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domingo, 24 de setembro de 2023

Intervenção do Ministro Mauro Vieira na Reunião Ministerial do G-77 - Nota do Itamaraty

O Itamaraty, ou pelo menos o atual governo brasileiro, parece acreditar que uma ampliação das instituições multilaterais, para maior participação de países em desenvolvimento, e uma reforma destas, incorporando essa maior diversidade de opiniões e uma multitudes de propostas, vindas dos mais diferentes setores e categorias de reivindicações, fará com que essas instituições, seu processo decisório, a qualidade das propostas passem a uma fase superior de funcionalidade e desempenho.

O mais provável é o contrário que ocorra, não obstante a justiça e a legitimidade da pretensão.

Paulo Roberto de Almeida


Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 403

22 de setembro de 2023

 

 

Intervenção do Ministro Mauro Vieira na Reunião Ministerial do G-77 - Nova York, 22 de setembro de 2023

 

Fellow Ministers, 

         It gives me great pleasure to take part in this forty-seventh annual meeting of Ministers of Foreign Affairs of the Group of 77 and China. Even more auspicious is the fact that I came to New York directly from Havana, where I was able to accompany President Lula in the G77 Summit.

         Existing multilateral institutions, created over 75 years ago, reflect an international order that ceased to exist a long time ago. They are no longer capable of addressing the multifaceted challenges the world faces today.

         This becomes evident when the United Nations and its Security Council prove to be unable to solve or prevent conflicts, when the international financial institutions are incapable to address the growing debt crisis in the developing world and when the WTO is incapable of guaranteeing a fair and non-discriminatory multilateral trading system and its dispute settlement system becomes totally dysfunctional. I could go on with other examples.

         So, the need for reform is more urgent than ever, and it should start with United Nations Security Council. I want to reiterate once more that Brazil is firmly committed to a comprehensive reform, including the expansion of both permanent and non-permanent members in order to solve the serious lack of representation in that body.

         It is also critical to reform the Multilateral Trading System. More than ever, we need a credible WTO reform that puts the challenges faced by developing countries and the promotion of sustainable development front and center, with a functioning, fair and effective dispute settlement system.

         Developing countries also need to play a greater role in the decision-making and governance structures of International Financial Institutions. It is essential to reduce bureaucracy and conditionalities, increase concessional financing, promote true national ownership, and provide policy space for developing countries. At the midpoint of the 2030 Agenda, it is necessary to guarantee the adequate means of implementation for our shared goals.

         It is crucial that developed countries meet their commitments on financing for development, such as allocating 0.7% of their GDPs to Official Development Assistance and achieving the initial US$ 100 billion annual target on climate financing. This is just a drop in the ocean of the investments necessary to fight climate change and fulfill the SDGs, which are in the scale of trillions and not billions.

         Developed countries have been putting increased pressure to focus international financing almost exclusively on climate and environmental issues. Fighting climate change is of the utmost importance, but we cannot ignore other urgent issues such as fighting inequality, hunger and poverty. It is imperative to maintain a balanced approach to sustainable development in its economic, social and environmental dimensions.

         “Green policies” must not be an excuse for protectionism and unfair competition, and the global South must not be relegated to the role of commodity exporters while lacking adequate access to the technological tools they need achieve the SDGs.

         It is also critical to put an end to unilateral coercive measures and illegal and unfair sanctions, which negatively affect developing countries preventing them from reaping the benefits of international trade and investments. These types of measures are legally and morally unjustifiable. They harm the poorest and the most vulnerable peoples and must be thoroughly condemned.

 

Dear Ministers,

         During Brazil´s presidency of the G20, we will put the concerns, interests and needs of the developing countries at the heart of our agenda. We will build upon the hard work of the Indonesian and Indian presidencies and strive towards the reform of the international financial system and the creation of a new international economic order.

         Moreover, we will emphasize the importance of social inclusion. President Lula has proposed a global partnership for food security, with the aim of ending hunger and reducing inequalities, with full climate responsibility. In his words, ending hunger is a “civilizational challenge for the entire planet”, one which we can only overcome with collective political will and the reinforcement of multilateralism.


Thank you.

 



quarta-feira, 24 de maio de 2023

Política Externa: Mauro Vieira na CREDN-CD

Palavras do Ministro Mauro Vieira na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN) – Brasília, 24/05/2023

 

Nesta quarta-feira (24/5), o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, apresentou balanço da política externa brasileira à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

A transcrição das palavras do ministro Mauro Vieira está disponível abaixo:

  

Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Paulo Alexandre Barbosa,

Excelentíssimas Senhoras Deputadas,

Excelentíssimos Senhores Deputados,

Excelentíssima Embaixadora Maria Laura da Rocha, minha colega, amiga e Secretária-Geral das Relações Exteriores,

 

Senhoras e Senhores,

É uma grande satisfação para mim voltar a esta Comissão e à Câmara dos Deputados. 

Na minha gestão anterior, e, 2015 e 2016, tive o prazer de comparecer em mais de uma ocasião a esta Comissão, com a qual mantive sempre um diálogo transparente, respeitoso e, sobretudo, muito construtivo. 

Estive, há cerca de duas semanas, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, quando tive a oportunidade de reiterar minha visão de que a colaboração com o Parlamento é fundamental para a condução de uma política externa democrática, que reflita os interesses reais do conjunto da sociedade brasileira. Renovo aqui o compromisso de manter as portas do Itamaraty sempre abertas ao Congresso Nacional.  

Não posso, Senhor Presidente, neste momento em que inicio esta apresentação, deixar de mencionar, logo no início, o lamentável episódio a que Vossa Excelência já se referiu, do domingo, na Espanha, na cidade de Valência, no qual o jogador Vinicius Junior, do Real Madrid, foi vítima de insultos racistas. O Brasil repudia, nos mais fortes termos, esses ataques.  

O governo brasileiro emitiu uma nota conjunta firmada por cinco ministérios. Estamos acompanhando de perto as primeiras medidas tomadas pelas autoridades governamentais espanholas e as autoridades esportivas, também, cujo objetivo de punir os perpetradores e, sobretudo, evitar a repetição desses atos. Seguiremos atentos ao caso e à promoção de uma política externa antirracista.

 

Senhor Presidente,

Esta é uma ocasião muito propícia para fazer um balanço da política externa e de nossa ação diplomática nestes quase cinco meses de governo e apresentar algumas das prioridades que temos para este ano. O Presidente da República e o conjunto do governo dedicaram os melhores esforços, nestes meses, para imprimir um ritmo intenso e um sentido pragmático à nossa ação externa, acima de efervescências ideológicas e voltada para a promoção dos interesses do Brasil.  

