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terça-feira, 30 de novembro de 2010

De volta a estupidez nacional: grande aumento do PIB

O "meu" PIB não se refere a Produto Interno Bruto, mas sim Produção Insuperável de Bobagens.
Enfim, é o que mais temos em nossos tempos de imbecilidade galopantes, aliás nos lugares mais insuspeitos...
Paulo Roberto de Almeida

 Da cortina de ferro à cortina de burrice
Mario Guerreiro

Como se sabe, Winston Churchill - logo após a Segunda Guerra e começo da Guerra Fria - foi o criador da expressão iron curtain (cortina de ferro) com o intuito de denominar a muralha espessa e indevassável que separava o bloco comunista do bloco capitalista. Era a época de bipolaridade.
A coisa era muito mais forte do que uma política externa isolacionista, porque esta se caracteriza por um desejo de neutralidade em relação a conflitos internacionais, mas não por um fechamento de uma nação em suas relações culturais com outras nações.
Isolacionistas foram a Suécia, a Suíça e os Estados Unidos. Sabe-se que este último - diferentemente dos dois primeiros que sempre mantiveram sua neutralidade - relutou bastante tempo antes de se envolver tanto na Primeira como na Segunda Guerra. Os EEUU consideravam ser um problema europeu a ser resolvido por países europeus, até os momentos em que se viram forçados a entrar nas duas Guerras.
A cortina de ferro era o desejo concretizado de um isolamento total do exterior, de tal modo que os habitantes da União Soviética não podiam sair do país e estrangeiros não podiam entrar, salvo raras exceções, com permissão explícita do Estado soviético. Aliás, para viajar de uma cidade a outra na própria URSS, era exigida uma espécie de visto fornecida pelas autoridades do Estado.
Mais que isso: a cortina de ferro era uma filtragem das informações recebidas do exterior e enviadas para o exterior. Era uma espécie de gafieira em que quem está fora não entra e quem está dentro não sai, de acordo com o antigo samba, com a diferença de que ninguém achava aquilo prazeroso.
Tudo isso, porque os dirigentes do Politburo não queriam, de nenhum modo, que os habitantes da URSS entrassem em contato com o que estava acontecendo no mundo ocidental pós-Segunda Guerra e fizessem indesejáveis comparações com o nível de vida, hoje diríamos o IDH, de países da Europa e dos Estados Unidos.
No governo de Brejnev, esse rígido controle da mobilidade social e da informação internacional começou a se enfraquecer. Há quem pense mesmo que a penetração da mídia estrangeira e a inevitável comparação de níveis de vida, foram os fatores decisivos da Queda do Muro de Berlim em 1989 e do esfacelamento da União Soviética em 1991.
Marshall MacLuhan sintetizou isso dizendo que as imagens da TV foram a causa da dissolução do comunismo soviético. Um pouco de exagero, mas com um fumo de verdade.
Mas antes muito antes disso, sabe-se que o iniciador do processo de desestalinização, o Primeiro-Ministro Nikita Khrushev, fez uma visita aos Estados Unidos e foi levado à Disneylândia na Califórnia.
A mídia americana mostrou o sisudo russo divertindo-se pra valer, brincando em todos os brinquedos, maravilhado como se fosse uma criança num paraíso lúdico...
E isto é apenas uma entre muitas outras evidências do fascínio que o American way of life tão detratado pelo Pravda - (em russo: A Verdade), jornal oficial e único da URSS - despertava nos cidadãos soviéticos.
Cláudio de Moura Castro, em Veja (17/11/2010), afirma que, apesar da eficiência do sistema de controle soviético – que só começou a apresentar falhas no governo Brejnev, no Brasil foi criado um sistema muito mais eficiente, mediante a adoção de um método diferente. Diz o referido economista especializado em educação:
“Os governantes brasileiros fizeram muito melhor. Abriram tudo, viaja-se à vontade. Mas não cometeram o erro dos russos [que forneceram educação superior gratuita e de boa qualidade a toda a população]. A garantia do isolamento do país está em educação de péssima qualidade e a conta-gotas. Assim nasceu uma Cortina de Burrice, muito mais eficaz, pois somos um país isolado do resto do mundo.”
