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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos - Janaína Figueiredo (O Globo)

Mudou, sim, muita coisa na diplomacia, e o controle de danos começou dentre da Casa. Mas não se pode pedir que a diplomacia mude a política externa: esta é feita em outras esferas, com outras ferramentas, não apenas as do Itamaraty, que saberia conduzir uma boa diplomacia, ainda que pedestre e conservadora. Política externa é feita por líderes políticos e por decisores que detêm o poder real, o que não é o caso dos diplomatas, meros burocratas do Estado (não todos).

PRA


Após saída de Ernesto Araújo, Itamaraty busca controle de danos
Saída do chanceler em março enfraqueceu ala ideológica e abriu espaço para substituto, Carlos França, tentar recuperar credibilidade internacional do Brasil
Janaína Figueiredo
O Globo | Atualizado em 12/12/2021 - 13:06

Desde que Ernesto Araújo deixou o comando do Itamaraty, em março passado, os diplomatas brasileiros trabalham com a clara missão de fazer um controle de danos abrangente, que permita ao Brasil recuperar a credibilidade internacional. Como parte desse esforço, o Ministério das Relações Exteriores está mergulhado na preparação da presidência brasileira do G20, que começará em dezembro de 2023, no final do primeiro ano de mandato de quem for eleito em 2022. Será, afirmaram ao GLOBO fontes do governo, “uma oportunidade única para mostrar ao mundo que o Brasil está de volta”.

Ter a presidência do G20 — hoje com a Indonésia e posteriormente com a Índia — será, acrescentaram as fontes, “uma plataforma extraordinária para voltar a inserir o Brasil no cenário externo”. Numa agenda ainda preliminar de temas a serem defendidos pela presidência brasileira, à qual O GLOBO teve acesso, estão questões como meio ambiente, transformação digital, medidas anticorrupção, saúde, clima e energia.

Se governos passados tiveram eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 para exibir o Brasil, o futuro governo terá uma série de reuniões de ministros do G20 e, como momento culminante do ano de 2024, a cúpula de chefes de Estado e governo do grupo.

A saída de Ernesto e a entrada do ministro Carlos França no governo devolveram, em palavras de uma fonte diplomática, “a alma ao Itamaraty”. Desde a troca de ministros, os diplomatas brasileiros, acrescentou a fonte, “respiram melhor”. A diplomacia foi despolitizada, e membros da chamada ala ideológica do governo praticamente saíram de cena. O deputado Eduardo Bolsonaro, que deixou este ano a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, está mais dedicado à campanha de reeleição do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o chanceler assumiu um controle quase total da política externa. França, que conhece e sabe lidar com os humores do Palácio do Planalto, comentaram as fontes consultadas, exerce uma “diplomacia serena e com visão de longo prazo”.

O esforço de reconstrução da imagem externa do Brasil foi evidente no envolvimento protagonístico do Itamaraty na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). Muitos duvidam da capacidade do governo Bolsonaro de cumprir as metas e compromissos anunciados, mas é unânime o reconhecimento ao Ministério das Relações Exteriores por ter mostrado, de novo, uma diplomacia profissional, apegada às tradições do Itamaraty.

— É bom lembrar que nenhum representante do G20 veio à posse de Bolsonaro. A guinada da política externa é real, e veio depois da derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e, também, de Benjamin Netanyahu, em Israel — afirma o professor de Relações Internacionais Mauricio Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Para Santoro, “a visão negativa sobre o Brasil se deve ao tratamento do meio ambiente, ao comportamento do governo na pandemia e ao declínio da democracia no país”. O embaixador Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e árbitro do Mecanismo Provisório de Apelação da Organização Mundial de Comércio (OMC), lamenta que Ernesto “tenha sido escalado para desconstruir o Itamaraty”, e celebra que “França esteja procurando fazer, sem alarde, uma volta ao Itamaraty normal”.

Conselho de segurança
Em janeiro de 2022, o Brasil assume novamente uma vaga rotativa no Conselho de Segurança da ONU, de onde está ausente desde 2010, outra oportunidade que o Itamaraty de França aproveitará na cruzada pela reinserção do Brasil na comunidade internacional, ainda sob Bolsonaro.

— A ausência prolongada do país no conselho também está relacionada a erros dos governos do PT. O que França está fazendo vai facilitar a transição, porque o próximo presidente não terá de fazer ajustes que já estão sendo feitos — avalia o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou as embaixadas de Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A presença no conselho permitirá, assegura Barbosa, “fazer algumas correções e voltar a defender posições tradicionais do Brasil na ONU, entre elas a de não intervenção”.

