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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Antissemitismo, antissionismo: entenda a diferença - Benjamin Moser (O Estado de S. Paulo)

 Antissemitismo: entenda a diferença

Benjamin Moser 
O Estado de S. Paulo, 4/01/2024

 Conheça um pouco sobre a história do conflito entre israelenses e palestinos, cujo novo capítulo de confronto já deixou mortos de ambos os lados  
JERUSALÉM - Em dezembro, em meio a um catastrófico derramamento de sangue em Gaza, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos decidiu que “antissionismo é antissemitismo”. A votação foi de 311 a 14, com 92 membros presentes, refletindo um consenso entre as elites políticas americanas de que a oposição ao sionismo é equivalente ao ódio conspiratório contra os judeus. Se a resolução em si não teve consequências práticas imediatas, o consenso por trás dela teve.

 A votação desigual refletiu o apoio diplomático, militar e ideológico absoluto do governo dos EUA a Israel, uma vez que esse Estado, sob a liderança do governo mais conservador de sua história, estava realizando uma campanha em resposta ao ataque terrorista de 7 de outubro que resultou na morte de dezenas de milhares de palestinos, incluindo crianças. Ao saber dessa votação, muitas pessoas familiarizadas com a história judaica podem ter reprimido um riso sardônico. O antissionismo, afinal, foi uma criação dos judeus, não de seus inimigos.

 Antes da 2ª Guerra Mundial, o sionismo era a questão mais divisiva e debatida com mais intensidade no mundo judaico. O antissionismo tinha variantes de esquerda e variantes de direita, variantes religiosas e variantes seculares, bem como variantes em todos os países onde os judeus residiam. Para qualquer conhecedor dessa história, é surpreendente que, como a resolução quer que seja, a oposição ao sionismo tenha sido equiparada à oposição ao judaísmo - e não apenas ao judaísmo, mas ao ódio aos próprios judeus. Mas essa confusão não tem nada a ver com a história. Em vez disso, ela é política e seu objetivo tem sido desacreditar os oponentes de Israel como racistas. 

 A raça sempre esteve no centro do debate. Muitos antissionistas acreditavam que os judeus eram, em sua linguagem, “uma igreja”. Isso significava que, embora compartilhassem certas crenças, tradições e afinidades com correligionários de outras nações, eles ainda assim pertenciam tão plenamente às suas próprias comunidades nacionais quanto qualquer outra pessoa. Para eles, um judeu americano era um judeu americano, assim como um americano episcopaliano ou um americano católico era, antes de tudo, um americano. 

 Eles não estavam dispostos a aderir a qualquer ideia que sugerisse que os judeus eram uma raça, separada e, como os antissemitas diriam, inassimilável. Essas pessoas não se consideravam exiladas, como os sionistas gostariam que fossem. Elas consideravam que estavam em casa. Eles temiam que a insistência na etnia ou na raça pudesse expô-los às velhas acusações de dupla lealdade, minando as tentativas de alcançar a igualdade. Na verdade, o pensamento antissionista é anterior ao sionismo. 

Ele surge da possibilidade que apareceu pela primeira vez no final do século XVIII. Em 1790, em sua famosa carta aos judeus de Newport, R.I., George Washington declarou que “todos possuem igualmente liberdade de consciência e imunidades de cidadania. Agora não se fala mais em tolerância como se fosse a indulgência de uma classe de pessoas para que outra desfrute do exercício de seus direitos naturais inerentes, pois, felizmente, o governo dos Estados Unidos, que não sanciona o fanatismo nem ajuda a perseguição, exige apenas que aqueles que vivem sob sua proteção se comportem como bons cidadãos”. Apenas alguns anos depois, Napoleão ofereceu aos judeus da França a possibilidade de cidadania plena em um estado secular - e depois levou esse princípio para os vastos territórios que conquistou.

 A abertura dos guetos desencadeou uma explosão de criatividade. Os pensadores judeus começaram a contestar uma ideia preservada nas orações tradicionais: que os judeus retornariam à Palestina, onde, em sua terra ancestral, seriam governados por um descendente da Casa de Davi, restaurariam os sacrifícios sob o sacerdócio dos descendentes de Aarão e adorariam em um templo reconstruído. Muitos pensadores modernizadores rejeitaram essa e muitas outras fórmulas rituais, considerando-as antiquadas e fantasiosas. Em vez de esperar um messias vivo - alguém que traria a ressurreição corporal dos mortos - eles esperavam, em vez disso, uma era messiânica de paz e fraternidade. Isso não estava condicionado à esperança mística de um retorno a Sião.

 Em vez disso, os judeus deveriam trabalhar no aqui e agora do mundo real. Junto com essa ideia, veio o preceito de que os judeus são, nas palavras de um rabino, “cidadãos e filhos fiéis das terras em que nasceram ou foram adotados”. Eles são uma comunidade religiosa, não uma nação”. Embora considerado radical no início, esse preceito acabaria sendo adotado pela maioria dos judeus ocidentais. Continua após a publicidade Essa visão acabaria encontrando sua adesão mais entusiástica nos Estados Unidos. “Este país é nossa Palestina, esta cidade é nossa Jerusalém, esta casa de Deus é nosso Templo”, disse o rabino Gustavus Poznanski de Charleston, Carolina do Sul, em 1841. Um século depois, durante o Holocausto e a 2ª Guerra Mundial, o rabino Samuel Schulman, do Templo Emanu-El, em Nova York, declarou que “A essência do judaísmo reformista para mim é a rejeição do nacionalismo judaico, não necessariamente o consumo de presunto”. 

 Muitos judeus notaram que falar de uma “diáspora”, até mesmo de um “povo judeu”, assemelhava-se às calúnias dos antissemitas, que sustentavam que os judeus eram um “imperium in imperio”, estrangeiros inassimiláveis. Eles notaram, como dificilmente poderiam deixar de notar, que muitos antissemitas eram fervorosamente pró-sionistas: o melhor era se livrar dos judeus. Após a Declaração Balfour de 1917, que prometia uma pátria judaica à pequena minoria de judeus que vivia na Palestina, Lord Montagu, o único judeu no gabinete britânico, observou “A política do governo de Sua Majestade é antissemita em seu resultado e será um ponto de encontro para os antissemitas em todos os países do mundo.” Somente uma catástrofe tão avassaladora como o Holocausto nazista poderia ter encoberto essas divisões. Não importava o que os judeus pensassem de si mesmos, argumentavam os sionistas, os gentios nunca os aceitariam. 


Por mais que se sentissem em casa, por mais lealdade que expressassem, por mais que muitos deles morressem defendendo seu país, eles sempre seriam perseguidos. Não importava se eles se autodenominavam um povo, uma raça ou uma igreja; não importava se eles se consideravam alemães, romenos ou canadenses. O mundo exterior só via judeus. Essa realidade calamitosa provou que os judeus só podiam confiar em si mesmos, que precisavam de sua própria terra, seu próprio exército, seu próprio Estado, que precisava existir na Palestina. 
O Holocausto parecia provar o argumento sionista. Para quase todos os judeus, o surgimento do Estado de Israel, apenas três anos após a derrota de Hitler, parecia ser uma ressurreição milagrosa. As espetaculares vitórias militares de Israel sobre seus inimigos aparentemente muito mais poderosos eram uma garantia de que os judeus nunca mais sofreriam o que haviam sofrido. Para muitos judeus em todo o mundo - até mesmo judeus que nunca haviam pisado em Israel - o orgulho por Israel substituiu a fé que muitos deles haviam perdido. Após a longa noite de exílio - galut - finalmente havia chegado o amanhecer brilhante. 

 No entanto, por trás dessa aparente unanimidade, o sionismo permaneceu controvertido. 
Era controvertido entre certas comunidades religiosas rigorosas, que acreditavam que somente o Messias poderia levar os judeus de volta à Terra Santa e que rejeitavam o que consideravam o materialismo e a impiedade dos colonos sionistas. Foi polêmico entre os socialistas e comunistas, que rejeitavam todas as formas de nacionalismo. Porém, após a fundação do Estado de Israel, o debate tomou um rumo diferente. O cerne da objeção estava entre aqueles horrorizados com o que Israel significava para a população nativa da Palestina. Para essas pessoas, a lição do antissemitismo foi a rejeição de todas as formas de racismo e, especialmente, dos tipos de atrocidades cometidas contra os judeus. Eles ficaram consternados com o fato de outro povo, que não tinha responsabilidade pelos crimes nazistas, ser forçado a pagar por eles. 

