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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Cuba e os órfãos do socialismo: comentários contrarianistas

Como sabem meus (poucos) leitores, não recuo frente a um debate de ideias, as boas e as más, por que também as há, como diria alguém. Pois bem, eu normalmente nunca me atreveria a discutir com um adepto tão fervoroso da doutrina socialista, como o que escreve abaixo – inclusive porque acho que seria o mesmo que tentar convencer um fundamentalista religioso de que Deus não existe, ou algo do gênero – mas de vez em quando a gente se vê tentado a terçar armas com um representante da liturgia, tanto porque a admiração beata por “Cuba socialista” e o culto das chamadas ideias de esquerda na comunidade universitária são tão disseminados no Brasil que considero meu trabalho de “correção de equívocos” apenas uma tarefa didática, como muitas que assumo voluntariamente nesta pátria gramsciana que é a comunidade acadêmica brasileira.
Mesmo desconfiando que meu esforço é totalmente inútil, pois estou sempre lutando contra a corrente, exercendo meu direito a ser contrarianista num universo de convencidos como é este que frequento, vou tentar contradizer rapidamente o autor desse panegírico ao verdadeiro socialismo e deste texto detrator das reformas que os gerontocratas cubanos tentam introduzir para salvar seu regime totalitário, e que o autor em questão quer aparentemente salvar (e levá-lo a seu estado de pureza socialista).
Sem tempo para exercer minha crítica em toda a sua extensão – pois isto exigiria que eu fizesse um texto de igual extensão, desmontando todos os argumentos nele inscritos – vou apenas intermediar os parágrafos com meus comentários, em itálico, precedidos das seguintes siglas: EF = erro factual, ou seja, algo que simplesmente não corresponde à verdade empírica, à realidade material das coisas; CL = contradição lógica, ou seja, o argumento não se sustenta nos seus próprios termos; FA = fantasia acadêmica, ou seja, sonhos de uma noite de devaneios de um teórico distante anos-luz da realidade cotidiana. Em cada caso, farei notas brevíssimas para indicar os motivos de minha contrariedade. Se alguém protestar, o que considero praticamente impossível, posso elaborar a respeito.
Dito isto vamos ao exercício.
Paulo Roberto de Almeida

Cuba: Sob o signo da restauração capitalista
Por Mário Maestri, de Porto Alegre
Via Política, 14/12/2010

A restauração capitalista em Cuba marcha veloz a um desmonte semelhante ao observado na antiga União Soviética e no leste europeu.
[CL: engano. A transição no Leste Europeu, incluindo a finada URSS, foi rápida, algumas vezes fulminante. Em Cuba, demora mais de vinte anos.]

A notícia foi brutal. Raul Castro anunciou nada menos do que o licenciamento de 500 mil trabalhadores da área estatal. Mutatis mutandis, qualquer coisa como desempregar 10 milhões de trabalhadores no Brasil! E tudo com vagas promessas de alguma ajuda e financiamento para os que pretenderem se estabelecer como trabalhadores independentes. Encerrando esse cenário dramático, as direções máximas da Central de Trabajadores Cubanos bateram continência concordando com a agressão histórica ao mundo do trabalho cubano e latino-americano.
[FA: a gerontocracia cubana já não tinha mais escolha. O Estado cubano está falido e não tem como pagar tantos funcionários públicos, que aliás não fazem rigorosamente nada, a não ser roubar o próprio Estado. A única coisa certa é a proporção: seria como se no Brasil o Estado empregasse 50 milhões de pessoas, e não pouco mais de 1 milhão.]

O paradoxal anúncio constitui a parte mais explícita da aceleração do processo de restauração capitalista que a direção máxima cubana pretende sancionar quando do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba. Movimento de desmonte da ordem socialista, iniciado há 15 anos, que se prepara para conhecer salto de qualidade através do “Proyecto de Lineamentos de la Política Econômica y Social”, de 1º de novembro, apresentado à militância comunista para ser aprovado no congresso do PCC de abril.
[FA: pois é, essa tal de restauração capitalista é o reconhecimento de que o socialismo não funciona, mas o nosso autor pretende que sim, e essa restauração, segundo ele, representaria uma espécie de traição ao povo cubano. Provavelmente ele nunca esteve em Cuba e perguntou ao povo cubano o que esse mesmo povo pensa do socialismo cubano.]