Os novos ares que se respiram no Itamaraty permitiram a reaproximação do Brasil com países vizinhos e, em geral, a preservação da diplomacia em momentos de extrema polarização política, dentro e fora do Brasil. A escolha do país para presidir o G20 a partir de dezembro de 2023 (os mandatos são de um ano) ocorreu na reta final da gestão de Ernesto, mas fontes do governo confirmaram que o trabalho feito nos últimos meses, sem condicionamento políticos e ideológico algum, não teria sido possível sem a mudança de chanceler.

Sob coordenação do Itamaraty, vários ministérios do governo Bolsonaro estão elaborando uma agenda de prioridades para a presidência brasileira do G20 que já destaca, por exemplo, a reforma da OMC, redução de subsídios em todos os setores para fortalecer o comércio multilateral, desenvolvimento sustentável e a importância da bioenergia e de energias renováveis na transição energética dos países do grupo. No ministério, o homem do G20 é o embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos e sherpa do Brasil (nome dado ao representante do chefe de Estado que prepara o país para cúpulas do bloco).

‘Refazer fontes de diálogo’
O controle de danos pós-Ernesto, enfatiza o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Cebri, “deve ser feito em todos os foros multilaterais e para voltar a atuar é preciso refazer fontes de diálogo, mas, também, ter propostas”.

— Temos de ter capacidade de atuação e ideias. O que se espera nessa volta a sermos relevantes? Qual será nossa perspectiva de mundo? Como vamos nos encaixar na bipolaridade entre China e EUA? Controle de danos é se defender, mas o que vamos precisar, também, é propor uma agenda que nos faça novamente relevantes — frisa Fonseca.

Com Ernesto, o governo Bolsonaro escolheu um lado (os EUA de Trump) e praticamente se indispôs com grande parte do resto do mundo. O desafio é entrar novamente no jogo, com uma posição de peso, o que implicará a construção de uma nova agenda para a política externa brasileira.

A sensação no corpo diplomático estrangeiro em Brasília é de que o Itamaraty conseguiu começar a virar a página de pouco mais de dois anos nefastos para o país. As novas páginas, porém, ainda precisam ser escritas. Com França, um esboço está surgindo. Mas a real expectativa é o Brasil pós-eleição presidencial de 2022.

https://oglobo.globo.com/mundo/apos-saida-de-ernesto-araujo-itamaraty-busca-controle-de-danos-1-25315804

terça-feira, 5 de outubro de 2021

O Mercosul estaria se desfazendo? Uruguai busca acordo de livre comércio com a China - Janaína Figueiredo (O Globo)

Estamos assistindo ao próximo desaparecimento do Mercosul? E justamente pelo governo que prometia inserção econômica internacional do Brasil?

Durante anos, o pequeno Uruguai pediu licença para fazer um acordo de livre comércio com os EUA, projeto ao qual se opôs veementemente o Brasil. Agora, como os EUA são protecionistas – como Argentina e Brasil, aliás –, os uruguaios querem tem um waiver para negociar um acordo de livre comércio com a China, seu principal parceiro atualmente (o que é incrível, pois Brasil e Argentina sempre foram os dois maiores durante décadas, talvez mais de um século). 

Agora, o Paulo Guedes demonstra mais uma vez que ele NÃO ENTENDE NADA, ABSOLUTAMENTE NADA, não apenas de Mercosul, como de política comercial, de OMC, de estruturas tarifárias, tudo, ele NÃO CONHECE NADA dessa importante política setorial, que é relevante em qualquer projeto internacional do Brasil.

O que disse o ignorante? 

"O Mercosul vai se modernizar e quem estiver incomodado que se retire. Vamos ficar firmes em posição de avançar durante presidência brasileira do Mercosul”.

“Paraguai, Uruguai e Brasil querem modernizar o Mercosul, Argentina não concorda. Não vamos sair do Mercosul, mas não aceitaremos um bloco como instrumento ideológico.”

INACREDITÁVEL!

Ele NÃO TEM A MENOR IDEIA DO QUE ESTÁ FALANDO!

Em primeiro lugar, ele NÃO PODE, o Brasil NÃO PODE reduzir unilateralmente a TEC do Mercosul, que é um protocolo apresentado pelo bloco do Mercosul à OMC, e só pode ser comunicado em suas mudanças pelo bloco, enquanto personalidade de direito internacional registrada na OMC. 

