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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Itamaraty: entre a reforma e a irrelevancia - Marcos Degaut

O autor tem razão, na maior parte das "acusações" -- sim, são acusações -- que ele dirige contra o Itamaraty no que se refere a seus procedimentos internos, o carreirismo e o oportunismo desenfreados da maior parte dos diplomatas, a inadequação do processo de formação (desde o concurso de entrada e os processos internos ulteriores de aperfeiçoamento profissional), sua gestão anacrônica e pouco focada em resultados, o desligamento em relação a outros órgãos da burocracia federal, bem como da própria realidade do país. De tudo isso ele pode acusar os diplomatas e a própria instituição.
Numa outra esfera, porém, ele se engana redondamente: no que se refere à política externa em si, às escolhas, opções e definiçoes do modo de agir no cenário internacional, as decisões que são tomadas no que tocam os mais variados assuntos da agenda externa do país. Essas coisas integram a chamada política externa, e atualmente parece que elas não têm nada a ver, ou muito pouco, com o Itamaraty.
Quem define a política externa é o chefe de Estado, eventualmente a força hegemônica que ocupa o poder, vale dizer, o partido que comanda o governo e suas principais escolhas políticas, entre elas a política externa. Digamos que os companheiros não tenham competência para atuar em determinadas esferas, qualquer uma: ok, deixemos o Itamaraty fazer, pois não vai afetar nossas outras posições em tal e qual área. Mas, aqui, onde eu tenho tais e tais posições, as ordens são estas.
Entendeu? O resto é submissão, pura e simples...
Aliás, o que redunda no quadro anterior: sem submissão não há promoção, remoção para postos A, chefia de cargos interessantes ou estratégicos, determinadas prebendas associadas ao poder, etc...
A vida como ela é, como já dito antes...
Paulo Roberto de Almeida