Todo e qualquer indivíduo, a menos que esteja nos limites da oligofrenia ou caracterize-se como um perfeito apedeuta, já deve ter desconfiado disso de que fala o articulista de Veja.
Como professor universitário há mais de 25 anos, sou levado a concordar inteiramente com aquela asserção de Roberto Campos, feita na década de 80, frequentemente citada por mim: “No Brasil, a burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor”. E parece que estamos fadados a esse triste fado. ENEM que a vaca tussa, dificilmente deixaremos de cumprir nosso esplendoroso destino.
Não só a burrice, que se caracteriza por falta de inteligência e discernimento racional, mas também a ignorância caracterizada por falta de informação e formação. Mas a verdade, a dolorosa verdade histórica é que “subdesenvolvimento não se improvisa: é obra de séculos” (Nelson Rodrigues).
Nossas burrice e ignorância nacionais, isto para não falar em nossa notória falta de senso moral, possuem uma longa história – basta dizer que só passamos a editar livros no século XIX e a ter uma universidade no século XX, quando países mais pobres da América Latina já editavam e possuíam universidades séculos antes de nós! What a shame!
Contudo, nas últimas décadas esse quadro se agravou exponencialmente. Cláudio fala de uma experiência pessoal com estudantes universitários: “Há pouco, em uma universidade de elite pedi que levantassem as mãos os que confortavelmente liam inglês. Não vi nem um quinto do auditório. Eis a Cortina de Burrice em ação”.
Mas, ao mesmo tempo, tramita no Congresso Nacional uma lei ampliando os curriculi do segundo grau.
 Ao invés de tomar medidas eficazes quanto ao desconhecimento de uma língua extremamente útil - tão globalizada hoje quanto o latim na Idade Média - oferecem línguas absolutamente inúteis, ensinadas por muito poucos e aprendidas por menos ainda, tais como o insaudoso tupi do Brasil colonial e a fracassado “idioma universal” de Zamenhof: o esperanto, língua artificial falada por meia dúzia de exóticos gatos pingados espalhados pelos quatro cantos do mundo. Mas o Basic English de Richards nossos educadores parecem desconhecer.
O que é tudo isso, senão ecos de profunda ignorância aliada à mentalidade treceiromundista e a um agressivo e ressentido antiamericanismo! (Vide a este respeito: Jean-François Revel: O Antiamericanismo , Rio de Janeiro, Editora da UniverCidade).
“Os europeus passaram do bilingüismo para o trilinguismo. Na Islândia são quatro idiomas. E o nosso controlador de vôo não sabia  inglês” - coisa que não faria a mínima diferença no caso de um entregador de pizza, mas que no ofício em pauta resultou na morte de centenas de pessoas!
“Nossas universidades estão fora da lista das melhores [Ou seja: estão na lista das piores dos 20 países de maior PIB], resultado da Cortina de Burrice, pois perdem pontos nos quesitos de internacionalização. Nas européias muitos cursos são oferecidos em inglês”.
É escusado dizer que essa precariedade de conhecimento, associada a uma pouco freqüente aeróbica dos neurônios, não afetam somente a cultura e a mentalidade dominante no País dos Coitadinhos, mas também nosso desenvolvimento socioeconômico.
“O resultado de nosso isolamento é uma indústria provinciana que não toma conhecimento dos avanços alhures [com as possíveis exceções da indústria dos cosméticos e da “indústria das indenizações”, sinais inequívocos da futilidade e da Lei de Gerson campeando]. Há esforços heróicos, como uma construtora brasileira que comprou uma empresa no Canadá, para mandar estagiar seus engenheiros. Assim veriam como se constrói lá. Mas é uma exceção.”
Recentemente, um canal de TV brasileiro mostrou como, no boom das construções de edifícios de apartamentos na cidade de São Paulo, a quantidade de novos prédios é muito superior à qualidade do acabamento dos mesmos. Péssima qualificação da mão-de-obra? Ausência de bons cronogramas? Açodamento irresponsável das construtoras? Creio que tudo isso mais alguma coisa. Mas Cláudio prossegue:
“Ao lermos as descrições feitas por viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil, constatamos o primitivismo da nossa sociedade. Se  a corte permanecia tosca, a interiorização estava ainda mais distante do progresso social acumulado pela Europa em 2000 anos. Progredimos muito desde então.Mas as cicatrizes do atraso estão por todos os lados”.
É verdade. Para o espanto de muita gente letrada e bem informada, o Brasil foi o país que mais progrediu desde seu nascimento como nação soberana em 1822. Estudos históricos de caráter social e macroeconômico mostram isto claramente.
Mas em pesquisas envolvendo longos períodos de tempo, é preciso levar em consideração as condições de onde se partiu para as de onde se chegou. Para quem morava numa casa de papelão debaixo de um viaduto e passou a morar numa casinha de tijolos numa favela, há um inegável progresso, ainda que muita melhoria seja desejável. Pra ficar ruim, ainda tem que melhorar muito!
Além disso, o que chama mais a atenção é o caráter desigual, fortemente contrastante e paradoxal do desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Temos grandes bolsões de pobreza contrastando com regiões extremamente prósperas.
E podemos encontrar isso na comparação entre Estados da Federação. Num dos extremos, temos São Paulo, exemplo de um Brasil que deu certo. E noutro, temos o Maranhão, exemplo de um Brasil que deu errado. Assim são os diferentes “Brasis” de Gilberto Freire.
Podemos encontrar isso até mesmo dentro de num mesmo Estado da Federação, como Minas Gerais, onde deparamos com a prosperidade do Triângulo Mineiro fazendo fronteira com o norte de São Paulo e com a miserabilidade do Vale do Jequitinhonha e do norte do Estado em sua fronteira com a Bahia.
Isto se chama desenvolvimento regional desigual e fortemente contrastante. Como se costuma dizer: “O mineiro é um baiano cansado” (porque  se deteve em sua caminhada para São Paulo quando da migração nos tempos coloniais).
As cicatrizes de que fala Cláudio foram deixadas em parte por causa dos referidos contrastes. Daí, paradoxos aparentemente inexplicáveis, porém de fácil explicação. Por exemplo: temos a mais avançada odontologia do mundo em que se destaca a Faculdade de Bauru (SP) e, ao mesmo tempo, o maior número de desdendatos do mundo.
Temos um espantoso número de faculdades de direito e formamos não menor número de bacharéis, mas como para exercer a profissão de advogado é preciso passar nas provas da OAB, estas mesmas geralmente reprovam muito mais da metade dos candidatos em todos os Estados da Federação.
E salvo engano meu, a OAB é a única entidade de categoria profissional a exigir concurso para a obtenção de licença para o exercício da profissão.
O número de editoras e de publicações aumentou consideravelmente nas últimas décadas, mas o povo lê muito pouco e o pouco que lê é de questionável qualidade. Muitos estudantes universitários só lêem por obrigação imposta por seus professores, mas quando saem das faculdades com seus canudos de papel nunca mais abrem um livro. E ainda alardeiam isso com orgulho, como o de quem se livrou de um atávico vício!
Finalmente, nos concursos para funcionários de limpeza urbana - para não usar expressões politicamente incorretas, como lixeiros e garis – é exigido segundo grau completo, porque é preciso fazer uma seleção acurada, uma vez que a procura é muitas vezes superior à oferta de vagas.  E tem gente até com mestrado e doutorado entre os candidatos, porque conseguir um emprego está muito difícil nestes tempos bicudos.
 Mas, na eleição para deputado federal, o candidato a candidato pode ser analfabeto funcional ou analfabeto tout court, basta apenas ser jeitoso para burlar a Justiça Eleitoral. O caso Tiririca está aí mesmo, com seus 1.300.000 votos, só para não me deixar mentir...
É uma lei férrea e inexorável: um país de eleitores, quando muito semiletrados, só pode mesmo ter representantes da mesma espécie. brasil, um país de todos (ou de tolos?).