Em segundo lugar, essa afirmação de que o "Mercosul vai se modernizar" não quer dizer absolutamente nada, assim como a Argentina não vai se retirar por se sentir "incomodada".

O ministro da Economia não é apenas um desastre na economia, mas ele é catastrófico na diplomacia, um desmonte completo de todas as normas e conteúdos impulsionados pelo Itamaraty nos últimos 30 anos.

Esses novos bárbaros do desgoverno atual precisam ser defenestrados, pois eles estão DESTRUINDO o Brasil e suas políticas de Estado.

Paulo Roberto de Almeida


Uruguai cobra apoio do Brasil a conversas bilaterais com China, e crise do Mercosul se agrava

Governo uruguaio quer declaração contundente do brasileiro a favor de acordo comercial do país vizinho com chineses. Argentina e Paraguai são contra
Janaína Figueiredo 
O Globo, 05/10/2021 

Como se não bastassem as divergências entre Brasil e Argentina, que continuam em negociações para tentar chegar a um entendimento sobre a redução da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC, que taxa produtos de fora do bloco), nas últimas semanas, informaram fontes brasileiras, surgiram no horizonte tensões entre os governos brasileiro e uruguaio.

O motivo, de acordo com as fontes, seria a demanda do Uruguai de que o Brasil faça uma declaração contundente de respaldo ao início das conversas bilaterais do país vizinho com a China, para negociar um acordo de livre comércio.

O Uruguai, que nos últimos tempos foi o principal aliado do Brasil no Mercosul, virou, inesperadamente, uma dor de cabeça.

De acordo com as fontes consultadas, o governo do presidente Luis Lacalle Pou estaria condicionando a adesão de seu país à proposta de redução da TEC à aceitação, ou não, por parte do Brasil de ratificar explicitamente seu apoio à decisão do Uruguai de, contrariando, segundo Argentina e Paraguai, normas fundacionais do bloco, negociar um acordo com a China por fora do Mercosul.

Negociar sozinho
O governo do presidente Jair Bolsonaro já deixou claro em diversas oportunidades sua posição favorável à flexibilização da dinâmica de negociações comerciais.

Enquanto Argentina e Paraguai insistem em assegurar que o Tratado de Assunção (ata fundacional do bloco) proíbe acordos que não sejam negociados por todos (o chamado 4 + 1), o Brasil sempre se mostrou alinhado com os desejos do Uruguai de negociar sozinho.

O argumento do governo uruguaio (o mesmo defendido por todos os governos anteriores) é de que a resolução 32.00, aprovada no ano 2000, que regulamenta a dinâmica do 4 + 1, nunca foi internalizada pelos países.

Por uma surpreendente ironia do destino, hoje os dois países que pareciam mais afinados dentro do bloco, estão atravessando turbulências em seu relacionamento, o que deixou o Mercosul numa situação ainda mais complexa.

Fontes uruguaias negaram que o governo Lacalle Pou tenha mudado sua posição sobre a proposta de redução da TEC, mas evitaram comentar as exigências que o Uruguai teria feito ao Brasil para manter sua posição numa questão considerada essencial pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Do lado brasileiro, existe preocupação. Se o Uruguai não acompanhar o governo Bolsonaro nas negociações sobre corte da TEC - e atrapalhar a estratégia do ministro Paulo Guedes de combate à inflação -, o estremecimento da relação poderia contaminar outras questões, ampliou uma fonte brasileira. Uma dessas questões seria a negociação anual para renovar as zonas francas bilaterais.

No ano passado, o Brasil pediu incluir o açúcar no regime, mas o Uruguai não aceitou. Este ano, disseram as mesmas fontes, o Brasil poderia exigir a incorporação do açúcar como condição para aceitar a renovação. 

Em Montevidéu, o anúncio oficial de que começou a ser realizado um estudo de viabilidade de um acordo de livre comércio com a China gerou expectativa.

Exportações para a China
Segundo explicou Marcel Vaillant, professor de Comércio Internacional da Universidade da República, hoje a China é o principal destino das exportações uruguaias. 

— Para nosso país, é um fato transcendental. Somos uma economia pequena, mas com vocação de abertura. Brasil e Argentina são as economias mais protecionistas do planeta e o Mercosul é um subproduto disso — disse Vaillant.

