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sábado, 19 de janeiro de 2019

Redescobrindo estudos ineditos (1): Politica economica externa (2014)

Em 2014, participando a minha maneira – ou seja, discretamente – do debate eleitoral em curso naquele ano eleitoral, eu comecei a elaborar alguns papers, destinados em primeiro lugar a auto-esclarecimento, em seguida como possível subsídio à formulação de políticas públicas nas áreas em que me considero relativamente competente, ou seja, relações econômicas internacionais do Brasil.
O que vai abaixo é um exemplo desse tipo de trabalho, um primeiro, de caráter geral e depois contendo propostas para a área econômica externa.
Se escrevesse hoje, eu teria propostas mais específicas, como por exemplo, tarifa única, liberalização unilateral, renegociação do Mercosul, etc.
Mas, segue para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019


Sugestões a propósito de uma política econômica externa para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Texto provisório, primeiro de uma série; Hartford, 26 de julho de 2014.

Sumário:
1. Declaração de propósitos
2. Papel da política externa na agenda nacional
3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
     3.1. Política comercial
     3.2. Política industrial
     3.3. Política financeira
4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões

1. Declaração de propósitos
O dever de todo estadista, seja candidato ou já ocupando o poder, começa pela exposição clara, inteligível para o grande público, do que ele considera que devam ser as prioridades que todos – políticos em geral, partidos, governo, Estado como um todo, o povo brasileiro, enfim, ele pessoalmente – precisam perseguir, incansavelmente, para o maior benefício da população. Observando-se o Brasil atual, e as preocupações já expostas pela maior parte dos cidadãos, parecem ser estas as prioridades dos brasileiros:
       1) Dispor de segurança básica, para si e sua família;
       2) Contar com serviços públicos de qualidade, sobretudo nas grandes metrópoles;
       3) Ver o governo garantindo o poder de compra da moeda, com inflação mínima;
       4) Futuro melhor, via educação e saúde, o que depende do aumento da renda.

Estas são as questões que mais preocupam os brasileiros, e elas devem vir sempre em primeiro lugar. Nenhuma delas tem a ver com política externa, mas talvez esta possa trazer algumas contribuições para o encaminhamento adequado desses muitos problemas que preocupam todos os brasileiros, empresários e trabalhadores.

2. Papel da política externa na agenda nacional
A política externa tem, e deve ter, um papel eminentemente secundário em face dos grandes problemas nacionais. Precisa ficar claro, desde o início, que todos, TODOS os problemas nacionais são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido extremamente favorável para o crescimento e o desenvolvimento de todos os países que têm sabido aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos.
A política externa poderia ter um papel maior na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo a investimentos estrangeiros e associações com todos os países avançados tecnologicamente, fatores altamente relevantes para os projetos nacionais de desenvolvimento. Basta uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa para constar esta simples realidade. Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de maior abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo, todo o resto sendo secundário, inclusive as alianças Sul-Sul, que só nos afastam desses objetivos prioritários.

