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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia - Jamil Chade (UOL)

Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia

Jamil Chade 
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/


Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.

Colunista do UOL

17/05/2021 04h00 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/17/por-ideologia-ernesto-mobilizou-diplomacia-e-minou-combate-contra-pandemia.htm?

 

Resumo da notícia

· Ex-chanceler é o próximo convocado na CPI da pandemia, na terça-feira

· Durante sua gestão, ele hesitou em fazer parte de mecanismos internacionais de vacina e tentou impedir fortalecimento da OMS

·  Araújo não aceitou convite para reunião no qual Pequim ofereceu crédito de US$ 1 bi para América Latina comprar suas vacinas

·  Sob seu comando, o Brasil não fez parte de compromisso de 130 países para lutar contra a desinformação na pandemia 

 

 

Durante a pior pandemia em cem anos, a diplomacia brasileira foi usada como instrumento para promover uma ideologia, deixando em segundo plano os esforços nacionais e internacionais para combater o vírus da covid-19. 

Nesta terça-feira, o ex-chanceler Ernesto Araújo terá de responder diante da CPI sobre suas ações no comando do Itamaraty, durante a pandemia. Desde a eclosão da crise, porém, sua atuação na esfera internacional teve como meta enfraquecer uma resposta global à pandemia. 

Desde a hesitação em fazer parte da coalizão internacional por vacinas, a ausência do Brasil em esforços internacionais e medidas deliberadas para colocar a política e a ideologia acima da questão de saúde, a diplomacia nacional foi uma peça fundamental no fracasso da resposta nacional à crise sanitária. 

 

OMS e o "comunavírus" 

Com o desembarque da pandemia, quase imediatamente a OMS foi colocada no centro das atenções. Se havia um local onde a coordenação internacional poderia ocorrer, muitos acreditavam que era a agência que deveria pilotar a resposta à crise. 

Mas, para Araújo, um dos focos deveria ser o de impedir que agências internacionais ganhassem força. Ao longo de meses, torpedeou iniciativas, exigiu uma investigação sobre a OMS e fez questão de esvaziar a representação brasileira em cúpulas e reuniões. 

Ainda em abril de 2020, Araújo postou em plena madrugada um texto em suas redes sociais. Não se tratava de uma orientação para lutar contra a pior crise sanitária em quase cem anos. Nem um plano sobre como conseguir respiradores, testes ou máscaras. Tampouco se trata de uma estratégia para costurar novas alianças para garantir a recuperação da economia. 

Tratava-se de um alerta sobre a necessidade de que se combata o comunismo que, segundo ele, iria se aproveitar do momento de crise e de apelos por solidariedade para implementar sua ideologia por meio do fortalecimento de entidades internacionais, como a OMS. 

Desde sua chegada ao poder, Araújo deixou claro que o estado-nação não deve se submeter a um poder internacional e vinha implementando tal visão durante a pandemia. 

"O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista", advertia o título do texto do chanceler. "Chegou o Comunavírus", escreveu o então ministro, conhecido por suas posições próximas ao governo dos EUA... - 

Segundo ele, a ideia de transferir poderes para a OMS seria o primeiro passo de um plano comunista. 

Araújo insiste que tal ameaça fica esclarecida em uma obra de Slavoj Zizek, "um dos principais teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto "Virus", recém-publicado na Itália". "Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade", disse o brasileiro, que indica a influência do autor em diversos meios. 

No primeiro trecho da obra escolhida, Araújo deixa claro sua recusa por recomendações, como o lockdown. "Tomara que se propague um vírus ideológico diferente e muito mais benéfico, e só temos a torcer para que ele nos infecte: um vírus que faça imaginar uma sociedade alternativa, uma sociedade que vá além do Estado-nação e se realize na forma da solidariedade global e da cooperação."... - 

"O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles", disse o brasileiro. 

"A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração", alertou o então chefe da diplomacia nacional. 

"Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita", completou o chanceler. 

