desmatamento 10 anos antes do previsto. Essa conquista resultou em uma redução nas emissões de carbono comparável às reduções da União Europeia e dos Estados Unidos. No entanto, esta posição de liderança na mitigação das mudanças climáticas está em risco devido às recentes decisões tomadas pela atual administração.96

O Brasil continua signatário do Acordo Climático de Paris, mas o governo Bolsonaro irritou os estados que subscrevem grande parte dos esforços de contra-desmatamento da América do Sul, devido a um aumento acentuado no desmatamento. Isso pode ter repercussões para os interesses estratégicos do Brasil em avançar como potência média. 

Com relação à sua campanha de contra-desmatamento, o Governo brasileiro está trabalhando com objetivos cruzados: direcionar os militares participar no que deveria ser uma ação civil, criando ativamente ao mesmo tempo, um ambiente legal e regulatório permissivo que cria impunidade e incentiva atores ilícitos que estão prejudicando irreversivelmente a Floresta Tropical. Essa ação concomitante de agravar o problema e de dificultar a solução aumentou significativamente as taxas de desmatamento. 

Há um papel importante para os militares nas campanhas de proteção ambiental e no apoio às agências civis. No entanto, é melhor deixar a liderança dos esforços de contra-desmatamento para as agências autorizadas pela legislatura e treinadas especificamente para essas missões, até porque são mais eficazes nisso. O governo brasileiro deve melhor equipar, equipar e financiar as entidades mais responsáveis pelo combate aos crimes ambientais, para que essas agências possam voltar a liderar a campanha, continuando a ter os militares num valioso papel de apoio.

A Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa de 2020 reconhecem que as mudanças climáticas têm “consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas, exigindo que o Estado responda prontamente,97 um reconhecimento de que as mudanças climáticas terão consequências em vários domínios. Dados os riscos para a segurança pública do Brasil e o papel da Floresta Amazônica no sistema climático global, é do interesse brasileiro conter o desmatamento e, ao mesmo tempo, abordar outras consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas das mudanças climáticas para sua a segurança. Também é fundamental que o governo revigore totalmente os departamentos e agências tradicionalmente responsáveis pela campanha anti-desmatamento do país (por exemplo, IBAMA). Essas ações seriam um passo importante para restabelecer o controle do desmatamento ilegal e outros crimes para os quais o desmatamento é um passo fundamental. 

Antes do Presidente Bolsonaro, sucessivos governos apoiaram uma agenda global de redução de emissões, incluindo a adesão aos compromissos do Brasil com o Acordo de Paris sobre o Clima. Embora o presidente Bolsonaro tenha ameaçado deixar o acordo durante sua campanha presidencial, o Brasil continua signatário do marco do pacto climático global. No entanto, por causa da condição atual dos esforços de contra-desmatamento do Brasil, as metas estabelecidas pelos governos anteriores para o país provavelmente serão perdidas. Esses compromissos incluem uma meta de desmatamento ilegal zero na Amazônia até 2030 e um compromisso para 2020 de reduzir as taxas de desmatamento em 80% entre os níveis de 1996-2005.98 

A estratégia contra-desmatamento incluiu restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas; e fortalecer o cumprimento do Código Florestal nos níveis federal, estadual e municipal.99 Mais importante, a estratégia incluiu o fortalecimento de leis e políticas para atingir o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira até 2030 e a restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas até 2030.100 Estudos sugerem que o esforço para atingir essas metas ficará aquém, uma vez que o desmatamento está aumentando.

 

Decisões recentes do governo Bolsonaro vão contra o legado do Brasil de planejamento e disciplina no que diz respeito à custódia ambiental, energia renovável e cortes de emissão de carbono. Em 2019, como parte de um amplo congelamento de gastos, o governo Bolsonaro cortou orçamentos que financiam programas de proteção ambiental, ao mesmo tempo em que cortou fundos para o Plano Nacional de Mudança Climática do Brasil em mais de quarenta por cento.102 Na esteira do retrocesso nas políticas de combate ao desmatamento e fiscalização, as Nações Unidas observaram que o louvável histórico do Brasil pós-2004 na redução da destruição e emissões florestais “parou” em algumas regiões e os aumentos de emissões resultantes aceleraram recentemente “com a estação seca de 2019 quebrando recordes de desmatamento e incêndios florestais.”103