3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
Uma exposição do que poderia ser uma agenda externa focada nos interesses brasileiros de desenvolvimento poderia ser articulada em torno das seguintes questões.
3.1. Política comercial
Discutir em nível interno uma nova rodada de facilitação do comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações. Tal processo deveria ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição do peso tributário sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. Como não haveria acordo para uma reforma tributária completa, e sobretudo para uma revolução fiscal abrangente, melhor começar pela redução pontual, linear e calendarizada, de todos os impostos, tributos, contribuições e gravames que atingem o setor produtivo e o TRABALHO, tanto em nível federal, como nos demais níveis. Seria um processo negociado, gradual de redução da carga fiscal, em que todas as unidades da federação veriam alíquotas impositivas serem reduzidas em valores diminutos (digamos 0,5% por semestre, ou ao ano), o que seria compensado pela eficiência arrecadatória e pelo estímulo às atividades empreendedoras.
Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre (a) unificação de suas regras de aplicação, ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto, introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula NMF para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar acordos com a UE, a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem.
No que se refere ao próprio Mercosul “histórico”, seria preciso dar um fim à leniência inaceitável com as arbitrariedades argentinas: se elas se contrapõem às normas existentes, basta denunciá-las sob o regime de solução de controvérsias do bloco; se isso não for suficiente, resta ir à OMC. O que o Brasil não pode fazer é prejudicar os seus exportadores em nome de uma suposta generosidade com contraventores reincidentes.
Não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada), seja no contexto da agenda de Bali, ou qualquer outra. O que cabe, sim, é examinar todos os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.
No plano plurilateral, caberia examinar todos os acordos – bilaterais de livre comércio, ou simplesmente de preferências tarifárias – que o Brasil poderia começar a negociar com os mais relevantes parceiro do comércio internacional, que não são exatamente os do G20 comercial, onde estão os maiores obstrucionistas de uma agenda aberta, e aos quais estivemos vinculados por simples decisão política e ideológica.
3.2. Política industrial
Os governos petistas promoveram cinco ou seis, todas fracassadas, e nos últimos tempos se dedicaram a improvisações e puxadinhos, que criam uma selva de regulações diferenciadas entre setores, com regimes fiscais diferentes, inclusive desrespeitando o princípio da isonomia tributária que deveria pautar as ações do governo. A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. A política Sul-Sul não pode, inquestionavelmente, cumprir esse papel. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área.
Uma das primeiras tarefas internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar regulatório que os países mais avançados, deixando de lado o stalinismo industrial até aqui praticado pelo governo.
3.3. Política financeira
O Brasil assinou, no quadro da crise provocada pelas eleições de 2002, um acordo preventivo com o FMI, renovado pelo governo Lula em 2003, que previa a disponibilidade de aproximadamente 15 bilhões de dólares, do total de 30 bilhões potencialmente utilizáveis, a juros modestos de 4,5% ao ano. Demagogicamente, em 2005, o governo Lula terminou esse acordo, teoricamente para o Brasil não ficar “dependente” do FMI, e o Brasil passou a emitir bônus globais a um custo duplicado em juros. Caberia em primeiro lugar denunciar essa demagogia que custou caro ao país.
No plano das relações financeiras externas, cabe igualmente encerrar a demagogia do “comércio em moedas locais”, que significa um inacreditável retrocesso de mais de 70 anos em relação à multilateralização de pagamentos externos acertada em Bretton Woods em 1944. Essa bilateralização cambial nos obrigaria, por exemplo, a utilizar nosso saldo no comércio com a China na compra de produtos chineses, o que seria de uma estupidez monumental. Existem custos, já impostos, ao Banco Central, de criar uma nova janela de contabilização de operações externas no caso do comércio com a Argentina. Não cabe criar mais janelas, e ainda transferir o risco cambial, atualmente inteiramente a cargo de operadores privados de comércio, como deve ser, para o BC.
Mais importante, o Brasil, por motivos totalmente políticos, se engajou na criação do Banco do Sul, e agora no Novo Banco de Desenvolvimento. São iniciativas que não acrescentam nada aos mecanismos, ferramentas e fontes já existentes, seja em nível nacional – BNDES ou BB –, seja no plano regional – BID, CAF, etc. – ou multilateral – BIRD e outros bancos regionais e nacionais, inclusive europeus. Não existe falta de recursos, no mundo, para qualquer projeto de qualidade que se queira promover nacionalmente ou em outros países. Esses bancos “ideológicos” significam uma baixa de padrões de qualidade na seleção e aprovação de projetos, implicam a sustentação de projetos dúbios, mas apoiados politicamente por ou outro parceiro ou membro dessas instituições, e representam oportunidades potenciais para mais desvios e iniciativas corruptas nessas esferas.
O Brasil não necessita, nem internamente, nem externamente, de bancos desse tipo, e um novo governo, comprometido apenas com a inserção do Brasil no mundo globalizado, deveria ter a coragem de denunciar sua assinatura nesses acordos e retirar-se dessas instituições. Ele faria melhor, na agenda financeira externa, se trabalhasse na futura conversibilidade do real, fortalecendo suas bases internas (isto é, menor inflação e maior liberalização nas transações financeiras internacionais) e adotando, para o BNDES, os mesmos padrões de funcionamento e financiamento que aqueles em vigor no âmbito da OCDE e das grandes instituições financeiras multilaterais.

4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões
Estas três áreas, comercial, industrial e financeira, são as mais relevantes na interface entre uma agenda interna de desenvolvimento e uma agenda diplomática na área econômica. Existem outras, por certo, relativas à tecnologia, à propriedade intelectual (na qual os governos lulo-petistas também promovera inacreditáveis retrocessos conceituais e práticos), à cooperação científica e educacional – durante muito tempo toldada pela distorção ideológica da diplomacia Sul-Sul – e até no terreno das políticas de segurança e de capacitação bélica, igualmente marcadas pelo anti-imperialismo infantil dos companheiros e por suas alianças espúrias nesse terreno. Todas elas possuem algum impacto econômico relevante para um projeto nacional de desenvolvimento, mas cabe insistir que o ambiente internacional é bastante favorável ao crescimento do Brasil, à condição que este empreenda reformas internas capazes de potencializarem a sua interação com o mundo.
Os maiores problemas, os maiores obstáculos a essas reformas, os maiores atrasos – inclusive mentais – encontram-se inteiramente no próprio Brasil. A tarefa de reforma da agenda diplomática brasileira começa por um sério empreendimento de reformas internas, uma missão hercúlea que cabe a um estadista. O Itamaraty, a despeito de também fazer parte do atraso mental brasileiro – com sua adesão a um ultrapassado desenvolvimentismo ideológico dos anos 1960 –, não seria um obstáculo ao esforço de renovação da política econômica externa, desde que convenientemente instruído. Como burocracia obediente que sempre foi, ele saberá se engajar nas novas prioridades.

Hartford, 26 de julho de 2014

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Paulo Guedes expoe o nucleo de sua reforma economica - entrevista Gazeta do Povo

O que pensa o ministro da Fazenda de um eventual governo Bolsonaro

Paulo Guedes, coordenador do programa econômico de Bolsonaro, defende uma agenda econômica liberal e uma aliança de centro-direita para tirar o país da crise