"Uma coisa é certa: novos muros e outras quarentenas não resolverão o problema. O que funciona são a solidariedade e uma resposta coordenada em escala global, uma nova forma daquilo que em outro momento se chamava comunismo", disse. 

Em outro trecho, o ataque do ministro brasileiro se refere ao plano relativo à coordenação da OMS. 

"Um primeiro e vago modelo de uma tal coordenação na escala global é representado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (...) Serão conferidos maiores poderes a outras organizações desse tipo", diz o texto do autor europeu. "Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária" alertaria. 

Meses depois, durante a abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, já em 2021, Araújo voltaria a atacar a ideia de lockdown. "Sociedades inteiras estão se habituando à ideia de que é preciso sacrificar a liberdade em nome da saúde", disse. "Não critico as medidas de lockdown ou semelhantes, que tantos países aplicam. Mas não se pode aceitar o lockdown no espírito humano, o qual dependente da liberdade e dos direitos humanos", afirmou. ... - 

Uma primeira reunião entre um chanceler brasileiro e a OMS apenas ocorreu em abril de 2021, mais de um ano depois da declaração de uma emergência internacional. Também em abril, a agência se aproximaria ao novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e faria um pedido: que o Brasil voltasse a exercer sua "liderança tradicional" em temas de saúde pública global. 

 

Vacinas

Também por motivos ideológicos, o Itamaraty ficou de fora do lançamento da Covax, a aliança mundial de vacinas. Em abril de 2020, o primeiro encontro contou com chefes de estado de vários países do mundo. Mas a ausência do Brasil chamou a atenção. Naquele momento, procurado pela coluna, o governo explicou que mantinha "outros projetos de alianças", sem jamais explicar quais seriam. 

Pressionado inclusive por senadores, o Itamaraty optou por aderir ao projeto. Mas com várias ressaltas. A primeira delas é de que pediria o menor volume permitido de vacinas dentro do esquema criado: doses que poderiam cobrir apenas 10% da população nacional. Pelas regras do mecanismo, o país poderia ter pedido o dobro. 

A decisão de aderir ao projeto, que foi tomada nas últimas horas do prazo dado pela OMS, ainda estabeleceu mais flexibilidades. O Brasil conseguiu o direito de entrar no mecanismo, reservando-se o direito de não comprar o primeiro lote da vacina, caso fosse da mesma empresa que já estava fornecendo doses ao país. Mas isso significaria que, para a segunda entrega de doses, o Brasil seria colocado para o final da fila entre os recipientes. 

 

Patentes

Um outro elemento chave na política externa brasileira foi a decisão de romper a postura tradicional do país, se distanciar de outros países emergentes e se negar a apoiar a ideia de uma suspensão de patentes de vacinas. O projeto foi apresentado pela Índia e África do Sul, na OMC em outubro, e previa que qualquer país poderia produzir versões genéricas da vacina, sem que fosse punido pela quebra da patente. 

Negociadores consideraram que a falta do apoio brasileiro foi central para que proposta não tivesse a força necessária e que o projeto se arrastasse por meses, sem uma definição. Ao tomar essa postura, o Itamaraty rompia com mais de 20 anos de uma política de defesa da saúde como sendo prioridade sobre questões comerciais ou econômicas. 

De um líder incontestável nessa questão, o Brasil passou a ser um dos maiores obstáculos para que houvesse um acordo para a produção em massa de vacinas. 

Como um terremoto no mundo diplomático, o governo de Joe Biden decidiu recentemente apoiar a suspensão de patentes, dias depois de o Itamaraty voltar a afirmar que não mudaria de postura e que a proteção das patentes era fundamental. 

 

Anti-China e aliança com Trump

Um dos aspectos que marcou sua gestão foi ainda as repetidas críticas contra o governo da China, o que, para ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro e para o governador João Doria, afetou a capacidade de o Brasil ter acesso privilegiado a insumos chineses fundamentais para a vacinação no país. 