Essa dinamização se refletiu em uma agenda alentada de contatos e encontros, bilaterais e multilaterais, com parceiros e contrapartes de todas as regiões do mundo. Desde que tomou posse, o Presidente Lula já manteve conversações com chefes de Estado e de Governo de 30 países. Eu próprio já mantive encontros com quase 90 interlocutores estrangeiros de alto nível. 

Retornei hoje cedo de um périplo que começou em Hiroshima, no Japão, onde acompanhei o Presidente Lula na Cúpula do G7, com uma passagem ainda por Nova York, onde participei de debate, ontem, no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre proteção de civis em conflitos armados. 

No caso da Cúpula do G7, tratou-se da primeira participação brasileira desde 2009, nesse agrupamento. Além das discussões com os demais chefes de Estado sobre temas centrais para o futuro da economia global, o Presidente da República manteve diversas reuniões bilaterais com os líderes do Alemanha, Austrália, Canadá, Comores, que ocupa a presidência da União Africana, neste ano, França, Índia, Indonésia, Japão e Vietnã, bem como com a Diretora-Geral do FMI, com o Secretário-Geral da ONU e, também, com a Diretora-Geral da Organização Mundial do Comércio. Manteve, ainda, conversas informais nos intervalos das sessões ou em eventos atrelados à cúpula do G7 com os líderes de Coreia do Sul, EUA, Reino Unido e União Europeia, com os quais já havia se encontrado recentemente, além de outros altos funcionários e o Secretário-Geral da OCDE. 

Em todos os contatos externos que tivemos nestes cinco meses de governo, temos buscado explorar, com um sentido prioritário, as potencialidades concretas com cada parceiro, sobretudo em matéria de comércio e de investimentos. Estamos muito cientes de que as transformações por que passa nossa economia, inclusive no que diz respeito à promoção de um agronegócio moderno e ao resgate e atualização da indústria nacional, são processos que não se fazem de maneira isolada e requerem investimentos, parcerias produtivas e cooperação técnica, além de mercados novos e ampliados para nossas exportações.  

Por essa mesma razão, Presidente, temos buscado reforçar a dimensão empresarial à nossa iniciativa externa. Nas visitas bilaterais que o Presidente realizou a Buenos Aires, Pequim, Lisboa e Madri, foram realizados, em parceria com a ApexBrasil, eventos empresariais com participação significativa dos setores produtivos de ambos os lados. Em Pequim, o Seminário Econômico Brasil-China contou com a presença de mais de 500 lideranças empresariais brasileiras e chinesas, de diversos setores, e resultou na assinatura de mais de 20 acordos, inclusive em áreas estratégicas, como transição energética, infraestrutura, mineração, agronegócio e finanças. 

 

Senhoras e Senhores Deputados,

Desde a campanha eleitoral, o Presidente Lula indicou seu compromisso em trabalhar pela revalorização da integração regional e pelo fortalecimento dos mecanismos de concertação e cooperação de que dispomos em nossa região. Temos a obrigação constitucional de trabalhar pela consolidação da integração econômica e política da América Latina.  

Uma das primeiras medidas formais de política externa tomadas pelo novo governo foi a reincorporação plena e imediata do Brasil à Comunidade de Países Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, que é o único mecanismo de diálogo e cooperação que inclui todos os 33 países da América Latina e do Caribe. O retorno do Brasil ao mecanismo foi marcado pela participação do Presidente Lula na VII Cúpula da CELAC, realizada em janeiro último, em Buenos Aires. A CELAC tem-se provado um espaço privilegiado para a concepção de iniciativas concretas de cooperação em áreas em que temos desafios comuns, como saúde, segurança, cooperação científica e tecnológica, entre tantas outras.

Com relação à América do Sul, foi também um compromisso de campanha do Presidente o regresso do Brasil ao Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, a UNASUL, como forma de sinalizar nossa determinação de trabalhar com nossos vizinhos sul-americanos pela revalorização da América do Sul como um espaço de diálogo, paz e cooperação. Estamos cientes de que há diferentes expectativas e visões na região em relação à integração, mas estamos também convencidos de que há denominadores comuns, a começar pelo reconhecimento da necessidade de trabalhar conjuntamente com nossos vizinhos imediatos para fazer frente aos múltiplos desafios que compartilhamos. 

Com o objetivo de retomar o diálogo entre todos, o Presidente Lula convocou uma Reunião de Presidentes dos Países da América do Sul, que terá lugar aqui em Brasília, na próxima semana, dia 30 de maio. Esperamos que dessa reunião saiam iniciativas muito concretas, voltadas para resultados palpáveis em áreas como a segurança das fronteiras e ampliação da infraestrutura física – como, por exemplo, o corredor bioceânico, fundamental para o acesso do nosso agronegócio aos mercados asiáticos. Esperamos, também, poder dar início a um diálogo entre todos para que possamos voltar a contar com um mecanismo de concertação inclusivo, eficaz e permanente, que possa estar acima das orientações dos governos de turno. 

Nesses poucos meses de mandato, o Presidente Lula já manteve conversações com praticamente todos os mandatários da América do Sul. Teve diversos encontros à margem da cerimônia de posse; visitou a Argentina e o Uruguai; reuniu-se em Foz do Iguaçu com o Presidente do Paraguai; e tem mantido contato telefônico regular com os homólogos da região. Nessas ocasiões, foram discutidas questões como a dinamização dos fluxos comerciais, os projetos de integração física, como a Ponte da Integração e a Ponte sobre o Rio Paraguai, a necessidade de cooperação em matéria de segurança das fronteiras, além, é claro, da necessidade de aperfeiçoamento do MERCOSUL. 

Foi com esse mesmo espírito construtivo e muito pragmático que reabrimos nossa Embaixada em Caracas, em um primeiro momento no nível de Encarregado de Negócios. A retomada da agenda bilateral com a Venezuela permitirá cuidar de interesses muito concretos do Brasil, como a retomada da assistência consular direta aos cerca de 20 mil brasileiros que residem na Venezuela e a reversão de medidas que impedem o transporte pela fronteira de certos produtos brasileiros. 

Esses primeiros meses de governo foram também dedicados à retomada de agendas com parceiros tradicionais no mundo desenvolvido, como Estados Unidos, Alemanha, França, Portugal, Espanha, Reino Unido, Japão e União Europeia, com os quais mantemos relações baseadas em interesses e valores compartilhados, e com os quais temos uma ampla agenda de comércio, investimentos e cooperação, inclusive em setores estratégicos para o Brasil.