 | Hugo Harada
Coordenador do programa econômico do pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, o economista Paulo Guedes defende uma agenda econômica liberal e uma aliança de centro-direita para tirar o país da crise. Ele diz que um eventual governo Bolsonaro terá como prioridade a resolução da crise fiscal, com corte de gastos, privatizações, concessões e desimobilizações para pagamento da dívida pública, reforma tributária, lançamento de um novo regime previdenciário com base no sistema de capitalização e descentralização dos recursos da União para Estados e municípios, o que também garantiria a governabilidade. Só assim, segundo o economista, será possível alcançar o “progresso”.
Guedes, que é um economista liberal, foi convidado pelo próprio Bolsonaro para montar o programa econômico do pré-candidato a presidente. Caso o pré-candidato do PSL vença as eleições, Guedes deve ser o novo ministro da Fazenda, que em um eventual governo Bolsonaro se chamará Ministério da Economia. Seria a primeira vez que o economista ocuparia um cargo no Poder Executivo. 
O economista e ex-banqueiro já recebeu alguns convites, mas sempre negou as investidas. A única participação dele na política foi em 1989, ano da primeira eleição direta para presidente, quando montou o plano econômico de Guilherme Afif Domingos. Chamado de “Juntos chegaremos lá”, o programa era liberal, defendia o famoso tripé macroeconômico, um Banco Central independente e privatizações para redução da dívida pública.
Quase trinta anos depois, pouco mudou na agenda econômica de Guedes. Mas os desafios ficaram ainda maiores. A dívida pública federal chega a R$ 3,658 trilhões, o déficit primário é de 1,78% do Produto Interno Bruto (PIB), o desemprego ainda atinge 13,4 milhões de trabalhadores, reformas estruturais não foram feitas e a retomada da economia está acontecendo de maneira mais lenta do que o previsto.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista criticou os planos econômicos adotados desde a redemocratização, falou sobre as principais ideias para atacar a crise fiscal e afirmou que o programa econômico liberal de Bolsonaro, chamado até então de “O caminho da prosperidade”, representará o “progresso”, enquanto os ideais de Estado, defendidos pelo capitão da reserva, como preservação da vida e da propriedade, representarão a “ordem”.

Confira os principais trechos da entrevista, concedida por telefone:

Gazeta do Povo - Quais devem ser as prioridades econômicas de um eventual governo Bolsonaro?

Paulo Guedes* - Por trás do programa econômico do Jair Bolsonaro existe um diagnóstico, que é o seguinte: os gastos do governo subiram descontroladamente por décadas. Foi isso que nos levou à hiperinflação, à moratória externa e é isso que nos está levando hoje ao endividamento em bola de neve. Pela primeira vez, a dimensão fiscal é o coração de um plano. O Plano Cruzado foi congelar preços. O Plano Collor foi congelar poupança. O Plano Real foi o choque monetário. Qual foi o erro de todos eles? Faltou a todos os planos a dimensão fiscal. Esse descontrole de gastos corrompeu a nossa democracia e levou à estagnação econômica. É a exaustação do modelo social-democrata. 

Como resolver a crise fiscal do país? É possível fazer isso sem aumentar impostos?

Começou a diferença entre um social-democrata e um liberal-democrata. Como é o social-democrata, sobe impostos. Como é o liberal-democrata, de jeito nenhum. Nós não vamos aumentar impostos. Olhando para um horizonte mais longo, nós não gostaríamos que tivesse nenhuma alíquota acima de 20%. A ideia é fazer uma brutal simplificação de impostos, com redução de alíquotas e ampliação de base de incidências. Ou seja, quem já paga tem que pagar dali para baixo. E a meta, ao longo desses quatro anos, é ir reduzindo alíquotas. E se houvesse governo de oito anos, em oitos anos chegar a não ter alíquota mais do que 20%. Hoje tem gente que paga 0% e gente que paga 40%. Nós preferimos que todo mundo pague, no máximo, 20%. Hoje tem vários impostos que têm isenções, como LCI, LCA, letra de câmbio agrícola, letra de câmbio imobiliário, vários grandes fundos que não pagam impostos. Da mesma forma, a pessoa física paga 27,5%, daí o sujeito faz uma pessoa jurídica e paga 17,5%. Está errado. A ideia é ampliar a base e reduzir as alíquotas.

Se vocês não vão subir impostos, o que fazer para resolver a crise fiscal?

Primeiro vamos atacar as despesas discricionárias. A maior dela, a prioritária, que inclusive estava sendo parte da agenda desse governo, é a da Previdência. Depois, você tem que tentar olhar para as [despesas] não discricionárias. Se eu entrar em privatizações, concessões, desimobilizações e reduzir a dívida, eu comecei atacar as despesas não discricionárias. Então, são três grandes despesas: a previdenciária, a administrativa (que eu ataco através da reforma do estado) e a de juros.

Qual é a sua proposta para a reforma da Previdência?

A Previdência brasileira é uma fábrica de desigualdade, entre o funcionalismo público e o privado e mesmo dentro do funcionalismo público. Ela também está quebrando antes do país envelhecer. Terceira coisa: o financiamento dela, ou seja, os encargos trabalhistas são uma arma de destruição em massa de empregos. Eles são tão altos que para um brasileiro conseguir emprego o outro tem que ficar desempregado. A alíquota é tão alta que a base é pequena. É muito melhor ter alíquotas mais baixas para todo mundo contribuir.
Nós estamos estudando uma reforma da Previdência para atacar todas as dimensões do problema. A primeira coisa é uma espécie de renda mínima para os idosos. Hoje, você mistura assistencialismo com Previdência. A segunda coisa é que nós temos que fazer uma transição do sistema de repartição para o sistema de capitalização. O sistema de repartição é uma covardia contra nossos filhos e netos. O sistema já está quebrando hoje, quando eles chegarem lá não vai ter aposentadoria para eles. Temos que permitir que eles se libertem, que eles não entrem nesse avião que está caindo. Uma coisa somos nós que já estamos nesse regime. Outra são nossos filhos e netos. É uma covardia você deixar para as gerações futuras um sistema de repartição. Você tem que fazer um sistema de capitalização. E isso vai dar um choque de empregabilidade, porque nós vamos reduzir dramaticamente os encargos trabalhistas, vamos mudar a base de incidência.