O ex-chefe da pasta da Saúde Luiz Henrique Mandetta revelou à coluna que, ainda no início da crise, foi buscar contato com a embaixada da China em Brasília e aproximar posições. Mas suas tentativas eram minadas pelo Itamaraty. 

Ainda em abril de 2020, em um texto publicado, o ex-chanceler criticou Pequim. "Não surpreende que, ao menos até agora, a China - que já empregava largamente sistemas de controle social digitalizado - se tenha demonstrado a mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?", questionou. 

"Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS." Para ele, o lockdown em Wuhan naquele momento veio "à custa da destruição dos empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de milhões e milhões de pessoas, ao preço do desmantelamento de sua liberdade e de seu sustento, se atinge um mundo "em paz consigo mesmo". 

Não houve apenas ataques em redes sociais. Ainda no início da crise, o governo da China promoveu um encontro com chanceleres da América Latina para debater a proposta de dar um crédito de US$ 1 bilhão para que a região comprasse vacinas chinesas. Araújo foi um dos poucos ministros da região que recusou o convite. 

A recusa em permitir qualquer aproximação com a China vinha de uma percepção clara e alinhada com o governo de Donald Trump que a pandemia seria um momento decisivo para o poder de Pequim no mundo. A ordem, portanto, era de impedir uma maior influência dos chineses, mesmo que isso representasse custos para o país. 

Além de apoiar ataques dos filhos de Bolsonaro e outros membros do governo contra a China, seminários foram promovidos dentro do Instituto Rio Branco com supostos especialistas que usaram a entidade para difundir críticas contra Pequim. 

"Eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial", disse o então ministro, naquele encontro com a presença de Bolsonaro. 

“É, outro dia a...na conversa do presidente com o primeiro-ministro da Índia, o indiano disse que vai ser tão diferente o pós-coronavírus do pré quanto pós segunda guerra do pré", explicou. 

"Eu acho que é verdade e assim como houve um conselho de segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é... conselho de segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de tá nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é... cenário", afirmou. 

Um trecho, porém, revelou um ataque velado contra a China. "Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., né?", disse, numa referência aos chineses e sem citar o nome do país. 

 

ONU: Itamaraty opta por ficar de fora de combate contra desinformação

Ao longo de seu mandato, porém, o governo brasileiro se distanciou de iniciativas internacionais, não apoiou resoluções na ONU, não criticou o corte de dinheiro dos EUA para a OMS, não enviou ministros para reuniões, não adotou uma postura de protagonismo no cenário internacional e não foi a uma reunião entre ministros para fortalecer o multilateralismo. 

Em dezembro de 2020, por exemplo, Araújo, usou um evento extraordinário da ONU para tratar da crise da covid-19 para criticar a OMS, questionar o multilateralismo e para defender alguns de seus mantras da diplomacia do atual governo, principalmente a soberania nacional. 

O evento virtual contou com mais de 90 presidentes e primeiros-ministros. A meta era a de garantir um compromisso amplo sobre como dar uma resposta global à crise. Mas o presidente Jair Bolsonaro optou por não participar. Araújo, pelo protocolo, ficou para o final da fila, sendo um dos últimos a discursar e quando já era o início da noite em Nova York. 

Em seu discurso, o chanceler fez questão de romper um tom de apoio ao multilateralismo adotado pelos demais governos e deixar claro que foram governos nacionais quem deram uma resposta à crise. Segundo o ministro, a crise não poderia ser usada como "pretexto" para ampliar a agenda ou o mandato da ONU e, em sua visão, o organismo é apenas uma "plataforma para compartilhar experiências".

Sua defesa era de que a resposta contra a covid-19 é de responsabilidade de governos nacionais, e não de organismos estrangeiros. Para ele, não deve haver uma transferência de competências do nível nacional para o internacional e criticou "clichês bonitos como "o mundo precisa de mais multilateralismo" ou "problemas globais exigem respostas globais". 