E seu compromisso com o universalismo os colocou em conflito com o Estado judeu. Durante décadas, e especialmente devido ao perigo que Israel continuava enfrentando de seus vizinhos, seus argumentos raramente eram ouvidos e muitas vezes ignorados, e eles próprios eram descritos como “odiadores de si mesmos” ou até mesmo como “doentes mentais”. Mesmo os pensadores que continuavam a ver o estabelecimento de Israel como um erro, esperavam que a questão pudesse ser resolvida com uma divisão pacífica. Os acordos de Oslo apontavam para essa possibilidade. Mas o assassinato de Yitzhak Rabin, consequência direta desses acordos, acabou com essa suposição e levou ao poder uma série de governos cada vez mais de direita. Suas políticas tornaram impossível um futuro Estado palestino. Como resultado, o antissionismo, em vez de diminuir, aumentou. 

Nenhum outro Estado no mundo viu seu “direito de existir” ser questionado com tanta frequência. Essa falta de reconhecimento tem sido uma das principais, talvez a principal, preocupação da diplomacia israelense. Às vezes pode ser o resultado da rejeição de pessoas que odeiam os judeus, mas entre os judeus é a rejeição da ideia do sionismo. É uma rejeição da ideia de nacionalismo étnico. É uma rejeição da ideia de cidadania ligada à raça. Israel, muito mais do que qualquer outro país que se define como “ocidental” ou “democrático”, ainda se baseia nessas ideias. E pelo fato de ter se definido cada vez mais, e agora oficialmente, como um Estado judeu, seus defensores frequentemente descrevem seus oponentes como antissemitas. O problema com essa descrição? Muitos dos que compartilham essas convicções são, e sempre foram, judeus. “Não há debate”, disse Jonathan Greenblatt, executivo-chefe da Anti-Defamation League, em dezembro. 

“O antissionismo é baseado em um conceito, a negação de direitos a um povo.” Para as pessoas que não sabem nada sobre um dos debates mais antigos e persistentes da história judaica, isso pode parecer plausível. Qualquer pessoa que saiba só pode admirar a elegância necessária para apresentar como unânime uma questão tão profundamente divisiva - uma questão que, por dois séculos, atingiu o cerne da identidade dos judeus. O debate nunca foi tão intenso como agora. * Benjamin Moser é judeu, e autor de ‘Sontag: Her Life and Work’, pelo qual ganhou o Prêmio Pulitzer de Biografia. Também escreveu ‘Clarice’, premiada biografia da escritora Clarice Lispector. Seu último livro, ‘The Upside-Down World: Meetings with the Dutch Masters’, foi publicado em outubro nos EUA.  

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Argentina de Milei “avança para a liberdade” por meios ditatoriais - O Estado de S. Paulo

 Não deixa de ser uma suprema ironia de que, para “criar” a liberdade dos argentinos, o governo de Milei seja obrigado a usar dos meios repressivos do Estado contra os opositores da “ditadura” que veio para “avançar a liberdade” (PRA)

Pacote de Milei decreta emergência até 2025, muda eleições, endurece segurança e desregula economia 

Texto com 664 artigos foi entregue ao Congresso, acaba com as eleições primárias na Argentina e muda forma de eleger deputados 

O Estado de S. Paulo, 28/12/2023

O presidente da Argentina, Javier Milei, entregou nesta quarta-feira, 27, um amplo pacote de medidas ao Congresso do país. O projeto, denominado “Lei de Bases e Pontos para Liberdade dos Argentinos”, conta com 664 artigos e prevê estado de emergência e mudanças em diversas áreas, incluindo fim das eleições primárias, alterações na forma de eleger deputados, nova forma de financiar partidos políticos, aumento da pena para manifestantes contra o governo e mais desregulação da economia.

 O estado de emergência vale para “temas econômicos, financeiros, fiscais, de seguridade social, segurança, defesa, tarifas, energia, saúde, administrativos e sociais até 31 de dezembro de 2025″, podendo ser prorrogado por até dois anos. Milei já havia declarado emergência na área de energia no último dia 18 de dezembro. O projeto introduz mais limites para passeatas - a ministra da Segurança Pública, Patricia Bullrich, já havia anunciado algumas medidas como forma de conter os protestos realizados no país contra as primeiras decisões do governo Milei. Em Buenos Aires, três grandes manifestações foram realizadas contra o pacote de decretos de desregulação da economia. A última manifestação ocorreu nesta quarta. 

 Entre outras medidas, o pacote também traz os seguintes pontos: Elimina as eleições primárias (conhecidas na Argentina pela sigla PASO) Modifica a forma de eleger deputados Muda o financiamento dos partidos políticos Aumenta pena de prisão para quem participar de atos contra o governo Cria novas regras para reajuste de aposentados Dá poderes ao Executivo para fundir organismos públicos e privatizar empresas estatais Cria um exame para estudantes parecido com o Enem no Brasil Fim das eleições primárias O pacote prevê acabar com as PASO - sigla para “primárias abertas, simultâneas e obrigatórias”. Criadas em 2009 e disputadas desde 2011, essas eleições eram utilizadas para indicar aos partidos quem deveriam ser os candidatos a cargos eletivos nacionais. 

 São obrigatórias para todos os eleitores, e os partidos que desejem ter candidatos também têm que participar. Na argumentação, o governo Milei diz que tenta devolver a liberdade aos partidos de indicarem quem quiserem e poupa aos contribuintes de financiarem uma parte da atividade política que é de interesse privado. Nova forma de eleger deputados O pacote propõe alterar a forma de escolher os deputados. A ideia é adotar voto distrital, a partir de divisões do território feitas com base no Censo argentino de 2022. Um único candidato seria apresentado por distrito, sem suplente. “O sistema eleitoral de lista fechada beneficia apenas aqueles que têm o poder de determinar a composição das listas, em vez de dar poder aos cidadãos. O sistema de eleitorado de membro único visa resolver essa dissociação entre os interesses do político e os interesses do cidadão”, argumenta o texto. 

 O número de deputados eleitos será de um para cada 180 mil habitantes - o número não poderá ser menor do que um para cada 90.000 habitantes. A Câmara argentina tem 257 deputados, e o número deve permanecer o mesmo com a alteração no texto. Financiamento de partidos Segundo o projeto, a ideia da mudança no financiamento dos partidos é dar transparência e melhorar a igualdade de condições, eliminando a vantagem de quem está no controle do Estado. Entre as medidas, está a criação de uma plataforma da Justiça Eleitoral para que os partidos declarem quem realizou doações. 

 Outra é a utilização de uma única conta bancária da agremiação por distrito; os órgãos nacionais dos partidos deverão ter uma conta única em seu distrito de fundação, e todas as contas deverão ser registradas no Ministério do Interior e no juizado federal do distrito correspondente. Também será criada uma unidade monetária denominada de “módulo eleitoral” para determinar o limite de gastos autorizado por lei. O valor do módulo será definido anualmente no Orçamento. Para o cálculo e alocação dos recursos nas campanhas eleitorais e no Fundo Partidário Permanente, será utilizado 50% do valor do módulo eleitoral. Prisão para quem participa de manifestações contra o governo Em questões criminais, a lei introduz várias mudanças. Por um lado, ela aumenta a pena por participar de um piquete para até 3 anos e 6 meses de prisão, e para até 4 anos se houver danos. 

 Enquanto isso, para os líderes de piquetes que, forçarem terceiros a participar sob a ameaça de lhes retirarem os subsídios, a pena pode ser de até seis anos. O artigo 333 da lei também estipula que as manifestações devem ser notificadas “ao Ministério de Segurança da Nação com pelo menos 48 horas de antecedência”. Por outro lado, em um aceno às forças de segurança, a lei agrava as penalidades para o crime de resistência à autoridade e amplia a figura da legítima defesa. Flexibilização da economia No pacote, o governo Milei tenta blindar o megadecreto de desregulação da economia publicado na última semana.