Para sinalizar que levou a sério a questão do desmatamento, em setembro de 2019, depois que incêndios destruíram mais de 7.604 quilômetros quadrados (2.970 milhas quadradas) da Floresta Tropical brasileira (representando um aumento de 85% em relação ao mesmo período do ano anterior), o Brasil e seis de seus vizinhos mais próximos (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname) assinaram um pacto estabelecendo uma rede de resposta a desastres de incêndios florestais e serviço de monitoramento por satélite para aumentar a consciência situacional de incêndios florestais em toda a bacia. De acordo com o presidente colombiano Iván Duque, que sediou a cúpula de Letícia que tratou desses temas, “esta reunião viverá como um mecanismo de coordenação para os presidentes que compartilham esse tesouro – a Amazônia."104

No mesmo mês, os EUA e o Brasil concordaram em promover o desenvolvimento do setor privado na Amazônia, um fundo de conservação da biodiversidade de US $ 100 milhões para a Amazônia liderado pelo setor privado.105 Na época, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, disse que “abrir a floresta para o desenvolvimento econômico era a única forma de protegê-la”. Grupos ambientalistas criticaram este plano, alegando que o acordo é um esquema para explorar a Amazônia para mineração, extração de madeira e exploração agrícola, e que viola a autodeterminação dos povos indígenas que residem na Amazônia.106

Além de aberturas diplomáticas e pactos de desenvolvimento do setor privado, os esforços do Brasil para conter o desmatamento incluem cada vez mais a força e o alcance de seus 300 mil militares, o maior efetivo da região. O Exército, a Marinha e a Força Aérea combatem regularmente as atividades extrativas ilegais (exploração madeireira, mineração etc.) em todo o Brasil, em parceria com órgãos civis.107 Um exemplo relativamente novo dessa cooperação é o Projeto Patrulha da Amazônia, uma operação multinacional que visa posicionar as marinhas participantes para proteger as florestas, por meio do intercâmbio de tecnologia militar e colaboração.108 A característica definidora deste acordo transnacional será a construção de um navio projetado para patrulhar as hidrovias amazônicas compartilhadas do Brasil, Colômbia e Peru contra traficantes de drogas e outras ameaças criminosas.109 

Mais notavelmente, em 2019, a administração Bolsonaro lançou várias campanhas de defesa ambiental de alta visibilidade e dependentes de militares110 — embora, somente após considerável pressão nacional e internacional – para achatar a curva de desmatamento.111 No entanto, esses esforços contínuos estão falhando em atingir a redução desejada em incêndios ilegais e desmatamento, em grande parte devido a políticas e estruturas legislativas sem apoio, agências ambientais deliberadamente enfraquecidas e a retórica contraproducente do presidente, que os críticos argumentam apenas encoraja o desmatamento112 e outras atividades ilegais.

DESMATAMENTO: UM GOVERNO TRABALHANDO COM OBJETIVOS OPOSTOS 

O governo Bolsonaro está trabalhando com objetivos opostos em sua atual resposta ao desmatamento, tanto direcionando os militares para liderar o que seria mais eficaz com uma ação civil, mas também criando ativamente um ambiente legal e regulatório permissivo que apenas cria impunidade e incentiva os atores ilícitos. Este agravamento do problema concomitante ao impedimento de solução é prejudicial aos compromissos do Brasil para conter o desmatamento (de acordo com seus compromissos do NDC113) e resultará em um ambiente muito mais permissivo para os infratores. Isso, por sua vez, pode ter repercussões para os interesses estratégicos do Brasil em avançar como potência média. 

O enfraquecimento de organizações de fiscalização como o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ambos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, tem causado grande aborrecimento entre os atores da sociedade civil e outras entidades comprometidas com a conservação da Amazônia.114 Críticos temem que outras proteções, como Código Florestal, Lei de Terras Indígenas, Lei de Licenças Ambientais e Medidas de Destinação de Terras Públicas sejam as próximas na fila a serem desmanteladas.115 

A redução do número de escritórios regionais que administram as 334 unidades de conservação do país de onze para cinco é outro exemplo da desconfiança do governo Bolsonaro em relação aos especialistas ambientais ou um esforço intencional para descarrilar os mecanismos contra-desmatamento e de conservação de longa data do país.116 Um relatório recente constatou que “nenhum grande ataque contra atividades ilegais por parte dos militares foi realizado” e que a pena emitida por violações ambientais foi reduzida em quase 50% em relação às multas de 2016.117 O efeito final de mudanças drásticas nas instituições e processos mais responsáveis pela campanha de contra-desmatamento do Brasil é criar um caminho aberto para o desmatamento ilegal e outros crimes. 