Ele acredita que existe sintonia entre o Brasil de Bolsonaro e seu país em matéria de política comercial, e confia em que ambos caminharão no mesmo sentido. 

— No Mercosul foram toleradas diversas flexibilidades, principalmente em relação à Argentina. A tolerância deve ser recíproca — frisou o especialista.

No entanto, no momento, o diálogo entre Brasília e Montevidéu não está fluindo como antigamente. Em paralelo, as tensões com a Argentina não foram superadas.

Ataque à Argentina
Semana passada, Guedes jogou um balde de água gelada na Casa Rosada ao afirmar que ”o Mercosul vai se modernizar e quem estiver incomodado que se retire. Vamos ficar firmes em posição de avançar durante presidência brasileira do Mercosul (que termina em dezembro)”.

O ministro reiterou que continua com o propósito de reduzir a alíquota da TEC em 10% este ano e mais 10% no ano que vem.

“Paraguai, Uruguai e Brasil querem modernizar o Mercosul, Argentina não concorda. Não vamos sair do Mercosul, mas não aceitaremos um bloco como instrumento ideológico”, enfatizou o ministro.

Em Buenos Aires, as declarações de Guedes não caíram bem. Segundo uma fonte do governo Alberto Fernández, nas últimas semanas as negociações entre os dois países para tentar encontrar um acordo possível em matéria de TEC tinham avançado.

O Brasil teria, segundo a mesma fonte, aceitado que uma primeira redução de 10% não incluiria bens finais como automóveis, calçados e têxteis. Também teria sido adiado o segundo corte de 10% que Guedes pretendia fazer em 2022. Participaram das conversas negociadores da equipe econômica e do Itamaraty.

Uso político do conflito
O novo chanceler argentino, Santiago Cafiero, já conversou com o ministro Carlos França e o diálogo, segundo fontes argentinas, foi bom. Por isso, o novo ataque de Guedes à Argentina surpreendeu e deixou a Casa Rosada sem saber se o que parecia estar caminhando para se tornar um acordo que seria, posteriormente, apresentado a uruguaios e paraguaios, naufragou antes de sair do papel.

O objetivo de ambos, confirmaram fontes dos dois países, continua sendo alcançar um entendimento ate a cúpula presidencial de dezembro. Mas não existem mais certezas.

Na visão da especialista Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento, “será difícil superar a crise do bloco nas atuais conjunturas políticas na Argentina, Brasil e Uruguai”.

— A única via possível é um waiver (permissão), para que cada país faça o movimento que quiser. 

A especialista lamentou que “os três países estejam usando politicamente o conflito e não buscando uma solução de fato”.

https://oglobo.globo.com/economia/macroeconomia/uruguai-cobra-apoio-do-brasil-conversas-bilaterais-com-china-crise-do-mercosul-se-agrava-25224894

segunda-feira, 29 de março de 2021

Para diplomatas, saída de Araújo não basta, e política externa precisa de reconstrução completa - Henrique Gomes Batista e Janaína Figueiredo (O Globo)

 Para diplomatas, saída de Araújo não basta, e política externa precisa de reconstrução completa

Por mais que acalme os ânimos entre Planalto e Congresso, saída do chanceler ressalta legado que virou a tradição diplomática brasileira do avesso

Henrique Gomes Batista e Janaína Figueiredo

O Globo, 29/03/2021 - 12:17 / Atualizado em 29/03/2021 - 12:57

https://oglobo.globo.com/mundo/2273-para-diplomatas-saida-de-araujo-nao-basta-politica-externa-precisa-de-reconstrucao-completa-24946047?utm_source=notificacao-geral&utm_medium=notificacao-browser&utm_campaign=O%20Globo

 

Ex-chanceler Ernesto Araujo durante entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS/2-3-21

Ex-chanceler Ernesto Araujo durante entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS/2-3-21

 

SÃO PAULO E RIO — Politicamente, a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores pode acalmar os ânimos entre o governo Bolsonaro e o Congresso. Mas, para diplomatas brasileiros, caso o presidente Jair Bolsonaro aceite seu pedido de demissão, este será o primeiro passo de um longo caminho para consertar problemas criados em seus dois anos à frente do Itamaraty. O GLOBO ouviu 11 diplomatas da ativa que servem em diferentes países nas Américas, no Oriente Médio e na Ásia sobre o legado de Araújo. Na avaliação deles, será necessária uma reconstrução completa da política externa do país, tanto das relações bilaterais com parceiros importantes, como EUA, China e Argentina, quanto com a União Europeia e organismos multilaterais. 