 A intenção é evitar que as regras sejam contestadas no Congresso ou na Justiça. No artigo 654, o projeto apresentado nesta quarta prevê que o decreto seja ratificado, o que evitaria outras mudanças no Congresso e barraria as ações judiciais - até o momento, ao menos cinco já foram apresentadas. O megadecreto prevê medidas para desregular a economia, modifica a lei dos aluguéis e abre caminho para privatizar todas as empresas públicas. Reajustes de aposentados 

O projeto permite ao poder executivo estabelecer uma fórmula para reajustar as aposentadorias e pensões e conceder “aumentos periódicos discricionários, dando prioridade aos beneficiários de menor renda”. Assim, o sistema atual, de “mobilidade” das aposentadorias, seria encerrado - nos governos anteriores, de Mauricio Macri e Alberto Fernández, os reajustes ficaram abaixo da inflação. No entanto, o texto não define qual seria essa nova fórmula para os reajustes, em qual periodicidade ocorreriam, nem um prazo para que o governo a estabeleça. Ela não precisaria ser aprovada pelo Congresso. 

 Fusões e privatizações de entidades públicas No texto, o governo se dá o poder de “centralizar, fundir, transformar o status legal, reorganizar, dissolver ou suprimir, total ou parcialmente, órgãos e entidades descentralizados criados por lei”. Ou seja, permite juntar órgãos e empresas estatais caso considere que isso possa levar a uma maior economia ou racionalização na prestação de serviços. No decreto da última semana, o governo Milei já havia facilitado o caminho para realizar a privatização das empresas públicas argentinas. Educação: um teste como o Enem Uma das reformas propostas consiste em estabelecer um exame obrigatório para todos os alunos que concluem o ensino médio. Seria algo semelhante ao Enem no Brasil.  

https://www.estadao.com.br/internacional/milei-pacote-congresso-argentina-desregulacao-economia 


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Com Lula, Brasil gasta como um milionário, apesar de ter renda de classe média - José Fucs (OESP)


Com Lula, Brasil gasta como um milionário, apesar de ter renda de classe média

Presidente volta a ignorar que caixa do Tesouro é um só e insiste em fórmula heterodoxa para contabilizar despesas do governo e maquiar rombo colossal nas contas públicas

 

Coluna José Fucs

O Estado de S. Paulo, 11/12/2023

Depois de uma “pausa tática”, destinada a acalmar temporariamente a turba indignada com suas declarações contra o equilíbrio fiscal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a ladainha que opõe “gasto” e “investimento” do governo.

Para Lula, não apenas as despesas com obras de infraestrutura deveriam ser enquadradas como “investimento”, mas também as realizadas com educação, saúde e até com benefícios sociais. Mais que isso, ele defende a ideia de que tudo que for considerado “investimento” deve ficar fora do resultado primário das contas públicas, que reflete o saldo das receitas e despesas governamentais em cada exercício, sem contar os juros da dívida pública, como se isso resolvesse o problema da limitação dos recursos orçamentários.

“Quando você vai fazer o Orçamento, sempre aparece alguém para dizer que está gastando demais”, pontificou Lula, em evento realizado no Rio de Janeiro na semana passada, repetindo o velho discurso, depois de dar alguns dias de folga aos brasileiros em relação ao assunto. “O Brasil sempre tratou investimento em educação como gasto. Cortar na educação é mexer na qualidade. Quando se corta em saúde, é menos médico”, acrescentou.

Como se não soubesse que o caixa do Tesouro é um só, Lula parece propagar essa narrativa pedestre, que só convence os incautos, como estratégia para justificar a gastança do governo e o rombo colossal que está provocando nas contas públicas, sem que ele seja responsabilizado pela situação , como prevê a legislação em vigor.

Na verdade, a maneira de contabilizar as despesas formalmente não faz muita diferença. Também não muda muito o resultado final se o governo recorrer à “contabilidade criativa” para maquiar o déficit fiscal e mostrar uma fotografia distorcida da realidade. De um jeito ou de outro, independentemente de o dinheiro ser usado para custeio ou para investimento, a parcela que exceder a arrecadação vai turbinar a dívida pública. Mais dia, menos dia, é lá que a farra vai acabar, qualquer que seja o artifício contábil adotado para “dourar” os gastos.

Além disso, para financiar a gastança, o Tesouro terá de emitir títulos públicos ou simplesmente imprimir dinheiro, drenando poupança da sociedade que deveria ser destinada à iniciativa privada. Ao injetar na economia recursos que estão que estão além de suas possibilidades, o governo também contribui de forma decisiva para aumentar a inflação e, por tabela, manter os juros na estratosfera, com efeitos perversos para os cidadãos e para as empresas, como já aconteceu em outras administrações do PT e como está acontecendo agora.

Só em 2023, a previsão oficial é de que o rombo fiscal chegue a R$ 177 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto). Somando os gastos com juros da dívida pública, o déficit no ano deve chegar a 7,9% do PIB, um resultado inferior apenas ao registrado em 2020, no auge da pandemia, e em 2015, quando o processo de impeachment de Dilma, ancorado nas chamadas “pedaladas fiscais”, já estava em andamento.

No curto prazo, isso pode até alavancar o crescimento do País, como disse a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em encontro eleitoral realizado pela legenda no fim de semana, e dar maior sensação de bem estar à população. Mas, no médio e no longo prazos, produz resultados catastróficos, como aconteceu com Dilma. Lula, porém, não se mostra muito preocupado com o saldo deixado pela política do “gasto é vida”, que marcou a gestão de sua pupila e levou o País à maior recessão da história em 2015 e 2016, com uma queda de quase 8% no PIB, e está “dobrando a aposta”.

Não é preciso ser um financista com PhD em Chicago para entender que o gasto sem lastro é insustentável

Todas as nações que seguiram por esse caminho se deram mal. Foi assim com a Grécia, na década passada, cujo governo gastou como se não houvesse amanhã, achando que poderia oferecer à população um nível de vida escandinavo sem ter condições para tanto, e foi assim também com a Argentina, que agora terá de pagar o preço de um ajuste penoso em suas contas, aqui no nosso quintal, para sair do coma e voltar a respirar sem aparelhos.

Não é preciso ser um financista com PhD na Universidade de Chicago para entender que essa gastança sem lastro é insustentável. Qualquer brasileiro sabe que, se fizer a mesma coisa que Lula está fazendo com as contas públicas do País, vai quebrar rapidinho. Por um tempo, é possível até ficar pendurado no cheque especial, pagando juros estratosféricos e vendo a dívida crescer em progressão geométrica. Agora, se a gente gastar mais do que ganha o tempo todo, querendo levar uma vida de ostentação que não tem como bancar, vai chegar uma hora em que a realidade vai se impor. A gente vai se tornar inadimplente, entrar no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), sofrer processos judiciais, perder bens e ficar sem crédito na praça.

Qualquer um que zele pelo seu nome sabe que não dá para viver como um milionário, sem medo de ser feliz, tendo uma renda de classe média. Não dá para comprar um SUV da BMW ou da Mercedes, se o orçamento só tem folga para a compra de um carro menos vistoso e mais acessível. Não dá também para colocar nossos filhos numa escola bilíngue em tempo integral ou buscar hospitais de excelência para a família, se a gente só tem condições de matriculá-los numa escola pública e de ser atendido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou por um hospital privado mais modesto. Tampouco dá para viajar em primeira classe ou executiva e se hospedar em hotéis cinco estrelas, em vez de se apertar na econômica e ficar em pousadas mais populares, se o luxo não couber no nosso bolso.

Lula, o PT e seus aliados não gostam de comparar a gestão das contas públicas com a gestão das finanças pessoais. Sempre que tal comparação vem à tona, eles costumam argumentar que as duas coisas não são comparáveis, porque o governo tem a prerrogativa de colocar a guitarra (máquina de imprimir dinheiro) para funcionar. É inevitável, no entanto, fazer um paralelo entre a administração das finanças pessoais e o que está acontecendo no Brasil de Lula e do PT.

Como mostra a história, não há atalhos para a prosperidade. Não adianta querer socializar a miséria. Nem achar que o Estado é um saco sem fundo. Os recursos são limitados e ainda não inventaram uma forma de multiplicá-los num passe de mágica. Só o trabalho duro, ano após ano, é capaz de produzir riqueza e garantir a melhoria geral das condições de vida da população, se houver comedimento nos gastos.