Seria uma forma de atacar tanto a reforma da Previdência quanto a geração de empregos?

Os dois estão associados. Você só vai resolver o problema da Previdência fazendo a transição de um regime para o outro. E isso gera um choque de empregabilidade, criando milhões de empregos. Quem está no atual fica no atual. O liberal sempre oferece uma opção. Quem quer ficar nesse, fica nesse. Os jovens vão ter o direito de escolher se eles querem ficar no avião que está caindo ou se eles querem ir para o novo regime trabalhista e previdenciário.

Mas o senhor não vai mexer no sistema atual da Previdência? 

Tem um sistema que está aí com problemas que vai ter que ser equacionado. É um problema que vai ter que ser atacado. Tem o outro lado disso: ao invés de ficar fazendo remendando para as gerações mais novas, temos que oferecer uma alternativa. 

Então, quando o senhor citou a mudança para o regime de capitalização e a redução dos encargos, isso tudo seria para o novo regime?

Exato. Vem um novo regime aí que vai criar tanto emprego que vai mostrar tão errado como está o antigo. E aí vai ter fila de gente querendo entrar.

E as pessoas que estão no antigo regime vão conseguir entrar no novo?

Isso nós vamos discutir. Se quiser pagar o custo, pode. Está disposto a vender a Petrobras? A Eletrobras? Eu vou proteger a nova geração.

Além da reforma da Previdência, vocês propõem enxugamento da máquina pública para cortar gastos? Redução de ministérios?

Isso é simbólico e é importante logo no início: uma redução dramática de ministérios, no máximo 15. Só que mais do que isso: nós queremos trocar o eixo. No antigo regime, o governo investe em infraestrutura, tem uma porção de empresas estatais, fica se endividando em bola de neve. O governo carrega ativos mal geridos e focos de corrupção.

O senhor está falando das estatais? 

Entre outras coisas. Estou falando do prédio que caiu em São Paulo. Aquilo era um ativo da União, valia R$ 100 milhões. Esse valor a 10% ao ano, que foi o juro médio nesses últimos anos, dá R$ 10 milhões. Ou seja, tinha dado casa apara todo mundo que estava ali. Ativo mal gerido. Estamos estudando uma reforma do Estado. Dentro da reforma do Estado, você tem privatizações, concessões e desimobilizações.

O senhor defende a privatização de todas as estatais?

Sempre que eu respondo isso, as pessoas dizem: “radical, liberal”. Me diga quais que você não quer [privatizar]? Você quer os Correios que entregam carta atrasada e teve o estouro do mensalão lá dentro? Você quer a Petrobras, mal gerida durante muitos anos e foco de corrupção? Ou vamos supor que a Petrobras é bem gerida, mas quem disse que a gente quer o monopólio no refino? Viu o rolo que deu na logística do país por causa do monopólio do refino? Ter monopólio é ruim para o consumidor, é ruim para a cadeia produtiva, cria nós logísticos. 
O ônus da prova é o contrário. Hoje, você tem que provar que deve privatizar uma empresa. Eu acho que deve ser o seguinte: prova para mim qual que deve ficar estatal?

O dinheiro das privatizações seria usado para pagar os juros da dívida pública?

Na hora que eu privatizo, eu começo a reduzir a conta de juros, que eu sou obrigado a pagar. Quando você privatiza e você reduz a dívida, você libera centena de bilhões de reais para as áreas sociais. Mas nós vamos descentralizar isso [para Estados e municípios]. Hoje, a União carrega um monte de estatais, para ganhar dividendos, e se endivida em bola de neve. Na hora que você vende ativos, você reduz a sua dívida. Se está na mão do estado, vai virando foco de corrupção e vai se tornando menos eficiente. As estatais não têm mais capacidade de investimento. Por exemplo, a Eletrobras está sem capacidade de investimento. Vai dar apagão no país em quatro anos. Ou você privatiza ou vai ficar sem educação, sem saúde, sem luz e pagando juros. Na hora que você privatizar, você não está só matando dívidas, você está atraindo centenas de milhões de dólares para investimento em infraestrutura brasileira. O governo está privatizando para reduzir divida, levar o dinheiro para área social e, ao mesmo tempo, atraindo investimento privado. Tem 20 a 30 anos que estamos fazendo “crowding out”, ou seja, expulsando investimento privado. Nós vamos fazer 30 anos de “crowding in”, nós vamos estimular o investimento privado a entrar nessas áreas todas [que serão privatizadas]. Por isso que precisamos privatizar.

Então o senhor defende a manutenção de programas sociais? 

Evidentemente que sim. Até queremos ampliar. Por isso que tem que ter as privatizações. Quanto mais eficiente você for, mais fraterno você pode ser. É uma indecência você gastar um plano Marshall l por ano com juros. O Brasil reconstrói uma Europa por ano [com o que paga de juros da dívida pública].

O senhor está falando de reformas grandes. Um eventual governo Bolsonaro teria força para implantar essas reformas?

Nós vamos chegar lá. Eu estou te dando uma visão de futuro de país. Nós temos que trocar o eixo público. Nossa visão de futuro é não mexer nos programas [sociais]. Aumentar, se puder. Em vez de ser o governo federal ficar cheio de empresas estatais, fazendo infraestrutura, queremos os governos municipais e estaduais com esse dinheiro fazendo a área social. Quero descentralizar. Queremos o pacto federativo.