A visita do Presidente Lula a Washington, no primeiro mês de governo, e o encontro mantido com o Presidente Biden sinalizaram o compromisso das duas maiores democracias do continente de voltarem a trabalhar conjuntamente em uma ampla gama de questões, como o combate ao extremismo político, o enfrentamento à mudança do clima, a luta contra a discriminação racial e a reforma da governança internacional.

Ao mesmo tempo, estamos valorizando a tradição universalista e ecumênica da nossa política externa, por meio do aprofundamento e ampliação das nossas relações com a Ásia, a África e o Oriente Médio. 

No que se refere à Ásia, destaco, naturalmente, a visita de Estado à China, nosso principal parceiro comercial, principal destino de nossas exportações agrícolas e uma das principais fontes de investimentos estrangeiros diretos no Brasil. Para além de seu impacto fortemente simbólico, a visita esteve marcada pela busca de resultados concretos, como o aprofundamento da cooperação bilateral em setores estratégicos, como, por exemplo, o espacial, e a ampliação e diversificação da pauta comercial e de investimentos.

As relações com a África, continente que apresenta enorme potencial de desenvolvimento e população majoritariamente jovem, merecerão toda nossa atenção. Aliás, estamos sediando, na semana em curso, o Seminário Brasil-África, que deverá lançar luz sobre uma agenda de futuro para as relações com o continente, ao qual estamos ligados por profundos vínculos humanos, históricos e culturais. Além disso, já está prevista a visita do Presidente da República à África do Sul, no segundo semestre, para a Cúpula do BRICS, bem como visita a outros países do continente. 

A propósito, a participação ativa do Brasil nos mecanismos de concertação plurilaterais, como o BRICS e o Foro IBAS, é elemento importante de nossa estratégia de inserção externa, de valorização de uma ordem multipolar e cooperativa. No caso do IBAS, foro que congrega Brasil, Índia e África do Sul, as três maiores democracias multiétnicas e multiculturais do mundo, assumimos a presidência do grupo em março passado e queremos dar impulso a uma agenda que explore as potencialidades da conexão entre o Atlântico e o Índico. Quanto ao BRICS, estamos plenamente engajados com a atual presidência de turno sul-africana. Em 2025, será a vez do Brasil de liderar o agrupamento.

 

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,

Uma dimensão central de nossa política externa tem sido a agenda de sustentabilidade, clima e meio ambiente. Ainda antes de tomar posse, o Presidente participou da COP-27 do Clima, no Egito, e deixou claro o compromisso do governo brasileiro com o desenvolvimento sustentável e o combate à mudança do clima, e apresentou a candidatura da cidade de Belém do Pará para sediar a COP-30, em 2025. 

Estamos ativando, em coordenação com as demais áreas de governo e com ampla participação dos diversos setores da sociedade, uma “diplomacia para a Amazônia”, capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável do bioma e de atrair, de forma soberana, investimentos e financiamentos para a região, em benefício direto dos seus mais de 40 milhões de habitantes. O desbloqueio dos recursos depositados no Fundo Amazônia e os recentes anúncios de contribuições pelos Estados Unidos e Reino Unido inserem-se nesse contexto. 

A Amazônia é uma região estratégica em todos os sentidos. A realização de suas potencialidades de desenvolvimento sustentável e a devida valorização de seu imenso patrimônio de biodiversidade são um passaporte para o futuro, que não podemos desperdiçar. 

Foi essa, aliás, a aspiração que motivou o Presidente da República a convocar, ainda na condição de Presidente eleito, uma Cúpula da Amazônia – a IV Reunião de Presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação da Amazônia. A reunião terá lugar no próximo mês de agosto, também na capital paraense. Trata-se, certamente, de oportunidade privilegiada para posicionar o Brasil e a região amazônica na vanguarda da transição ecológica e energética global. Na semana passada, mantivemos um produtivo intercâmbio de ideias e propostas com Ministérios de várias áreas, em um seminário sobre desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Outra vertente de nossa ação externa que tem recebido atenção detida desde os primeiros dias de governo, como não poderia deixar de ser, é a da diplomacia econômica.

Como é do conhecimento de todos, o Brasil assumirá, pela primeira vez, em 1º de dezembro próximo, a presidência de turno do G20, um dos principais foros globais de diálogo e coordenação sobre temas econômicos, sociais, de desenvolvimento e de cooperação. A presidência brasileira do G20 compreenderá mais de uma centena de reuniões em todos os níveis e culminará em uma reunião de Cúpula, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024. Trata-se, sem dúvida, de uma oportunidade ímpar para projetarmos nossa voz e nossa visão sobre os principais desafios que enfrenta hoje a comunidade internacional.

No âmbito das negociações comerciais, seguimos comprometidos com a finalização do acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia. Como temos deixado claro, desejamos um instrumento equilibrado, com ganhos concretos para ambos os lados, tanto em matéria de comércio como de investimentos. Ao mesmo tempo, não aceitamos que o meio ambiente – preocupação legítima e que compartilhamos – seja utilizado como pretexto para exigências despropositadas, para a adoção de medidas de viés protecionista ou, no limite, para retaliações descabidas. Espero ser possível chegar, juntamente com nossos sócios no MERCOSUL, a uma posição comum com vistas à obtenção de resultados concretos durante a presidência pro tempore brasileira do MERCOSUL, no segundo semestre deste ano. 

Em paralelo, demos início a uma reflexão interna sobre o processo de ingresso na OCDE, com a qual temos uma colaboração tradicional e proveitosa. Estamos examinando atentamente essa proposta, como corresponde, à luz dos interesses nacionais e das implicações de toda a ordem para as nossas políticas públicas. E tendo presente, naturalmente, que se trata de um processo complexo, que tem seu ritmo próprio, até mesmo pela natureza das questões envolvidas. Terei a ocasião de tratar dessas e de outras questões por ocasião de minha participação na Reunião Ministerial do Conselho da OCDE, no início de junho próximo. 

Outro eixo prioritário da política externa e da ação diplomática do Brasil refere-se ao tratamento das questões relativas à paz e segurança internacional, inclusive à luz do mandato que exercemos atualmente como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aliás, não posso deixar de mencionar que, em outubro próximo, o Brasil assumirá a presidência rotativa do Conselho, que é, como todos sabem, o principal órgão multilateral responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais. 