O governo brasileiro ainda optou por não aderiu a um compromisso assinado por 130 países de todo o mundo na ONU contra a desinformação em meio à pandemia. Em junho de 2020, uma ofensiva na ONU por parte de governos estabeleceu um compromisso global para lutar contra a desinformação durante a pandemia... - 

Aliados do governo de Jair Bolsonaro como Israel, Índia, Hungria e Japão assinaram a declaração. Até mesmo o governo dos EUA de Donald Trump aderiu, assim como o Reino Unido de Boris Johnson. Também aderiram ao projeto Alemanha, França e Itália, entre muitos outros países. 

O texto da iniciativa alertava que "à medida que a COVID-19 se espalha, um tsunami de desinformação, ódio, bode expiatório e assustador foi desencadeado". Segundo os governos, em tempos de crise de saúde, "a propagação da "infodemia" pode ser tão perigosa para a saúde e segurança humana quanto a própria pandemia". 

"Entre outras consequências negativas, a COVID-19 criou condições que permitem a disseminação de desinformação, notícias falsas e vídeos para fomentar a violência e dividir as comunidades", alertaram os governos. "Por estas razões, pedimos a todos que parem imediatamente de difundir informações errôneas e observem as recomendações da ONU para enfrentar este problema", sugeriram os governos. 

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

Covid: Governos ignoraram alertas e OMS não tinha como agir, diz auditoria - Jamil Chade (UOL)

 O mundo falhou, os países falharam, a OMS não tinha poderes ou alavancas suficientes para cumprir as medidas necessárias para combater a pior pandemia em um século.


Covid: Governos ignoraram alertas e OMS não tinha como agir, diz auditoria

Jamil Chade
Colunista do UOL
11/05/2021 04h00

No início do século 21, a humanidade fazia transplantes considerados até pouco tempo atrás como impossíveis, tinha a cura de doenças que assolaram o mundo por séculos e havia promovido uma revolução tecnológica. Mas, quando foi confrontada por um novo vírus, fracassou.

O obstáculo não foi exatamente a ciência. Mas a incapacidade de líderes e instituições em dar uma resposta política à crise e o fato de terem colocado considerações econômicas sobre a prioridade de proteger vidas.

Auditorias realizadas ao longo de quase um ano constataram que, de forma deliberada ou não, "a grande maioria dos governos" ignorou os alertas e recomendações internacionais, impedindo que o vírus da covid-19 fosse controlado a tempo e abrindo caminho para a pior pandemia em cem anos.

As conclusões fazem parte de uma série de documentos que será submetida aos governos, no fim de maio, durante a reunião dos ministros de Saúde de todo o mundo, na OMS (Organização Mundial da Saúde).

As investigações, porém, também revelam que a agência mundial da Saúde não tinha os instrumentos necessários, poder ou dinheiro para dar uma resposta à crise e não agiu de forma rápida o suficiente.

Medidas de controle de viagens, por exemplo, poderiam ter freado a disseminação do vírus, assim como uma maior pressão sobre a China para compartilhar dados.

Países não seguiram medidas criadas por eles próprios
Três processos de avaliação foram iniciados em 2020 com o objetivo de examinar e até refundar o sistema sanitário internacional.

Ao mergulhar nas entranhas de governos e entidades, dois desses esforços já indicaram suas conclusões em documentos enviados aos governos, enquanto um terceiro documento elaborado por um painel independente será publicado na quarta-feira (12), em Genebra, sob a liderança de ,Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia.

Numa das auditorias internas na OMS distribuída aos diplomatas e realizada por 20 especialistas convocados pela agência, já se constata alguns pontos fundamentais que explicam o fracasso coletivo. Liderado por Lothar Wieler, o Comitê de Revisão sobre a Resposta à covid-19 concluiu que países não seguiram as orientações que eles mesmos criaram para lidar com pandemias e que perderam mais de um mês ignorando a gravidade da crise.

O mundo tinha uma arma: o Regulamento Sanitário Internacional, criado depois das epidemias na Ásia no começo do século, e que tinha como objetivo identificar surtos e preparar os demais países a reagir a tempo.