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma analise do carisma - Mario Guerreiro

Afinal de contas, o que é carisma?!
Mario Guerreiro
(22.09.2010)

Quando investigamos a origem da palavra “carisma” surpreendemos um processo de laicização cujas consequências últimas são assaz surpreendentes. Charisma é uma palavra grega que foi usada pelo cristianismo primitivo e cujo significado era o de “dom da graça divina”. Desse modo, dizia-se que um homem agraciado por esse dom era um homem carismático.

Em seus estudos sobre a formação da religião cristã, o teólogo Rudolph Sohm empregou essa palavra diversas vezes e, ao que tudo indica, o sociólogo Max Weber (1864-1920) teria sido o primeiro a estender seu sentido a um contexto laico. Carisma passou a ser, para ele, uma qualidade excepcional (real ou imaginária) possuída por um indivíduo capaz de exercer influência e liderança sobre determinado grupo de indivíduos.

É importante assinalar que Weber não fez uso do termo na sua acepção original (teológica), mas sim numa acepção laica inspirada na mesma. Assim sendo, ele despiu o vocábulo inteiramente de qualquer conotação valorativa, tanto quando o que estava em jogo a análise das lideranças do ponto de vista da sociologia da religião como a do ponto de vista do poder político.

Ou seja: para o cristianismo, possuir carisma era e ainda é um bem, uma qualidade excepcional ofertada por Deus a alguns espíritos especiais, porém para Weber é meramente uma qualidade possuída por um particular tipo de liderança: a liderança carismática.

Tal liderança, em si mesma, não é boa nem má. O líder carismático goza de uma grande capacidade de persuadir e inflamar um grupo maior ou menor de indivíduos, porém tanto pode conduzi-los a praticar o bem como o mal. Lembremos que, tanto Mahatma Gandhi como Adolf Hitler teriam que ser considerados líderes carismáticos, tal como caracterizado por Weber. E por que não Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e Seymour Abravanel, o Sílvio Santos, bem como Michael Jackson, o bispo Macedo, Enéas Carneiro et caterva?!

Lembremos que no caso de Sílvio Santos, este chegou mesmo a se candidatar a Presidente da República, e creio que só não obteve uma votação maior, porque lançou sua candidatura demasiadamente tarde, não por carecer de dons carismáticos weberianos.

Só fico em dúvida se devo considerar que é também carismático o candidato a deputado Tiririca com seu slogan "Vote em Tiririca que pior do que tá não fica"?! Digo isto porque ele mostrou ser capaz de conquistar a adesão de milhares de eleitores e está correndo o risco de ser o candidato mais votado em São Paulo.

Apesar disso, percebo que no mundo contemporâneo há uma valoração positiva da expressão “líder carismático”, como se uma liderança carismática fosse sempre uma algo positivo, unicamente conduzindo um grupo maior ou menor de indivíduos à prática do bem.

Nada mais estranho ao pensamento de Weber que sempre desempenhou um grande esforço no sentido de preservar aquilo que ele chamou de Wertfreiheit (literalmente: isenção de valor, mas numa linguagem técnica: neutralidade axiológica), coisa esta considerada por ele imprescindível numa abordagem científica.

Essa tomada no sentido valorativo de um termo, antes usado num sentido puramente descritivo, é um fenômeno bastante disseminado socialmente. Determinadas qualidades de caráter dianoético (relativas à mente e ao intelecto) frequentemente são tomadas num sentido ético. Se uma qualidade tal como a astúcia fosse algo eticamente negativo, Cristo não a teria recomendado ao dizer: “Sede mansos como as pombas, mas astutos como as serpentes”.

