Resumo de trabalho de 28 p. elaborado para participação no 23o Congresso Brasileiro de Direito Internacional:
O Brasil e o Direito Internacional desde Rui Barbosa
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; embaixador aposentado; PhD em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas; membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF.
Palavras-chave: Rui Barbosa; Direito Internacional; Carta da ONU; sanções econômicas; guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia; diplomacia brasileira.
Introdução
O ensaio tem o objetivo de discutir as graves infrações ao Direito Internacional por parte da Rússia, potência agressora contra a vizinha Ucrânia, começando por relembrar os ensinamentos de Rui Barbosa, na conferência feita em Buenos Aires, em 1916, sobre o “direito dos neutros”, e também com base na experiência adquirida na primeira experiência de “segurança coletiva”, a da Liga das Nações. O trabalho examina a postura diplomática do Brasil no tocante à mais relevante questão da atualidade: a guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia, marcando o início do desmantelamento prático do multilateralismo político, depois continuado por Trump em sua dimensão propriamente econômica. As sanções econômicas parciais, introduzidas contra a Rússia por alguns países, de forma unilateral, não têm sido capazes de reduzir o seu ímpeto bélico, que é sustentado pela China e apoiado diplomaticamente pelo atual governo brasileiro.
Fundamentos jurídicos da doutrina diplomática brasileira
Rui Barbosa, na conferência da paz da Haia (1907), defendeu, contra a opinião dos juristas das grandes potências, a “igualdade jurídica dos Estados soberanos”, a sua maior contribuição à formação de uma doutrina para a diplomacia do Brasil, depois convertida em eixo central do multilateralismo contemporâneo. Em 1916, Rui Barbosa se referiu “às violações ao direito dos neutros, cometidas pelos beligerantes” na guerra então em curso na Europa, acrescentando que “todo e qualquer ato dessa natureza constitui uma negação geral dos direitos da neutralidade, e interessa, por conseguinte, a todos os neutros”. Ele sentenciou:
“Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer imparcialidade, e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) Os tribunais, a opinião pública e a consciência não são neutros entre a lei e o crime. [A] neutralidade não pode ser a abstenção, não pode ser a indiferença, não pode ser a insensibilidade, não pode ser o silêncio.” (...) A imparcialidade na justiça, a solidariedade no direito, a comunhão na manutenção das leis escritas pela comunhão: eis aí a nova neutralidade...
Sanções econômicas como arma de guerra
Uma das “armas” de que se dispunha naquele contexto para coibir agressões econômicas era a “arma econômica” das sanções, descritas por Woodrow Wilson no contexto das negociações de paz de Paris, em 1919. Eis o resumo delas no livro de Nicholas Mulder, Economic Weapon:
“That instrument was sanctions, described in 1919 by U.S. president Woodrow Wilson as ‘something more tremendous than war’: the threat was ‘an absolute isolation… that brings a nation to its senses just as suffocation removes from a individual all inclinations to fight… Apply this economic, peaceful, silent, deadly remedy and there will be no need for force. It is a terrible remedy.”
A Liga das Nações estipulou, em seus artigos 16 e 17, as medidas que poderiam ser adotadas em caso de guerra: immediately … the severance of all trade or financial relations, the prohibition of all intercourse between their nationals and the nationals of the covenant-breaking State, and the prevention of all financial, commercial or personal intercourse…
Mas, nem mesmo essas ameaças evitaram atos de agressão das potências fascistas expansionistas (Itália, Alemanha e Japão) contra países mais fracos.
Sanções econômicas, no mundo da ONU, foram utilizadas contra Estados membros, por vezes de maneira unilateral, como dos EUA contra Cuba, contra o Irã e outros países, mas também de forma legal, sancionadas por alguma resolução do CSNU, contra a África do Sul dos tempos do Apartheid, contra o Iraque de Saddam Hussein, antes e depois de sua invasão do Kuwait. Os dispositivos principais estão contidos nos artigos 41 e 42 da Carta, mas sua aplicação depende da aprovação do CSNU, algo difícil de ser obtido quando os interesses de um dos membros permanentes estão em jogo. A razão é que as sanções econômicas são ofensivas por sua própria natureza, impondo restrições aos intercâmbios com a parte agressora. As sanções impostas por membros da ONU contra a Rússia por sua agressão contra a Ucrânia, não autorizadas pelo CSNU, situam-se dentro do espírito e da letra dos artigos da Carta da ONU.
Conclusão: diplomacia brasileira atual se desvia de suas bases doutrinais
Desde 1945, a diplomacia brasileira manteve uma notável adesão às bases conceituais e práticas dos princípios centrais do multilateralismo. O abandono pelo Brasil de sua adesão inviolável aos princípios do Direito Internacional foi extremamente raro. Mas foi no contexto do terceiro governo petista, em 2014, que se assistiu a uma grave violação do Direito Internacional, ao não se ter nenhuma nota, sequer um pronunciamento do governo brasileiro a respeito da invasão ilegal efetuada pelo governo russo, ao sequestrar a península da Crimeia da soberania da Ucrânia. O caso da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 configurou um grave desrespeito, pelo governo Bolsonaro, de normas basilares do Direito Internacional, sendo que o governo Lula 3 deu continuidade a esse desrespeito claro a princípios e normas da Carta da ONU ao apoiar o lado russo. É uma ruptura clara com respeito a padrões já consagrados na diplomacia profissional.
Bibliografia
Barbosa, Rui. Os Conceitos Modernos do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983; organização e notas de Sérgio Pachá.
Baumbach, Marcelo. Sanções do Conselho de Segurança: direito internacional e prática brasileira. Brasília, Funag, 2014.
Christófolo, João Ernesto. Princípios Constitucionais de Relações Internacionais: significado, alcance e aplicação, Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
Mulder, Nicholas. The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool of Modern War. New Haven: Yale University Press, 2022 (Kindle).
Linha de pesquisa: Diplomacia brasileira, Direito Internacional.