Para um embaixador — que, como os demais ouvidos, falou sob anonimato devido à hierarquia rígida do Itamaraty e ao temor de represálias — sob a gestão de Araújo “o Brasil deixou de ser um parceiro confiável”, ao mudar posições tradicionais da diplomacia brasileira sem propor políticas claras em seu lugar.

Se no Senado a disputa gira em torno da suposta inoperância do Itamaraty na compra de vacinas e insumos para imunizantes, entre os diplomatas o que mais impacta “é o conjunto da obra” de Araújo. Embora a troca, se confirmada, possa ter simbolismo forte, dizem, ela não é suficiente para gerar uma mudança de percepção em relação ao Brasil.

Isso decorre de posições como ser contra a quebra de patente de vacinas — defendida por indianos e africanos na Organização Mundial do Comércio (OMC) —; sugerir a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém, o que desagrada países árabes; escancarar preferências político-partidárias que foram derrotadas em eleições nos EUA e na Argentina; questionar a ciência sobre as mudanças climáticas e relativizar as posições sobre meio ambiente, o que provocou choque com os europeus; alinhar-se aos EUA de Trump para eleger o primeiro não latino-americano para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); e imprimir uma carga ideológica à relação com os chineses, o maior parceiro comercial do Brasil.  

Como resumiu uma embaixadora da ativa, “Jair Bolsonaro prometeu uma diplomacia sem ideologia e, com Ernesto Araújo, entregou ideologia sem diplomacia”.  Isso, segundo ela,  “não é simples de ser alterado, sua substituição não resolve os problemas automaticamente”.

Um dos diplomatas ouvidos comentou a campanha do Brasil para voltar neste ano a ser eleito membro não permanente do Conselho de Segurança, depois de um hiato de 10 anos. Embora seja provável que o país alcance o número de votos necessários para isso, dado o seu peso regional, ele relata que, diante das críticas de Araújo ao chamado “globalismo” —  representado justamente pelas instituições multilaterais —, a reação dos interlocutores estrangeiros é: “Vocês acham mesmo que têm condições?”

Os diplomatas citaram derrotas recentes do Brasil em eleições para organismos internacionais como sinal de perda de força do país. Em fevereiro, o colombiano Juan Carlos Salazar foi eleito o novo secretário-geral da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci),  contra a candidatura do brigadeiro brasileiro Ary Rodrigues Bertolino, que nem sequer foi para o segundo turno. No fim de 2020, a desembargadora Mônica Sifuentes não conseguiu os votos suficientes para ser eleita juíza do Tribunal Penal Internacional, em Haia.


Relação conturbada com os EUA

Os entrevistados afirmaram que, embora o governo de Joe Biden não vá optar em um primeiro momento por retaliações diretas ao Brasil, a relação entre os dois governos tende a ser fria. A demora do Brasil em reconhecer a vitória de Biden e o endosso à falsa tese de que houve fraude na eleição em Donald Trump foi derrotado pesarão no relacionamento. Eles lembram que o próprio Araújo, a poucos dias da posse de Biden, sugeriu que a invasão do Congresso para impedir a homologação da vitória do democrata no Colégio Eleitoral foi obra de “infiltrados” — tese que na época circulou na extrema direita americana e que foi desmentida pelo FBI, a polícia federal dos EUA.

Como notou um dos diplomatas, “o posicionamento foi mais radical que o de muitos republicanos".  Em fevereiro, o senador democrata Bob Menendez, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa, mandou carta ao governo brasileiro pedindo uma condenação explícita da invasão do Capitólio. A carta afirmava que o relacionamento com o Brasil sairá prejudicado se o governo brasileiro não condenar a “incitação à violência e os ataques contra a democracia americana”.


No caso da Argentina, a orientação do ministro à Embaixada do Brasil em Buenos Aires foi clara: evitar contatos com o então candidato da centro-esquerda Alberto Fernández, nas eleições de 2019. A ordem colocou o então embaixador em Buenos Aires, Sergio Danese,  em uma saia justa. Criou-se um mal estar entre o diplomata e a campanha de Fernández que demorou mais de um ano para ser superado.

