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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma analise do carisma - Mario Guerreiro

Afinal de contas, o que é carisma?!
Mario Guerreiro
(22.09.2010)

Quando investigamos a origem da palavra “carisma” surpreendemos um processo de laicização cujas consequências últimas são assaz surpreendentes. Charisma é uma palavra grega que foi usada pelo cristianismo primitivo e cujo significado era o de “dom da graça divina”. Desse modo, dizia-se que um homem agraciado por esse dom era um homem carismático.

Em seus estudos sobre a formação da religião cristã, o teólogo Rudolph Sohm empregou essa palavra diversas vezes e, ao que tudo indica, o sociólogo Max Weber (1864-1920) teria sido o primeiro a estender seu sentido a um contexto laico. Carisma passou a ser, para ele, uma qualidade excepcional (real ou imaginária) possuída por um indivíduo capaz de exercer influência e liderança sobre determinado grupo de indivíduos.

É importante assinalar que Weber não fez uso do termo na sua acepção original (teológica), mas sim numa acepção laica inspirada na mesma. Assim sendo, ele despiu o vocábulo inteiramente de qualquer conotação valorativa, tanto quando o que estava em jogo a análise das lideranças do ponto de vista da sociologia da religião como a do ponto de vista do poder político.

Ou seja: para o cristianismo, possuir carisma era e ainda é um bem, uma qualidade excepcional ofertada por Deus a alguns espíritos especiais, porém para Weber é meramente uma qualidade possuída por um particular tipo de liderança: a liderança carismática.

Tal liderança, em si mesma, não é boa nem má. O líder carismático goza de uma grande capacidade de persuadir e inflamar um grupo maior ou menor de indivíduos, porém tanto pode conduzi-los a praticar o bem como o mal. Lembremos que, tanto Mahatma Gandhi como Adolf Hitler teriam que ser considerados líderes carismáticos, tal como caracterizado por Weber. E por que não Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e Seymour Abravanel, o Sílvio Santos, bem como Michael Jackson, o bispo Macedo, Enéas Carneiro et caterva?!

Lembremos que no caso de Sílvio Santos, este chegou mesmo a se candidatar a Presidente da República, e creio que só não obteve uma votação maior, porque lançou sua candidatura demasiadamente tarde, não por carecer de dons carismáticos weberianos.

Só fico em dúvida se devo considerar que é também carismático o candidato a deputado Tiririca com seu slogan "Vote em Tiririca que pior do que tá não fica"?! Digo isto porque ele mostrou ser capaz de conquistar a adesão de milhares de eleitores e está correndo o risco de ser o candidato mais votado em São Paulo.

Apesar disso, percebo que no mundo contemporâneo há uma valoração positiva da expressão “líder carismático”, como se uma liderança carismática fosse sempre uma algo positivo, unicamente conduzindo um grupo maior ou menor de indivíduos à prática do bem.

Nada mais estranho ao pensamento de Weber que sempre desempenhou um grande esforço no sentido de preservar aquilo que ele chamou de Wertfreiheit (literalmente: isenção de valor, mas numa linguagem técnica: neutralidade axiológica), coisa esta considerada por ele imprescindível numa abordagem científica.

Essa tomada no sentido valorativo de um termo, antes usado num sentido puramente descritivo, é um fenômeno bastante disseminado socialmente. Determinadas qualidades de caráter dianoético (relativas à mente e ao intelecto) frequentemente são tomadas num sentido ético. Se uma qualidade tal como a astúcia fosse algo eticamente negativo, Cristo não a teria recomendado ao dizer: “Sede mansos como as pombas, mas astutos como as serpentes”.

Todavia, a astúcia em si mesma não é uma qualidade dianoética positiva nem negativa, tudo dependerá de quem a empregar: se a empregar com uma boa ou má finalidade, se a empregar para se defender de quem preparou uma armadilha ou para passar a perna nos outros. O mesmo pode ser dito da prudência: por acaso um vil criminoso não pode ser prudente em determinada ação? E se for, só por isso ele deixará de ser um meliante e passará a ser um homem probo?