Todavia, a astúcia em si mesma não é uma qualidade dianoética positiva nem negativa, tudo dependerá de quem a empregar: se a empregar com uma boa ou má finalidade, se a empregar para se defender de quem preparou uma armadilha ou para passar a perna nos outros. O mesmo pode ser dito da prudência: por acaso um vil criminoso não pode ser prudente em determinada ação? E se for, só por isso ele deixará de ser um meliante e passará a ser um homem probo?

No entanto, por maior que seja minha admiração pelas brilhantes análises da liderança carismática realizadas por Max Weber, gostaria de ir mais adiante e colocar a seguinte indagação:

O portador de carisma é reconhecido pelas características de sua personalidade qua tale – tais como poder de comunicação, persuasão, liderança, etc – ou tudo depende muito de como seus liderados o vêem, de sua identificação com ele, de ele se comportar de acordo com os anseios e expectativas deles, etc?

Coloquei essas indagações logo após a leitura da análise de uma particular personagem da história reconhecidamente carismática. Em sua descrição de Che Guevara, diz Olavo de Carvalho:

“Como revolucionário, Che Guevara foi um vulgar tiranete, um assassino que se comprazia em executar pessoalmente as sentenças de morte que assinava.”

“Como ministro da Economia foi um fiasco do qual o próprio regime cubano se livrou o mais rápido que pôde; como guerrilheiro, foi um recordista de inépcia, capaz de perder para o exército mais pífio da América Latina”.

“Que encanto possui essa porcaria de personagem para que tantos brasileiros se babem de gozo devoto ante sua imagem e concedam mais vasta homenagem aos trinta anos de sua morte do que aos trezentos anos de Vieira e aos quatrocentos de Anchieta?”

Associar a barba rala de adolescentes a algum odor de santidade, me desculpem, mas é pura perversão sexual: não explica nada. Quanto ao “no perder la ternura [jamás]” é apenas uma frase e nada de novo nos informa”.

“O culto de Che Guevara é um enigma que a própria figura do Che não elucida. Suas razões não estão na natureza do objeto cultuado, mas sim na psicologia de seus sacerdotes. Para encontrá-las, é preciso dar à pergunta uma formulação mais geral: Por que o socialismo, um fracasso na realidade, continua persuasivo como ‘ideal’?” [Olavo de Carvalho: O Imbecil Coletivo II. Rio de Janeiro. Topbooks.1998. pp.47-8. O grifo é meu].

Fica bastante claro na supracitada passagem - especialmente no último parágrafo - que os motivos do grande carisma de Che Guevara não devem ser procurados em sua figura, porém na “psicologia de seus sacerdotes”, ou seja: nos anseios, nas expectativas, na identificação daqueles que interagiram e ainda interagem com sua figura, mesmo - ou principalmente - após sua morte seguida de sua “beatificação”.

Reconhecer isso representa analisar a liderança carismática por um prisma diferente daquele descortinado por Weber, pois o que passa a estar em jogo é a idéia de que um líder carismático é muito mais o que ele representa para os outros, os anseios que ele vem a preencher, expectativas dos outros que ele satisfaz ou se limita a nutrir substanciosamente, etc.

Com isto, não estou pretendendo insinuar que o líder carismático tenha grande capacidade de intuir os anseios e as expectativas de seus acólitos e, com verdadeiro talento dramático, seja capaz de desempenhar um papel que venha ao encontro dos mesmos. Longe dele esse distanciamento frio mediante o qual um bom ator confere vida à personagem representada por ele.

O líder carismático não finge ser uma personalidade que ele não é, não representa num palco para uma platéia. Malgrado sua fala e seus gestos mostrarem-se frequentemente eivados de teatralidade, são realmente espontâneos: ele sente de fato as emoções que transmite aos outros, ele se mostra tal qual é.