Depois de mais de cem entrevistas e dezenas de reuniões, os auditores constataram que houve uma "falta de cumprimento por parte dos estados de certas obrigações, em especial no que se refere à preparação" e concluíram que isso foi fundamental para que "a pandemia se transformasse em uma emergência global".

Os textos das auditorias insistem que não visam culpar um país ou outro e, portanto, optaram por não dar nomes aos casos mais graves. Mas a coluna apurou que o Brasil foi um dos países examinados "com lupa", segundo uma das fontes envolvidas no processo.

''Milhões de vidas foram perdidas, incontáveis outras pessoas estão sofrendo de complicações a longo prazo da doença aguda e muitas outras lutam com a saúde mental precária resultante de meses de ansiedade, depressão, privação e isolamento social. Crianças perderam meses de educação na escola, adultos perderam meses de trabalho, e as desigualdades existentes foram exacerbadas. As viagens têm sido gravemente interrompidas. As economias da maioria dos países experimentaram declínios significativos em 2020, e os governos acumularam níveis de dívida não vistos desde a Segunda Guerra Mundial''.
Trecho de documento da OMS

Proteger economias e poder; saúde pode esperar
Num dos trechos das conclusões, a auditoria revela que "a tensão inerente entre o objetivo do Regulamento Sanitário Internacional de proteger a saúde e a necessidade de proteger as economias, evitando restrições de viagens e comércio, foi apontada pelo Comitê (de auditores) como o fator mais importante limitando o cumprimento dos Regulamentos".

Ainda que governos adotem discursos de apoio às medidas de controle, "esse apoio contrasta fortemente com a realidade".

Ou seja, não havia tradução dos discursos em medidas reais, principalmente diante de uma competição geopolítica por influência e diante de líderes políticos domésticos mais preocupados em se manter no poder ou ganhar as próximas eleições.

Além da tensão entre economia e saúde, o que a pesquisa revelou é que houve uma falha coletiva em termos de reação, principalmente diante da dificuldade em se ter acesso aos dados da China.

''A OMS poderia ter usado suas próprias avaliações de risco, sem esperar pela aprovação dos países afetados ou pelo conselho do Comitê de Emergência. Outro fator importante foi a incapacidade coletiva de prever, logo no início da evolução da pandemia, o impacto sanitário, social e econômico, na ausência de intervenções farmacológicas eficazes. O mundo não estava preparado para este tipo de ameaça''.
Trecho de documento da OMS

Os auditores sugeriram que, no futuro, um "mecanismo robusto de responsabilização" seja estabelecido para avaliar quem não cumpriu as regras e que governos sejam alvos de uma espécie de sabatina regular para avaliar como estão se preparando para futuras pandemias.

Alertas ignorados de forma deliberada e falta de investimentos
Ao avaliar os motivos pelos quais o mundo caiu de joelhos diante do vírus, os especialistas apontam que, antes de 2019, "muitos países ainda não dispunham das capacidades de saúde pública necessárias para proteger suas próprias populações e para dar avisos oportunos a outros países e à OMS".

Mas não foi apenas uma falta de recursos. De acordo com a apuração, governos optaram por "deliberadamente ignorar" o regulamento sanitário internacional.

"A máxima romana, ignorantia juris non excusat (o desconhecimento da lei não é desculpa), pode conter alguma verdade neste contexto", alertou o documento, numa sugestão de que governos poderiam ser responsabilizados por não agir.

Se a origem da crise é reveladora de um fracasso coletivo, os auditores perguntam: "Mais de um ano depois, por que o mundo ainda está lutando para conter a Sars-CoV-2?" A resposta é dura: "A capacidade nacional de prevenir, detectar e responder aos riscos à saúde pública é fraca".

''A grande maioria dos países tem atualmente níveis baixos ou moderados de preparação nacional. Além disso, foram relatadas capacidades fracas de preparação e resposta a emergências nos pontos de entrada. Por exemplo, a falta de flexibilidade na gestão das finanças públicas e nas leis de compras impediu o rastreamento rápido da aquisição de medicamentos e produtos médicos''.
Trecho de documento da OMS

Mecanismos insuficientes e OMS sem poder
Também ficou explícito que o mundo não contava com mecanismos internacionais adequados ou suficientes para lidar com uma pandemia.

