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domingo, 18 de outubro de 2020

Vamos bater no muro? A economia em 2021 - José Roberto Mendonça de Barros (OESP)

 Vamos bater no muro?

José Roberto Mendonça de Barros

O Estado de S. Paulo, 18/10/2020


Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.

Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.

Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes.

Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro.

Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em "V". Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do "home banking" e da digitalização dos meios de pagamento â isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.

Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.

Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem...

Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano.

Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matériasprimas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda.

Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.

A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal.

Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.

Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos â e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).

No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.

Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro? 


ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIADOS.COM.

domingo, 18 de março de 2012

A economia brasileira em 2012 - José Roberto Mendonça de Barros


O Brasil no início de 2012
José Roberto Mendonça de Barros
O Estado de São Paulo, 18/03/2012

Os dados referentes ao crescimento da economia brasileira em 2011 foram recentemente liberados. Embora o número de 2,7% fosse esperado por todos os analistas, o quadro que emerge deve ser analisado com cuidado.
Do lado positivo, creio que o ponto a ser destacado é que, apesar da crise global, nossa economia ultrapassou a da Inglaterra e é agora a sexta do mundo, quando medida a preços de mercado e utilizando a taxa corrente média de câmbio. Por outro lado, os números também mostram uma forte desaceleração no segundo semestre do ano, bem maior do que a esperada. Por exemplo, o consumo das famílias mostrou queda no terceiro trimestre e, embora tenha se recuperado razoavelmente bem na última parte do ano (levando a uma expansão de 4,1% em 2011), a economia iniciou 2012 bem lenta.
A pior notícia apresentada pelos dados, entretanto, foi a forte desaceleração dos investimentos ao longo do ano. Já havíamos chamado a atenção neste espaço para este ponto, em novembro passado ("O investimento perde o vigor"). Com expansão nula no segundo semestre, a taxa de investimento (ou Formação Bruta de Capital Fixo, na terminologia do IBGE) se manteve teimosamente abaixo dos 20% do PIB, ao contrário do esperado pelas autoridades. Pior que isso, a taxa de poupança recuou para 17,2% do PIB. Esses números sugerem, pelo menos, três observações.
Em primeiro lugar, é preciso ter muito cuidado com a torrente de anúncios de investimentos que as autoridades e bancos públicos colocam nos meios de comunicação. Se os trilhões que se anunciam se materializassem de fato, nossa taxa de investimentos já deveria estar acima de 23% e o País deveria estar crescendo muito rápido. Entretanto, no mundo real, muitos anúncios não se materializam, quer por causa de alguma crise ou, no caso do investimento público, porque as coisas simplesmente não acontecem. É o caso do PAC, local por excelência de muito palanque, muita fumaça e pouco fogo, como tem reiteradamente sido mostrado pelo Estado, desde há muito tempo. Os dados mostram que os investimentos do PAC continuam inferiores a 4% da despesa primária do governo central e equivalem a apenas 1% do PIB, sem tendência de alta.
Em segundo lugar, uma taxa de investimento relativamente modesta, acompanhada de baixo crescimento da produtividade (resultado que decorre, em parte, de nossas mazelas educacionais) e forte elevação de custos, só pode resultar numa evolução do PIB também modesta. Em 2012, nenhum analista do setor privado prevê muito mais que 3,5%. Voltamos a isso mais adiante.
Finalmente, com uma taxa de poupança relativamente baixa precisamos da poupança externa, mesmo para crescer relativamente pouco. O forte estímulo para a expansão do consumo das famílias e a notável evolução dos gastos correntes do governo certamente não contribuem para melhorar a situação.