No entanto, por maior que seja minha admiração pelas brilhantes análises da liderança carismática realizadas por Max Weber, gostaria de ir mais adiante e colocar a seguinte indagação:

O portador de carisma é reconhecido pelas características de sua personalidade qua tale – tais como poder de comunicação, persuasão, liderança, etc – ou tudo depende muito de como seus liderados o vêem, de sua identificação com ele, de ele se comportar de acordo com os anseios e expectativas deles, etc?

Coloquei essas indagações logo após a leitura da análise de uma particular personagem da história reconhecidamente carismática. Em sua descrição de Che Guevara, diz Olavo de Carvalho:

“Como revolucionário, Che Guevara foi um vulgar tiranete, um assassino que se comprazia em executar pessoalmente as sentenças de morte que assinava.”

“Como ministro da Economia foi um fiasco do qual o próprio regime cubano se livrou o mais rápido que pôde; como guerrilheiro, foi um recordista de inépcia, capaz de perder para o exército mais pífio da América Latina”.

“Que encanto possui essa porcaria de personagem para que tantos brasileiros se babem de gozo devoto ante sua imagem e concedam mais vasta homenagem aos trinta anos de sua morte do que aos trezentos anos de Vieira e aos quatrocentos de Anchieta?”

Associar a barba rala de adolescentes a algum odor de santidade, me desculpem, mas é pura perversão sexual: não explica nada. Quanto ao “no perder la ternura [jamás]” é apenas uma frase e nada de novo nos informa”.

“O culto de Che Guevara é um enigma que a própria figura do Che não elucida. Suas razões não estão na natureza do objeto cultuado, mas sim na psicologia de seus sacerdotes. Para encontrá-las, é preciso dar à pergunta uma formulação mais geral: Por que o socialismo, um fracasso na realidade, continua persuasivo como ‘ideal’?” [Olavo de Carvalho: O Imbecil Coletivo II. Rio de Janeiro. Topbooks.1998. pp.47-8. O grifo é meu].

Fica bastante claro na supracitada passagem - especialmente no último parágrafo - que os motivos do grande carisma de Che Guevara não devem ser procurados em sua figura, porém na “psicologia de seus sacerdotes”, ou seja: nos anseios, nas expectativas, na identificação daqueles que interagiram e ainda interagem com sua figura, mesmo - ou principalmente - após sua morte seguida de sua “beatificação”.

Reconhecer isso representa analisar a liderança carismática por um prisma diferente daquele descortinado por Weber, pois o que passa a estar em jogo é a idéia de que um líder carismático é muito mais o que ele representa para os outros, os anseios que ele vem a preencher, expectativas dos outros que ele satisfaz ou se limita a nutrir substanciosamente, etc.

Com isto, não estou pretendendo insinuar que o líder carismático tenha grande capacidade de intuir os anseios e as expectativas de seus acólitos e, com verdadeiro talento dramático, seja capaz de desempenhar um papel que venha ao encontro dos mesmos. Longe dele esse distanciamento frio mediante o qual um bom ator confere vida à personagem representada por ele.

O líder carismático não finge ser uma personalidade que ele não é, não representa num palco para uma platéia. Malgrado sua fala e seus gestos mostrarem-se frequentemente eivados de teatralidade, são realmente espontâneos: ele sente de fato as emoções que transmite aos outros, ele se mostra tal qual é.

E nisto consiste justamente uma das suas principais virtudes, uma vez que a persuasão não se faz apenas pelas idéias transmitidas por ele, mas, principalmente pelo tônus afetivo mediante o qual elas envolvem afetivamente a platéia. Na comunicação de um líder carismático com seu público, está muito mais em jogo o pólo expressivo do que o pólo semântico da linguagem, para usar a oportuna distinção de Karl Bühler.

No excelente filme O Grande Ditador, o magistral ator e diretor Charles Chaplin expressou isso de maneira admirável. Ele faz uma paródia do Führer esvaziando seus eletrizantes discursos de todo conteúdo significativo, só emitindo fonemas típicos da língua alemã, porém com toda aquela verve acompanhada de frenética gesticulação. Algo semelhante a “Aftas ardem e doem”!!!