Estamos, no momento, preparando a nossa presidência de turno, em outubro próximo, que será, aliás, a segunda deste mandato de dois anos, e antecipo a Vossas Excelências que o Brasil está organizando dois debates abertos, um sobre o tema “Mulheres, Paz e Segurança” – tema que, em linhas gerais, trata da contribuição muito específica das mulheres para a prevenção de conflitos e a manutenção da paz – e outro sobre a contribuição de mecanismos regionais de desarmamento, cooperação e integração para a paz e a segurança internacionais. 

No que se refere ao conflito na Ucrânia, sublinho que o Brasil tem adotado uma posição de “equilíbrio construtivo”. Como todos sabem, condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia tanto na Assembleia Geral quanto no Conselho de Segurança, e, ao mesmo tempo, alertamos para os riscos do “cancelamento” da Rússia e das sanções unilaterais, que em nada contribuem para a construção de uma solução negociada. Pelo contrário, apenas diminuem os espaços de diálogo e estimulam uma arriscada espiral confrontacionista. 

Como tem dito o Presidente Lula, o Brasil está à disposição para apoiar os esforços internacionais pela criação de espaços de negociação. Temos conversado com todos os atores, a quem manifestamos nossa prontidão para ajudar em uma aproximação possível, que leve a uma saída negociada e a uma paz sustentável. É preciso dizer que nos contatos que mantemos com interlocutores externos, notamos um claro interesse pela contribuição que o Brasil pode dar e um reconhecimento das credenciais diplomáticas de que o país dispõe. 

A paralisia da comunidade internacional diante do conflito na Ucrânia demonstrou ao mundo, mais uma vez, a necessidade urgente de mobilizarmos esforços por uma ampla reforma da governança internacional, a começar pelo próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mais do que nunca, precisamos de um Conselho democratizado, com métodos atualizados e com legitimidade suficiente para propor soluções eficazes para as múltiplas crises que nos assolam.

Ao longo deste ano de 2023, buscaremos pagar tempestivamente nossas contribuições a organismos internacionais, para o que esperamos poder contar novamente com a atenção da Câmara dos Deputados. Aproveito para renovar aqui os agradecimentos pelo apoio de muitos dos Senhores à aprovação dos recursos necessários para o saldamento de dívidas acumuladas com 28 organismos e mecanismos internacionais, entre os quais destaco a Organização Mundial do Comércio, a Organização Mundial da Saúde e o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL, o FOCEM. Os parlamentares aqui presentes que são membros do Parlasul sabem da relevância do Fundo para a integração regional. 

Além disso, esse amplo conjunto de iniciativas internacionais em que o Brasil está engajado e a manutenção das capacidades de nosso Serviço Exterior exigirão, naturalmente, recursos orçamentários adequados, para o que o Ministério das Relações Exteriores espera poder seguir contando com o apoio imprescindível desta Casa. 

A propósito, gostaria de mencionar uma questão que tem sido objeto da atenção e cuidado desta Comissão e à qual conferimos alta prioridade, que é a assistência consular. Esta é uma das razões de ser do Itamaraty.

 Para aperfeiçoar os serviços prestados aos nossos cidadãos, criamos, por orientação expressa do Senhor Presidente da República, uma Secretaria específica dentro da estrutura organizacional do Ministério das Relações Exteriores, dedicada às questões atinentes às comunidades brasileiras no exterior. 

Sobre as questões relativas à diversidade e à igualdade de gênero no Serviço Exterior Brasileiro, que têm sido objeto de crescente atenção do Parlamento, gostaria de deixar registro do meu compromisso – meu e da Secretária-Geral, Embaixadora Maria Laura da Rocha – com medidas para promover uma representação adequada, em especial nas classes superiores da carreira de diplomata e nas chefias de postos no exterior. Trata-se, naturalmente, de desequilíbrios estruturais, impossíveis de corrigir em apenas alguns meses de gestão, mas que queremos superar. A indicação de número recorde de mulheres para os cargos de Secretária constitui um primeiro passo nesse sentido. O diálogo permanente com a Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil, cujo lançamento tive a satisfação de acompanhar pessoalmente, certamente nos ajudará a fazer mais e melhor em prol da desejada equidade de gênero no Ministério.

 

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,

O Brasil é uma das maiores democracias do mundo e, como tal, encarna valores e aspirações de parcela grande da humanidade. 

Posso dizer, sem sombra de dúvida, que a comunidade internacional está ao lado do Brasil e da sociedade brasileira em nossa determinação de fortalecimento da democracia e das instituições democráticas. Isso, também não tenho dúvida, é algo que interessa e mobiliza diretamente esta Casa, que é a Casa do Povo, onde está refletido o conjunto das sensibilidades, demandas e expectativas da sociedade brasileira.

É por esse motivo, volto a dizer, que valorizo muito especialmente a dimensão parlamentar de nossa política externa. Nossa ação diplomática brasileira só tem a ganhar com um trabalho realizado em estreita sintonia entre o Itamaraty e o Congresso Nacional. 

Com isso, aproveito para agradecer a atenção que esta Comissão e esta Casa têm dispensado à tramitação legislativa de instrumentos de grande interesse para o Brasil, entre os quais o Acordo de Associação à Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, relatado pelo Deputado Celso Russomano, e o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN).  

Estou convencido de que a política externa de um país democrático deve estar permanentemente conectada aos anseios, demandas e expectativas dos distintos setores da sociedade brasileira, a começar pelos mais vulneráveis, que precisam de respostas urgentes. 

Como disse o grande Deputado Ulysses Guimarães, a quem não posso deixar de homenagear ao vir hoje a esta Casa, “É para o homem, na fugacidade da sua vida, que devem voltar-se as instituições da sociedade”. Esse é o compromisso do Itamaraty, como instituição de Estado: servir aos brasileiros e brasileiras, com os olhos postos em suas necessidades e suas aspirações. 

Agradeço, mais uma vez, às Senhoras Deputadas e Senhores Deputados, a oportunidade de fazer este breve balanço da nossa política externa nestes primeiros meses de gestão e de poder indicar algumas de nossas prioridades para 2023. Aproveito para desejar ao Deputado Paulo Barbosa todo êxito na condução da presidência desta Comissão e a todos os parlamentares aqui presentes um excelente ano legislativo.

Fico, evidentemente, à disposição de Vossas Excelências para esclarecer dúvidas e, sobretudo, para intercambiar ideias.

 

Muito obrigado, Senhor Presidente.

