Comerciantes da região de Nápoles, no sul da Itália, se uniram para resistir à máfia.
A iniciativa começou em 2006 com uma única comerciante da cidade de Ercolano, uma cidade menor, nos arredores de Nápoles.
Raffaella Ottaviano foi a primeira a recusar um pagamento à Camorra
Raffaella Ottaviano, de 70 anos, começou a enfrentar os mafiosos quando alguns membros da Camorra entraram em sua loja de roupas.
“‘Você sabe porque estamos aqui’, eles disseram”, afirmou Ottaviano.
Os mafiosos exigiam da comerciante o chamado “il pizzo”, o dinheiro que os comerciantes davam à Camorra em troca de proteção.
Há gerações este dinheiro é exigido de donos de lojas, bares e outras pequenas empresas em toda a região.
Mas, daquela vez, Raffaella Ottaviano decidiu que não iria pagar.
“‘Escutem, sejam educados e saiam imediatamente. Não tenho intenção nenhuma de pagar’”, disse a comerciante aos mafiosos naquela ocasião.
“E eles disseram: ‘Mas você não percebe o que está fazendo?’. E eu disse: ‘Não estou interessada. Saiam daqui!’”.
Fim do silêncio
A Camorra é descrita como o grupo mafioso mais violento da Itália e, por causa disso, suas vítimas preferem manter o silêncio em relação aos seus ataques e exigências.
Mas, Raffaella Ottaviano preferiu romper este silêncio. Ela foi à polícia e, a partir de fotografias, identificou os homens que foram à sua loja.
Eles foram presos e ela precisou da proteção da polícia.
“Por um ano e meio eu fiquei sozinha com os policiais, que nunca me deixavam”, disse.
Aos poucos, outros comerciantes de Ercolano começaram a seguir Ottaviano e se recusavam a pagar a Camorra.
Os comerciantes começaram a se reunir em segredo e formaram uma associação com a ajuda do conselho municipal.
Desde 2006, o movimento dos comerciantes cresceu e se fortaleceu e, atualmente, mais de 80 deles se recusam a pagar o dinheiro de proteção à Camorra.
Sem medo
Raffaela Ottaviano afirma que não teme uma vingança da Camorra.
“Não há mais medo agora. Estamos todos unidos. Não podíamos continuar daquele jeito. Temos que combater a Camorra. Não apenas com conversa, mas com ação”, disse a comerciante.
No entanto, a máfia napolitana ataca comerciantes, punindo os que desafiam suas exigências.
Raffaelle Rossi é dono de um restaurante perto de Ercolano chamado Ciro a Maro. O lugar é perto da Baía de Nápoles e tem vista para a ilha de Capri.
O restaurante progredia até que a Camorra se interessou pelo negócio.
Os mafiosos exigiram 50 mil euros (cerca de R$ 113 mil) por ano, mas Rossi negou.
Primeiro, os mafiosos dispararam contra as janelas do restaurante. Então, uma noite depois que Rossi fechou o restaurante, eles colocaram uma bomba na entrada.
Depois, dois homens em uma motocicleta atiraram em Rossi e, por fim, o restaurante foi incendiado.
Rossi, parado em frente aos escombros do restaurante, afirma que o estabelecimento vai ser reconstruído e reaberto. E, mesmo com medo da Camorra, ele afirma que não vai pagar.
“Somos humanos. Não podemos negar o medo que temos. Muito medo. Mas temos que acabar com este tipo de pressão”, disse.
Batalhas vencidas
Os comerciantes de Ercolano afirmam que estão vencendo a máfia.
Sofia Ciriello tem uma padaria e aguentou a pressão da Camorra depois de se recusar a pagar o “il pizzo”.
“As pessoas precisam se libertar desta escravidão e opressão, reconquistar a dignidade, pois as coisas não são mais como costumavam ser”, disse.
Além da iniciativa dos comerciantes da região, a polícia também está em ação e dezenas de mafiosos da Camorra foram presos por tentativa de extorsão.
As autoridades locais também apoiam os comerciantes que enfrentam a máfia e acredita-se que seja o primeiro conselho municipal da Itália a oferecer isenção de impostos para comerciantes que denunciam a máfia para a polícia.
“O que está acontecendo em Ercolano é extraordinariamente importante”, disse Rosario Cantelmo, um promotor que luta contra a máfia em Nápoles.
O promotor contou que há dois anos, muitos negócios da região ainda se recusavam a admitir que eram submetidos à máfia e ficavam em silêncio mesmo quando eram ameaçados de processo por “assistência a uma organização criminosa”.
Cantelmo afirma que os comerciantes criaram coragem para fazer algo que ela nunca viu. E o promotor acredita que os mafiosos estão preocupados.
“Eles enfrentam uma realidade que não conhecem. Não costumava ser assim, as pessoas em frente a um juiz, olhando-os no rosto e os acusando sem medo”, disse.
Para o promotor, “a guerra ainda não foi vencida, mas estamos vencendo muitas batalhas importantes”.