Gastar de forma irresponsável, acreditando que é possível superar as restrições do Orçamento mudando o enquadramento das despesas, para dar a ilusão de que as contas não estão no vermelho, com quer Lula, só vai agravar o problema. A fatura, como sempre, vai ficar para todos nós.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Baixa adesão em plebiscito deixa Maduro em desconforto - O Estado de S. Paulo

 Baixa adesão em plebiscito deixa Maduro em desconforto: ‘Ele perdeu base de apoio’, diz analista Controvérsias sobre participação na votação indica que apoio ao ditador pode ser baixo apesar de artimanhas para demonstrar força popular 


 O plebiscito deste domingo, 3, na Venezuela, sobre a anexação do Essequibo — território da Guiana contestado por Caracas desde o século 19 — evidenciou a dificuldade da ditadura Nicolás Maduro em mobilizar a base chavista. 

 O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou depois de um atraso de quase 24 horas uma participação de 50%, sem explicar se esses números correspondem ao número de eleitores ou de votos dados a cada uma das cinco perguntas do plebiscito. À confusão e à demora no anúncio da participação na votação, se somam indícios de que a adesão foi, na realidade, muito mais baixa. Registros de mídias digitais independentes, imagens realizadas por eleitores em todo o país e até boletins nas televisões estatais refletiram outra cara da votação: centros de votação vazios, ruas silenciosas e pouca mobilização. Participação em xeque 

Nas últimas votações do país, boicotadas pela maior parte da oposição, a participação foi de 46% na última eleição presidencial, em 2018, quando Maduro se reelegeu mediante acusações de fraude e de 30% na disputa para a a Assembleia Nacional em 2020, durante a pandemia. 

 A votação da primária opositora, realizada em outubro e que não contou com o apoio do CNE, teve 2,3 milhões de votos, pouco mais de 10% do que seria o total de eleitores aptos a votar. Para Maduro, era importante mostrar uma mobilização maior. “Há um contraste entre uma cifra que pressupõe muita gente nas ruas do país e as imagens que publicaram-se depois”, disse ao Estadão a analista política venezuelana e especialista em assuntos eleitorais Eglée González-Lobato. 

 Em meio a retórica belicosa e nacionalista, Maduro usou o plebiscito para medir a adesão da base chavista à ditadura. No poder há 10 anos, o chavista tem usado diversos meios para fraudar o sistema eleitoral venezuelano, da inabilitação de opositores à cassação de mandatos, passando pela vinculação de distribuição de auxílio à população mais pobre a votos no regime. Promessa de eleições livres As eleições de 2024 ocorrerão num contexto ligeiramente distinto, já que Maduro comprometeu-se com os EUA a realizar eleições livres em troca do alívio de sanções. 

Ainda há muito ceticismo entre analistas venezuelanos sobre o compromisso do ditador, já que Maria Corina Machado, escolhida pela oposição para desafiá-lo não está autorizada no momento a participar da disputa. De todo modo, diante da mobilização opositora nas primárias, que foram invalidadas pelo regime, Maduro se viu diante da necessidade de dar uma resposta política à coesão dos rivais. Segundo o cientista político venezuelano Jesús Castellanos Vásquez, as falhas na mobilização e no controle social implementados pelo chavismo para a votação do domingo colocam Maduro é uma posição desconfortável. lo? 

“[Maduro] sabe que pode contar com as instituições estatais, incluindo a administração eleitoral e o TSJ, mas ontem ficou claro que ele perdeu uma parte importante de sua base de apoio”, disse Castellanos em entrevista ao Estadão. “O principal objetivo do regime de Maduro é preparar as condições para a eleição presidencial de 2024, seja tentando se reconectar com sua base, o que parece complicado pelos níveis de frustração e insatisfação, e/ou fechando ainda mais as possibilidades de participação da oposição democrática.” 

 De acordo com Eglée González-Lobato, o resultado do plebiscito aumenta o descontento dentro do chavismo com a figura de Maduro, em um período complexo pré-eleitoral no qual ambos lados querem de alguma forma a mudança. Para ela, o plebiscito buscava ser um teste para a adesão ao chavismo, sem concorrência e sem representação da oposição, e mesmo assim acabou tendo um resultado bastante modesto. “Como realizar uma campanha de sucesso, tentando sair do beco sem saída em que se encontra, representando mais do mesmo?”, questionou. Batalha pela eleição de 2024 Segundo Castellanos, a oposição terá uma tarefa titânica, pois as condições eleitorais podem se tornar ainda mais limitadas com o aumento da repressão do governo a figuras importantes para o processo, mas a votação também indica que Maduro não é unânime dentro do regime. “Esse plebiscito é uma demonstração não apenas do apoio que existe à figura do Maria Corina Machado como uma possibilidade de mudança, mas também da dissociação do regime de Maduro”, disse. 

 Já Eglée González Lobato acredita que o plebiscito abre caminho para uma pressão política interna e externa para que Maduro organize de fato uma transição. “Há que se criar um caminho para gerar a confiança para começar a falar de condições políticas para debater se a eleição de 2024″, disse. A especialista acredita que isso implicaria no “avanço na transição justa, que poderia inclusive significar um compartilhamento do poder com alguns membros ou grupos da oposição moderada” para encontrar uma saída comum para a sociedade venezuelana.  


A ameaça venezuelana - Editorial, O Estado de S. Paulo

A ameaça venezuelana

Editorial, O Estado de S. Paulo (05/12/2023)

Lula deveria usar sua proximidade com Nicolás Maduro para convencê-lo a não agredir a Guiana

Regimes ditatoriais são ávidos em explorar paixões nacionalistas como meio de sobreviver, em especial quando desafiados pelos desastres que engendraram. Não é diferente na Venezuela de Nicolás Maduro. Ao iniciar a construção de uma segunda base militar na fronteira leste e conduzir, no último domingo, a farsa de um plebiscito sobre a anexação de 70% do território da Guiana, o autocrata bolivariano deslanchou a primeira ameaça bélica na América do Sul desde 1991. Do episódio, salta à vista a inação do Brasil. Em vez de advertir claramente o vizinho sobre os riscos de uma aventura regional desestabilizadora, o presidente Lula da Silva limitou-se a dizer que a América Latina “não precisa de confusão”.

Não se trata de “confusão”, e sim de ameaça explícita de agressão à Guiana por parte da Venezuela, que inventou uma consulta popular obviamente fajuta para revestir de legitimidade sua reivindicação territorial. Como já fez no caso do ataque injustificado da Rússia contra a Ucrânia, Lula da Silva tratou a ameaçadora Venezuela e a ameaçada Guiana como se fossem igualmente responsáveis pela “confusão”. Segundo o presidente brasileiro, é preciso que “o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana”. Ora, só há falta de bom senso de um lado, o da Venezuela do “companheiro” Nicolás Maduro.

Não há dúvidas sobre as más intenções do ditador venezuelano, que aceitou a realização de uma eleição presidencial aberta e monitorada em 2024 em troca da suspensão temporária de sanções pelos Estados Unidos. Nada indica que cumprirá esse acordo, celebrado em Barbados em outubro passado, dadas as travas de seu regime às candidaturas da oposição.

Nessa lógica, insuflar o nacionalismo, ao resgatar uma causa apoiada também por alguns de seus detratores, parece uma jogada característica de quem precisa recuperar a popularidade em meio à crise generalizada no país.

A Venezuela reivindica há dois séculos a soberania sobre Essequibo, uma faixa de 160 quilômetros quadrados no oeste da Guiana. Desdenha de arbitragens e acordos anteriores e, agora, de recentes orientações da Corte Internacional de Justiça. Não se pode abstrair o fato de a controvérsia ter sido pinçada por Maduro quando a Guiana se vê catapultada economicamente pela exploração petrolífera na região em disputa – e desguarnecida de força de defesa. Tampouco é possível ignorar o fato de o Brasil estar, literalmente, no meio do vespeiro. Porta de fuga de venezuelanos desesperançados, Roraima faz fronteira com ambos os países.

A circunstância geográfica, por si só, exige do Brasil uma posição neutra, equilibrada e ativa na busca de uma solução diplomática. Lula da Silva deveria usar sua condição de “companheiro” de Maduro para convencê-lo a desarmar os ânimos. A cada dia de imobilismo e de miopia diante dos arroubos de Maduro, porém, a Guiana se verá empurrada a buscar proteção militar nos EUA. A escalada é preocupante e requer do Estado brasileiro o dever estratégico nacional e regional de levar a Venezuela a manter a paz, o maior capital geopolítico da América do Sul.