O senhor quer dizer que a revisão do pacto federativo está ligada à estratégia de conseguir governabilidade?

Essa visão de futuro vai dar a governabilidade. Estados e municípios, vocês querem dinheiro para fazer a área social? Aprovem nosso programa de privatizações. A governabilidade será uma aliança política de centro-direita. Quem é social-democrata está governando o país há 30 anos, aumentou os impostos, estagnou a economia, corrompeu a política. Teve coisas boas também, como abriu os orçamentos públicos para a área social. 
O estado estava fazendo infraestrutura com estatais. Nós temos uso melhor para isso. Preferimos privatizar e deixar o setor privado fazer esse investimento de infraestrutura. Aí reduzimos dívida, liberamos recursos para estados e municípios, e eles vão atacar essa área social.

O senhor vem de uma corrente de pensamento liberal da economia, mas o deputado Jair Bolsonaro já demonstrou apoiar ideias estatizantes e nacionalistas. Como tem sido as conversas com o deputado e como os senhores têm resolvidos suas discordâncias para montar o plano econômico do pré-candidato?

Isso foi verdade. Só que os economistas brasileiros levaram oito anos para chegar à política monetária certa, 12 anos para chegar à política cambial adequada e 14 anos para chegar à responsabilidade fiscal. Tão querendo que o Bolsonaro faça isso tudo em seis meses. Eu confesso que o Bolsonaro está indo mais rápido do que eles [economistas]. Ele não chegou onde eles estão hoje. Hoje, eles estão na frente. Mas Bolsonaro só está há seis meses nessa linha. Eles ficaram 14 anos. Eles não podem quer que o Bolsonaro entenda em seis meses o que eles levaram anos para entender. 

Mas o Bolsonaro está neste caminho?

Sim, está nesse caminho.

E o senhor está tendo liberdade para montar o plano econômico?

Ele está fazendo a campanha e está delegando a parte de economia. Então, realmente, quem está fazendo o plano sou eu mesmo. 
É uma aliança política de centro-direita em torno de um programa econômico liberal-democrata. O Brasil dos últimos 30 anos sempre foi uma aliança de centro-esquerda, em torno de um programa social-democrata. Ele [Bolsonaro] não está preocupado se eu sou liberal e eu não estou preocupado se ele é estatizante. Porque é uma aliança de centro-direita em torno de um programa liberal-democrata. Então, o programa não vai ser nem tão liberal como eu sou, nem tão estatizante quanto ele seria, o que eu não acho que ele é mais. 

Em que fase está a elaboração do plano?

Estamos nas diretrizes e primeiras simulações. Têm umas 30 pessoas ajudando, incluindo ex-diretor de Banco Central, do BNDES, gente que já esteve no Ministério da Fazenda e muita gente jovem e bem informada. É um plano que trabalha com essa visão de futuro que eu te falei. E essa visão de futuro é “ordem e progresso”. Ordem é estado de direito, governo constitucional democrático, livre imprensa, império da lei, federação forte, poderes independentes. E o que é progresso? Recuperação do equilíbrio fiscal, aceleração do crescimento e geração de empregos, promoção do novo pacto federativo com descentralização de recursos para estados e municípios, redução da dívida pública com privatizações, concessões e desimobilizações para viabilizar o corte de juros e atrair investimentos privados para infraestrutura, redução e simplificação de impostos, adoção do regime de capitalização na previdência, desburocratização da economia, abertura da economia para aumentar o grau de competição e reforma do estado, que sai da área de infraestrutura e vai para a área social.
*Paulo Guedes é economista com PhD pela Universidade de Chicago, referência do pensamento econômico liberal. Foi um dos fundadores do banco Pactual (atual BTG) e é fundador e sócio majoritário do grupo financeiro BR Investimentos, hoje parte da Bozano Investimentos. É, ainda, ex-CEO e sócio majoritário do Ibmec e um dos fundadores do Instituto Millenium. Foi também integrante do conselho de administração de empresas como PDG Reality, Localiza e Anima Educação. Além da carreira como economista e banqueiro, tem vasta atuação acadêmica: foi professor de macroeconomia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na Fundação Getulio Vargas (FGV) e no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Governo nao controla subsidios que concede - Mariana Carneiro (FSP)