Itamaraty: entre a reforma e a irrelevância
Marcos Degaut
Muito se discute, hoje, as razões para o corrente desmantelamento institucional do Itamaraty e para os resultados questionáveis da atual política externa nacional. Sobre o governo Dilma tem recaído a maior parte da responsabilidade pelo sucateamento da Secretaria de Estado de Relações Exteriores, em vista da ausência de engajamento da Presidente Dilma na articulação de uma efetiva diplomacia presidencial, de sua inapetência e desconhecimento em assuntos de política externa e de seu aparente desprezo pelos integrantes da carreira diplomática.
Entretanto, os problemas do Itamaraty são significativamente mais profundos do que esses e já vem se arrastando por longa data. Como não poderia deixar de ser, o atual momento pré-eleitoral se apresenta bastante propício para analisar alguns dos fatores que tem levado à perda de prestígio e de qualidade da nossa política externa, bem como para descortinar caminhos que contribuam para restaurar a dignidade, a relevância e a capacidade de formulação estratégica do MRE.
Vítima de suas próprias fraquezas, vícios, tibieza, isolamento, comodismo e conformismo, o Itamaraty é o principal culpado pelo seu próprio processo de esvaziamento. A instituição tem sido incapaz de se posicionar frente aos governantes e de identificar com precisão sua arena de atuação no cenário internacional, que possibilite ao Brasil detectar oportunidades para ampliar sua visibilidade e capacidade de diálogo nos grandes temas de interesse regional e mundial. Para além da retórica oficial de reforma da governança global de alteração da geografia econômica do globo, a análise da atual política externa indica não haver identificação clara de nossos principais objetivos econômicos e políticos, tampouco a formulação de uma agenda internacional consistente e integrada. A diplomacia brasileira, que deveria traduzir nossos interesses na arena internacional, está completamente sem rumo e sem bússola.
Ao que tudo indica, pragmatismo e visão de longo prazo não mais fazem parte do repertório de nossa política externa. Atualmente, possuímos uma diplomacia parnasiana, com muita forma e pouco conteúdo, a qual manifesta acentuado empirismo e penosa carência de paradigmas. Adotamos apenas medidas tópicas e descoordenadas, sem atentarmos que um conjunto de ações dispersas não configura uma estratégia coerente. Inexistem indicadores para determinar metas, priorizar objetivos e avaliar resultados.
Isso é consequência não só de uma interpretação equivocada e ideológica da realidade internacional, mas sobretudo de uma clara inadequação institucional que fez o órgão parar no tempo. Seu desprestígio emana de sua estagnação. O Itamaraty, enlevado por sua autopercepção enganosa de ser um centro de excelência, é hoje, na verdade, um órgão absolutamente anacrônico, quase irrelevante, que se move por inércia, hermético, avesso à inovação e à modernização, preso a tradições que já não resistem ao peso do tempo. A política externa atual não faz parte do debate eleitoral, não tem qualquer impacto sobre os rumos da sociedade e sobre a opinião pública, é absolutamente desconsiderada pelo setor privado, não está presente nos currículos escolares e não encontra respaldo sequer entre outros órgão da Administração Pública. Aliás, um dos sintomas mais evidentes desse enfraquecimento consiste na incapacidade do Itamaraty de atuar de forma coordenada com as demais instituições públicas. Hoje, é notória a rejeição à Chancelaria na esplanada. Isso não é um fato novo. É  fundamental indagar sobre os reais motivos que levaram a essa situação.
O declínio do Itamaraty acentuou-se no governo Dilma em vista da incapacidade do órgão de diagnosticar suas fraquezas, de forma engendrar as reformas necessárias à sua revitalização nos mais variados frontes. Não obstante outros fatores importantes, essas fraquezas se originam de três fontes distintas, porém interligadas: o obsoleto modelo de recrutamento, formação e aperfeiçoamento de nossos diplomatas, o nada profissional processo de promoção, que inclui a falta de critérios definidos para a nomeação de embaixadores, e a ausência de um planejamento estratégico de longo prazo.
            O processo de recrutamento para o MRE, assim como para todo o serviço público, é feito por meio de concurso público, até aí nada de novo. Contudo, em sua essência, o modelo permanece inalterado há décadas. As provas seguem sempre o mesmo estilo, padrão e forma; as mesmas questões, com nova roupagem, são cobradas ano após ano; a mesma bibliografia, com pouquíssima alteração, é sugerida; os “manuais do candidato” oferecidos se perpetuam e são atualizados de forma bissexta; Ignora-se por completo o valor de títulos e produção acadêmica e de experiência profissional. Tudo isso, entre outros aspectos, transforma o concurso de admissão para a carreira diplomática em prato cheio para os concurseiros de plantão, àvidos por uma vaguinha no serviço público, mas sem a menor vocação para a carreira, potencialmente desestimulando o ingresso daqueles que poderiam ter perfil mais adequado e contribuir de forma mais ativa para o adensamento da massa crítica na instituição.
            Ao serem admitidos no Instituto Rio Branco, os novos diplomatas são penosamente submetidos às mesmas matérias às quais se dedicaram intensamente para poderem ser aprovados. Lêem a mesma bibliografia do concurso. Têm palestras com os mesmos autores da bibliografia sugerida. Estudam história, geografia, línguas, linguagem diplomática; têm noções de economia, comércio, direito, negociações internacionais. Mas, e técnicas de Inteligência, coleta, processamento e análise de informações, planejamento estratégico, formulação de cenários, métodos gerenciais, Administração Pública e Segurança Orgânica? Nada.