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Grato a Augusto de Franco pela transcrição.


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

COP-28: o que esperar do Brasil na Cúpula do Clima? - Paula Ferreira O Estado de S. Paulo

 COP-28: o que esperar do Brasil na Cúpula do Clima?

Paula Ferreira

O Estado de S. Paulo, 1/12/2023

 

Queda do desmate na Amazônia será argumento para obter dinheiro de nações ricas e liderar grupo de países florestais, mas hesitação sobre exploração petrolífera atrai desconfiança O Brasil chega à Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28) em Dubai com o objetivo de ganhar protagonismo na agenda ambiental, em um ano simbólico na piora do aquecimento global. 

 

Segundo a ONU, já é possível dizer que 2023 foi o ano mais quente já registrado - pelo menos até agora. O planeta assistiu nos últimos meses a uma série de eventos climáticos extremos - como incêndios na Europa e no Havaí, ciclones no Sul e seca recorde no Amazonas -, agravados pelo El Niño. O governo federal defenderá metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases estufa e irá atrás de dinheiro para proteção florestal.

 

 As últimas conferências climáticas acumularam tentativas frustradas de ampliar a ajuda financeira das nações desenvolvidas a países pobres, mas o anúncio de um acordo seguido de doações para um fundo de desastres ambientais, anunciado nessa quinta-feira, 30, renovou esperanças para este ano. Além disso, a delegação brasileira levará números positivos no combate ao desmatamento da Amazônia e um plano com foco na economia verde. Isso somado ao esforço de mostrar o compromisso sustentável do nosso agronegócio, um dos principais motores do nosso PIB. Por outro lado, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá de driblar questionamentos sobre os planos de explorar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Amazonas e a crescente pressão sobre o Cerrado, onde o governo não tem conseguido frear o desmate. 

 

Missão 1,5º C 

O Acordo de Paris, de 2015, prevê manter a alta da temperatura média global abaixo de 2ºC (preferencialmente até 1,5ºC) ante os níveis pré-industriais. Para isso, os países signatários assumiram metas de reduzir emissões de gases de efeito estufa. Nesta COP, será apresentado o Balanço Global do Acordo para mostrar o que foi feito e preparar o cenário para a COP-30, que será realizada em 2025 em Belém, quando os governos deverão apresentar novas metas. O Brasil vai defender metas mais ousados, de modo a não superar o teto de 1,5ºC. “O Acordo de Paris não está dando conta da tarefa” disse ao Estadão a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni. “O Brasil chega de cabeça em pé. Se vamos liderar pelo exemplo, temos mais moral para cobrar dos outros.” 

 

Fundo de proteção florestal 

Uma das principais apostas da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é propor um novo modelo de financiamento global para quem preservar suas florestas. A proposta é que os países florestais sejam pagos por hectare de bioma preservado e pode beneficiar 80 nações com florestas, como Brasil, Colômbia, Indonésia e Congo. A ideia é que seja diferente do Fundo Amazônia e seja gerido por uma instituição financeira multilateral. Os países ricos têm resistido a ampliar mecanismos de repasses de verbas a nações pobres, tema que emperrou as negociações nos últimos encontros. Na abertura desta cúpula, porém, houve uma sinalização positiva. Um grupo de nações ricas anunciou nesta quarta, 30, a destinação de mais de US$ 400 milhões (quase R$ 2 bilhões) para colocar em operação o fundo climático de perdas e danos, que vai financiar medidas de adaptação dos países mais pobres ao aquecimento global.

 O consenso logo na largada é “inédito na história das COPs”, segundo o negociador-chefe do Itamaraty, o embaixador André Corrêa do Lago. Desmate cai na Amazônia, mas fogo preocupa A taxa de desmatamento da Amazônia teve queda de 22% em um ano, após um período de escalada da devastação da floresta na gestão Jair Bolsonaro (PL). Para especialistas, a retomada do plano de combate aos crimes ambientais adotado na 1.ª gestão Lula e o aumento da fiscalização ajudaram nesse resultado. Daqui para frente, porém, o desafio é bem mais complexo. Será preciso enfrentar uma rede de crimes ambientais em que já foram mapeadas 22 facções criminosas, entre elas o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. Além disso, a estiagem histórica seguida por um número recorde de incêndios no Amazonas expõe falhas no planejamento do governo na resposta aos eventos climáticos extremos. A própria gestão Lula admitiu que o número de brigadistas era insuficiente para dar conta do problema, agravado pelo El Niño, cujos efeitos graves eram alertados pelos cientistas desde o começo do ano. 

 

Não é só floresta 

Mas não é só a Amazônia que demanda atenção. O avanço da destruição no Cerrado, por exemplo, ameaça o equilíbrio hidrológico do País e a sustentabilidade do agronegócio, o principal motor da economia na última década. “Não dá para deixar só a Amazônia cumprir meta em nome do Brasil”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, voltada para a ação climática. O Cerrado é essencial para o equilíbrio hidrológico e para a agropecuária, que tem na região alguns dos seus principais negócios, como gado e soja. Na Amazônia, quase toda a destruição é ilegal e grande parte se concentra em áreas federais, como reservas indígenas e unidades de conservação. 

Já no Cerrado, há significativa perda em propriedade privadas e com aval de autoridades locais, o que torna a estratégia antidesmate mais complexa. O avanço dos desequilíbrios ambientais também evidencia a fragilidade de outros biomas. O Pantanal, por exemplo, ainda se recupera do número recorde de queimadas em 2020 e viu, em novembro, uma onda de incêndios que voltou a destruir refúgios de onças-pintadas. Após apresentar planos de combate ao desmatamento para a Amazônia e o Cerrado, o governo promete documentos similares para a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas até o 1º semestre do ano que vem. 

 

Exploração de petróleo 

A oscilação de Lula sobre os planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas põe em risco suas pretensões de se firmar como uma liderança climática. O projeto divide o governo internamente. A área ambiental resiste em conceder licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende fazer o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente minimiza a controvérsia. “É uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas”, afirmou o petista, em setembro. A Margem Equatorial não está na floresta, mas se estende por mais de 2,2 quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Naquela região, a Guiana também espera lucrar com a exploração de petróleo. 

Na Cúpula de Belém, em junho, o governo recursou a proposta do presidente colombiano, Gustavo Petro, de incluir no documento assinado pelas nações amazônicas o compromisso de não abrir novas frentes de exploração de combustíveis fósseis na região. “É uma posição importante que o Brasil terá de encarar, porque ninguém é líder global da agenda, ou se coloca como guardião do 1,5ºC falando só de desmatamento. É preciso posição firme para o mundo inteiro e dar exemplo em casa” , afirma o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. 

 

Plano de transição ecológica 

Capitaneado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Plano de Transição Ecológica, que pretende impulsionar o Brasil na disputa por espaços na economia verde. Haverá seis eixos: finanças sustentáveis, economia circular, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética e adaptação à mudança do clima. Entre outros pontos, a proposta de Haddad é criar linhas de crédito voltada para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e a criação de um mercado regulado de carbono. 

O plano será apresentado nesta sexta-feira, 1º, durante a Conferência do Clima. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também vai lançar cinco editais do programa Mais Inovação Brasil, em um total de R$ 20,85 bilhões, com foco nas áreas do plano de Haddad.