E é por isso que carismáticos são Fidel Castro, Chávez e Lula e não-carismáticos são Dilma, Marina e Serra. Estes, não importando o conteúdo de suas falas, são incapazes de transmitir emoção e envolver afetivamente a platéia. Seus sorrisos são forçados e inexpressivos. O de Serra mal consegue esconder uma pessoa amarga, dona da verdade e intransigente, o de Dilma uma pessoa rancorosa, intratável e mandona: a folclórica sogra de maus bofes sorrindo para as visitas, mas só por questão de etiqueta.

Mas não nos esqueçamos de que ser carismático não é nenhuma virtude ética, limita-se às capacidades de persuasão e liderança. Tais capacidades, como já vimos, dependem muito do reconhecimento e do acolhimento dos liderados que se identificam com o líder. Vamos até mais longe dizendo que não só os anseios e as expectativas, mas também a especial mentalidade da platéia é que fazem de alguém um verdadeiro líder carismático.

Antonio Conselheiro não conquistaria multidões de fanáticos seguidores, se estes não estivessem nos sertões nordestinos, mas sim na Finlândia (onde provavelmente ele seria remetido a uma clínica psiquiátrica). Se sua carreira fosse feita no Brasil, Hitler não teria sido levado a sério e eleito (ainda que indiretamente) pelo povo, e provavelmente arranjaria um emprego num circo como bom imitador de Carlitos (personagem de Charles Chaplin).

Mas a esta altura há uma pergunta que não quer se calar: Considerando que um líder político como Luís Inácio Lula da Silva é de fato um grande líder carismático, sem que haja nessa asserção nenhum juízo de valor – tal como recomendaria Max Weber – o que fez com que ele se tornasse o que de fato se tornou? E ser ainda capaz de alavancar sua insossa e despreparada candidata à sucessão em virtude única de seu carisma de grande transferidor de votos – capaz de eleger até um poste!

Para resumir tudo numa só sentença: Ele é a “cara do povo”, como se costuma dizer. Mas o que é ser a cara do povo, quando o povo em questão só pode ser o brasileiro?

Ora, é ser semiletrado, bravateiro, orgulhoso de seu despreparo e ignorância, matreiro, fiel seguidor da “Lei de Gérson”, manipulador, inconseqüente, emissor de chavões esquerdistas e abobrinhas de apedeuta, cara-de-pau, amante de mordomias y otras cositas mucho más malas...

Trata-se, portanto, de um legítimo representante do povo, e isto ninguém pode negar! Nem mesmo os 4% de eleitores que o detestam tanto quanto seus dois (des)governos e em que me incluo prazerosamente como minoria irrelevante em termos estatísticos.

Que devemos concluir? Que “a democracia é uma aristocracia de pilantras?” (Lorde Byron). Que “a democracia não passa de uma ficção estatística?” (Jorge Luis Borges). Que a democracia corre sempre o risco de se transformar numa ditadura da maioria? (Tocqueville).

Não! Devemos concluir que cada povo tem o governo que merece.

E se um povo quiser ser merecedor de futuros governos melhores, que exija uma educação da melhor qualidade para todos indistintamente, capaz de gerar um número maior de eleitores bem formados e bem informados.

É quase certo eles que jamais elegeriam um indivíduo como Lula nem para síndico de seu edifício ou Presidente de seu clube de futebol.

Um comentário:

Mariana Brasil disse...

Li hoje um artigo de opinião da revista Time falando sobre democracia deliberativa.

O artigo usa de exemplo a história de uma província chinesa chamada Zeguo, com 120 mil habitantes, onde estão testando o seguinte sistema:

Cada ano (a data inicial não consta no artigo) 175 pessoas da província são escolhidas de modo a representar a população geral da província, mais ou menos como se escolhe a população média para uma pesquisa de opinião (o artigo também não nos dá o método exato de escolha). Note que 60% da população de Zeguo são agricultores.

Essas pessoas deverão então decidir os gastos orçamentários da província. Para cada decisão, eles recebem relatórios de especialistas com visões divergentes e têm que estudá-los para depois conversar entre si e fazer perguntas aos especialistas.

O processo dura 3 dias, após os quais os participantes votam. O desenvolvedor e principal responsável pela aplicação do processo é o professor James Fishkin, da universidade de Stanford.

Achei essa uma alternativa interessante. Cada vez mais eu acredito que só poder influir nas decisões político-administrativas do país uma vez a cada quatro anos é muito pouco.