Cuba: avançar ou soçobrar
A única revolução socialista vitoriosa nas Américas deu-se em região singularmente desfavorável. A uns 140 quilômetros do coração do capitalismo, Cuba é região singularmente desfavorecida: é pobre em minérios; não possui fontes para produção de energia hidráulica; vê-se assolada periodicamente por tufões; possui população diminuta para a organização de produção em escala etc.
[EF: o capitalismo não tem coração, no sentido próprio ou figurado. Ele existe há vários séculos em diferentes lugares do mundo, sendo os EUA apenas um dos representantes mais conhecidos, mas a China vem logo atrás, construindo um capitalismo ainda mais forte, ainda que menos “belo”; quanto ao coração, no sentido próprio, não faz parte das preocupações do capitalismo, que se ocupa de coisas mais materiais, digamos assim, embora também ofereça serviços de encontros amorosos, enfim, tudo o que der lucro...]

A inserção de Cuba na comunidade das nações de economia nacionalizada e planejada foi imprescindível ao avanço do socialismo cubano. Porém, significou-lhe também a adesão às práticas autoritárias e burocráticas de gestão da URSS e dos países do Leste, que terminaram favorecendo suas destruições, em fins dos anos 1980. Autoritarismo que, matizado na versão cubana, coadunava-se com o monopólio da direção do Estado mantido pela direção restrita do MR 26 de Julho, em fase já gerontocrática.
[CL: ao contrário: a inclusão de Cuba na comunidade socialista foi justamente a razão de seu fracasso como socialismo; isso já era evidente em 1959, ou 1961, quando se decidiu dar esse passo, quando a direção do MR 26 de Julho ainda era jovem e esbelta, e se tornou ainda mais evidente 50 anos depois.]

Na nova divisão mundial, Cuba passara sobretudo a trocar vantajosamente com a área socialista, a produção açucareira potenciada por petróleo, tecnologia e outros bens. Radicalização monocultora que ensejou que uns 50% da proteína consumida fosse importada, acrescendo a dependência anterior à Revolução, em contexto de crescente consumo. Registro de administração burocrática jamais entregue à direção direta e criativa dos trabalhadores.
[EF: as trocas vantajosas se deram ao custo da independência e da diversificação da economia cubana, que se tornou mero apêndice produtor de açúcar de países socialistas produtores de bens industriais medíocres e defasados. Onde está a vantagem nisso tudo?]

Em inícios de 1990, quando da vitória da contrarrevolução neoliberal, o fim da URSS e a dissolução controlada ou não da economia socialista no leste europeu causaram choque medonho à economia cubana. Em poucos meses, dissolviam-se relações de trocas tecidas durante 40 anos – nada menos do que 85% do comércio mundial cubano. Interrompia-se também o fornecimento de peças do maquinário adquirido em empresas em ex-países de economia nacionalizada agora privatizadas ou dissolvidas.
[EF: não houve vitória nenhuma, sequer o mínimo enfrentamento com os países liberais, que tinham dado enormes créditos aos países socialistas. O socialismo caiu de podre, esclerosado, de morte morrida, talvez por auto-suicídio…]

O período especial
Em 1991, a quase interrupção do aparato produtivo e enorme crise econômica permitiu previsões sobre a rápida restauração do capitalismo, que o imperialismo EUA procurou acelerar com o bloqueio econômico e novas emendas e leis (Mack e Smith, de 1989; Toricelli, de 1991, Helms-Burton, de 1996). As expectativas agourentas não se realizaram, graças à maciça mobilização popular em defesa da revolução e suas conquistas. Então, era clara a consciência das novas e velhas gerações do que se perderia com a restauração capitalista.
[EF: eu diria até que é uma mentira, não um erro. O povo não reagiu ao fim do socialismo, foi a gerontocracia que impediu que a transição se consumasse. Se tratou de um movimento reacionário, obrigado Cuba a ficar parada no tempo, enquanto os demais socialistas seguiam em frente, nas duras reformas, mas necessárias, até o final do socialismo, de morte morrida, bem morrida…]