 

https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/cop-28-o-que-esperar-do-brasil-na-cupula-do-clima/

 

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Venezuela-Guiana: GRAVE CRISE REGIONAL - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Venezuela-Guiana


GRAVE CRISE REGIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/11/2023

No próximo domingo, será realizado referendum, convocado pelo governo da Venezuela sobre a incorporação de 74% do território da Guiana. Com previsível resultado favorável para criar a província do Esequibo, a decisão estimulou uma crise externa para mostrar a força do governo, abalada com o apoio maciço da população `a previa de oposição para a escolha do candidato contra Maduro nas eleições presidenciais de 2024. Maduro, que está sob pressão internacional para participar de eleições livres, reiterou seu interesse no diálogo e no respeito do direito histórico do povo venezuelano, enquanto o governo de Georgtown reafirmou que a área contestada pertence a Guiana por herança e séculos de luta e que Caracas quer rejeitar a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e antecipar um julgamento futuro, minando a autoridade da CIJ.
Ao contrário das fronteiras entre as possessões espanholas e portuguesas, definidas nos Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), os limites entre espanhóis e holandeses no Norte da América do Sul permaneceram indefinidos, situação que herdaram Venezuela e Grã-Bretanha. Durante o século XIX e XX continuou a disputa com gestões junto a Londres e Washington, negociações e juízos arbitrais. Mais recentemente, a partir de 2015, a ONU passou a tratar dessa questão e em 2018 a Guiana pediu para a CIJ declarar a validade do Acordo Arbitral de 1899, cujo laudo favoreceu a Guiana, definindo uma linha que incluiu território brasileiro, objeto de decisão do Rei da Itália, contestado pelo Brasil. Por isso, a Venezuela decidiu rejeitar a competência da CIJ. Em 2020, a CIJ declarou-se competente para tratar da questão. A decisão da Corte ainda pendente, ganha importância pela convocação do referido referendum.
A antiga controvérsia entre a Venezuela e a Guiana é hoje, a maior ameaça a estabilidade regional. A ameaça `a integridade territorial da Guiana introduz um elemento de incerteza nos países anglófonos do Caribe, na Colômbia, em razão da controvérsia entre os dois países para a definição de limites na região do Golfo da Venezuela, e com os EUA, em atrito com Caracas nos últimos 40 anos e com quem Maduro acaba de negociar um acordo para a suspensão das sanções econômicas, com a promessa de transparência das eleições presidências de 2024. A questão pode desestabilizar região sensível para a segurança brasileira em termos de atividades ilegais, como narcotráfico, tráfico de armas e imigração. Para a Guiana é uma questão existencial, pois significaria a perda de cerca de 2/3 de seu território e de área importante de zona marítima adjacente, onde vivem cerca de 300 mil habitantes, do total de um país que tem 800 mil habitantes. É a região mais rica em minérios, inclusive ouro, recursos florestais, agricultura, pesca e potencialmente muito promissora quanto a petróleo e gás. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, em encontro como o presidente Lula, em Brasília, no início do mês, solicitou ao Brasil que faça gestões junto a Maduro para impedir a invasão.
É do interesse de todos os países da região, sobretudo do Brasil, que a controvérsia continue a ser discutida no âmbito político e jurídico. O Brasil tem fronteira com os dois países, que historicamente são consideradas legitimamente definidas e demarcadas. O governo Lula normalizou as relações com a Venezuela, com a designação de embaixadora para Caracas, e mantém igualmente relação próxima com a Guiana. Com ambos os países será importante continuar a tratar de temas de interesse comuns, como imigração, repressão a delitos transnacionais, meio ambiente, integração física e energética. Ao Brasil não interessa, por razões históricas e diplomáticas, que se abra uma nova etapa de revisionismo fronteiriço na América do Sul. A segurança jurídica derivada pela aplicação dos tratados e decisões arbitrais é parte da consolidação de um ambiente de paz e entendimento na região, `as voltas com problemas econômicos e social.
No governo Lula, a América do Sul é uma das prioridades da política externa. Por diferentes razões, o Brasil pode e deve exercer uma influência moderadora e construtiva junto aos dois países para que encaminhem soluções que não perturbem a ordem regional. Por meio de sua diplomacia, o Brasil está atuando para uma solução pacífica na disputa pela área de Esequibo. Defendendo uma solução negociada para a controvérsia, o Itamaraty está reiterando o compromisso de todos com a consolidação de uma Zona de Paz e Cooperação entre os Estados americanos. O assunto, neste mês, foi tratado na reunião de Ministros do Exterior e da Defesa da América do Sul, em gestões da Chancelaria junto aos dois governos, e aos demais países da região, em especial a Colômbia, e na visita do Assessor Internacional de Lula a Caracas.
Na prática, dificilmente a Venezuela poderá incorporar pela força parte do território vizinho da Guiana. Os EUA enviaram missão a Georgetown na semana passada. Uma improvável invasão da Guiana teria implicações geopolíticas graves. Os EUA se envolveriam e poderiam instalar uma base militar na Amazônia, em apoio `as empresas americanas que exploram petróleo offshore na Guiana.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Os EUA e a questão palestina - Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo

Os EUA e a questão palestina

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 14/11/2023


Desde a decisão da ONU em 1947, pela criação dos estados de Israel e da Palestina  até a crise atual, uma retrospectiva objetiva da política externa americana em relação às crises no Oriente Médio mostra que, ao ignorar as violações do direito internacional - ocupação do território palestino, assentamentos ilegais na Cisjordânia, isolamento da Faixa de Gaza, tentativa de anexar o que resta da Palestina e outras considerações geopolíticas - Washington não contribuiu nem para o encaminhamento de decisões para garantir a segurança de Israel, nem para a busca da paz pela desocupação do território palestino e a criação do segundo Estado definido na partilha. Agora, pela primeira vez, de forma pública e privada os EUA estão insistindo fortemente numa solução política. Os entendimentos em 1978 (Camp Davies) e 1983 (Oslo) estavam na direção correta, mas a política dos dois Estados não contou com o apoio decisivo de Washington.

Embora isolado no “inabalável” apoio político, econômico e militar a Israel, os EUA aparentemente estão chegando ao limite de tolerância em relação à ação militar contra o Hamas, em função do dano colateral contra a população civil. Na linha enunciada pelo presidente Biden, o Assessor de Segurança Nacional do EUA, Jack Sullivan, admitiu candidamente gestões privadas de Washington junto ao Primeiro-Ministro Netanyahu em cinco questões cruciais: cautela na invasão terrestre, proteção da população civil, negociação, via Catar, para liberação dos reféns em mãos do Hamas, assentamentos ilegais de colonos israelitas na Cisjordânia e a criação do Estado Palestino. Sullivan deixou implícito na entrevista que o Primeiro-Ministro israelense não estava dando atenção às gestões dos EUA. Confirmando isso, Netanyahu em entrevista pública, disse que não iria autorizar o cessar fogo, apesar de toda a pressão humanitária. No final da semana passada, o secretario de Estado Antony Blinken voltou pela terceira vez a Israel para convencer o governo de Netanyahu a minimizar o risco da população civil e a concordar com uma pausa humanitária para aliviar a pressão da opinião publica contra a escalada militar de Israel. Visivelmente constrangido, nada pode anunciar e teve de ouvir das autoridades israelenses que só haveria uma pausa humanitária se o Hamas liberasse previamente todos os reféns. Israel anunciou que terá responsabilidade sobre a segurança em Gaza no pós-guerra, enquanto os EUA dizem que os palestinos deverão retomar o controle sobre a região.

A evolução da crise em Gaza, com a possível escalda das operações militares ampliando o conflito para toda a região não pode ser descartada. As manifestações de força dos EUA, de caráter dissuasório, para impedir ataque a Israel por outros grupos radicais de influência do Irã e de outros países, funcionaram. Os pronunciamentos do líder do Hezbollah e dos presidentes dos países do Oriente Médio, reunidos na Arabia Saudita, foram o reconhecimento explícito disso, ao evitar subir o tom das ameaças contra Israel.  A ninguém (EUA, Irã, China, Rússia), nesse momento, interessa que o conflito saia de controle

 O fator que hoje está mais presente nas considerações de todos os países, e até certo ponto mesmo em Israel, é a crescente reação da opinião pública em todos os países árabes e em alguns países ocidentais, dado à importância da participação de imigrantes de origem muçulmana nas populações locais (Inglaterra e França). O antissemitismo e a islamofobia estão aumentando. Nos EUA, as demonstrações de apoio à questão palestina se sucedem em universidades e lugares públicos e os jovens filiados ao Partido Democrata se afastam de Biden e protestam contra a política dos EUA para a região exigindo a criação do Estado Palestino. A questão do Oriente Médio será um elemento com força na campanha eleitoral de 2024 e a administração Biden começa a dar sinais de que terá de mudar de política se quiser contar com os votos dos jovens e da crescente comunidade muçulmana nos EUA.