Para avaliar mais plenamente a extensão do recente retrocesso nas proteções florestais, considere que em 2000, o Brasil estabeleceu a maior rede mundial de áreas protegidas, a maioria das quais estavam localizadas na região amazônica. Entre 2004 e 2012, o Brasil reduziu as taxas de desmatamento na Amazônia em mais de dois terços, ao mesmo tempo em que voltou a crescer muitos milhões de hectares de florestas que haviam sido derrubadas anteriormente.118 Esta campanha incluiu melhores colaborações internacionais, monitoramento por satélite, aplicação da lei e incentivos financeiros para respeitar as leis ambientais. 

Além disso, o Ministério da Defesa utilizou tecnologia do Centro de Operações e Gestão do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), que possui três núcleos regionais em Manaus, Belém e Porto Velho, para identificar focos de incêndios e apreender os responsáveis pelo desmatamento ilegal.119 Durante este período, a Pan-Amazônia também recebeu proteções substanciais de várias iniciativas de conservação europeias, incluindo os projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD +) sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), e compensações baseadas no desempenho da Noruega para reduzir o desmatamento, que contribuiu com mais de $ 1 bilhão de dólares entre 2008 e 2017.120

No entanto, no final de 2019, os benfeitores do fundo, Alemanha e Noruega, ameaçaram suspender o programa por causa de políticas aprovadas pelo presidente Bolsonaro, que segundo a unidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (INPE), levaram à destruição de 9.762 quadrados quilômetros (3.769 milhas quadradas) de floresta antiga, aproximadamente uma área do tamanho da Ilha Grande do Havaí.121

Esses desenvolvimentos tiveram consequências diplomáticas e econômicas para o Brasil e colocam em risco não apenas a porção brasileira do bioma Amazônico, mas também a dinâmica climática regional e global. No auge da crise de 2019, o presidente Bolsonaro enfrentou duras críticas domésticas e internacionais por essas políticas. Para acalmar seus críticos (e também para garantir que bilhões em financiamento para os esforços de desmatamento continuem a fluir para o Brasil de doadores internacionais), o presidente Bolsonaro encarregou os militares de liderar a campanha nacional de contra-desmatamento. No entanto, apesar dos melhores esforços dos militares, essa estratégia não reduziu efetivamente a taxa de desmatamento e suscitou sérias preocupações sobre o papel desproporcional que os militares assumiram nos esforços de preservação da floresta. 

 

CONTRA-DESMATAMENTO COMANDADO POR MILITARES: MENOS EFETIVO 

O trabalho militar brasileiro em conjunto com agências civis de aplicação da lei ambiental não é novidade. No passado, organizações militares e policiais participaram de operações de contra-desmatamento em todo o Brasil em conjunto com autoridades ambientais como o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No governo do presidente Bolsonaro, os papéis parecem ter se invertido, com o pessoal militar liderando essas operações. O número crescente de militares ativos e reservistas designados não apenas para órgãos ambientais, mas para cargos-chave em todo o governo federal, levantou preocupações em alguns círculos desde que Bolsonaro assumiu a presidência no início de 2019.122 

Críticos apontam que o número de militares nomeados para cargos importantes do governo superou a proporção militar/civil que existia durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).123 Uma preocupação é que o pessoal militar pode não ter as credenciais (ou seja, experiência, educação ou habilidades técnicas) para ocupar cargos dentro das organizações responsáveis pelo planejamento e gestão das operações de contra-desmatamento.

Outras preocupações dizem respeito à transparência que pode ser perdida se uma instituição que, por sua natureza é insular, realiza uma campanha que exige o compartilhamento sustentado de informações com partes interessadas externas, especialmente porque as tendências de desmatamento no Brasil são de interesse global.124 Embora haja um papel para a participação dos militares nas campanhas de proteção ambiental, é melhor deixar a liderança da campanha de contra-desmatamento no Brasil a cargo dos departamentos e agências autorizadas pela legislatura e treinadas para tais missões. 