Além das articulações contra o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, o chanceler nunca demonstrou interesse em cultivar o relacionamento com os demais países da América do Sul. Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, exercer a liderança no entorno sul-americano, mediando crises e articulando políticas comuns, era uma ambição e um objetivo do Brasil. Como disse um dos embaixadores, “ignorar a política sul-americana é absurdo, a menos que exista a possibilidade de mudar o Brasil de continente”.


Autonomia em xeque

A perda de peso e de voz do Brasil em debates ambientais, apontaram os entrevistados, praticamente inviabiliza, no momento, a ratificação pelos países europeus do acordo comercial firmado em 2019 entre o Mercosul e a União Europeia. Além disso, o país perdeu dinheiro quando Alemanha e Noruega suspenderam suas contribuições para o Fundo Amazônia, depois que o ministério sob o comando de Ricardo Salles fez mudanças unilaterais no conselho do fundo.

Na relação com a China, Araújo chegou a pedir a cabeça do embaixador do país, Yang Wanming, para defender o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, que havia atacado Pequim nas redes sociais. O fato de o chanceler insinuar que os senadores se voltaram contra ele para defender a presença da chinesa Huawei na instalação da rede brasileira de telefonia 5G também pesa, embora os chineses se mantenham discretos sobre essas crises e neguem qualquer intenção de represália — na avaliação de interlocutores da China, isso ocorre porque Pequim pensa em longo prazo, e vê o governo Bolsonaro como um “acidente de percurso” na relação bilateral.

Entrevista: Embaixador dos EUA alerta que se Brasil permitir chinesa Huawei no 5G enfrentará 'consequências'

No Oriente Médio, a aliança incondicional com o governo de Benjamin Netanyahu, ameaçado de perder o cargo depois das eleições da semana passada, representou uma mudança radical na posição brasileira. Araújo não só defendeu a mudança da embaixada para Jerusalém —  que internacionalmente não é reconhecida como a capital israelense —  como passou a votar junto com Israel em temas referentes ao conflito com os palestinos. Para um dos diplomatas, “o Brasil desfrutava, nesta região, o privilégio de se apresentar como um interlocutor confiável, que não tomava partido nas complicadíssimas questões geopolíticas”. Essa credibilidade, diz ele, se perdeu.

Segundo estes funcionários de carreira do Itamaraty, qualquer a pessoa que vier a ser escolhida para o  lugar de Arapújo terá um obstáculo adicional: conseguir certa autonomia, depois que o ministério esteve na “cota” da ala olavista do governo, com forte influência do filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), responsável por abençoar tanto a indicação de Araújo quanto a do assessor internacional do Planalto, Filipe Martins.


Polêmica:Associação judaica dos EUA exige que Araújo se desculpe por comparar isolamento social a campos de concentração nazistas

Questões internas

Outra questão apontada foi a necessidade de reorganizar internamente a pasta, que viu uma ruptura na hierarquia natural com a ascensão rápida de diplomatas de baixo e médio escalões identificados politicamente com o governo. Além disso, há os problemas orçamentários: as verbas da pasta para 2021 foram aprovadas com uma estimativa do dólar a R$ 5,30 — hoje ele está a R$ 5,79 —, o que faz muitos acreditarem que elas acabam antes do fim do ano. Araújo é acusado de não ter batalhado mais para aumentar o orçamento do ministério.

Um dos diplomatas mencionou “o desânimo muito grande da tropa”. Ao mesmo tempo em que os debates na Funag (Fundação Alexandre de Gusmão), o centro de estudos do Itamaraty, perderam qualidade, “há um afunilamento da carreira e uma sensação de perseguição”.


Se para o meio político a atuação de Araújo na busca por vacinas é citada como a gota d 'água, no Itamaraty mesmo seus críticos minimizam este episódio, lembrando que “99%” das decisões sobre vacinas foram tomadas no Ministério da Saúde e pelo Planalto. Porém, até diplomatas mais alinhados a Araújo admitem que o Itamaraty poderia ter sido mais eficiente na crise de falta de oxigênio em Manaus e, agora, na busca por medicamentos para a intubação de pacientes.

Eles lembram que foi a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, quem tomou a iniciativa de buscar contatos com os chineses para liberar os insumos para as vacinas da AstraZeneca, produzidas pelo Fiocruz, e da Sinovac, fabricadas pelo Butantan. Além disso, ao tentar fazer propaganda do avião fretado para buscar doses na Índia, Araújo se indispôs com o governo de Nova Délhi, que sofre pressão para aumentar a vacinação internamente e exportar menos.

 

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