Governo não controla efetividade de 53% dos subsídios de renúncia fiscal

MARIANA CARNEIRO

DE BRASÍLIA
FSP, 08/01/2018 

Mais da metade dos benefícios tributários concedidos pelo governo federal via renúncia de impostos não tem o acompanhamento de nenhum órgão gestor.
Criados via projetos de lei que passaram pelo Congresso, esses benefícios atendem a setores, regiões, categorias empresariais ou mesmo pessoas físicas e consumiram o equivalente a 4,1% do PIB no ano passado (R$ 275 bilhões).
A previsão do governo é abrir mão de outros R$ 283 bilhões com renúncias de impostos neste ano com os chamados gastos tributários.
Um pente-fino feito pelo TCU (Tribunal de Contas da União) mostra que oito em cada dez desses programas não têm data para acabar - e que 53% não têm gestor responsável.
O resultado é um baixo controle sobre a efetividade das políticas que motivaram a renúncia de impostos.
São exemplos desses incentivos a Zona Franca de Manaus e o Simples.
Para o TCU, porém, o mais grave são programas sem gestores, como as desonerações da cesta básica e da folha de pagamentos e o programa de exportação da produção rural. Os três devem gerar mais de R$ 39 bilhões em renúncias neste ano e, como não estão subordinados a nenhum ministério, não têm acompanhamento de efetividade.
"Se não há acompanhamento do gestor não faz sentido. Não haverá avaliação de impacto, nem saberemos se estão dando certo", afirma Leonardo Albernaz, secretário de macroavaliação governamental do TCU.
Há quatro anos, o TCU determinou que Casa Civil e Ministério da Fazenda apontassem gestores para os programas. "Agora vamos checar se o monitoramento está sendo cumprido", diz Albernaz.
Sem espaço no Orçamento para aumentar as despesas, o governo optou por mais renúncias nos últimos anos, afirma o técnico do TCU. Em 2011, elas representavam o equivalente a 3,5% do PIB. Chegaram a 4,6% em 2015.
Com a implantação do teto de gastos, que limita a expansão de despesas, a expectativa é que a pressão por estes programas aumente mais.
"A despesa orçamentária está no teto, a renúncia não. O caminho natural será aumentar despesas via renúncias", alerta Albernaz. "Haverá pressão por mais benefícios, concedidos à margem da discussão orçamentária."
O conceito dos gastos tributários é que eles substituem uma política que poderia ser feita diretamente pelo governo por uma ação da iniciativa privada, em troca de perdão de parte dos tributos.
Claudemir Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, observa que os descontos de saúde e educação para pessoas físicas no Imposto de Renda são um exemplo de gasto tributário.
"O governo reconhece que não tem condições de oferecer escola e hospital para todos, por isso desonera as famílias", afirma. "Os gastos tributários existem também em outros países. A diferença é que não têm a mesma proporção que no Brasil."
Segundo análise do TCU, renúncias com esses benefícios superam o Orçamento do governo em algumas áreas. Um exemplo são as despesas com políticas de energia. Dos R$ 7,6 bilhões despendidos nessa função em 2016, R$ 1,7 bilhão saíram diretamente das mãos do governo, outros R$ 5,9 bilhões foram "gastos" via programas de renúncia.
"Quando o gasto é feito diretamente pelo governo há mais controle e discussão", afirma Albernaz.
Malaquias concorda e diz que, pelas regras de transparência, o governo é obrigado a informar o nome de quem recebe dinheiro público. Até salários de servidores estão disponíveis. As renúncias tributárias, não, pois são protegidas pelo sigilo fiscal.
Esse é um dos fatores de insatisfação do TCU e de gestores desses benefícios.
Para Malaquias, o avanço desses benefícios, sem o controle adequado, reflete uma "crise de governança" gerada pelo excesso de leis criando exceções e benesses para segmentos eleitos.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Tarefas economicas do governo: entrevista com Edmar Bacha

Um amigo me enviou esta entrevista com Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, e ficou espantado com algumas medidas propostas, que ele comparou a um "AI-5" do governo interino (ou definitivo) do presidente Michel Temer.
Não concordo, e escrevi o que vai abaixo. Mas antes, cabe a leitura da entrevista.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista. Edmar Bacha
Um dos pais do Plano Real lembra que maior parte da despesa é rígida e prevista na Constituição; se isso não mudar, governo não terá verba para comprar um lápis

'Teto dos gastos vai parar o governo se não for bem feito', diz Bacha

Alexa Salomão
O Estado de S.Paulo, 12 de junho de 2016

Na avaliação do economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e um dos pais do Plano Real, há dois pontos que merecem atenção redobrada no ajuste fiscal em curso. O primeiro é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que vai fixar o teto para os gastos públicos.

A proposta precisa, obrigatoriamente, ser acompanhada pela suspensão temporária das despesas obrigatórias previstas na Constituição. “Se você impuser um teto de gasto, com a pequeníssima margem que existe hoje, poderia fazer o governo parar por não ter lápis nem papel higiênico para poder operar”, diz Bacha.

Para Edmar Bacha, Brasil precisa mudar sistema político, mexer na Previdência e também na estrutura de imposto

O outro ponto importante é que o governo precisa deixar mais claro à população que o tamanho do rombo das contas públicas é muito maior do que o projetado quando se inclui o pagamento dos juros da dívida. “O buraco não é de R$ 170 bilhões. É de R$ 570 bilhões. Por alguma razão, o pessoal esquece que a gente precisa pagar juros.” A seguir, os principais trechos da entrevista que o economista concedeu ao Estado.

Como o sr. avalia as primeiras semanas do governo em exercício?
Achei melhor do que a encomenda. O início foi muito auspicioso. Temos agora uma equipe econômica excelente. Foi uma mudança da água para o vinho. Agora tem gente que entende do que está fazendo. É um pessoal da mesma linhagem do Plano Real. Estou especialmente impressionado com a capacidade do governo de fazer passar coisas que eram muito difíceis no governo Dilma. Passaram agora, com enorme facilidade, a DRU (Desvinculação de Receitas da União). E passaram com uma votação impressionante a favor. Eu lembro, lá atrás, a dureza que foi passar o fundo social de emergência (uma espécie de DRU, esse fundo deu ao governo de Fernando Henrique Cardoso o controle de 20% das verbas ao governo federal). Lá atrás eram 20%. Agora, eles passaram 30% e aplicando para os governos estaduais e municipais também. Se fosse a Dilma, a proposta já tinha sido toda desvirtuada e não andaria.