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/incendio-em-dormitorio-escolar-na-guiana

 

segunda-feira, 17 de abril de 2023

‘Visões de Brasil e Rússia são únicas’, diz chanceler russo em Brasília

‘Visões de Brasil e Rússia são únicas’, diz chanceler russo em Brasília

Sergei Lavrov se encontrou nesta segunda-feira com ministro Mauro Vieira

Por Da Redação Atualizado em 17 abr 2023, 14h25 - Publicado em 17 abr 2023, 14h08

Veja, 17/04/2023

https://veja.abril.com.br/mundo/visoes-de-brasil-e-russia-sao-unicas-diz-chanceler-russo-em-brasilia/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification

Depois de cerca de duas horas de reunião em Brasília com o chanceler Mauro Vieira, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, afirmou nesta segunda-feira, 17, que Brasil e Rússia têm “visões únicas” em relação ao que acontece no Leste Europeu.

“As visões de Brasil e Rússia são únicas em relação aos acontecimentos na Rússia. Também estamos atingindo uma ordem mundial mais justa, mais correta e baseada no direito. Nisso, nós temos uma visão de mundo multipolar, onde estamos levando em consideração vários países, não só poucos”, disse Lavrov.

+ O que esperar da visita do chanceler russo ao Brasil?

Logo em seguida, o ministro russo agradeceu o que definiu como “contribuição” do Brasil na busca por uma solução no conflito desencadeado pela invasão russa à Ucrânia, em fevereiro do ano passado. Segundo Lavrov, Moscou está considerando posições levantadas pelo governo brasileiro.

“Estamos agradecidos à parte brasileira pela contribuição para a solução desse conflito que precisamos resolver de forma duradoura e imediata”, disse, reafirmando apoio da Rússia à candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. “Há uma cooperação construtiva entre nossos países baseada em igualdade, respeito e de não depender de mudanças da conjuntura mundial”.

A previsão de encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Lavrov consta na agenda oficial de Vieira. A agenda de Lula não havia sido divulgada até a noite deste domingo, 16. Também está prevista uma palestra para alunos do Instituto Rio Branco.

Após o encontro, em entrevista coletiva, o ministro Mauro Vieira reforçou a posição brasileira de defesa de um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, colocando o governo brasileira à disposição, junto a um “grupo de países amigos”, de mediar qualquer acordo. O tema foi sugerido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vários líderes estrangeiros, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e, durante sua viagem a Pequim na semana passada, Xi Jinping. Além disso, Lula enviou seu assessor especial (e guru de política externa), Celso Amorim, para discutir as perspectivas de paz com o presidente russo, Vladimir Putin, em uma viagem discreta a Moscou no final de março.

“Renovei a disposição brasileira em contribuir para uma solução pacífica para o conflito e facilitar a formação de um grupo de países amigos, para mediar negociações entre Rússia e Ucrânia”, disse Vieira.


 



sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

2015: o "novo" chanceler de Dilma Rousseff, o mesmo Mauro Vieira

 Uma outra posse, do mesmo chanceler, Mauro Vieira como ministro de Dilma Rousseff em 2015:

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Itamaraty: o novo chanceler e o Itamaraty - Denise Chrispim Marin

Itamaraty: o novo chanceler
Ex-embaixador na Argentina e nos EUA, Vieira é saída de Dilma para não magoar Lula

Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 12/01/2015

Em doses suaves, novo chanceler tentará revalorizar Itamaraty
Do novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não se espera mudanças abruptas, dizem antigos colaboradores

Ao se sentar na cadeira do Barão de Rio Branco, fundador da diplomacia do Brasil republicano, o embaixador Mauro Vieira enfrentará a agenda interna mais pesada para o Ministério das Relações Exteriores nos últimos 20 anos. Habituado ao trabalho nos bastidores e à sombra das principais autoridades da casa, Vieira não encontrará maior desafio do que convencer a presidente Dilma Rousseff a observar o Itamaraty com apreço e a listar a política externa brasileira entre as prioridades de seu segundo mandato. 

De seu gabinete, Vieira não desencadeará mudanças abruptas na política externa nem confrontos com seus pares no exterior ou na Esplanada. Nada será abandonado – como a política Sul-Sul – e tudo será considerado – como a retomada das relações entre Brasil e Estados Unidos –, avisam seus antigos colaboradores. Dele não se ouvirá declarações agressivas nem manifestações de irritação ou atitudes revanchistas. A mudança, se houver, se dará em doses suaves.

O Itamaraty tradicionalmente reflete a personalidade do chanceler. Sob a liderança de Vieira, parecerá mergulhado em águas mornas, enquanto o novo ministro e seus principais auxiliares atuarão silenciosamente nos bastidores do governo e no exterior. Um velho observador de sua carreira o define como um “peixe de águas profundas”.

Não à toa, Vieira escolheu dois colaboradores diretos de sua total confiança e de ampla aceitação pela casa. O embaixador Sérgio Danese, um dos mais experientes e preparados de sua geração, será o secretário-geral das Relações Exteriores – segundo cargo da hierarquia do Itamaraty. O chefe de gabinete de Vieira será o embaixador Júlio Bitelli, que atuou na equipe que escrevia os discursos de Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto e, mais tarde, na de Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. 

Danese e Bitelli trabalharam com Vieira na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Nos últimos anos, Danese conduzia a Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior, e Bitelli era embaixador em Tunis (Tunísia). O trio terá a missão de recuperar o orçamento do Itamaraty neste período de ajuste nas contas públicas. 

Celso Lafer, ex-chanceler de FHC e de Itamar Franco, sublinha ser Mauro Vieira um diplomata experiente, com bom conhecimento da casa, e ter vindo do comando das duas mais importantes embaixadas brasileiras – Buenos Aires, de 2004 a 2010, e Washington, de 2010 ao fim de 2014. “Mauro conhece os ambientes político, social e econômico do País, o que é um ativo importante para o reposicionamento e a valorização do Itamaraty.”

Surpresa. Dilma surpreendeu todos os implicados diretamente na escolha de seu chanceler em 31 de dezembro, véspera da posse de seu segundo mandato. O então ministro Luiz Alberto Figueiredo esperava permanecer no posto, mas foi frustrado apenas 30 minutos antes do anúncio oficial do nome de Vieira. O ministro da Defesa, Celso Amorim, contava com uma recondução à cadeira de Rio Branco, com as bênçãos de Lula, e não escondeu sua decepção na cerimônia de transmissão do cargo, no dia 2. 

Mauro Vieira, por sua vez, aspirava o posto de Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais desde 2003, que não pretendia continuar no governo no segundo mandato de Dilma. Ao ser chamado a Brasília, no dia 31, deduziu que sua missão seria acompanhar o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, representante de seu governo na posse. Mas foi nomeado chanceler.