Os cursos de aperfeiçoamento (CAD, CAP e CAE) seguem a mesma lógica. De curto fôlego, buscam apenas revisar conceitos já consolidados na cultura diplomática, reforçando a inércia que paralisa o ministério. Na prática, esses cursos são apenas pequenos e quase inexpressivos obstáculos que os diplomatas devem superar como requisito para progressão na carreira. Ademais, a ênfase pelo generalismo dificulta a especialização em temas de profunda importância, seja no âmbito bilateral ou no multilateral. A falta de planejamento estratégico e a negligência com o aperfeiçoamento coletivo levam ao descompasso entre as necessidades imperativas de capacitação profissional e os interesses do Estado. Como resultado, o Itamaraty sofre de uma sintomática crise de formação de quadros estratégicos e de geração de líderes para a defesa dos interesses do Brasil nas próximas décadas. Temos hoje uma diplomacia acéfala e burocrática, que atua de forma cartorária no processo de formulação e execução da política externa do país.
Por sua vez, o sistema de promoção é, basicamente, fundado no apadrinhamento. Capacidade profissional, dedicação, cursos de aperfeiçoamento, títulos acadêmicos, nada disso é levado seriamente em consideração. O que conta é a capacidade de influência do padrinho. Já se tornou clássica em Brasília a humilhante peregrinação de diplomatas a gabinetes de políticos, magistrados, sub-procuradores gerais da República, lobistas inseridos na estrutura do poder e outros servidores públicos poderosos em busca de “apoio” para a promoção. Não raro, diplomatas buscam lotação em órgãos de outros poderes em troca de uma promessa de apadrinhamento.
Dinâmica não muito distinta rege a remoção de servidores para o exterior, normalmente para postos de seu interesse, por  diversos  motivos, e não no interesse da administração. A adequação pessoal e profissional de um servidor para determinado posto, seus conhecimentos sobre o país em questão, inclusive a língua, certamente não são critérios para a remoção.
A mesma romaria em busca de apoio político se dá por ocasião da nomeação de embaixadores. Sem apoio político, não se é promovido a embaixador ou não se é nomeado para um posto importante, apesar de eventuais credenciais e da experiência. Como resultado, um pequeno grupo de diplomatas no topo da carreira promove uma verdadeira dança das cadeiras, sempre ocupando os postos mais importantes, costumeiramente trocando de postos entre si, e sempre ocupando as principais posições na Secretaria de Estado. Assim, o processo de renovação é extremamente lento, e os que chegam ao topo, quando chegam, logo se encarregam de perpetuar essa prática nociva.
A inércia do Congresso Nacional, especialmente do Senado, que aprova embaixadores a toque de caixa sem saber se o indicado está efetivamente preparado para suas novas atribuições, agrava ainda mais a situação. As sabatinas são meras formalidades enfadonhas que o futuro embaixador deve cumprir antes de ser designado para exercer suas funções, um aborrecimento para parlamentares e diplomatas. O Senado precisa ser mais ativo na política administrativa com órgão fiscalizador, e não atuar como instância que chancela, inquestionavelmente, as demandas do Itamaraty.  
Essas constatações não significam dizer que não existam funcionários qualificados e com vocação, o que seria uma injustiça e uma inverdade. Sim, existem. E muitos. Na maioria das vezes, entretanto, potencial e vocação são desperdiçados por uma estrutura burocrática que aprisiona, estimula o carreirismo, e desincentiva o aperfeiçoamento buscado de forma individual, autônoma. Como antídoto e válvula de escape para a frustração profissional, muitos obtêm maiores êxitos se dedicando à literatura, à pintura ou a outras artes.
Somente uma profunda reforma estrutural, administrativa e de gestão de recursos humanos, que pode partir da própria casa ou ser feita em parceria com instituições públicas e com a academia, pode salvaguardar a grandeza do Itamaraty. Seu reerguimento e valorização, com o consequente resgate da capacidade de formular uma agenda internacional pró-ativa e de articular uma estratégia coerente e integrada de atuação por meio da qual possamos nos antecipar a novas circunstâncias e desafios, são fundamentais para assegurar a defesa do interesse nacional e auxiliar na missão de retomada do crescimento.
Política externa não se faz no vácuo. Um país com o peso econômico do Brasil não pode se contentar com uma diplomacia reativa e conformista sempre a reboque dos acontecimentos, que pouco influencia as relações internacionais, mas sofre em demasia os efeitos das políticas dos Global Players. A persistir o estado atual, continuaremos exercendo o papel de coadjuvante de luxo, aplaudindo as iniciativas de países mais arrojados, mas exercendo pouca ou nenhuma influência na elaboração das políticas globais. Que a descontrução a que foi submetido o Itamaraty possa se converter em oportunidade para resgatar a identidade, o orgulho e altivez da política externa brasileira.
Marcos Degaut é doutorando em Security Studies pela University of Central Florida, Mestre em Relações internacionais pela Universidade de Brasília e autor do livro “O Desafio Global do Terrorismo: Política e Segurança Internacional em Tempos de Instabilidade” (2014).