No entanto, a administração Bolsonaro não foi influenciada por essas preocupações. No final de 2019, o presidente Bolsonaro anunciou a criação de um Conselho da Amazônia, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, General da reserva do Exército. O Conselho atualmente supervisiona “as 33 www.imccs.org 

atividades de todos os ministérios envolvidos na proteção, defesa e desenvolvimento, e desenvolvimento sustentável da Amazônia.”125 A criação desse Conselho, liderado pelo vice-presidente, demonstrou que o governo Bolsonaro julgou necessário sinalizar para os cidadãos brasileiros, e para o mundo, que levava o desmatamento a sério e que cuidaria da questão em seu próprio caminho.

Também demonstrou o favorecimento do presidente e a confiança nos militares. Em fevereiro de 2020, havia sete militares da ativa ou militares da reserva no gabinete de 20 membros, sem incluir o vice-presidente Mourão. O fato de o presidente ter escolhido seu vice-presidente para liderar a campanha altamente visível contra-desmatamento do país sinalizou que ele tinha fé na liderança militar para conter o aumento do desmatamento. Em maio de 2020, o presidente aprovou a Operação Verde Brasil 2, uma continuação da campanha do final de 2019 com o mesmo nome.126 

O último desdobramento da operação contou com mais de 3.800 militares e com a Polícia Federal, IBAMA, ICMBio e secretarias estaduais de meio ambiente. O trabalho interagências realizou “fiscalizações e apreensões em madeireiras, serrarias e minas em cinco estados, incluindo o estado do Pará, região com maiores taxas de desmatamento.”127 No início de junho de 2020, a Operação Verde Brasil 2 apreendeu 2.811 metros cúbicos de madeira, 46 tratores, 43 caminhões e 16 embarcações e aplicou um valor total de 66.000.000 milhões de reais (ou aproximadamente $ 11.800.000 USD) em multas ambientais.128 

A campanha contra o desmatamento foi estendida até 15 de julho de 2020 e, devido a um aumento nos incêndios florestais, o vice-presidente Mourão sugeriu que a operação pode ser repetida várias vezes. Embora a incerteza permaneça sobre por quanto tempo esse General da reserva estará liderando o esforço de contra-desmatamento, está claro que mesmo depois de duas operações altamente visíveis e bem financiadas de um esforço militar de fato liderado, os números do desmatamento em 2020 na região do Pantanal (a maior área úmida tropical do mundo) ultrapassaram os números de 2019 em quase 30%, e a região experimentou um aumento de 192% nas queimadas. A tendência é ainda mais alarmante porque em 2019 o Pantanal teve um aumento de seis vezes nos incêndios ao longo do ano.129 

De forma mais ampla, julho de 2020 registrou um aumento de 30% em incêndios em comparação com o mesmo mês de 2019. Como uma indicação adicional, os incêndios aumentaram quase 80% em terras indígenas e 50% em reservas naturais protegidas em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Essas tendências são um claro indicador de que muitos esforços e ações são necessários para recuperar o controle das queimadas ilegais e do desmatamento.130 O fato dos militares brasileiros serem a face da campanha contra-desmatamento de maior risco do mundo apresenta um paradoxo interessante. Por um lado, é percebido nacional e internacionalmente como líder do esforço de contra-desmatamento, mas, por outro lado, sua incapacidade de conter o desmatamento ilegal cria uma percepção de que não está à altura da tarefa.

 

FORÇAS ARMADAS: UMA FERRAMENTA AFIADA, MAS NÃO A PRINCIPAL 

É de se esperar que governos com recursos cada vez mais limitados possam recorrer a seus militares para apoiar funções domésticas não relacionadas ao combate, como a resposta a desastres naturais. No entanto, o fato de os militares brasileiros assumirem múltiplas e cada vez mais domésticas operações de Garantia da Lei e da Ordem (incluindo conservação florestal e policiamento), em uma sociedade com uma história recente de tomada de controle extra-democrática, é perturbador para muitos brasileiros. 