Ao abrir documentos internos da OMS e questionar departamentos, a constatação foi de que a agência não contava com poderes para ter acesso a informação e fazer alertas globais. Isso teria sido fundamental para explicar a demora numa reação inicial, ainda em dezembro de 2019 e janeiro de 2020.

Pequim não colaborou como se esperava e dias considerados como "preciosos" foram perdidos. No entanto, segundo a investigação, a agência poderia ter sido "mais proativa para compartilhar informações, mesmo não verificadas, com outros países".

Seria então apenas em 30 de janeiro de 2020 que se declararia uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. Mas, ainda assim, os critérios usados deixaram muito espaço para interpretação. Não estava claro o que era um "evento extraordinário", a gravidade, o risco potencial de propagação e o que significava a necessidade de "uma resposta internacional coordenada".

Pandemia poderia ter sido declarada antes
Os auditores ainda se dedicaram a avaliar um outro aspecto: o que teria ocorrido se a OMS tivesse usado, já naquele momento, o termo "pandemia"?

De acordo com o informe, a realidade é que a palavra não faz parte das regras internacionais de saúde. Mas a investigação notou que "a maioria dos países começou a implementar medidas de resposta, em particular restrições de viagens, bem como coordenação de esforços para o desenvolvimento e distribuição de vacinas, somente após o evento ter sido caracterizado pela OMS como pandêmico em 11 de março de 2020".

Mais de um mês foi perdido, enquanto o vírus percorria o mundo.

"Isso foi percebido por muitos países como um nível mais alto de alerta e resposta do que a emergência de saúde pública de preocupação internacional", constata o documento.

No fundo, esse foi o "gatilho mais importante" para iniciar uma resposta global, com abastecimento de equipamentos e outros materiais que apenas puderam ser demandados quando a pandemia tivesse sido declarada.

Sistema precisa mudar
Diante de um enredo que relata uma sequência de fracassos, as auditorias indicam a necessidade de que haja uma mudança radical na estrutura global de saúde. Uma das propostas apresentadas aos governos é de que se crie, no sistema de alerta mundial, um nível intermediário de emergência, com recomendações claras sobre ações de preparação.

Outra recomendação é para que a OMS, diante de um evento de risco, possa compartilhar com os demais países informações sobre um surto, mesmo que o país onde a crise ocorra não esteja disposto ou capaz de fornecer os dados.

A proposta é ainda de que a OMS desenvolva "um mecanismo para que os países compartilhem automaticamente informações de emergência em tempo real, incluindo sequenciamento genômico".

Mas uma das grandes mudanças propostas seria o reconhecimento de que restrições de viagens e bloqueios de movimentação são legítimos, em caso de um risco global. Pelo atual sistema, a OMS desaconselha a suspensão de viagens, uma medida considerada como atendendo apenas aos interesses econômicos.

''Os países que implementaram restrições antecipadas de viagens para reduzir a importação, como parte de um pacote abrangente de medidas sociais e de saúde pública, mantiveram a incidência do vírus a um nível baixo''.
Trecho de documento da OMS

Pandemia expôs falhas
Ao concluir o processo de avaliação, os peritos constataram que o fracasso foi coletivo. A pandemia de covid-19 expôs "falhas na preparação e resposta a pandemias em todo o mundo e um déficit de segurança e igualdade na saúde".

Os resultados, portanto, foram catastróficos, com milhões jogados à pobreza e a previsão de uma década perdida para muitas regiões do mundo.

O que ainda preocupa os investigadores é que "a pandemia ainda não foi controlada e a maioria dos países ainda tem restrições de viagem em vigor".

Para os auditores, a pandemia testou a OMS como nunca antes. E alertam que um controle da crise não ocorrerá no curto prazo.