Em termos regionais, a situação dos EUA evoluiu da gradual perda de importância política no Oriente Médio, ocorrida nos últimos anos, para o total envolvimento político e militar na região. Isolado no apoio a Israel e desenvolvendo uma política para evitar novos ataques ao país, no final da operação militar, os EUA estarão em uma posição de força para liderar uma fórmula política que encontre uma solução para a desocupação da Faixa de Gaza e o recuo dos assentamentos ilegais na Cisjordânia, fortalecendo ainda a Autoridade Palestina, parte legitima para participar dessa negociação. 

 O processo negociador não será breve, mas poderá ser facilitado pela mudança do governo em Tel Aviv com a substituição do PM Netanyahu por uma coligação de centro-direita e não de extrema direita como é hoje. A pressão da opinião pública global e interna nos EUA, no contexto eleitoral que se aproxima, deverá fortalecer o apoio, desta vez, decisivo, para a criação do Estado Palestino, mesmo com a oposição de grupos radicais em Israel. Não haverá alternativa política para Washington. Essa é a única forma de garantir a segurança de Israel e a paz na região. Além da força eleitoral de Biden em 2024.

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Medo do argentino de perder subsídios garante a Massa segundo turno contra Milei - Lourival Sant'Anna (O Estado de S. Paulo)

 Medo do argentino de perder subsídios garante a Massa segundo turno contra Milei 

Lourival Sant'Anna
O Estado de S. Paulo, 23/10/2023

Mesmo com inflação anual de 140%, o ministro da economia conseguiu sair na frente no primeiro turno da eleição presidencial argentina.

 Os votos destinados à Patricia Bullrich, elegerão o presidente Mesmo com inflação anual de 140%, o ministro da economia conseguiu sair na frente no primeiro turno da eleição presidencial argentina. Os votos destinados à terceira colocada, Patricia Bullrich, elegerão o presidente O ministro da Economia, Sergio Massa, realizou um feito notável. Com inflação anual de 140%, conseguiu sair na frente no primeiro turno da eleição presidencial da Argentina. 

Ele disputará o segundo turno no dia 19 com o libertário Javier Milei. Os votos destinados à terceira colocada, Patricia Bullrich, elegerão o presidente. Bullrich é liberal na economia e conservadora nas questões sociais, sobretudo a segurança, o que favorece Milei. Entretanto, uma parte de seu eleitorado é mais moderado que ela, e votou, nas primárias de agosto, em seu rival dentro do partido Juntos pela Mudança, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Massa chegou ao seu teto, ou conseguiria atingir uma fatia suficiente desse eleitorado moderado? 

A resposta a essa pergunta ficará mais clara nas próximas semanas. O peso continuará se desvalorizando perante o dólar e minando a confiança dos argentinos na política econômica de Massa. Afinal, Milei, que emerge do primeiro turno com grandes chances de chegar à Casa Rosada, quer fechar o Banco Central e adotar o dólar como moeda O êxito de Massa nesse primeiro turno se explica, em parte, pela força política do peronismo e, em outra parte, pelo receio dos argentinos de perder os benefícios sociais. É uma vulnerabilidade que se retro-alimenta: quanto mais gastos sociais, mais déficit público, mais endividamento, mais inflação, mais empobrecimento e mais necessidade de amparo do Estado. 

 Desde 2015, os argentinos têm tentado escapar da crise econômica alternando experiências à direita e à esquerda. A situação só tem piorado.Agora, uma parcela substancial dos eleitores optou pela ruptura: uma experimentação radical, com Milei, que além de substituir o peso pelo dólar propõe cortar drasticamente gastos e impostos. O plano econômico de Milei é o mais atraente para seus eleitores porque parece ser o mais distante possível da terrível realidade inflacionária que eles enfrentam. Além disso, faz sentido para os argentinos que compreendem que o endividamento causado pelos gastos acima da arrecadação está na origem dos problemas econômicos. 

 A Argentina trocar o peso pelo dólar também faz sentido de duas maneiras fundamentais para muitos eleitores. Afinal, é isso o que quem pode faz: troca peso por dólar e guarda debaixo do colchão ou em contas no exterior. Há ainda uma identificação simples, quase infantil: como se o que trouxesse estabilidade e prosperidade para os Estados Unidos fosse o nome de sua moeda, não os fundamentos de seu sistema econômico, jurídico, educacional e assim por diante. Não se pode culpar os argentinos por querer algo novo. Em 2015, a peronista Cristina Kirchner, de esquerda, entregou o governo com uma inflação de 25%; em 2019, o liberal Mauricio Macri, saiu com 50%; este ano, o peronista Alberto Fernández encerra com 140% ou mais, até dezembro. Bullrich é a candidata de Macri, de quem foi ministra da Segurança Pública. Massa é o ministro da Economia de Fernández. 

 A figura excêntrica de Milei pode assustar muitos, mas para outros combina com o desejo de ruptura do atual sistema político. Esses gastos públicos excessivos são produtos de decisões dos políticos, de suas negociações orçamentárias e de suas práticas clientelistas para manter apoio das populações locais. Isso também está em xeque, com vários líderes sendo desbancados de seus “currais” eleitorais, para usar uma expressão tosca mas pertinente. Ninguém se parece menos com os políticos tradicionais argentinos, seja à esquerda ou à direita, do que Milei. Isso pode atender ao desejo de mudança dos argentinos, mas também traz incertezas com relação à própria capacidade de Milei de entregar. Exatamente pela falta de amplitude político-partidária, ele não terá maioria no Congresso. 

 Diante da consequente frustração de seus eleitores com o descumprimento das promessas, o que Milei faria? Muitos de seus eleitores são jovens, de todos os extratos sociais. Poderim ir às ruas e pressionar o presidente. Milei e, em especial, sua vice, Victoria Villarruel, filha de um falecido tenente do Exército, são admiradores declarados da ditadura militar argentina. Milei tentaria algo como fechar o Congresso? Nessa hipótese, não teria apoio das Forças Armadas nem de outras instituições. Mas desestabilizaria ainda mais an Argentina. 

 Outro fator é a intenção de Milei de rever o direito ao aborto, aprovado na Argentina em 2020. Mulheres liberais que recebem bem suas ideias radicais no campo econômico não gostam da reversão dessa conquista, que consumiu muita energia dos progressistas. Em contrapartida, claro, ela atrai o voto dos conservadores. O mesmo se aplica à facilitação do acesso às armas. 

 O aumento da pobreza, que alcança 40% da população, agravou a criminalidade. Bullrich fez do endurecimento contra os criminosos uma de suas principais bandeiras, além de reformas econômicas. Mas grande parte dos argentinos perdeu a fé em soluções baseadas no poder do Estado. A última década de desordem econômica criou um ambiente de salve-se quem puder. Milei responde a esse sentimento, prometendo liberdade para os argentinos buscar prosperidade individualmente e fazer justiça com as próprias mãos. 

 A alternativa, representada por Massa, é a continuação de um Estado inchado e ineficiente, que suga as riquezas do setor público. Não é uma escolha fácil a que os argentinos se impõem a si mesmos.  

Pequeno dicionário de conceitos invertidos - Denis Lerrer Rosenfield, O Estado de S. Paulo

 Hamas

Denis Lerrer Rosenfield, 
O Estado de S. Paulo (23/10/2023) 
Desinformação propagada por Lula, PT e seus satélites exige uma espécie de pequeno dicionário para analisar a junção entre a ideologia e a estupidez humana 

 A desinformação propagada pelo governo Lula, pelo PT e por seus satélites, como PSOL, PCdoB e MST, exige que se faça o esclarecimento do significado de certas palavras, sob pena de afundarmos no abismo moral. Exigiria, mesmo, uma espécie de pequeno dicionário, voltado para a análise da junção entre a ideologia e a estupidez humana. As palavras perdem o seu significado e são substituídas pela irrupção disfarçada da maldade. 

Terror. O ataque do Hamas a Israel foi um ato inequívoco de terror. Visados foram bebês, trucidados e queimados, crianças assassinadas na frente de seus pais e vice-versa, sequestros de crianças levadas para Gaza, idosos e mulheres feitos reféns, jovens assassinados numa festa rave no sul do país e assim por diante. Tais atos se inscrevem na história humana da maldade, cujos antecedentes recentes são o Isis (Estado Islâmico) e as ações nazistas conduzidas pela SS. Himmler ficaria orgulhoso de seus herdeiros e simpatizantes de esquerda. 