No contexto do desafio do desmatamento do país, as Forças Armadas brasileiras são um componente da promoção do Estado de Direito e da presença do Estado, mas não se pode esperar que resolvam o que é em grande parte um desafio legal, político e de policiamento civil. O próprio vice-presidente Mourão expressou reservas sobre os militares terem um papel tão importante na campanha de contra-desmatamento do país, especialmente na ausência de uma legislação de apoio, explicando em um comunicado de imprensa de 25 de maio de 2020 que embora os “produtos do desmatamento e os meios que o permitem possam ser capturados”, esta abordagem “tem eficácia limitada se não for possível identificar os infratores.” 

O vice-presidente também expressou frustração com o que descreveu como “a falta de recursos operacionais e humanos dos órgãos de fiscalização ambiental” para lidar com o desmatamento – um reconhecimento de que os órgãos mais responsáveis pelo policiamento da Amazônia carecem de pessoal. É interessante notar que o vice-presidente expressou o compromisso do governo Bolsonaro em dar continuidade a essas ações contra-desmatamento até o final de seu primeiro mandato – um momento em que ele espera que, o por ele chamado de “processo de revigoramento dos órgãos ambientais”, seja completado. 

Seu desejo expresso é que a Força Nacional do Meio Ambiente, uma agência civil, mantenha as taxas de desmatamento em níveis aceitáveis sem o uso das Forças Armadas (não se sabe se a declaração do vice-presidente é uma reafirmação do compromisso do governo com as NDCs – Contribuições Nacionalmente Determinadas – do Brasil com Acordo de Paris). No entanto, no momento da redação do presente documento, não havia evidências claras de que o governo tivesse vontade política para fazer as reformas necessárias; especificamente no que diz respeito ao fornecimento às agências civis tradicionalmente responsáveis pela ação de fiscalização os recursos e o apoio legal e regulatório necessário para o sucesso.

Isso significa que retornar ao esquema que restringiu o desmatamento ilegal por mais de uma década é improvável no curto prazo. Como consequência, as altas taxas de incêndios florestais e desmatamento (e todos os riscos à segurança que eles trazem) provavelmente continuarão, com resultados potencialmente devastadores para o Brasil e para a agenda de ação climática mundial. Isso provavelmente levará a mais aspereza entre o governo Bolsonaro e as potências ocidentais, perda de fé no Brasil como campeão das prioridades do mundo em desenvolvimento e prejudicará o potencial do Brasil de ser um ator influente no cenário global. Em um momento em que os países estão mostrando liderança ao fazer anúncios importantes sobre os compromissos climáticos nacionais, deixar de proteger a Floresta Amazônica de forma eficaz e democraticamente legítima diminui a posição internacional do Brasil. 36 

 

RECOMENDAÇÕES PARA O BRASIL 

PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES 

                  As decisões de ação climática tomadas nos próximos anos determinarão se os impactos climáticos das próximas décadas serão mais administráveis ou potencialmente catastróficos. Dada a importância da Amazônia para o sistema climático global, é do interesse estratégico e de segurança do Brasil retornar à sua política de liderança mundial de combate ao desmatamento. 

Ao impulsionar rupturas econômicas significativas, estressando as capacidades do Estado e sobrecarregando o contrato social entre governos e cidadãos, as mudanças climáticas terão consequências sociais, políticas e de segurança significativas, bem como impactos ambientais. Para contribuir com uma postura preventiva de todo o governo, as Forças Armadas deveriam avaliar os impactos diretos e indiretos das mudanças climáticas em suas operações e prontidão e na segurança do Brasil de forma mais ampla. 

Dadas as ameaças que as mudanças climáticas representam para o quadro de segurança humana e nacional do Brasil, a comunidade de segurança brasileira deve se comprometer a trabalhar com suas contrapartes civis para reduzir a escala e o escopo das mudanças climáticas, se adaptar a impactos inevitáveis, como o aumento do nível do mar, e fazê-lo em uma maneira que é sensível às preocupações humanitárias e que respeita as normas democráticas. 