E como o sr. viu o apoio do governo ao projeto que aumenta o salário dos servidores e eleva gastos?
Parece que havia essa herança e tiveram de acomodar. Obviamente, não quiseram comprar essa briga logo na saída. É um dano, mas é parcial. Esse governo precisa saber como se equilibrar na questão política de uma forma que não é necessariamente a que mais gostaríamos. A situação para ele é muito precária. Tem a questão da interinidade e da incerteza que ainda permanece em relação à votação final do impeachment. Por outro lado, ainda tem a Lava Jato. Não se sabe até onde ela vai. Esses são dois grandes fatores de insegurança.

Em um artigo recente, o sr. ressaltou que o déficit projetado pelo governo em exercício, de R$ 170 bilhões, era apenas um pedaço do buraco. Poderia explicar melhor?
Os R$ 170 bilhões incluem apenas o déficit primário (despesas com pessoal, previdência, saúde, educação, benefícios sociais e investimentos). Não incluem a conta dos juros (da dívida pública). Eu fiz uma conta de quanto haverá de juros, baseada no que os juros foram no ano passado e até maio deste ano, comparado com maio do ano passado. Deu R$ 400 bilhões. O buraco não é de R$ 170 bilhões. É de R$ 570 bilhões. As pessoas não estão levando isso em consideração. Por alguma razão, o pessoal só conversa sobre o primário e esquece que a gente também precisa pagar juros da dívida.

Vários colegas seus, economistas, se queixam que a discussão dos juros fica de lado.
Eles têm mesmo razão de se queixar. Essa conta é muito salgada.

E como resolver essa conta?
Tem duas maneiras. A maneira errada é dar o calote. A maneira certa é fazer um esforço fiscal do ponto de vista de curto, de médio e, especialmente, de longo prazo, que aponte para a sustentabilidade da dívida. A partir daí, com a confiança de que as contas vão se equilibrar – não agora, mas que isso está a caminho, por medidas legislativas e ações do governo. Isso cria no mercado, instantaneamente, uma (perspectiva de) queda do juro no longo prazo.

E a questão da inflação?
Contribui agora termos um Banco Central com mais credibilidade, com um novo presidente afirmando, com ênfase, que vai perseguir o centro da meta de inflação (de 4,5% ao ano). Isso cria expectativa favorável quanto ao curso futuro dos juros. Os dois fatores – confiança no equilíbrio fiscal futuro e a responsabilidade monetária sendo restabelecida – criam condições para que as expectativas em relação à inflação baixem. Isso permite ao Banco Central, em função dessa queda de perspectiva inflacionária, reduzir os juros mais fortemente. Essas condições não existiam antes. Vamos ver como será a próxima etapa crucial para que cheguemos a isso: o presidente Michel Temer levar ao Congresso a emenda constitucional que estabelece o teto para os gastos.

Como o sr. viu a iniciativa de fixar o teto para os gastos?
Foi ótima. Para definir a medida, Meirelles (Henrique Meirelles, ministro da Fazenda) está usando uma palavra com muito simbolismo: nominalismo. Muito simbolismo para meia dúzia de pessoas. No caso, economistas.

O sr. pode explicar qual o simbolismo do ‘nominalismo’ do ministro?
O simbolismo da medida é que, com ela, nós não vamos acomodar a inflação. Não vamos fazer como os militares, que indexaram tudo e deixaram a inflação correr. As pessoas andam preocupadas com detalhes da medida. Obviamente, precisam ser avaliados. Mas o importante é que a expectativa em torno da medida não se frustre. A margem de manobra que o governo tem sobre os gastos do orçamento, com as regras constitucionais hoje existentes, é muito pequena. Se você impuser um teto de gasto, com a pequeníssima margem que existe hoje, poderia fazer o governo parar por não ter lápis nem papel higiênico para poder operar. Por isso, essa medida precisa ser acompanhada de outras que flexibilizem gastos obrigatórios – que também são constitucionais. É a mensagem mais importante.

Essa questão é considerada fundamental, principalmente porque não há consenso de que bastaria desvincular os gastos na própria emenda ou se seria necessária uma série de medidas paralelas para desarmar o engessamento. O sr. tem uma sugestão?
A PEC que estabelece o teto teria de valer durante um período, de 10 ou 20 anos. Não seria ad infinitum. Precisaria de um prazo de vigência longo, mas não para sempre. E enquanto a PEC estiver valendo, você suspende a constitucionalidade das vinculações, da estabilidade do funcionalismo e da gratuidade da saúde e da educação, por exemplo. Pode ir tudo junto, na mesma PEC. É mais ou menos assim: no artigo primeiro, estabelece-se o teto, e, no artigo segundo, já vem algo como: ‘enquanto estiver valendo o teto, as seguintes regras constitucionais deixam de ser observadas e passam a ser reguladas por meio de leis complementares’. Assim, vai se fixar como fica o financiamento e o copagamento no sistema de saúde, no ensino público superior e as desvinculações em geral. Pode ser na mesma emenda, em disposições transitórias. O que não pode é estabelecer um teto e paralisar o governo. Precisa mexer no gasto obrigatório. A flexibilização significa que o governo vai ter de deixar de fazer algumas coisas. Hoje ele faz A, B e C. Ele vai ter de parar de pagar C, para que A e B possam funcionar. Mas esse C está protegido pela Constituição. A flexibilidade é necessária.