A aprovação das medidas do Período Especial em Tempo de Paz, em fins de 1990, reorganizou a produção, o consumo e a vida civil em contexto em que a população teve que, literalmente, usar os pés para chegar aos locais de trabalho e ensino, devido à falta de gasolina, e a consumir o mínimo em calorias e proteínas necessárias à sobrevivência. O racionamento protegeu os velhos, doentes e crianças.
[FA: as medidas foram um golpe terrível para a população, e a produção não foi de fato reorganizada. Cuba se abriu ao turismo de massa europeu, com investimentos sobretudo espanhóis na hotelaria, e em volta dos hoteis de praia se desenvolveu aquele mesmo cenário de tráficos e prostituição que existia na ilha anteriormente e que o socialismo dizia que tinha acabado para sempre…]

A vitória mundial neoliberal influenciou a reorganização da economia e da sociedade cubana, acompanhada por importantes decisões estruturais jamais deliberadas efetivamente pela população. Declinou entre os administradores a desconfiança na planificação, na propriedade estatal, no igualitarismo socialista, aumentando o prestígio do mercado, dos resultados individuais, da competição, dos privilégios de remuneração.
[FA: o autor pretende que os cubanos continuassem socialistas como antes, quando Cuba vivia de mensalão soviético e era totalmente dependente dessas transferências solidárias entre irmãos socialistas. Trata-se também de uma CL, uma contradição lógica, pois é evidente que a situação não poderia continuar como antes.]

Nova orientação
O abandono da monocultura do açúcar; a ênfase no turismo mundial; a reorientação das trocas com a União Europeia, etc. deram-se com a abertura crescente às inversões de capitais mundiais, sobretudo – mas não apenas – no turismo, inicialmente em associação com o Estado. No plano interno, por primeira vez, permitiu-se a constituição de empresas mercantis simples, exploradas por trabalhadores por conta própria [cuentapropismo]. Orientação que fortaleceu os segmentos sociais restauradores.
[FA: o autor acha que a população é naturalmente socialista, e que só se inclinou um pouquinho para o capitalismo por necessidade momentânea, apenas para passar o período especial; depois, ela se voltaria automaticamente para a economia socialista de novo.]

No novo contexto, criou-se dualidade de moedas, a nacional, para o pagamento da população ligada ao setor estatal-socialista, e aextraordinária, ligada ao dólar, inicialmente para os turistas adquirirem produtos e serviços em estabelecimentos especiais, a seguir abertos à população com meios para tal. Permitiu-se a posse de moeda convertível, a fim de incentivar remessas do exterior, sobretudo dos EUA, uma das grandes receita da ilha.
[CL: se as pessoas não sobrevivem com os miseráveis pesos cubanos, qual o problema de fazê-lo em dólares, abundantes, desde que o governo permitisse as trocas com o império do mal, ali ao lado.]

Expressão da nova e surda luta de classes no interior da ilha, as duas esferas de produção-consumo, cada qual com sua moeda, estabeleceram luta à morte, em crescente favor da economia mercantil-capitalista, agora terrivelmente hegemônica no mundo exterior. O recuo dos produtos antes garantidos pela libreta de abastecimiento e subvenções públicas, determinado pelo governo, obrigou a população a procurar crescentemente na área dolarizada os bens imprescindíveis à sobrevivência.
[CL: luta de classes entre moedas é uma expressão pobre: se tratava de uma luta entre um peso pesado e um peso mosca, ou pena, sem qualquer condição de igualdade entre os dois. O peso pesado não tem culpa de ser grande, mas o peso pena bem que poderia ser um pouco mais forte, se o governo não deixasse a população morrendo de fome.]

O extraordinário se transforma em ordinário
Nesse terrível mundo novo, qualquer parente que enviasse do exterior 100 reais garantia aos familiares o obtido com o trabalho mensal em empresa pública! Ao lado disso, em uma corrida, um taxista autônomo ganhava e ganha o valor do salário mensal de um trabalhador, atualmente equivalente a uns 60 reais. Emergiram nítidas diferenças de classes, com a crescente desmoralização dos segmentos sociais ligados, sem privilégio, à propriedade e economia estatal.
[CL: a realidade sempre vai contra os sonhos desses acadêmicos socialistas. Eles acham que a realidade de vez em quando deveria se dobrar a seus argumentos…]

As exigências e necessidades do grande capital mundial e dos setores da economia mista e mercantil expressavam-se no governo através dos membros da alta administração e da oficialidade das forças armadas, em geral envolvidos na administração das empresas exportadoras e de capital misto. Eles criaram as condições para o ataque à Constituição de 1976, definida por Fidel Castro, quando de sua promulgação, como garantia inarredável da propriedade e sociedade socialista.
[CL: pois é, esses cubanos da oligarquia socialista são uns traidores da ideia socialista pura; querendo se vender ao grande capital mundial, onde já se viu tamanho retrocesso em relação aos sonhos de alguns socialistas de academia?]