A incorporação da escassez de recursos climáticos e das considerações do impacto da prontidão militar nos processos de planejamento estratégico e nos currículos profissionais de educação militar é um investimento importante não apenas para tornar a infraestrutura, a prontidão e as operações das Forças Armadas do Brasil resistentes às mudanças climáticas, mas também garantir que os líderes estejam preparados para melhor servir um público que será cada vez mais estressado pela escassez de recursos relacionados com o clima.131 

Altos funcionários militares (incluindo veteranos) devem defender que os líderes dos mais altos níveis dos governos federal, estadual e municipal adotem respostas adequadas a curto prazo aos riscos de segurança climática. Esta defesa deve promover uma infraestrutura do setor público (incluindo o militar) e instituições resistente às mudanças climáticas. Deve também tornar os órgãos e processos ecológicos, dos quais a segurança humana e a segurança interna dependem, resistente às mudanças climáticas.132 

As Forças Armadas brasileiras deveriam promover a discussão sobre as dimensões mais amplas de segurança das mudanças climáticas e se tornar um ponto focal para discussões e desenvolvimento de políticas no combate aos crimes ambientais da Pan-Amazônia que colocam em risco o sistema climático global, bem como a segurança pública no Brasil. O Brasil está em uma posição única para liderar tal esforço, não apenas na América do Sul, mas em toda a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde já possui fortes laços culturais, de defesa e diplomáticos. 

 

Com sua segurança e interesses nacionais em jogo, é vital que o governo brasileiro retorne a uma estratégia de longo prazo para conter o desmatamento. As críticas internacionais à postura do Brasil em relação à proteção florestal podem muito bem se intensificar, caso o Brasil não volte a uma trajetória que cumpra seus compromissos com o NDC. A comunidade internacional também pode exercer pressão sobre o Brasil nesses assuntos, aumentando as consequências diplomáticas e comerciais da inação. Diante disso, também é do interesse do Brasil se engajar positivamente com os organismos nacionais e multilaterais que têm parceria com o Brasil nos esforços de preservação florestal; esses acordos forneceram centenas de milhões de dólares para uma série de esforços de preservação e serão necessários para sustentar uma campanha de contra-desmatamento de longo prazo 

O desenvolvimento de uma estratégia abrangente que aborde os outros riscos à segurança climática, discutidos nesta publicação, incluindo segurança hídrica, alimentar e energética, seria do interesse do Brasil. Abaixo estão várias recomendações de políticas oferecidas ao Ministério da Defesa do Brasil e a outros órgãos do governo de formulação de políticas para consideração.

 

1. Avaliação de Riscos de Segurança Climática para o Brasil: O Ministério da Defesa deveria conduzir uma avaliação completa de segurança e inteligência dos principais riscos para a segurança climática do Brasil. Esta avaliação deveria explorar essas ligações de vários ângulos. Deveria incluir impactos relacionados ao clima na infraestrutura nacional crítica do Brasil (incluindo infraestrutura militar atual e planejada); no abastecimento de alimentos, água e energia; e avaliar como essas mudanças podem interagir com os impulsionadores dos principais desafios de segurança pública do Brasil, incluindo crime organizado grave, atividade criminosa transnacional, altos níveis de violência e fragilidade em estados vizinhos. Com base neste estudo, o governo brasileiro deveria explorar mais como o Brasil pode perseguir seus interesses nacionais em um futuro com mudanças climáticas, considerando seu potencial de liderança em questões críticas de conservação, bem como combustíveis alternativos e a transição energética. 

Muitas comunidades de segurança de outros países realizaram estudos semelhantes. Na última década, o Departamento de Defesa dos EUA encomendou vários estudos e avaliações que indicam a variedade de maneiras pelas quais o clima pode impactar a segurança pública. Por exemplo, avaliações estratégicas como o Relatório Sobre os Efeitos de um Clima em Mudança para o Departamento de Defesa(2019)133 reconheceu que os “efeitos de uma mudança climática são uma questão de segurança nacional com impactos potenciais para o Departamento de Defesa (DoD)” e reconheceu que os militares dos EUA devem ser “capazes de adaptar as operações atuais e futuras”, incluindo aquelas moldados por ameaças relacionadas ao clima. Uma avaliação detalhada das vulnerabilidades do Brasil forneceria uma base para o planejamento de defesa e segurança em um ambiente cada vez mais moldado pelas mudanças climáticas. 