Dois Estados. Os que não condenam o Hamas supostamente com o intuito de garantir a neutralidade do País, a exemplo das notas vergonhosas do Itamaraty e de membros do governo, esquecem um fator central: o Hamas não defende a solução de dois Estados, Israel e Palestina. Defende, sim, um único Estado: o do Hamas, do Mediterrâneo ao Rio Jordão, sob a sua dominação e a imposição da Lei Islâmica. O Hamas não representa os interesses dos palestinos. Tal função é exercida pela Autoridade Palestina, que desfruta de reconhecimento internacional. A Justiça encontra-se na criação de dois Estados, sem que o terror seja utilizado para destruir o outro, como é pregado pelo Hamas, desde a sua fundação. 

Campos de concentração. Outra pérola da estupidez encontra-se no dizer de pseudojornalistas que consideram, seguindo a propaganda do terror, que Gaza seria um “campo de concentração”. Os judeus seriam os novos nazistas. Talvez essa esquerda debiloide tenha razão apesar dela. Sim, Gaza é um campo de concentração criado, administrado e supervisionado pelo Hamas, que exerce a sua autodeterminação, uma vez que Israel desocupou o seu território. É essa organização terrorista que desvia recursos de saúde, emprego, educação e saneamento para a construção de túneis subterrâneos, compra e manufatura de foguetes, mísseis e armamentos. Oprime mulheres e reprime e assassina homossexuais. Nos túneis fica o exército terrorista, acima fica a população civil servindo de escudo humano. Eis por que o Hamas procura impedir o deslocamento da população civil. 

Cessação de hostilidades. Os diferentes chamamentos para a interrupção das hostilidades, em que pese a sua fachada humanista, visam simplesmente a interromper a contraofensiva israelense, voltada para a aniquilação dos terroristas. Procuram, isto sim, assegurar a vitória do Hamas, mantendo a sua estrutura militar intacta. A cobertura humanista do PT é apenas a manifestação de sua conivência com o terror. Segundo sua perversa lógica, quem se defende de atentados terroristas comete “genocídio”! Contribuição inestimável à história universal da ignomínia. Lula, embora tenha condenado o “atentado terrorista” em Israel, travou a língua e não conseguiu pronunciar a palavra Hamas. Talvez tenha ainda presentes as congratulações que recebeu deste exército do terror ao ganhar a eleição presidencial. À esquerda, assinalese a posição digna do presidente do PSB, Carlos Siqueira, que condenou sem ambiguidades o terror islâmico. Artistas. O silêncio dos artistas apoiadores do PT (exceção feita a Gilberto e Preta Gil) é ensurdecedor. Fizeram algazarra para eleger Lula, mas agora estão mudos. Ao se calarem, mostram-se coniventes com o terror e com o assassinato de 260 jovens num evento musical. Imaginem o barulho que fariam aqui, no Brasil, se uma só pessoa fosse assassinada num festival. Agora, acolá, os critérios desaparecem ao cruzarem o Atlântico. Jovens judeus e não judeus são exterminados, como se isso fosse justificado. É uma vergonha. 

Antissionismo e antissemitismo. O ataque terrorista do Hamas mostra claramente o seu caráter antissemita, voltado para a destruição do Estado de Israel e a aniquilação dos judeus. Nada diferente do que tentaram fazer os árabes e o mufti de Jerusalém ao não reconhecerem a existência do Estado judeu e ao recusarem a criação de um Estado palestino igualmente inexistente. Prometeram jogar os judeus ao Mediterrâneo. Eram contra a criação de dois Estados, tal como o Hamas. Um importante líder social-democrata do final do século 19 e início do século 20, August Bebel, já dizia que o antissemitismo é o socialismo dos idiotas. Princípios morais. A esquerda petista, com os seus assemelhados, mostra de uma forma contundente a sua ausência de princípios morais. A sua defesa dos direitos humanos é mero disfarce para incautos. O governo deveria alterar o nome de seu Ministério dos Direitos Humanos para Ministério dos Direitos Inumanos. Questão de coerência. 

Epílogo. E o destino dos reféns, aterrorizados?

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O abraço dos párias - Editorial, O Estado de S. Paulo

O abraço dos párias

Editorial, O Estado de S. Paulo (15/09/2023)

O apelo de Putin ao lunático Kim mostra que suas cartas estão acabando, mas pressagia riscos para a Ucrânia, para as democracias, a estabilidade na Ásia e para a segurança global

Depois da primeira invasão da Ucrânia, em 2014, a Rússia foi expulsa do G-8. Após a segunda invasão, Vladimir Putin faltou às duas cúpulas do G-20 e foi “desconvidado” da última cúpula do Brics pela África do Sul, que se veria obrigada a cumprir uma ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional. Com efeito, sua única visita internacional (sem contar os antigos satélites soviéticos que hoje integram o Tratado de Tasquente, a Otan russa) foi ao Irã. Agora, Putin estendeu o tapete vermelho para Kim Jong-un, o neto do tirano fantoche imposto por Stalin à Coreia do Norte, o Estado mais fechado e totalitário do mundo – uma versão em miniatura, mas com esteroides, do que a Rússia está se transformando sob Putin.

O conclave na base espacial de Vostochny foi celebrado com pompa e circunstância pelas mídias dos dois regimes, e Kim prometeu “apoio pleno e incondicional” à Rússia em sua “luta sagrada contra o Ocidente”. Mas não houve comunicados oficiais. É certo, no entanto, um acordo para o fornecimento de armas à Rússia.

Isso representa um risco iminente para a Ucrânia. Após o fracasso fragoroso de seu Plano A, uma blitzkrieg contra a Ucrânia, Putin aposta numa guerra de atrito, na expectativa de que o tempo exaurirá as forças ucranianas e a solidariedade ocidental. Mas Kiev tem realizado avanços, ainda que modestos, em sua contraofensiva. O Kremlin está com dificuldades de repor sua munição, e os recrutamentos compulsórios têm gerado desgosto na população. A Coreia do Norte tem amplos estoques e fábricas de bombas e foguetes, a maioria baseada em tecnologias soviéticas compatíveis com o arsenal russo. O acordo pode envolver ainda mísseis balísticos de curto alcance, blindados, drones e até mesmo tropas.

Em troca, a Rússia pode oferecer óleo cru e grãos a um país famélico e falido. O principal interesse de Kim, contudo, está na transferência de tecnologia para modernizar seu arsenal. Isso intensificaria as tensões na Ásia. Vizinhos apreensivos com um Estado errático e agressivo poderiam responder escalando sua corrida por arsenais.

A China, que exerce um poder tutelar sobre os dois países, não tem interesse nessa instabilidade e pode interferir para limitar esse escambo sinistro. Mas só em parte. Pequim não vê nenhum problema em uma guerra prolongada na Europa e certamente se compraz com a tal “luta sagrada” contra o “imperialismo” ocidental.

O pacto pode ainda intensificar a degradação do controle global de armas nucleares, já no seu ponto mais periclitante desde a guerra fria. Nem à Rússia nem à China interessa robustecer as capacidades nucleares de Kim. Mas, a depender da barganha, Moscou pode violar seus compromissos com as sanções da ONU à Coreia do Norte e cooperar com o desenvolvimento não só de satélites de espionagem, como de mísseis e submarinos nucleares.

O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, advertiu que os países “pagarão um preço”. Mas anos de sanções unilaterais e mesmo multilaterais tiveram impacto limitado sobre a Coreia do Norte, e a Rússia tem engendrado meios de contornar essas barreiras para financiar sua guerra. No G-20, as potências ocidentais se viram obrigadas a aliviar as pressões pela condenação da Rússia para garantir uma declaração conjunta e impedir o malogro da presidência rotativa da Índia, com quem contam para reequilibrar as relações de poder na Ásia. O presidente americano, Joe Biden, legitimamente preocupado com uma escalada, tem hesitado em enviar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, apesar do apoio bipartidário do Congresso. A hesitação pode se transformar em franca recusa se Donald Trump for eleito no ano que vem, algo com que Putin conta.

Nada de bom pode sair desse abraço sombrio dos párias. Ele pressagia ameaças para a Ucrânia, para a estabilidade na Ásia, para o eixo democrático e para a segurança global. Se há um aspecto positivo, é o fato de que ele revela que as cartas de Putin estão se esgotando. Mas mesmo esse consolo é ambivalente. Déspotas desesperados são mais, não menos, perigosos.