Já em 1982, o decreto-lei nº 50 permitira o direito de usufruto e de arrendamento de instalações industriais e turísticas ou similares aos capitais estrangeiros, em flexibilização dos preceitos constitucionais que não atingia ainda à propriedade em sentido estrito dos bens públicos de produção. Essa reforma não atraiu inversões significativas, em uma época em que se mantinham as trocas com a área socialista.
[FA: Esses cubanos espertalhões: em plena era socialista e já sonhando em flexibilizar um pouco um sistema condenado à falência previsível.]

Fim do monopólio dos meios de produção
As concessões organizativas ao capital privado exigiam garantias de propriedade. Na continuidade da liberalização iniciada pelo Período Especial, foi realizada reforma constitucional, em 1992, liquidando o monopólio da exploração e propriedade pública dos meios de produção, através da legalização de novas formas mercantis de empresas: empresas mercantis mistas, de capitais privados ou privado e público; empresas mercantis; empresas mercantis cooperativas etc. A reforma constitucional aprovou também o fim do monopólio estatal do comércio exterior, já não mais “função exclusiva do Estado”.
[CL: pois é, vejam que absurdo: o capitalismo exigindo garantias de propriedade! Que pretensão! Ele podia se contentar apenas com promessas dos dirigentes do partido. Onde já se viu tamanha desconfiança em relação ao sistema do futuro?]

Finalmente, em setembro de 1995, a Lei 77, “de Inversões Estrangeiras” praticamente escancarou todos os setores da economia aos capitais privados, à exceção da saúde, da educação e das forças armadas, parcialmente. Os capitais privados conquistavam, igualmente, o direito de não serem expropriados, de adquirirem bem imóveis, de venda de seus haveres para outro investidor, de exportar e importar diretamente bens, de exportar os lucros obtidos com a exploração dos trabalhadores cubanos, sem a necessidade de pagar impostos de transferência e passar pelo Banco Central Cubano.
[FA: Vejam ainda que desfaçatez do capital: conquistar o direito de não ser expropriado! Onde vai acabar essa sanha capitalista? Mais um pouco eles vão exigir o fim do socialismo, que ideia!]

Não se realizou, entretanto, o desembarque de capitais estrangeiros privados, conhecida pela China e, secundariamente, pelo Vietnã, previsto e organizado pela burocracia cubana. A atração de capitais foi e segue sendo tendencialmente entravado pela esfera de produção estatal e pelas conquistas gerais da revolução socialista, com destaque para o direito ao trabalho. Como visto na ex-URSS, Polônia, ex-Iugoslávia etc., não há restauração capitalista sem a reconstrução de exército de desempregados.
[FA: “conquistas gerais da revolução socialista”? Onde estão, quais são elas, o que trouxeram, exatamente? Se for direito ao trabalho, trata-se de uma mentira, pois isso também existe no capitalismo; aliás, já existia no feudalismo, e no escravismo antigo, e nas sociedades primitivas… Como o socialismo está atrasado…]

A reconstrução do reino da necessidade
Apesar da literal prostituição da capacidade de consumo dos trabalhadores da área pública estatal, o acesso à saúde, segurança, educação e moradia tem impedido a formação de exército de trabalhadores obrigados a venderem a preço vil a força de trabalho, sob o açoite da necessidade econômica. Para que a produção capitalista reorganize a ilha, é imprescindível a reconstrução do reino da necessidade. Daí a terrível proposta de lançar no desemprego 500 mil trabalhadores – verdadeiro “cercamento dos campos” tropical! [Enclosures Land's]
[FA: Mas são os dirigentes socialistas que estão desempregados os trabalhadores “socialistas”! Como é isso? O capitalismo leva a culpa por algo que nem sequer começou a fazer? Deve ser um futurólogo esse nosso autor…]