2. Demonstrar Liderança Climática Regional: A política externa brasileira tradicionalmente prioriza o diálogo e a cooperação como instrumentos essenciais para a construção de confiança e, fundamentalmente, a promoção da paz. No espírito dessa abordagem, o governo brasileiro (incluindo o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores) deveria considerar liderar a elaboração e implementação de um Plano de Segurança Climática regional para a América do Sul – baseado no exemplo do “Clima Plano de Segurança para a América ”, desenvolvido pelo apartidário Grupo Consultivo de Segurança Climática do Center for Climate and Security.134 A colaboração para enfrentar as ameaças relacionadas ao clima melhorará a interoperabilidade transfronteiriça e tornará os esforços regionais para combater os riscos à segurança climática e os crimes ambientais mais eficazes. O Brasil já tem relacionamentos e interação robustos com a maioria dos países da região (principalmente as nações que compartilham as bacias do Amazonas e do Rio da Prata) e historicamente promove o discurso sobre o meio ambiente. Deixar de assumir um papel de liderança nos assuntos da Pan-Amazônia cria o risco de que outros estados ou instituições multinacionais preencham o vácuo, deixando o Brasil como um espectador em sua própria vizinhança.

3. Demonstrar Valorização dos Riscos Climáticos: Os militares brasileiros deveriam demonstrar em retórica e ações seu compromisso com o combate à ameaça das mudanças climáticas, pois o fenômeno representa um risco claro para a segurança pública do Brasil. Os principais líderes militares, incluindo membros do Conselho de Defesa Nacional do Brasil (a referência para segurança interna mais importante do presidente) e o conselho consultivo de política externa, deveriam promover discussões e ações para compreender e abordar o impacto das mudanças climáticas na segurança interna. Posteriormente, as implicações desta questão para a segurança pública deveriam ser legitimadas ao serem abordadas na Política de Defesa Nacional, Estratégia de Defesa Nacional e no Livro Branco de Defesa Nacional. 

As instituições acadêmicas de defesa, em particular, deveriam desempenhar um papel central na promoção e informar o discurso de segurança climática e também podem contribuir para avaliações militares e estratégias de mitigação destinadas a enfrentar a ameaça. Incorporar a escassez de recursos impulsionada pelo clima e considerações sobre o impacto da prontidão militar em programas de desenvolvimento profissional nas instituições educacionais militares também seria um investimento importante não apenas para tornar a infraestrutura das Forças Armadas brasileiras “impermeváveis” ou seja, preparadas para as intempéries das mudanças climáticas, mas também para garantir que os líderes estejam preparados para melhor servir um público que será cada vez mais estressado pela escassez de recursos relacionados ao clima. 

4. Renovar a Liderança no Combate ao Desmatamento: A segurança do Brasil, assim como a segurança de sua vizinhança e do globo, está inextricavelmente ligada à saúde da Amazônia. A posição internacional do Brasil e os interesses estratégicos em todo o mundo também estão inextricavelmente ligados ao fato de ele desempenhar ou não um papel de liderança na proteção da Amazônia e cumprir e superar as metas de mudança climática estabelecidas em Paris. O Brasil deveria, portanto, renovar sua liderança no combate ao desmatamento e se comprometer a reduzir as emissões de gases de efeito estufa na escala necessária para evitar consequências imprevisíveis de segurança relacionadas ao clima para o Brasil e seus vizinhos. 

5. Extensão Acadêmica: No espírito de contribuir para o fortalecimento da cooperação entre os países da América do Sul e, de forma mais ampla, para a redução das tensões e da pacificação, os militares brasileiros poderiam servir como facilitadores do discurso regional sobre desmatamento e mudanças climáticas. A comunidade acadêmica (militar e civil), o setor privado e as organizações sem fins lucrativos podem enriquecer esse debate e contribuir para a formulação de soluções para que tenham legitimidade aos olhos da sociedade em geral. Na frente internacional, organizações como o International Military Council on Climate and Security (IMCCS) – uma rede de líderes militares de alto escalão em todo o mundo que conduzem políticas de apoio a ações sobre as implicações de segurança de um clima em mudança (o Grupo de Peritos do qual está publicando este relatório) – deveriam ser engajadas e aproveitadas para aumentar o conhecimento institucional militar brasileiro sobre os impactos das mudanças climáticas na segurança.135 

A fim de avaliar e abordar totalmente esses riscos, as instituições regionais de segurança, incluindo instituições acadêmicas de defesa, devem incorporar temas de segurança climática em suas pesquisas. Este trabalho deve examinar os impactos das mudanças climáticas em: 