E nisto consiste justamente uma das suas principais virtudes, uma vez que a persuasão não se faz apenas pelas idéias transmitidas por ele, mas, principalmente pelo tônus afetivo mediante o qual elas envolvem afetivamente a platéia. Na comunicação de um líder carismático com seu público, está muito mais em jogo o pólo expressivo do que o pólo semântico da linguagem, para usar a oportuna distinção de Karl Bühler.

No excelente filme O Grande Ditador, o magistral ator e diretor Charles Chaplin expressou isso de maneira admirável. Ele faz uma paródia do Führer esvaziando seus eletrizantes discursos de todo conteúdo significativo, só emitindo fonemas típicos da língua alemã, porém com toda aquela verve acompanhada de frenética gesticulação. Algo semelhante a “Aftas ardem e doem”!!!

E é por isso que carismáticos são Fidel Castro, Chávez e Lula e não-carismáticos são Dilma, Marina e Serra. Estes, não importando o conteúdo de suas falas, são incapazes de transmitir emoção e envolver afetivamente a platéia. Seus sorrisos são forçados e inexpressivos. O de Serra mal consegue esconder uma pessoa amarga, dona da verdade e intransigente, o de Dilma uma pessoa rancorosa, intratável e mandona: a folclórica sogra de maus bofes sorrindo para as visitas, mas só por questão de etiqueta.

Mas não nos esqueçamos de que ser carismático não é nenhuma virtude ética, limita-se às capacidades de persuasão e liderança. Tais capacidades, como já vimos, dependem muito do reconhecimento e do acolhimento dos liderados que se identificam com o líder. Vamos até mais longe dizendo que não só os anseios e as expectativas, mas também a especial mentalidade da platéia é que fazem de alguém um verdadeiro líder carismático.

Antonio Conselheiro não conquistaria multidões de fanáticos seguidores, se estes não estivessem nos sertões nordestinos, mas sim na Finlândia (onde provavelmente ele seria remetido a uma clínica psiquiátrica). Se sua carreira fosse feita no Brasil, Hitler não teria sido levado a sério e eleito (ainda que indiretamente) pelo povo, e provavelmente arranjaria um emprego num circo como bom imitador de Carlitos (personagem de Charles Chaplin).

Mas a esta altura há uma pergunta que não quer se calar: Considerando que um líder político como Luís Inácio Lula da Silva é de fato um grande líder carismático, sem que haja nessa asserção nenhum juízo de valor – tal como recomendaria Max Weber – o que fez com que ele se tornasse o que de fato se tornou? E ser ainda capaz de alavancar sua insossa e despreparada candidata à sucessão em virtude única de seu carisma de grande transferidor de votos – capaz de eleger até um poste!

Para resumir tudo numa só sentença: Ele é a “cara do povo”, como se costuma dizer. Mas o que é ser a cara do povo, quando o povo em questão só pode ser o brasileiro?

Ora, é ser semiletrado, bravateiro, orgulhoso de seu despreparo e ignorância, matreiro, fiel seguidor da “Lei de Gérson”, manipulador, inconseqüente, emissor de chavões esquerdistas e abobrinhas de apedeuta, cara-de-pau, amante de mordomias y otras cositas mucho más malas...

Trata-se, portanto, de um legítimo representante do povo, e isto ninguém pode negar! Nem mesmo os 4% de eleitores que o detestam tanto quanto seus dois (des)governos e em que me incluo prazerosamente como minoria irrelevante em termos estatísticos.

Que devemos concluir? Que “a democracia é uma aristocracia de pilantras?” (Lorde Byron). Que “a democracia não passa de uma ficção estatística?” (Jorge Luis Borges). Que a democracia corre sempre o risco de se transformar numa ditadura da maioria? (Tocqueville).

Não! Devemos concluir que cada povo tem o governo que merece.

E se um povo quiser ser merecedor de futuros governos melhores, que exija uma educação da melhor qualidade para todos indistintamente, capaz de gerar um número maior de eleitores bem formados e bem informados.

É quase certo eles que jamais elegeriam um indivíduo como Lula nem para síndico de seu edifício ou Presidente de seu clube de futebol.