A decisão de Dilma, na leitura de um embaixador experiente, revelou sua habilidade para descartar a sugestão do ex-presidente Lula sem desapontá-lo totalmente. Nem ao favorito do líder petista. Vieira é tido em alta conta por ambos.

O chanceler é leal amigo de Amorim há mais de 30 anos. Em 1985, quando foi designado secretário executivo adjunto do Ministério de Ciência e Tecnologia, Vieira resgatou Amorim do ostracismo ao sugerir seu nome ao então ministro da pasta, Renato Archer. Amorim assumiu o posto de secretário de Assuntos Internacionais, no qual se manteve até 1988. Em 2003, ao ser nomeado chanceler pela segunda vez – a primeira fora com Itamar Franco –, Amorim designou Vieira como chefe de gabinete, mesmo depois de ele ter exercido a mesma função com os embaixadores Osmar Chohfi e Luiz Felipe Seixas Corrêa, os últimos secretários-gerais das Relações Exterior do governo FHC.

O ex-chanceler também foi o responsável pela nomeação de Vieira como embaixador em Buenos Aires – decisão avalizada por Lula. Ao ver abortado seu projeto de continuar no posto no primeiro mandato de Dilma, no fim de 2010, Amorim indicou Vieira para Washington. O posto estaria vago com a designação do embaixador Antônio Patriota para o comando do Itamaraty. Na época, a permanência de Vieira na capital americana foi avaliada como temporária. Vieira e Patriota não tinham um convívio fácil. O embaixador, porém, assumiu essa posição estratégica por quatro anos.

Garcia ficou no governo e deverá manter sua influência na formulação de políticas para a América Latina. Mas caberá a Vieira conciliar a sobrevivência do Mercosul à necessidade, destacada por Dilma em seu discurso de posse, de ampliar a inserção comercial do Brasil. Ele dificilmente se chocará com Garcia nessa tarefa. O assessor de Dilma foi uma das autoridades petistas cativadas pelo chanceler: era seu hóspede frequente quando embaixador na Argentina.

Tanto em Brasília como em Buenos Aires e em Washington, Vieira valeu-se do que mais soube fazer ao longo de sua carreira: cativar figuras relevantes para sua atuação e montar uma rede de contatos de primeira qualidade. 

Na capital argentina, tornou-se interlocutor frequente do casal Kirchner e dos governadores de províncias – todas visitadas por ele. Em Washington, teve o mesmo cuidado de explorar os contatos com governadores estaduais e em circular pelo Capitólio. 

Sua atuação nos EUA, porém, foi prejudicada pelo desinteresse da presidente no aprofundamento das relações bilaterais. “O desempenho de Mauro Vieira refletiu a política brasileira sobre os EUA, desinteressada em maior cooperação e em projetos conjuntos”, afirmou Peter Hakim, presidente honorário do Diálogo Interamericano. “É mais fácil ser um Rubens Barbosa no governo de FHC do que um Vieira no governo de Dilma”, completou, referindo-se ao embaixador brasileiro em Washington entre 1999 e 2004, gestão que deu prioridade à política externa.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Os desafios do novo chanceler - Oliver Stuenkel (O Estado de S. Paulo)

 Os desafios do novo chanceler

Por Oliver Stuenkel
O Estado de S. Paulo, 02/01/2023 | 05h00

Com mais de 40 anos de experiência no Itamaraty, Mauro Vieira destoa dos principais nomes a ocuparem o Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos. Ao contrário de José Serra, ele não recebeu a pasta como prêmio de consolação por não ter conseguido o cargo que ambicionava. Diferentemente de Ernesto Araújo, sua função não é usar o Itamaraty para satisfazer segmentos radicalizados da coalizão eleitoral do presidente e causar furor em grupos de Telegram.

A escolha de Lula por um nome técnico e experiente emite um sinal importante: mostra que a prioridade é colocar a política externa de volta ao trilho. Para isso, nomeou um diplomata que já ocupou cargos relevantes da carreira, tendo sido embaixador em Buenos Aires (2004 – 2010) e Washington (2010 – 2015) e representante permanente junto à ONU em Nova York (2016 – 2019). Vieira também foi chanceler do segundo governo Dilma (2015 – 2016), quando tentou equilibrar os pratos do Itamaraty em meio a cortes orçamentários e à falta de interesse da presidente pela pasta.

Quando as nuvens do impeachment começaram a se formar, ele atuou mais como servidor de Estado do que como político. Tentou blindar o ministério contra a crescente polarização e evitou dar grandes declarações públicas de apoio à presidente. Após a deposição de Dilma, fez questão de discursar na cerimônia de transmissão do cargo para José Serra, irritando a base petista, que considerou sua atitude desleal. Em 2018, Ernesto Araújo tentou humilhá-lo com uma remoção para a Croácia – posto considerado pouco relevante e incompatível com o status de um ex-ministro. Em vez de optar pela aposentadoria, Vieira aceitou o cargo sem dar um pio, permanecendo na capital Zagreb até o fim do ano passado.

Agora, seu desafio é liderar a restauração da diplomacia brasileira após o período mais vergonhoso da história do Itamaraty. Convencer o mundo de que o Brasil está de volta ao jogo diplomático deve ser a parte mais fácil da tarefa.

Após quatro anos de caos, os principais atores internacionais estão ansiosos por retomar relações amistosas com o País, e há uma verdadeira fila de presidentes e primeiros-ministros querendo marcar encontros com Lula. Dentro do Itamaraty, o clima também é de alívio pelo retorno da normalidade, e Araújo não parece ter tido sucesso em sua tentativa de doutrinar uma nova geração de diplomatas olavistas.

Mas o desafio de Vieira não se resume a ser melhor do que Araújo. A diplomacia brasileira precisa se adaptar a um contexto internacional bem mais complexo do que aquele do pré-bolsonarismo. No âmbito global, Rússia e China mantêm relações cada vez piores com o Ocidente, e o grande desafio do Brasil será manter laços frutíferos com ambos os lados.

Se até a eleição de Trump o sistema internacional vinha sendo estruturado pelo binômio cooperação e liberalização comercial, hoje o que impera é a competição geopolítica e a desglobalização. Essa dinâmica vem corroendo as bases de estruturas como a ONU, a OMC, o G-20 e o Brics, que eram justamente os palcos onde a diplomacia brasileira costumava brilhar. Foi por meio dessas instituições e de seus fóruns que o País conseguiu feitos como liderar uma complexa missão de paz no Haiti e se colocar como ator-chave nos debates sobre a intervenção militar na Líbia de Kadafi.