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Brasil: politica externa imovel (ao que parece) - Marcos Degaut


Diplomacia do Imobilismo, por Marcos Degaut

 
 
 
 
 
 
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Boletim Mundorama
De forma geral, a projeção externa do Brasil cresceu nos últimos quinze anos, apesar de os resultados dessa ampliação da agenda internacional serem duvidosos, quando não francamente negativos. De fato, nos últimos anos, o Brasil não foi bem sucedido na condução das três linhas mestras de sua política externa. A Rodada Doha, no âmbito da OMC resultou em fracasso, assim como a tentativa brasileira de liderar um bloco de países unidos por supostos interesses comuns; As discussões relativas à reforma do Conselho de Segurança da ONU empacaram, com a consequente retirada do tema da ordem do dia. A integração econômica na América do Sul não só avançou, como regrediu.
Apesar dos parcos resultados, para os quais certamente contribuíram a ideologização das decisões e a politização das negociações comerciais,  pelos menos era possível identificar as diretrizes principais da política externa, o que não parece ser o caso agora. A diplomacia brasileira, que deveria traduzir nossos interesses na arena internacional, está completamente sem rumo e sem bússola. Mas, quais seriam esses interesses? Quais são as prioridades de nossa política externa?
Para além da retórica oficial de reforma da governança global de alteração da geografia econômica do globo, a análise da atual política externa indica não haver identificação clara de nossos principais objetivos econômicos e políticos, tampouco a formulação de uma agenda internacional consistente e integrada.
O tripé mencionado, no qual o Brasil apostava suas fichas, é coisa do passado. O Mercosul, sob qualquer ponto de vista, está estagnado e sem perspectivas. Não avança e impede que o Brasil se desenvolva e firme acordos bilaterais com outras nações, como têm feito Colômbia, México, Chile e Peru, países que mais têm crescido na América Latina. Não possuímos políticas específicas para Estados Unidos, China e Argentina, nossos parceiros estratégicos e comerciais mais importantes. Poucas vezes, a relação Brasil-EUA foi tão fria e distante; para a China, praticamente nos limitamos a exportar commodities; com a Argentina, que sistematicamente descumpre as normas do Mercosul, exercemos suprema tolerância, mas sem qualquer visão maior de longo prazo. A Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA) foi esquecida e caiu na irrelevância. A ênfase conferida ao BRICS não condiz com a realidade do bloco, uma frágil comunidade de interesses na qual o potencial para divergências é maior do que o espaço para cooperação.
O Itamaraty tem sido incapaz de detectar sua arena de atuação, que descortine ao Brasil oportunidades para ampliar sua visibilidade e capacidade de diálogo nos grandes temas de interesse regional e mundial. Isso pode ser consequência de uma interpretação equivocada e ideológica da realidade internacional, da dualidade de interlocução externa, causada pela forte influência exercida pelo Assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, pela inapetência e desconhecimento da Presidente Dilma por assuntos de política externa ou mesmo pelo obsoleto modelo de formação de nossos futuros diplomatas.
O fato é que perdemos pragmatismo e visão de longo prazo. Atualmente, possuímos uma diplomacia parnasiana, com muita forma e pouco conteúdo, a qual manifesta acentuado empirismo e penosa carência de paradigmas. Adotamos apenas medidas tópicas e descoordenadas, sem atentarmos que um conjunto de ações dispersas não configura uma estratégia coerente. A própria eleição do embaixador Roberto Azevedo para a Direção-Geral da OMC não deve ser creditada a algum planejamento estratégico do Itamaraty ou ao governo brasileiro. Azevedo conseguiu viabilizar sua candidatura ao construir incansavelmente, ao longo dos últimos quinze anos, sólida reputação de técnico equilibrado e profundo conhecedor das regras multilaterais de comércio. Sua respeitabilidade e credenciais impecáveis o levaram a superar resistências externas e internas e a fazer com que o MRE e o Governo Dilma acabassem por embarcar em sua candidatura.
Política externa não se faz no vácuo. Um país com o peso econômico do Brasil não pode se contentar com uma diplomacia reativa e conformista sempre a reboque dos acontecimentos, que pouco influencia as relações internacionais, mas sofre em demasia os efeitos das políticas dos Global Players.
A fim de assegurar a defesa do interesse nacional e auxiliar na missão de retomada do crescimento, é fundamental a definição das prioridades de política externa, com a necessária elaboração de uma agenda internacional pró-ativa e de uma estratégia de atuação por meio da qual possamos nos antecipar a novas circunstâncias e desafios. A persistir o estado atual, continuaremos exercendo o papel de coadjuvante de luxo, aplaudindo as iniciativas de países mais arrojados, mas exercendo pouca ou nenhuma influência na elaboração das políticas globais.
Marcos Degaut é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, doutorando em Ciência Política pela University of Central Florida, Especialista em Inteligência e em Economia Política Internacional (mdegaut@hotmail.com).