As mudanças no domínio marítimo e nas considerações de segurança marítima; 

Integridade territorial e disputas de fronteira que afetam a região em geral, e o Brasil especificamente;

Estratégia militar e questões relacionadas com o planejamento, treinamento e equipamentos, com foco em como os conjuntos de missão irão evoluir, bem como os impactos climáticos nas instalações; 

Análise contínua da força e potencial enfraquecimento das instituições e normas internacionais;

Questões de ciência e tecnologia (C&T), incluindo as desvantagens potenciais de defesa usando tecnologias civis, por ex. aqueles para contra-desmatamento. Esta poderia ser uma área frutífera de colaboração com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, dada a importância da cooperação em C&T entre militares parceiros para lidar com os riscos à segurança climática. 

 

As recomendações acima não são apenas pontos de partida para que os militares brasileiros contribuam para mitigar as consequências das mudanças climáticas para a segurança, mas também são iniciativas que aumentarão ainda mais a reputação dos militares brasileiros como guardiões responsáveis do bem-estar da nação e líderes globais de pensamento e ação. O Brasil tem uma oportunidade histórica de liderar pelo exemplo; reunir não apenas o Brasil, mas também liderar uma região em transição para criar um futuro mais seguro e resiliente ao clima.

Os impactos das mudanças climáticas podem emergir como um grande impulsionador da instabilidade no século XXI, se as respostas para minimizar esses riscos não forem proporcionais à ameaça.136 Ao minar os meios de subsistência, impulsionar rupturas econômicas significativas, sobrecarregar as capacidades do Estado e desafiar o contrato social entre governos e cidadãos, a mudança climática terá consequências sociais, políticas e de segurança, bem como impactos ambientais. Por essas razões, as mudanças climáticas são entendidas como um “multiplicador de ameaças” para a instabilidade.137 

As dimensões de segurança das mudanças climáticas vão além daquelas relacionadas às mudanças nos padrões climáticos. A adaptação e mitigação das mudanças climáticas também trará mudanças nos mercados de energia e na distribuição de recursos, por exemplo, aumentando o valor estratégico de minerais como o lítio, ou exigindo decisões sobre quais setores se beneficiam mais de projetos hidrelétricos. Essas consequências mais amplas de um clima em mudança podem alterar a dinâmica de poder e dar origem a novas queixas, o que pode exigir capacidade institucional adicional para antecipar e administrar pacificamente. No Brasil, as interações da mudança climática com a missão militar, até agora, foram entendidas principalmente em relação à assistência humanitária e resposta a desastres. Como este relatório ilustra, ampliar a abertura para considerar outras consequências dos impactos do clima e integrar o clima na política e no planejamento de defesa pode apoiar avaliações de risco mais abrangentes e respostas intersetoriais às ameaças à segurança climática. 

A referência da Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa de 2020 às graves consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas das mudanças climáticas é um passo positivo que deve ser construído para que um quadro abrangente de segurança climática possa ser estabelecido. Todos os ramos das Forças Armadas deveriam avaliar como as mudanças climáticas afetarão suas respectivas instituições e como esses impactos podem ser melhor tratados.138 Dado o papel central que a defesa desempenha na resposta a desastres, há uma base sólida para desenvolver capacidades adicionais para se adaptar a um futuro com mudanças climáticas e às crescentes demandas nesta área. Dentro do governo, é responsabilidade da instituição de defesa avaliar o futuro cenário de segurança nacional e internacional, não apenas para informar suas próprias capacidades de planejamento. Essa função fornece uma oportunidade de liderança para a defesa incorporar as mudanças climáticas a um planejamento governamental mais amplo, como uma ameaça à segurança de alta probabilidade e alto impacto que requer uma resposta robusta do desenvolvimento e de outros setores. 

Por último, sem mitigação urgente e sustentada dos gases de efeito estufa, política de apoio e planejamento de todos os setores do governo, incluindo o setor de defesa, as mudanças climáticas terão consequências terríveis para o Brasil. No entanto, com a previsão disponível hoje, há tempo para tomar medidas preventivas para que os piores cenários não ocorram e para garantir que a segurança pública seja mantida em toda a região. 

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