No plano regional, as coisas também não estão fáceis. Embora a grande maioria das nações da América do Sul atualmente sejam governadas por líderes de esquerda, esse cenário deve mudar em 2023. Na Argentina, por exemplo, é provável que Alberto Fernández seja desbancado por um opositor de direita – ou de extrema direita – em outubro. Vários outros vizinhos enfrentam um cenário de baixo crescimento econômico e altos níveis de descontentamento popular, que fazem com que as lideranças priorizem sua sobrevivência em vez da cooperação internacional.

Embora a nomeação de Vieira seja uma boa notícia, ela não será capaz de recompor o mundo pré-Bolsonaro, e é ilusório achar que o Brasil facilmente voltará a exercer o papel internacional que desempenhou há uma década. Com um palco mundial em frangalhos e condições internas bem mais incertas do que aquelas dos dois primeiros mandatos de Lula, a tarefa de Vieira é mais árdua do que glamourosa, e inclui restaurar o Itamaraty e formar uma nova geração de diplomatas capaz de reinventar a atuação brasileira no mundo.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Recuperação do Itamaraty pós-Bolsonaro será maior desafio para Mauro Vieira, dizem especialistas - Ana Rosa Alves e André Duchiade (O GLobo)

 Recuperação do Itamaraty pós-Bolsonaro será maior desafio para Mauro Vieira, dizem especialistas

Outras missões que novo chanceler terá incluem a crise venezuelana, as tensões sino-americanas e a reconstrução de laços na América Latina

Por Ana Rosa Alves e André Duchiade 

O Globo, 09/12/2022


O experiente embaixador Mauro Vieira, que voltará para o comando do Ministério de Relações Exteriores a partir de 1º de janeiro, terá como desafio imediato a recuperação de um Itamaraty que perdeu espaço e protagonismo e foi descaracterizado durante os quatro anos em que o presidente Jair Bolsonaro esteve no Palácio do Planalto. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, outros pontos-chave incluirão uma saída negociada para a crise venezuelana, navegar pelas tensões sino-americanas e a reconstrução de laços na América Latina e em organismos multilaterais. 

A nomeação de Vieira, que já havia ocupado a pasta durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, foi confirmada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva nesta sexta-feira. Para o embaixador aposentado Roberto Abdenur, que chefiou a embaixada em Washington durante a primeira passagem de Lula pelo Planalto, a principal missão do novo chanceler é "reconstruir a política externa demolida no governo Bolsonaro, particularmente durante a passagem de Ernesto Araújo pelo Itamaraty": 

— Integro um grupo de embaixadores que se reúne para pensar nos rumos da política externa brasileira. Ele se divide em dois grupos. Alguns acreditam que o Brasil só poderá se recuperar muito em longo prazo. Outros, me incluindo, entendem que o país pode dar a volta por cima muito rapidamente — afirmou ele, dizendo que o Brasil "perdeu completamente a respeitabilidade e a confiança" durante o atual governo e viveu o maior isolamento internacional de sua História. 

Ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa concorda que o desafio central será "restabelecer o papel do Itamaraty como principal formulador e executor" da política externa brasileira. Segundo o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), que classificou Vieira como um dos diplomatas mais bem-sucedidos de sua geração, o novo chanceler terá a "responsabilidade histórica" de manter o Itamaraty acima de interesses ideológicos e partidários" após os últimos quatro anos. 

Atualmente embaixador do Brasil na Croácia, o sucessor de Carlos França já ocupou alguns dos principais postos no exterior, como a embaixada na Argentina, em Washington e a representação do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York. O vasto currículo do "discreto" Vieira, disse Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), faz com que tenha as credenciais necessárias para pôr ordem: 

— O Lula não precisa efetivamente de um chanceler que vá carregar grande simbolismo porque a bandeira é o próprio Lula — disse ele. — Mauro Vieira será um chanceler da porta para dentro, será útil na organização do ministério, da burocracia do Itamaraty, muito desgastado depois dos quatro anos de Bolsonaro e que já vinha em um processo difícil antes — completou, afirmando crer que a missão principal será "reerguer o ministério e elevar o moral da tropa" diplomática. 

Multilaterismo e meio ambiente 

Para o internacionalista da UFMG, a missão central será "reestabelecer o perfil universalista do Brasil nos foros globais" após Bolsonaro "estreitar o horizonte diplomático" ao se relacionar com um leque menor de países e eleger aliados ideologicamente próximos. A professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), Monica Herz, aponta para desafios parecidos: 

— Uma reinserção do Brasil no sistema multilateral e na América Latina, uma recolocação do Brasil no debate sobre a disputa sistêmica entre a China e os Estados Unidos. O país esteve completamente marginalizado nesses processos de negociação, discussão, construção de normas, nestes últimos quatro anos — disse ela, afirmando ver como tarefa fundamental "reativar a energia criativa dentro do Itamaraty” após “quatro anos de adormecimento”. 

A questão climática também volta a ser prioritária para a política externa brasileira a partir do ano que vem, após quatro desastrosos anos para a política ambiental brasileira. Os primeiros indícios vieram com a ida do presidente eleito à COP27, a conferência ambiental da ONU que aconteceu em novembro na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, e com o concorrido pronunciamento que ele fez por lá

— Vieira terá que implementar a decisão do presidente eleito de pôr o meio ambiente e a mudança do clima no centro da política externa. Se ele for bem-sucedido nisso, ele muda a política externa do Itamaraty, que sempre teve comércio exterior, desenvolvimento, investimento como pautas principais — disse Barbosa, que conhece o novo chanceler há quatro décadas. 


América Latina e EUA

Os especialistas chamaram atenção para os desafios na esfera regional, também escanteada nos últimos quatro anos — temas que vão da crise no Haiti à redemocratização da Venezuela, passando pelo fortalecimento de organismos multilaterais, a criação de novas alianças e a reconstrução dos laços com a Argentina. Para Herz, o retorno brasileiro é chave pois é "muito difícil avançar mecanismos de cooperação na região sem a presença brasileira fazendo coordenação". 

Com relação à situação venezuelana, a especialista disse já ver sinais de mudança com o alívio das sanções americanas ao petróleo venezuelano, aproximação que aumentou após a guerra na Ucrânia. Com o aumento do preço do combustível, o produto da Venezuela, dona da maior reserva de petróleo do mundo, tornou-se atraente para Washington. 

— Precisamos negociar a participação da Venezuela para uma participação nos fóruns multilaterais e um regime mais democrático — disse ela. — É uma via de duas mãos: por um lado, podemos contribuir para a redemocratização venezuelana e sua reinserção regional e, se isso acontece, fortalecemos os projetos regionais. Precisamos lembrar que a decadência da Unasul e dos projetos regionais estão claramente associados à impossibilidade dos países acordarem sobre a Venezuela. 