O governo ainda não explicou quem vai pagar a conta do ajuste. Ao pedir as desvinculações, os críticos alegam que vai sobrar para a população, que depende dos serviços básicos que o sr. mencionou. Há esse risco?
Não é verdade. A saúde pública e a educação pública podem até melhorar, mas elas não vão mais estar disponíveis, de graça, para quem pode pagar. Para quem tem recursos é preciso que a medida venha acompanhada de um regime de coparticipação. Assim, a boa saúde e a boa educação públicas ficam disponíveis para quem não tem recursos. O Zé Márcio (José Márcio Camargo, economista da Opus) tem uma proposta: quem pagou ensino médio, paga ensino superior. Quem tem seguro médico, paga o SUS. O tratamento aos mais pobres deve ser mantido. O que não pode é essa judicialização da saúde. Pessoas com recursos conseguem acesso a tratamentos ultra sofisticados e a remédios caríssimos pelo SUS. Isso acontece porque diz lá na Constituição: é gratuito, é universal. Então, precisa dizer que temporariamente não será.

O sr. concorda que nada disso está claro ainda?
Não está claro e é compreensível que o governo não queira levantar essas lebres agora, antes da definição do impeachment. Ele lança agora o teto, é importante criar essa expectativa. Nos próximos dois meses, vamos discutir como dar efetividade ao teto. Depois do impeachment, vamos ver quais são as medidas necessárias para que o governo continue a funcionar com o teto – e isso protegendo integralmente os gastos que se destinam à parcela mais pobre da população.

Seus colegas de Plano Real dizem que ele ficou incompleto. Daqui para frente, há espaço para implementar as reformas que faltaram?
Eu não gosto dessa mitologia sobre o Plano Real. Eu mesmo sou culpado por isso. Acabei de falar da linhagem do Plano Real. Vamos deixá-lo para trás. Virou história. Mas, olhando para frente, a mãe de todas as reformas é a reforma política. Precisamos de um sistema político minimamente decente – essa é a palavra a ser usada. O sistema precisa ser redefinido de modo que tenha a representação mais fidedigna da vontade popular de hoje. Não dá para ficar com o sistema que esta aí.

Há outras reformas vitais?
Precisamos dar um jeito no sistema tributário. A Previdência precisa apontar para o equilíbrio. A reforma trabalhista precisa vir para acabar com o grau de informalidade e a extraordinária rotatividade no emprego, que impede o aprendizado do trabalhador. Temos de retomar as coisas que foram abandonadas. Precisamos de um mecanismo para que o governo, junto com o setor privado, possa investir. E finalmente tem o meu tema predileto: a abertura da economia. Nossa participação ínfima no comércio internacional é uma anomalia.

O sr. se considera otimista?
É muito difícil ficar otimista com essa situação. Tem um grau de incerteza brutal, por causa da interinidade do governo e da extensão da Lava Jato. A interinidade se resolve em agosto; a Lava Jato, segundo uma declaração de Sérgio Moro, pode mudar em dezembro. Estamos agora na fase de quem deveria (ser envolvido), já foi. Quem não foi, não vai mais. E foi muita gente. Até o japonês da Federal.

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Meu comentário ( Paulo Roberto de Almeida ): 

A aproximação das medidas a serem tomadas pelo governo, agora, ou quando for confirmado, com o famigerado AI-5 da ditadura militar não se justifica. Bacha não falou em medidas impostas de cima para baixo, e sim em LEIS COMPLEMENTARES, ou seja, discussão no Congresso e aprovação por via democrática de medidas que acabem com o engessamento constitucional de despesas absolutamente ilegítimas.
    Eu também sou pelo fim da estabilidade no serviço público, salvo para determinadas funções e cargos muito delimitados e necessários. O resto precisa acabar, inclusive para professores em geral.
    Sou contra a “cultura” dos “direitos adquiridos”, que são espertezas corporativas feitas para assaltar o Estado, contra a maioria dos cidadãos, especialmente os mais pobres.
    Sou contra a gratuidade universal de saúde e educação, e por um sistema básico de saúde para os pobres, na linha do que ele sugere, e fim da universidade gratuita para todos, sempre no modelo da capacidade financeira do indivíduo: pagamento para os que podem pagar, bolsa e atendimento para os que não podem.
    Não creio que seu argumento sobre o AI-5 seja correto, e não é isso que ele está dizendo.
    Li com atenção, e também considero que o Plano Real foi incompleto, inclusive porque o Itamar não queria recessão e desemprego, o que obrigou a ajustes na segunda versão do Plano, daí derivando os juros altos porque a equipe não conseguiu fazer o forte ajuste fiscal que acompanha todo e qualquer programa de estabilização e de desindexação da economia.
    Mas não concordo com o Bacha sobre a reforma política: seria uma perda de tempo e um desvio de foco, ainda que eu ache que ela é importante. Mas não dá para paralisar todo o resto e discutir eternamente o que fazer na área política, pois nada de muito racional vai sair. Ela virá aos poucos, com a pressão da cidadania.
O importante agora é fazer a reforma tributária, no sentido da REDUÇÃO da carga fiscal e das despesas públicas, ainda que eu reconheça que isso é difícil, justamente devido ao sistema político. Mas NUNCA haverá sistema político ideal no sentido da diminuição dos gastos públicos em qualquer regime ou sistema político que se conceba. Políticos são animais dedicados a gastar o dinheiro dos outros, e sempre será assim.
Paulo Roberto de Almeida