''Vacinas altamente eficazes, cuja velocidade de desenvolvimento tem sido notável, oferecem razões para o otimismo. Entretanto, o lançamento desigual de vacinas em todo o mundo e o reconhecimento de raras preocupações de segurança, a dificuldade de sustentar a implementação efetiva de outras medidas de saúde pública e o surgimento de novas variantes de vírus significam que o controle da pandemia levará algum tempo''.
Trecho de documento da OMS

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/11/covid-19-governos-ignoraram-alertas-e-oms-nao-tinha-poder-para-frear-virus.htm


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Suicidios no mundo: a OMS ficou de porre ou sao os jornalistas que meteram os pes pelas maos?

Primeiro leiam a matéria que saiu na Folha de S.Paulo desta quinta-feira 4 de setembro (mas se presume que o jornal apenas copiou despachos de agências internacionais).
Reparem no conceito de taxas, que está em negrito.
Volto depois.
Paulo Roberto de Almeida

Brasil é o 8º país com mais suicídios, aponta relatório da OMS
Mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo -ou uma pessoa a cada 40 segundos–, segundo o primeiro relatório global sobre prevenção de suicídio da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Na lista, o Brasil é o 8º país com mais suicídios por ano, com 11.821 casos em 2012. Na frente estão, na ordem de países com maiores taxas, Índia, China, EUA, Rússia, Japão, Coreia do Sul e Paquistão.
De acordo com o documento, cerca de 75% dos suicídios acontecem entre pessoas de países pobres ou nível socioeconômico médio. A entidade pediu mais ações para reduzir o acesso às formas mais comuns de suicídio.
A análise aponta que os suicídios acontecem no mundo todo e em qualquer idade. No mundo todo, as taxas são maiores entre pessoas com mais de 70 anos, mas, em alguns países, os maiores índices foram encontrados entre jovens.
Na faixa dos 15 aos 29 anos, o suicídio é a segunda causa de morte no mundo.
De acordo com a OMS, os governos deveriam colocar em prática planos nacionais de prevenção, estratégia que existe hoje em apenas 28 países, e restringir o acesso a métodos mais comuns usados para suicídio, como armas de fogo e pesticidas.
DIFERENÇAS
O relatório mostra que, em geral, homens cometem mais suicídio do que as mulheres. Em países ricos, o número de homens que tiram a própria vida é 3 vezes maior do que o de mulheres, e os homens com mais de 50 anos são particularmente mais vulneráveis.
Em países mais pobres ou em desenvolvimento, pessoas jovens e mulheres mais velhas têm taxas mais altas de suicídio.
Medidas preventivas incluem a identificação precoce e o tratamento de pessoas com doenças mentais e que abusam de drogas e evitar o sensacionalismo ou glamorização do suicídio na mídia ou a descrição detalhada da maneira utilizada por uma pessoa famosa para se suicidar.
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Voltei (PRA):
A OMS ficou doida, ou sempre foi assim?
A Índia, por ser um dos países mais populosos do mundo (e um dos mais pobres) teria forçosamente de ter um maior número de suicídios, certo?
Reparem nos demais países, todos com populações na faixa de centenas de milhões.
Onde um jornalista debiloide escreveu taxa (e outros debiloides foram atrás),deveria ser número, ou seja, um valor absoluto, nominal, linear e direto.
Taxa é uma relação, e essa relação deveria ter sido empregada pela OMS para saber quais os países que exibem efetivamente o maior número de suicídios por 100 mil habitantes, ou qualquer outro percentual RELATIVO.
Talvez a Índia tenha uma alta TAXA de suicídios, mas de fato não sabemos; o seu número absoluto deve ser dividido pelo número de habitantes (e a Índia tem 1,2 bilhões, se não mais), para saber qual a sua taxa, provavelmente inferior a de vários outros países não mencionados na lista dos de maior NÚMERO de suicídios.
Isso é primário, elementar, de uma lógica bovina.
A OMS deve saber disso. Jornalistas também deveriam saber...
Paulo Roberto de Almeida