Indústria. Do lado da oferta, a agricultura (3,9%) e os serviços mais modernos, de informação e financeiros (4,9%), previdência complementar e outros relacionados (3,9%), foram bastante bem. Também foram bem os setores industriais de eletricidade, gás e água (3,8%), construção civil (3,6%) e extrativa mineral (3,2%).
Entretanto, a indústria de transformação teve, mais uma vez, um comportamento decepcionante: foi o pior desempenho entre todos os grandes setores, de 0,1%, e a maior razão para os 2,7% do PIB total.
Consolida-se a ideia de que temos um problema na economia brasileira. Existe uma demanda que evolui de forma rápida, como consequência dos aumentos da renda das famílias, do crédito e do gasto público, especialmente. Do lado da oferta, o que se observa nos últimos anos é uma boa resposta do agronegócio que cresce a produção e a produtividade de forma a atender tanto o mercado interno quanto o externo. Os bons preços internacionais dos últimos anos permitiram ao setor administrar as recentes elevações de custos.
Ao mesmo tempo, os serviços também se expandem, mesmo onde a produtividade não cresce muito. A impossibilidade de importar a maior parte destes itens permite, junto com a demanda crescente, que as margens sejam mantidas via elevação de preços. É por isso que a inflação de serviços está hoje na faixa de 8-9%, sem a menor perspectiva de redução.
Entretanto, existe uma séria dificuldade em parte da área industrial. O setor como um todo manteve sua participação no PIB: 27,8% na média 2010/2011, contra 27,3% na média 2000/2001. Neste período expandiram-se a indústria extrativa mineral (de 1,5% para 3,5%) e a construção civil (de 5,4% para 5,8%), enquanto os serviços de utilidade pública se mantiveram constantes. A indústria de transformação é que teve sua participação diminuída, de 17,1% no início da década para 15,4% agora.
É seguro dizer que temos um problema na indústria, algo que, desde o início de minha participação neste espaço, venho colocando de forma enfática. Embora o governo afirme modestamente que encontrou um novo modelo de crescimento por meio do forte estimulo da demanda, é evidente que temos um sério problema na oferta, cujo resultado é um crescente vazamento da demanda para o exterior. O problema é grande, porque decorre de causas de difícil alteração no curto prazo. A valorização do câmbio tem muito a ver com a redução de nossa vulnerabilidade externa, com as elevadas taxas de juros e com o crescimento das oportunidades de investimento no País, e menos com a "guerra cambial"; ao mesmo tempo, os estudos empíricos revelam uma modestíssima elevação da produtividade, quando existente e, finalmente, uma elevação persistente dos custos de produção que, embora afete todos os setores, machuca mais a indústria, pois a competição com os bens importados impede o repasse via alta de preços. A indústria na realidade tem na importação de partes, peças, componentes e matérias-primas sua única válvula de escape na redução de custos. Daí porque cresce a venda final de produtos industriais, mas não sua produção local.
Restrições. Finalmente, as restrições na oferta e a pressão de custos vão, na situação atual, continuar. Falamos aqui da questão tributária, do custo da energia, do custo da infraestrutura e, em parte, da própria escassez da mão de obra. Pretendo desenvolver essas questões com mais detalhe proximamente; entretanto, hoje gostaria de colocar os seguintes pontos:
- A carga tributária vai continuar a crescer mais do que o PIB, como já ocorre há vários anos. Nosso sistema arrecadador é progressivo nos impostos diretos, e tributa mais os bens cujo consumo cresce mais rápido que a renda, como telecomunicações e energia. Além disso, a formalização em larga escala de trabalhadores e empresas produz um salto na arrecadação.
- O custo da energia elétrica continuará se elevando no futuro porque os novos aproveitamentos hídricos são muito distantes dos centros consumidores e as fontes térmicas são mais caras do que as hídricas. Além disso, a confiabilidade do sistema é cada vez menor, dados os frequentes apagões e seus efeitos danosos sobre os equipamentos.
- A infraestrutura é cada dia mais precária. O seu custo vai continuar subindo, tendo em vista a expansão mais rápida da demanda.
- A mão de obra continuará escassa, especialmente em termos das qualificações necessárias, ainda por muitos anos.
Nenhum desses pontos está sendo enfrentado de um ponto de vista estrutural, assim como outras reformas microeconômicas. O que vemos mais são ações tópicas, desconectadas, pouco elaboradas e que sinalizam apenas um protecionismo mais tosco, ao lado de uma tentativa de desvalorizar o real, via intervenções no mercado de câmbio e uma política monetária que talvez acabe trombando com uma inflação mais elevada.