O Proyecto de los Lineamientos apresentado à militância comunista comporta verdadeiro esvaziamento do conceito de socialismo e sua ressemantização em sentido social-liberal: “Na política econômica que se propõe está presente que o socialismo é igualdade de direitos” e “de oportunidade para todos os cidadãos” e, jamais, “igualitarismo”. Indiscutível adesão ao ideário democrático-liberal de direitos de igualdade jurídica e de competição, em sociedade estruturalmente desigual devido sua divisão antagônica em exploradores [detentores dos meios de produção] e explorado [meros detentores da força de trabalho].
[CL: Pronto, lá vem o socialista novamente achar que o igualitarismo é um princípio indissociável do socialismo. Mas se são os próprios dirigentes socialistas que declaram que pretendem continuar o socialismo, mas que não querem mais igualitarismo, como ficamos, em quem acreditar? Seriam os socialistas cubanos, na verdade, capitalistas disfarçados?]

Nos fatos, o documento abandona inapelavelmente o princípio essencial do socialismo como erradicação da exploração, através da garantia da satisfação das necessidades mínimas dos cidadãos, no contexto de remuneração ligada à qualidade e à quantidade do trabalho. Em paráfrase perneta da proposta clássica marxiana, propõe o abandono do “igualitarismo” pelo princípio de “cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo seu trabalho”. Liquida, portanto, a parte essencial daquela célebre formulação sintética, ou seja, a cada um “segundo suas necessidades”!
[FA: os socialistas fantasiosos nunca souberam esclarecer de onde viriam os bens que permitiriam a todos e a cada um viver de acordo com suas necessidades, começando pelo fato de que as necessidades são infinitas, e as possibilidades de oferta limitadas.]

O fim da planificação
O desfibramento do planejamento é parte fundamental da orientação ditada pelo Proyecto de los Lineamientos, a ser implementado através da concessão de ampla autonomia administrativa, financeira, de preços e de salários, para as empresas mercantis e públicas. A planificação transforma-se em simples plano indicador geral que sequer privilegia a propriedade-produção estatal, desqualificada em relação às “empresas de capital misto” público-privado ou privado-privado; “empresas privadas” nacionais e internacionais; “cooperativas”, “usufrutuários de terras”, “arrendadores de estabelecimentos [públicos]”, trabalhadores privados.
[CL: Se o sistema pretende introduzir tal variedade de empresas autíonomas, não faz mesmo sentido preservar a planificação, a não ser para preservar o trabalho dos próprios planificadores, que planificariam para eles mesmos…]

O Proyecto de los Lineamientos indica impudicamente os caminhos para a canibalização da propriedade pública pela produção capitalista e mercantil. As empresas estatais deficitárias serão “submetidas a processo de liquidação”, abrindo-se assim caminho à privatização das mesmas, a partir do direito de “arrendamento”, de emprego “em usufruto permanente” e de compra, pelo capital privado ou por cooperativas de “proprietárias dos meios de produção”. Caminho que permitiu na ex-URSS e em outros ex-países socialistas a compra e, melhor ainda, arrendamento de estabelecimentos falidos forçadamente por ex-administradores ligados à alta hierarquia do regime.
[CL: não existe a rigor canibalização, que só existiria se o sistema capitalista já estivesse vivo, sorridente, e trabalhando ao lado da propriedade estatal socialista. Se trata de criar o capitalismo, que ainda não existe, e não existe capital privado, salvo o dos dirigentes do partido que devem ter dinheiro escondido em algum lugar…]

A transposição para a produção mercantil, de serviços públicos como refeitórios e transportes de operários, barbearias, táxis etc., através do “arrendamento” dos bens estatais, já em desenvolvimento, constitui igualmente forma de privatização que procura construir base social para a reorganização privada geral da produção. Para não sabotar o projeto de privatização, nos “restaurantes operários” sob o controle do Estado, está prevista a prática de refeições “a preços sem subsídios”.
[FA: Que absurdo: pequenos capitalistas que trabalham sem receber subsídios públicos. Como é que eles vão fechar as contas no final de tudo? Vão ter mesmo de trabalhar por conta própria? E os clientes, o que vai acontecer com eles?: vão ter de pagar preços de mercado, não os fixados pelo Estado? Mas eles vão se sentir indefesos frente ao capitalismo selvagem…]