Outra questão-chave, disseram os especialistas, será uma equidistância nas tensões sino-americanas, algo que abre oportunidades para o país recuperar sua credibilidade no exterior. Nas relações bilaterais com Washington, afirmou Belém Lopes, há "uma janela de oportunidade" e boa vontade neste momento, menos de uma semana após a visita do conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, ao Brasil: 

— O Lula era o candidato preferível para Casa Branca diante da extrema direita de Bolsonaro. Apesar de já ter sido visto com desconfiança, não fez nenhuma loucura, não é aventureiro e governou o Brasil de maneira centrista anteriormente — disse ele. — Mas também por razões internas americanas. Seria muito ruim para o Biden que a maior economia latino-americana fosse governada por um líder que gosta de se vender como o Trump dos trópicos. 

 

 

domingo, 27 de março de 2016

25 anos do Mercosul - artigos do Ministro de Estado e de Paulo Roberto de Almeida

Nota em 18/04/2016: Não sei porque, esta postagem, feita logo após o 26 de março, ficou parada nos drafts de meu computador sem que eu percebesse. Liquido agora esta fatura atrasada...
Paulo Roberto de Almeida


Os 25 anos de Mercosul: momento de reconhecer os ganhos
MAURO VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
26/03/2016  02h00

Neste mês, celebram-se os 25 anos da assinatura, pelos Presidentes de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, do Tratado de Assunção, que fundou o Mercosul.

É o momento de fazer um balanço equilibrado, reconhecer os ganhos, responder às críticas e identificar desafios que temos pela frente.

Há 25 anos não eram muitos os empresários e trabalhadores brasileiros que auferiam seus rendimentos primordialmente dos mercados vizinhos.

Com o salto quantitativo e qualitativo do comércio do Brasil com os parceiros (de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 30,3 bilhões em 2015), o Mercosul tornou-se nosso maior mercado para exportações de diversos bens industriais de alto valor agregado, assumindo enorme relevância para muitos setores da indústria brasileira, como o automotivo.

Maior valor agregado significa salários mais altos para o trabalhador e maior faturamento para as empresas. Estima-se que o salário médio em alguns setores que fornecem para mercados vizinhos chegue a ser cinco vezes maior que em setores como o primário exportador, cujos principais destinos estão na Europa e na Ásia.

O Mercosul ajuda a elevar os salários do trabalhador brasileiro. Há 25 anos, um brasileiro que quisesse trabalhar num país vizinho não teria o tempo de trabalho contabilizado para efeito de aposentadoria no Brasil. Hoje tem.

Seus filhos não teriam mecanismos eficientes para o reconhecimento de seus estudos no exterior. Hoje têm.

Um brasileiro que quisesse fazer turismo num país do Mercosul precisaria de passaporte para viajar. Hoje basta a carteira de identidade.

O conjunto de acordos sobre residência, trabalho, seguridade social, integração educacional e turismo do bloco facilita o cotidiano de muitos brasileiros e assenta os alicerces para a integração econômica e para o desenvolvimento de uma cidadania comum na região.

São efeitos concretos, ainda que recebam pouca atenção dos críticos, que acusam o Mercosul de engessar a capacidade de seus membros de concluir acordos comerciais com terceiros países, em função da necessidade de negociar em conjunto.

Se assim fosse, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e outros não teriam desenvolvido uma União Europeia de 28 países, que é recordista em acordos comerciais.

Muitos se queixam, por exemplo, de que o Mercosul ainda não tenha concluído um acordo com a UE. Porém, o Brasil e os vizinhos no Mercosul já têm pronta uma oferta negociadora conjunta <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/12/1721895-mercosul-finaliza-proposta-para-acordo-com-uniao-europeia.shtml> , e estão aguardando que a UE apresente sua proposta para dar início às tratativas. Em outras palavras, o Mercosul nada engessou e já está sentado à mesa de negociações.

As virtudes do bloco como fonte de estabilidade para o Brasil e para a América do Sul como um todo também devem ser louvadas em seus próprios méritos.

Um dos grandes benefícios do Mercosul foi estabelecer, na esteira dos acordos bilaterais entre Brasil e Argentina da segunda metade dos anos 80, um círculo virtuoso de ganhos pela cooperação. O Mercosul ajudou a dissipar antigas e injustificadas rivalidades e enterrar de vez arcaicas hipóteses de conflito.

Por fim, temos o pressuposto de todas as outras conquistas: a democracia.

O Mercosul nasceu, em grande medida, do desejo de superar de vez o autoritarismo e, para além de seus ganhos econômicos, sociais e diplomáticos, será, por muitos e muitos aniversários, um instrumento de preservação e aperfeiçoamento de nossas democracias.

Nada disso implica desconhecer a dimensão das tarefas que temos à frente. Todos reconhecemos os desafios futuros do Mercosul, inclusive no que se refere à sua ampliação e à aproximação com outros blocos, países e regiões —da UE à Aliança do Pacífico, da Índia ao Canadá— que exigirão engajamento de todos os setores do Governo e da sociedade civil.

Mais democracia, mais inclusão social, mais cidadania, maior conhecimento recíproco, maiores facilidades de trânsito, de trabalho e de educação, mais comércio e investimentos: esses são objetivos permanentes do Mercosul. Por isso ele é um pilar fundamental da política externa brasileira.

Como assinalou a Presidenta Dilma Rousseff <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/12/1721684-dilma-sugere-que-mantera-distancia-de-questao-venezuelana-em-reuniao.shtml>  na última Cúpula de Assunção, em dezembro passado, temos pela frente o desafio de continuar aperfeiçoando nosso processo de integração, tendo por base o inestimável patrimônio coletivo construído nas últimas décadas.

É esse quarto de século de realizações que os membros do Mercosul podem hoje celebrar com orgulho.

MAURO VIEIRA é ministro das Relações Exteriores. O chanceler publica simultaneamente artigo sobre o 25º aniversário do Mercosul nos jornais "ABC Color" (Paraguai), "Clarín" (Argentina), "La Razón" (Bolívia), "El Observador" (Uruguai) e "El Universal" (Venezuela) 


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E agora o meu:
“O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Boletim Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais (IRel-UnB; n. 103; 27/03/2016; ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/). 
Mas o quadro final se lê melhor na minha postagem no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/03/o-mercosul-faz-25-anos-uma-biografia.html). 
Paulo Roberto de Almeida