Redução drástica dos salários sociais
É forte entre importantes setores da população a ilusão de reorganização da sociedade em sentido mercantil que preserve o fornecimento público dos serviços relativos à saúde, educação, cultura, moradia, segurança, lazer. Ou seja, uma Suécia nos trópicos! Para restauração capitalista, o baixo nível do desenvolvimento das forças produtivas materiais cubana exige necessariamente elevado grau de exploração da força de trabalho, com inapelável diminuição substancial daqueles direitos para enorme parcela da população.
[EF: o autor esquece que aqueles serviços eram oferecidos em bases generosas a todos os cubanos por causa do mensalão soviético, que liberou recursos capazes de montar pelo menos essa “bondade” socialista. O autor deve ter esquecido esse detalhe…]

O Proyecto de los Lineamientos é claro nesse sentido, ao propor a literal supressão de “gratuidades indevidas [sic] e subsídios pessoais excessivos” [sic], em país em que a maior parte da população vive literalmente com o mínimo necessário à subsistência. Anuncia-se também a crescente responsabilização direta dos assalariados e de seus familiares pelos gastos com a assistência social.
[FA: Mas, que absurdo: o socialismo deixou a população com um “mínimo necessário à subsistência”? Que regime cruel…]

No contexto do anúncio do avanço da diferenciação das remunerações, o Proyecto de los Lineamientos define a necessidade de resgatar “o papel do trabalho” [salário], “como via fundamental para” a “satisfação das necessidades pessoais e familiares”. No mesmo sentido, exige-se a transferência, para a responsabilidade do indivíduo singular, das “prestações [sociais] que possam ser assumidas pelas pessoas ou seus familiares”. Uma indiscutível ruptura com a solidariedade social no relativo a prestações e serviços públicos, em favor de sua dependência aos recursos individuais.
[FA: A solidariedade social não resiste a uma falta de orçamento…]

Cada um por si
Não há piedade sequer com os direitos de educação do trabalhador, que deverá estudar, se quiser, no seu “tempo livre” e a “partir de seu esforço pessoal”. Anuncia-se igualmente o fim da unidade previdenciária, com esfera pública e “regimes especiais de contribuição para o setor” privado. No mesmo sentido, prevê-se diminuição dos serviços públicos na área dependente do orçamento estatal [pública], no relativo à “saúde e educação”. Reduzidas ao “mínimo”, as empresas desses setores que puderem “financiar seus gastos com seus ingressos” passarão a ser “autofinanciadas” ou se converterão “em empresas”. Ou seja, poderão se transformar em cooperativas ou empresas privadas!
[FA: Bem-vindo à realidade…]

O golpe mais duro e imediato na população trabalhadora ativa e jubilada ligada ao setor público é o anunciado fim crescente da libreta de abastecimiento, criada para “distribuição normatizada, igualitária e a preços subsidiados”. Com a também proposta futura superação da dualidade monetária, a população será obrigada a procurar os bens mínimos para a subsistência no mercado livre, com moeda forte, de valor determinado pela nível de trocas internacionais. Aos desempregados e mal empregados, logicamente, as cascas!
[CL: Se não haverá mais preços controlados e produção estatal, por que conservar a odiada libreta? Talvez os cubanos queiram dolarizar imediatamente, que é o que vai acontecer provavelmente…]

A privatização anunciada das terras é ainda mais ambiciosa, pois devido aos desmandos da crescente privatização da economia, sob o comando de burocracia incompetente, atualmente mais de 50% das terras férteis encontram-se ociosas. Sem definição de limite, a entrega de terras aos interesses privados já em curso, abrirá espaço, certamente, para o futuro ingresso de multinacionais do agronegócio, que saberão certamente valorizar, com o trabalho mal pago, os inúmeros engenhos açucareiros desmobilizados como improdutivos.
[FA: Cuba está pronta para receber o MST, com toda a sua direção e brigadas de invasão: reforma agrária e socialismo é com eles mesmos. Eles poderão, quem sabe, preservar o socialismo em Cuba, como deseja nosso autor fantasioso.] )

Paulo Roberto de Almeida (18/01/2011_

Fonte: ViaPolítica/O autor (11/12/2010)
Mário Maestri, 62, rio-grandense, é historiador e professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.
E-mail: maestri@via-rs.net